Volume 3

Capítulo 135: O Rei e a Amazona de Prata

A voz que vinha do comunicador era desconhecida. Mas Alice tinha o pressentimento de que deveria responder. Ela vasculhou os destroços e achou o comunicador intacto.

Ser capaz de resistir a uma onda que destruiu a floresta e o acampamento, aquele aparelho era muito resistente. Uma obra prima desenvolvida pala Aliança Internacional. Ela estendeu a mão e a manopla da armadura recolheu-se em pequenas escamas metálicas.

Alice limpou a lama do aparelho e falou:

— Aqui é Alice Argent, Conselheira da Aliança Internacional. Com quem eu falo?

Um tempo de silêncio, até que veio a mesma voz grave de antes:

< Acho que ela só vai ouvir se apertar esse botão outra vez.>

Aquelas pessoas deveriam nunca ter visto um comunicador de ondas curtas, é óbvio que não saberiam usar. Foi por pura sorte que elas ativaram o equipamento.

— Por favor, quando for falar aperte o botão, quando acabar, solte ele. — Ela explicou.

< Oh, eu não disse!?> O homem de voz grave exclamou, surpreso.

< Quem é essa mulher mesmo? Toda educada… Nem conhece a gente e vem falando desse jeito> Outra voz disse.

— Como conseguiram esse aparelho? — Alice perguntou.

< Você disse que é uma “conselheira”, certo?> O homem ignorou a pergunta de Alice.

— Sim…

< O nome “Getúlio” significa alguma coisa para você?> 

Não havia nada na fala do homem que pudesse dizer quais suas intenções, e mesmo com receio, Alice achou melhor falar a verdade. Ou pelo menos, não negar.

— Eu o conheço…

< Conhecia!> O homem corrigiu <Ele está morto.>

Alice respirou fundo, era um alivio saber que aquele velho esquisito estava morto, mas, ao mesmo tempo, era um prejuízo material para a missão. Pelo menos, agora ela sabia onde aquele homem tinha conseguido o comunicador. Ela não tinha tempo a perder pensando demais, mas não podia agir sem pensar.

— Obrigada pela informação, senhor. — Ela tentou imitar o jeito do homem falar, não demonstrando reação — Qual seu nome mesmo?

< Me desculpe a indelicadeza! Sou Long-Hua, Rei do Sul.> Ele explicou < Não tenho o costume de me apresentar, geralmente as pessoas me reconhecem de longe.>

Ah, sim. Long-Hua, ela lembrou de onde já conhecia esse nome. Um dos mais perigosos seres vivos nesse mundo, general, guerreiro sanguinário, líder cruel, temido por todos… Esses eram alguns dos adjetivos que os heróis relacionaram a ele.

E agora ela estava falando com essa pessoa.

< Já que a senhora, ou senhorita, está tão disposta a conversar, gostaria de fazer uma pergunta.> Ele disse, mantendo o mesmo tom de mistério < Existe alguém chamado Deco, mas acho que as pessoas do seu mundo o conhecem por André. Qual sua relação com ele?>

— Por que acha que eu tenho alguma relação com aquele cara?

< Eu não achava, mas como não negou conhece-lo, agora tenho certeza de que são mais próximos do que quer dizer.>

Aquele homem era esperto. Alice ficou sem palavras, ela não poderia dar nenhuma informação que a comprometesse, mas ele poderia se tornar um aliado. Enquanto ela buscava palavras, ele continuou falando:

< As pessoas dele atacaram batedores do meu reino, depois declararam guerra ao meu povo. Isso tudo sem dizer qual o motivo, mesmo nunca tendo boas relações com Deco e o Leste, estávamos em trégua.>

Então ele poderia ser considerado um inimigo de André? Isso era uma coisa boa.

< Mas acabei de ficar sabendo que ele está nesse mundo, assim como os heróis. Inclusive, estou indo encontrar com alguns heróis e pôr a conversa em dia.>

— E por que está me dizendo isso?

< Porque seu povo é perigoso, e dos perigos, eu sempre escolho aquele que posso ter maior controle sobre.> 

— Então você acha que pode controlar os heróis?

< Não. Mas também sei que um velho amigo, o Cavaleiro de Prata, está aqui também.> A voz de Long-Hua mostrou uma pitada de ódio <E adivinha só, em uma conversa que ouvi por esse aparelho aqui na minha frente, descobri que existem três pessoas de armadura prateada!>

O homem ficou em silêncio por alguns segundos, como se esperasse que Alice dissesse algo, mas ela preferiu o silêncio.

Já que não tem nada dizer, senhorita Alice, tenho outra pergunta: quem é Ritter?> Long-Hua perguntou < E por que ele tem tanto interesse na magia desse mundo?>

— Johan Ritter é o verdadeiro Cavaleiro de Prata! — Alice respondeu.

< Não, está errado.> O homem respondeu imediatamente < Eu conheci o Cavaleiro de Prata há muitos anos, e esse não é o nome dele.>

— Impossível, — Alice retrucou — Ritter é um verdadeiro cavaleiro, ele até me treinou!

< Pode até ser, mas ainda é um farsante. O verdadeiro nome do Cavaleiro de Prata é…>

Alice engoliu em seco esperando uma resposta, mas essa não veio.

< Senhorita Alice, nesse mundo temos uma magia de adivinhação.> O homem mudou de assunto, quebrando totalmente as expectativas de Alice < Eu recebi uma profecia meses atrás que dizia: dentro de uma caixa, uma mulher que veste-se de aço e carrega a Prata no nome, ela vai me indicar o caminho a seguir. E eu devo conduzi-la ao seu destino.

Prata no nome. Argent, o sobrenome de Alice, carregava o significado de “prata”, uma mostra do que um dia foi uma grande família de cavaleiros. Mas toda aquela glória foi reduzida a memórias. Nem mesmo as relíquias da família foram salvas durante a inquisição.

O Cavaleiro de Prata não tinha nenhuma relação de sangue com ela, mas havia um vínculo de saudosismo. Uma ligação histórica e cultural que transcendia o tempo e o espaço. Quando Ritter se apresentou a ela, foi como se um novo universo surgisse diante de Alice.

E agora esse homem que ela nem conhecia estava dizendo que Ritter não era o verdadeiro Cavaleiro de Prata. Alice se perguntava por qual motivo ele diria isso, principalmente porque ela não havia dito nada. E sua dúvida mais principal era como ele soube que ela estava de armadura.

Ela refletiu alguns segundos sobre a tal profecia.

Dentro de uma caixa. Isso deveria ser o comunicador, já que as pessoas desse mundo nunca deveriam ter visto um, seria mais fácil achar que tinha alguém dentro de uma caixa…

Uma mulher que veste aço. A armadura de Alice era composta por células nanotecnológicas semiautônomas feitas de uma liga metálica baseada em aço e titânio. De certa forma, a profecia não estava errada.

E “carrega prata no nome”. Isso era claramente uma referência a Alice Argent. Se a profecia era real ela não sabia, mas fazia sentido. Seu medo era que tudo aquilo fosse forjado para criar uma armadilha.

O próprio Long-Hua disse que havia ouvido conversas pelo comunicador que carregava. Talvez tivesse obtido essas informações nessas conversas. Mas, de que foram essas conversas? Haviam apenas três comunicadores desse tipo, um estava com ela, outro com Ritter, e o terceiro, com Long-Hua.

Obviamente, as conversas que ele ouviu foram apenas entre Alice e Ritter. Então teria Long-Hua conseguido tirar informações do que ouviu dos dois? Então foi assim que ele conseguiu descobrir o nome de Ritter? Não era possível, ela nunca chamou Ritter pelo nome, e nunca falaram sobre suas armaduras.

Só havia uma resposta lógica: A profecia era real, e ela ia aceitar a oferta de ser guiada a seu destino.

. . . 

Minutos após terminar as negociações com Alice, Long-Hua se afastou do comunicador, ele não confiava em conversar perto daquela coisa. Ele encontrou Yu-Kan e Zhu-Li, que terminavam de organizar a bagagem para o último dia de viagem.

— Uma profecia, hein… — Zhu-Li levantou uma sobrancelha — Não deveria brincar com essas coisas, meu senhor.

Yu-Kan não disse nada, mas seu olhar demonstrava que ela concordava com Zhu-Li. Long-Hua suspirou, e depois desatou a rir. Ele riu descontroladamente por quase um minuto, então parou e enxugou olhos.

— Deixa a garota acreditar que eu sei o futuro, as pessoas daquele mundo não fazem ideia do que é a magia nem de como ela funciona.

— Mesmo assim, não acha perigoso? — Zhu-Li questionou — Digo, o senhor inventou um monte de coisa…

— Inventei? — Long-Hua deu um sorriso largo — Não esqueça que eu tenho a segunda maior rede de espiões nesse continente. Poucas coisas estão escondidas de mim. Aquela garota não sabe onde está metida, nem com quem se meteu, talvez nem mesmo saiba que o pai está vivo.

— Pai? — Yu-Kan perguntou.

— Senhores, uma vez conheci um homem chamado Ferdinand Argent, ele me contou sobre sua filha que estava em outro mundo, e o nome dela era Alice…

— E esse homem ainda está vivo? — Yu-Kan parecia interessada.

— Possivelmente. A última vez que o vi foi treze anos atrás, pouco antes dos heróis chegarem. Ele estava indo para o extremo leste, buscava a morada dos deuses…



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