Volume 3

Capítulo 128: Anne

As duas garotas estavam abraças através das grades, conversando baixinho. Anne era a que falava mais, Iffy só conseguia dizer algumas palavras e chorar. Quando viu André e Zita entrando no corredor, Anne revirou os olhos, soltou Iffy  e deitou na cama da cela, ficando em silêncio e olhando para o teto.

Iffy se afastou das grades, deixando espaço para os dois que chegavam.

— Quanto tempo, Anne. — André disse.

— Nem faz tanto tempo assim. — Ela retrucou.

— Espero que tenha repensado suas escolhas.

— Aqui dentro eu tive bastante tempo para pensar. Acabei encontrando respostas que nem sabia que buscava, até.

— E se importaria em compartilhar tais pensamentos?

— Huuuum… Vejamos… — Ela fez uma cara séria como se pensasse profundamente — Os poderes dos heróis, existem segredos em cada um deles.

— Como assim? — Zita perguntou.

— Como o fato de você tirar seus poderes do sol. — Anne respondeu — O fogo é apenas um detalhe.

— Sacerdotisa de fogo é mais poético do que heroína do sol. — Zita rebateu com ironia.

— É isso que tem a dizer? — André questionou.

— Não, tem mais.

— Então fale.

— Dois heróis não têm o domínio sobre um mesmo elemento. É por isso que a Raíra não consegue manipular areia! — Ela disse como se fosse a informação mais importante do século — Aposto que a Amanda conseguiria, já que areia e vidro são basicamente a mesma coisa…

— Faz total sentido.

— Ou, de Josiley não ser veloz, já que manipulação do espaço é com a Victoria. Ele manipula o tempo de reação das “coisas” ao seu redor, por isso suas roupas não se destroem pelo atrito com o ar… Ele pode não ser capaz de retroceder o tempo, mas é capaz de acelerar e reduzir a forma que o tempo passa para ele ou para o que está ao seu redor. Genial essa forma de ver o mundo, não é?

— Ou ainda… — André interrompeu — Que não existe um poder de “telecinese”. Hugo já manipula gravidade, atração e repulsão, então não faz sentido nenhum  que outra pessoa possa mover objetos com a mente. A não ser que o deus que deu os poderes a essa pessoa seja conhecido como “mestres de marionetes”!

— Bravo! — Anne forçou um sorriso — Devo perguntar onde e como conseguiu descobrir meu segredo?

— Alguém manipulou a armadura do Cavaleiro de Prata quando vocês voltaram, e dentre os últimos a passarem você foi a única que não se machucou. Foi motivo suficiente para te colocar como suspeita número 1, e depois eu confirmei quando descobri  nome dos deuses em Motog… Sem contar que já lutamos uma vez.

A última frase fez Iffy abaixar a cabeça.

— Eu também já estive em Motog! — Anne disse em meio a uma risada maníaca — Sei exatamente o que você sabe…

— Impossível… — Zita cobriu a boca, descrente da afirmação.

André permaneceu em silêncio, tentando não demonstrar nenhuma reação que desse a Anne qualquer informação que ela pudesse buscar. Mas por dentro, ele estava em uma mistura de raiva e confusão.

Anne se aproximou das barras de ferro da cela, e disse em tom melodioso:

— O segredo dos deuses! — Ela esperou mais alguns segundos, e vendo que André permanecia inalterado, continuou — A imortalidade, a prisão e os tabus! Eu sei de tudo, eu sempre soube…

— Se soubesse mesmo de tudo, não estaria presa aqui! — André falou.

— Hu-hu-hu… — Ela voltou para a cama — Você é mesmo esperto, e eu odeio isso.

— Se você soubesse a fórmula da imortalidade, ou mesmo se o Cavaleiro de Prata tivesse descoberto, as coisas teriam seguido outros rumos.

— Tá bom. Ponto para o “Deco do Leste”. — Anne disse olhando para o teto de pedra escura — Nós descobrimos que os deuses nem sempre foram imortais, mas não sabemos como roubar “o poder de não morrer”… Mas eu sei exatamente como abrir a prisão!

André parecia que ia dizer algo, mas desistiu ao ouvir a última parte.

— Prisão… — Zita balbuciou — Eles estão presos entre o limbo e a existência…

— Engraçado, é exatamente isso que está escrito nas ruínas de Motog.

— Eu disse isso a ela. — André rebateu — Mas ainda não entendi o que você quer de mim.

— A imortalidade! — Anne disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo — Você é o cara que viu tudo, esteve em todos os lugares, tretou com geral, mas tá aí. Você sobreviveu a tudo, tem o corpo cheio de cicatrizes, muitas delas de ferimentos que deveriam ter sido fatais. É a única pessoa que conseguiu entrar na Grande Falha e sair com vida. Ou melhor, o único que saiu daquele inferno…

— Está querendo dizer que acha que o André é imortal? — Zita fez uma careta.

— Não imortal, mas… Imatável? Imorrível? — Anne fingia estar pensando.

— Não! — André disse, estreitando os olhos — Tem algo mais. Imortalidade é pouco perto do que mais está escondido em Motog. Aposto que tem mais segredos que você está escondendo.

Anne olhou com desconfiança para André.

— Ainda estou tentando entender esse lance de você ser imortal. — Zita comentou, encarando ele.

— É uma especulação. — André explicou — Pode ter sido sorte ou não eu ter sobrevivido a todas as merdas pelas quais passei.

— Mas existe um poder que torna alguém imortal? —Anne perguntou em tom irônico, demonstrando que ela já conhecia a resposta.

— O poder da “magia da vida”. — André disse, inexpressivo — Uma das três magias proibidas. E também o que torna os deuses… em deuses.

Iffy, que permanecia apenas ouvindo, olhou para Zita com uma expressão confusa.

— As três magias tabus, também chamadas de magias proibidas, são: Tempo, espaço e vida. — Zita explicou — Mas há uma regra que caso alguém presencie uma magia dessas, só precisa invocar a lei suprema, uma magia que cobre todo o continente, e a magia tabu será interrompida.

— Mas desde que as três foram rompidas, a lei suprema não funciona mais! — Anne deu um grito vitorioso — E adivinha quem quebrou ela?

— Victoria quebrou as leis do espaço, Josiley do tempo, e eu da vida. — André disse inexpressivo.

— Não esperava duas coisas. — Anne finalmente esboçou um traço de confusão — Josiley, que é usuário do tempo, não poder voltar ao passado. E também foi surpresa admitir que é imortal.

— Não sou imortal, apenas voltei a vida duas vezes. — André disse com naturalidade — Ou três, talvez.

Ele finalmente havia conseguido quebrar o teatrinho ensaiado de Anne, ela esperava que André ficasse na defensiva, mas não que ele agisse com tanta firmeza.

— Então… A imortalidade…

— A joia do imortal, o deus verdadeiro, está desaparecida. — André disse — Desde que os 32 deuses caíram não há vestígios do mais perigoso dos itens divinos. Acha mesmo que eu estaria aqui perdendo tempo com você se soubesse?

— Mas o André disse que não era a imortalidade que o Cavaleiro de Prata buscava… — Anne disse olhando para Zita.

Zita virou-se para André e esperou uma resposta.

— Tempo! — André disse — Ele queria retroceder o tempo. Anne acabou de responder essa pergunta quando falou do poder do Josiley!

— Mas isso deveria ser impossível… E por que ele faria isso?

— Não é impossível, mas é catastrófico. Por isso devemos impedir. E quanto às motivações… Aquele cara é louco!

— E seu plano para evitar isso é libertar os deuses e trazer uma guerra de proporções épicas? — Anne questionou.

— Do que está falando? — Zita torceu o lábio.

— Não finja que não sabe! — Anne parecia zangada — Primeiro foi a magia perdida, quando Leonardo libertou o poder do “O Raio”, o primeiro selo foi rompido. E seu teatrinho para voltar ao nosso mundo rompendo o tecido da realidade enquanto poderia ter utilizado a oitava chave, isso rompeu o segundo selo. Aposto que ele já te contou tudo.

Zita não respondeu, apenas deu de ombros.

— E você sabe o que rompe o terceiro? — André perguntou.

— Não, mas vou fazer de tudo para te impedir!

— Então, primeiro vai ter que conseguir sair dessa cela.

André virou as costas para a cela e disse a Zita e Iffy:

— Vamos embora, não tem mais nada a ser dito.

Enquanto o três saíam, e Zita consolava Iffy que se desmanchava em lágrimas, Anne ficou aos berros dentro de sua cela:

— Volta aqui! André! Seu desgraçado filho de uma puta! Ainda não terminamos…



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