Volume 1

Parte 1

1ª vez

— Meu nome é Aya Otonashi. Prazer em conhecê-los.

Diz a estudante transferida com um sorriso fraco.

 

23ª vez

— Meu nome é Aya Otonashi... Prazer.

Disse a estudante transferida desinteressada, sem nenhuma emoção em sua voz.

 

1.050ª vez

— Meu nome é Aya Otonashi.

Disse a estudante transferida entediada sem ao menos olhar em nossa direção.

 

13.118ª vez

Olho para a estudante transferida, chamada Aya Otonashi, que ainda não sei o nome, parada sob a plataforma.

— Meu nome é Aya Otonashi

A estudante transferida murmurou apenas isso para seus colegas – em uma voz fraca como se não importasse se a entendêssemos ou não. Mesmo assim, sua voz era bastante clara.

Sim. Eu já sabia o nome dela. Apesar de que, esta é obviamente a primeira vez que o ouço. Todos seguraram o ar. Não por causa da sua brusca e simples auto introdução que nem ao menos contaria como uma apresentação. Mas provavelmente porque ela simplesmente é lindamente deslumbrante que se destaca apenas por estar na sala.

Todos esperaram por suas próximas palavras. Ela abre a boca.

— Kazuki Hoshino.

—... Huh?

Ela chama meu nome por alguma razão. Os olhares interrogativos da classe se concentraram em mim. Não me olhem assim, também não faço ideia.

— Estou aqui para destruir você.

Uma súbita proclamação.

— Esta é a 13.118ª ‘Transferência’. Nem mesmo eu posso deixar de ficar irritada depois disso tudo. Então para mudar algo, proclamo guerra.

Ela não se importa nem um pouco sobre os nossos colegas emudecidos e continua olhando apenas para mim.

— Kazuki Hoshino. Farei você se render. É melhor para você me dar o seu tesouro mais precioso logo. Resistir é inútil. ‘Por quê? ’ você pergunta? Simples. Porque estarei...

Aya Otonashi esboça um sorriso antes de continuar a sentença.

—...sempre do seu lado, não importa quanto tempo passe.

 

10.876ª vez

É dia « 2 de Março ». Hoje com certeza é dia « 2 de Março ».

Me pergunto por que preciso afirmar isso para mim mesmo?

... Com certeza deve ser porque o céu ainda está nublado, mesmo que já estejamos em março. Provavelmente é isso. É por culpa do clima que me sinto um pouco melancólico, considerando os últimos dias, o céu azul tem estado escondido atrás das nuvens o tempo todo.

Ahh, imagino quando será que o tempo vai abrir. Já estava na sala antes da aula começar. Olhando pela janela enquanto me concentrava nesses pensamentos monótonos. Acho que estou pensando nessas coisas porque não estou me sentindo bem. Não, minha saúde não está ruim. É o mesmo de sempre. Apenas, de alguma forma... me sinto desconfortável. Não consigo expressar isso direito, mas é como se subitamente eu fosse o único sem uma sombra. É o tipo ‘alguma coisa parece errada’ de ‘desconforto’.

... estranho, não consigo entender o motivo. Não houve nada anormal ontem, essa manhã tomei café, escutei o novo álbum do meu cantor preferido no trem, e consegui 5 no programa de leitura da sorte que assisti por acaso.

De qualquer forma, não adianta em nada ficar quebrando a cabeça sobre isso; ao invés disso, vou comer o meu Umaibō¹. Hoje é sabor de carne de porco. Deixe-me dar uma mordida. Realmente poderia me encher disso; esse gosto nunca é demais.

— Umaibō de novo? Você realmente adora isso, não? Se continuar comendo Umaibō todo dia, seu sangue vai ficar da cor de um, sabia?

—... ahn, e que cor seria?

— Não faço ideia!

A garota fazendo piadas despreocupadamente é minha colega de classe Kokone Kirino. Seu cabelo marrom, que não é nem muito comprido e nem muito curto, está amarrado na forma de um rabo de cavalo no topo da sua cabeça. Kokone troca o estilo do cabelo o tempo todo, mas parece que ela gosta desse atual. Pelo menos tenho a sensação de que esse é o único estilo que tenho visto recentemente.

Kokone arbitrariamente ocupa o assento ao meu lado e começa a fazer a maquiagem, enquanto olha em seu espelho azul, usando uma ferramenta que eu como garoto, não sei exatamente o que é. Gostaria que ela se concentrasse mais em outras coisas dessa forma, não só na maquiagem.

— Agora que penso nisso, você tem várias coisas azuis, não?

— Ah sim, gosto de azul... ah, é mesmo, Kazu-kun! Não tem algo diferente em mim hoje? Não tem?

Diz ela subitamente e com os olhos brilhando.

— Mh...?

Tem algo? Não tem como saber se você me perguntar assim do nada.

— Vou te dar uma dica! Houve uma mudança no meu maior charme!

— Eh?

Reflexivamente meus olhos se focam nos seios dela.

— Whoa, ei! Porque os meus seios?!

— Bom, porque você anuncia em todos os lugares o tempo todo que você finalmente chegou ao tamanho D, por isso achei que...

— É óbvio que meus olhos são o meu charme! E de qualquer forma, seios não aumentam de tamanho de uma hora para outra! Ou era isso que você queria?! Seu pervertido obscuro! Maníaco de peitos!

—... desculpe.

Não tem como saber de um charme desses mas vou pedir desculpas mesmo assim.

—... então?

Ela olha diretamente nos meus olhos com um olhar cheio de expectativa. Eu admito, ela tem olhos grandes. Me sinto um pouco tímido ao perceber isso.

—... Eu acho que seu rosto parece o mesmo de sempre.

Respondo sem realmente olhar muito para o rosto dela.

— Eh? Como? Meu rosto está lindo como sempre, isso que você quis dizer?

— Não, não foi isso.

— Diga!

Estou sendo forçado.

— Para falar a verdade, estou usando máscara hoje. Me diz, como estou? Como estou?

Não consigo perceber diferença nenhuma. Não vejo diferença alguma de ontem para hoje.

—... bem, não tem como julgar algo desse tipo.

Digo honestamente admitindo minha derrota.

—’Algo desse tipo’... você diz?!

Ela bate em mim.

— Ai...

— Tz! Que garoto chato.

Ela diz com uma voz forçada, mas... aah, talvez ela esteja realmente um pouco irritada. Kokone faz como se estivesse cuspindo em mim e vai falar com os outros alunos para mostrar o seu rosto mascarado.

— Haa...

Agora estou cansado. Kokone pode ser divertida, mas não consigo lidar com o temperamento dela.

— Terminaram a briga de casal?

A primeira coisa que entra no meu campo de visão quando me viro, é uma orelha com três piercings. Só existe uma pessoa nesta escola que usa isso.

—... Daiya. Aquilo não era uma briga de casal. Para onde você estava olhando para chegar a essa conclusão?”

Meu amigo Daiya Oomine, apenas zomba da minha objeção. Sim, arrogante como sempre. Bom, mas acho que seria estranho se alguém como ele, que usa esse tipo de acessório e não apenas ignora as regras do colégio, mas também as enfrenta, fosse diferente.

— Mas você realmente não percebeu a máscara? Até eu pude perceber a diferença. E absolutamente, não tenho nenhum interesse nela.

—... sério?

Eles são vizinhos e parece que são amigos desde o jardim de infância. Não estar interessado nela é uma mentira sem dúvida alguma. Mesmo assim, não notar algo que até o Daiya notou pode ser um problema. Afinal de contas, ele é alguém que não se interessa pelos outros e parece nem ao menos olhar para as outras pessoas.

—... mas você sabe.

Tenho a sensação de que ela usou essa mesma máscara ontem.

— Sim, agora entendi Kazu. Você revelou seus sentimentos interiores para aquela cadela dizendo ‘Não estou interessado em você’. Apoio isso. Vou tomar essa mesma atitude. Mas vou fazer isso de uma forma mais direta.

— Seu presidente de classe maligno! Posso ouvir você claramente!

Daiya ignora o comentário da garota com ouvidos aguçados e continua nossa conversa.

— Kazu, para mudar o assunto dessa garota irrelevante: você sabia que uma aluna transferida está para vir hoje?

— Uma aluna transferida?

Confirmando novamente, hoje é « 2 de Março²». Porque alguém iria mudar de escola a esse ponto do ano?

— Uma aluna transferida?! Sem brincadeira?!

Kokone, como já era de se esperar, ouve nossa conversa e ergue a voz para perguntar isto.

— Kiri. Não estou falando com você. Não venha se intrometer daí. Ah, mas não chegue mais perto também! Não faz bem para minha saúde mental quando sua face desesperadamente maquiada entra no meu campo de visão.

— O- O que?! Você não pode falar nada, Daiya! Deveria começar a pensar logo sobre como concertar essa sua personalidade mentirosa. Talvez ajude se pendurar você de ponta cabeça por 24 horas, talvez algum sangue vá para o seu cérebro e se torne capaz de dizer algo útil.

Esses dois realmente têm línguas afiadas... para tentar fazer com que eles parem de falar mal um do outro, ergo minha voz um tom mais alto para voltar ao tópico.

— Uma aluna transferida, certo? Acho que já ouvi falar disso.

Com essas palavras, Daiya para com a argumentação como planejado e olha para mim.

—... quem te disse?

Então pergunta isso com um rosto sério.

— Eh? Porque você quer saber?

— Não responda uma pergunta com outra pergunta.

— Err... quem foi mesmo? Não foi você?

— Impossível. Acabei de ouvir isso quando fui à diretoria resolver um assunto. Não tinha como ter te falado antes de chegar à sala.

— Sério?

— Esse tipo de rumor se espalha quase instantaneamente. Mas nem essa tagarela, Kiri, parece saber sobre isso.

Parece ser verdade considerando a reação dela agora a pouco. E não apenas ela, ninguém na classe seis do primeiro ano parece ter ouvido falar disso.

— Por isso achei que essa informação tinha sido escondida até o dia da transferência, que é hoje. Mas então, porque você sabia disso?

—... err?

Porque será?

— Bom, tanto faz. Mas não é estranho Kazu? Porque você acha que alguém mudaria de escola nesse ponto? Deve ter algum motivo especial. Por exemplo, e se fosse a filha problemática de um presidente do conselho e, por isso, foi expulsa das outras escolas? Nesse caso faria sentido eles terem escondido isso até agora.

— Daiya, não é bom criar um preconceito contra a aluna transferida por causa de palpites.

— Quero dizer, ela já está em uma posição aonde os outros desconfiam dela. E todos estão secretamente te ouvindo.

Os nossos colegas de classe, que estavam realmente nos ouvindo secretamente, sorriram amargamente.

— Ah? Porque deveria me importar?

— Uwaa...

No momento em que deixo escapar um suspiro por causa da atitude de Daiya, o sinal soa. Nossos colegas se apressaram para seus assentos. Kokone, que senta ao lado da janela, abre o vidro e se debruça para fora. Parece que ela quer ver a aluna transferida o mais cedo o possível.

— Oh!

Aparentemente tendo achado alguém que parece com uma aluna transferida, Kokone ergue sua voz. E logo depois de soltar este ‘Oh’, voltou a se sentar em seu lugar com uma expressão congelada, embora ela estivesse tão animada quando estava olhando pela janela antes.

Me pergunto se tem algo errado.

Kokone sorri e murmurou ‘isto é incrível!’. Provavelmente não apenas eu, mas toda a sala queria perguntar o que estava acontecendo, mas o professor responsável pela aula entra na sala naquele momento. A silhueta de uma garota podia ser vista através do vidro nublado da porta. Com certeza é a aluna transferida. Após uma olhada pela classe, o professor percebe que todos estavam interessados na pessoa atrás da porta, e a chama logo em seguida. A silhueta atrás do vidro nublado se move. E então eu a vi.

Em um momento —  Como se tivesse sido jogado de um penhasco, o cenário muda de uma vez só. Primeiro ouço um som. Um som áspero, como se o cenário estivesse sendo apagado, virando de dentro para fora. E então, forçado e violentamente, um após o outro, vários cenários semelhantes vieram se empurrando. Sinto como se estivesse perdendo minha consciência, mas então ela volta e é amontoada forçosamente dentro de uma pequena caixa metálica. Déjà vu. Déjà vu.

— Meu nome é Aya Otonashi. Já entendi.

— Meu nome é Aya Otonashi. Já entendi.

— Meu nome é Aya Otonashi. Pare, já entendi!

Rejeito a gigantesca quantidade de informação que está tentando se infiltrar dentro de mim. Quero dizer, não tem como isso tudo caber. Meu cérebro vai sobrecarregar. Não dá para processar isso tudo.

— Ah...

O que,

Que coisa incompreensível –– estou...?

Percebo que o que passava pela minha cabeça era incompreensível por isso paro meus pensamentos ––– E então eu volto.

Eh? O que acabei de pensar?

Depois de esquecer isso, volto minha atenção para frente e olho para ela. Olho para a estudante transferida, chamada Aya Otonashi, que ainda não sei o nome.

— Meu nome é Aya Otonashi.

A estudante transferida apenas murmura. Em uma voz fraca como se não importasse se a entendemos ou não. Aya Otonashi desce da plataforma. Por causa de sua apresentação extremamente simples, a sala fica barulhenta.

Sem se importar com seus colegas perdidos ela vem caminhando. Em minha direção. Olhando diretamente para o meu rosto. Ela se senta naturalmente no assento vazio ao meu lado, quase como se este assento estivesse preparado para ela desde o começo. Otonashi-san faz uma expressão carrancuda de forma suspeita para mim enquanto a observava silenciosamente incapaz de fazer qualquer coisa.

... acho que deveria dizer algo.

—......err, prazer em conhecê-la.

Ela paralisa, porém, sua expressão não muda nem um pouco.

— Isso é tudo?

— Eh...?

— Eu perguntei para você, se isso é tudo.

Tem mais alguma coisa? Mesmo que você diga, não posso pensar em nada. Afinal essa é a primeira vez que nos encontramos. Mas a atmosfera parece me forçar a dizer algo.

—......err, seu uniforme. Esse uniforme é da sua antiga escola?

Otonashi-san não reage de forma alguma a minhas palavras frenéticas e apenas continua a me observar.

—... eh, então?

Vendo minha confusão, Otonashi-san deixa escapar um suspiro por alguma razão e sorri. Um sorriso como se ela estivesse impressionada com uma criança de raciocínio lento.

— Deixe-me te dizer uma coisa boa, Hoshino.

...eh? Eu já disse meu nome para ela?

Mas essa questão se torna insignificante. Otonashi-san me diz algo em seguida que me faz ficar completamente paralisado por cinco segundos.

— Kasumi Mogi está vestindo uma calcinha azul claro hoje.

Durante a aula de educação física, Kasumi Mogi continua usando seu uniforme comum e não seu uniforme de ginástica. Hoje, sem trocar de uniforme, ela está novamente assistindo os garotos jogarem futebol. Sua face exibindo uma expressão fixa como um ornamento. As pernas brancas que se estendem debaixo de sua saia são incrivelmente finas, dá à impressão de que elas poderiam quebrar a qualquer momento.

E eu, por alguma razão, estou dormindo com minha cabeça apoiada no colo dela. Ah, sim. Também não faço a mínima ideia do que está acontecendo. Apesar de certamente haver uma sensação de felicidade, não sou capaz de aproveitar esse momento porque estou desesperadamente tentando controlar meu sangramento nasal. Essa situação não terminaria bem se fizesse isso.

Apesar de tudo, me lembro como acabamos nessa situação. Quando perdi minha habilidade de me concentrar por causa da Otonashi-san, fui atingido pela bola de futebol no rosto e meu nariz começou a sangrar. Então Mogi-san que estava preocupada comigo, por alguma razão, me deixou dormir com a cabeça no colo dela. As pernas dela não são exatamente macias, e para dizer a verdade, até machuca um pouco. Imagino o porquê dela se importar comigo tanto assim? Olhando para o rosto dela não posso dizer nada pelo seu rosto sem expressão.

Mas estou feliz. Muito, muito feliz. A declaração de Otonashi-san sobre a ‘calcinha’. É claro que estava surpreso. Não apenas pela falta de contexto e pela imprevisibilidade com que aquilo me atingiu. O que quero dizer é: Otonashi-san disse ‘Me deixe te dizer uma coisa boa’. Então ela sabe que, informações sobre «Kasumi Mogi» são «uma coisa boa» para mim.

Mas, minha paixão por Mogi-san, não foi notada nem por Daiya e nem por Kokone. Então não tem como Otonashi-san, que conheci hoje pela primeira vez, ter notado. Mesmo assim ela fez aquela observação.

—......diga, Mogi-san.

— O que foi?

Mogi-san responde em uma voz suave. Por algum motivo sua voz me lembra a de um pequeno pássaro, o que combina com sua aparência pequena e delicada.

— Hoje, Otonashi-san falou com você?

—...a estudante transferida? ...não.

— Vocês não são conhecidas também, certo?

Mogi-san confirma assentindo com a cabeça.

— Ela fez algo suspeito para você?

Após pensar por um momento ela balança a cabeça de um lado para o outro. Os leves movimentos fizeram seus cabelos oscilarem.

— Porque você está perguntando esse tipo de coisa...?

Mogi-san pergunta inclinando a cabeça.

— Ah, nada... se não aconteceu nada então está tudo bem.

Quando volto a olhar para a quadra de esportes, Otonashi-san está sozinha no centro do pátio em uma pose assustadora, não mostrando qualquer interesse pela bola ou pelas garotas pulando atrás da mesma. Quando a bola casualmente rola em sua direção, ela chuta de volta levemente. ...err, aquela pessoa não era do outro time?

— Mmhh

Talvez esteja pensando demais, ela não deve ter percebido meus sentimentos. Otonashi-san causa impacto apenas pela sua aparência e atitude. Só fiquei muito preocupado com essa situação porque uma pessoa como ela do nada veio me dizer algo como aquilo. Uma lógica que qualquer um pode entender.

E mesmo assim –– porque não consigo aceitar essa lógica?

Otonashi-san olha em minha direção. Fica parada daquele mesmo jeito sem desviar seu olhar. Olhando diretamente nos meus olhos. Ela ergue o canto da boca vigorosamente. E apesar da aula ainda não ter terminado, ela vem caminhando em minha direção. Quando percebo, já estou de pé. Abandonando o privilégio de dormir com a cabeça apoiada no colo de Mogi-san, o que deveria ser a felicidade suprema para mim. Meu corpo inteiro está tremendo. Sem metáforas, eu realmente estou tremendo.

Mogi-san parece ter percebido Otonashi-san também, porque ela ficou tensa de ansiedade e se levanta assim como eu. Ainda com um sorriso ousado, Otonashi-san aponta para mim... não, para Mogi-san. E então, uma súbita rajada de vento. Foi totalmente inesperado. Ninguém poderia ter previsto. Essa súbita rajada ergue a saia de Mogi-san.

— ~~~!!”

Ela imediatamente puxa sua saia para baixo. Mas só a parte da frente. Eu estava em pé atrás dela. Assim que a rajada passou, Mogi-san se vira e olha para mim. Ela ainda está sem expressão alguma como sempre, mas suas bochechas me parecem levemente avermelhadas.

Seus lábios se movem para dizer “Você viu?”. Não, ela deve ter dito, mas pelo menos não consigo ouvir sua voz baixa. Chacoalho minha cabeça freneticamente. Acho que por causa das minhas ações frenéticas fica óbvio que vi. Mas ela não diz mais nada e apenas deixa seu olhar cair. Otonashi-san vem instantaneamente em minha direção. Vejo sua expressão por um instante.

— Aah––

Então compreendo porquê estou tremendo daquele jeito. Pude perceber o significado por trás daquela expressão. Um sentimento jamais dirigido a mim durante toda a minha vida até esse momento.

–––––– Hostilidade.

Por quê? Porque contra alguém como eu?

Otonashi-san levanta o canto da sua boca e franze as sobrancelhas para mim. Enquanto estou apenas tremendo sem poder me mover, ela coloca sua mão no meu ombro e aproxima seus lábios da minha orelha.

— Era azul claro não era?

Ela já sabia de tudo. Meus sentimentos por Mogi-san, que uma rajada de vento ia expor a calcinha dela para mim, ela já sabia de tudo. Essa declaração não é nenhum tipo de piada. Isso foi –– um aviso insinuando que ela me entende, que ela compreende minha forma de pensar, que ela me tem sob domínio.

— Hoshino, com isso você deve ter lembrado, certo?

Otonashi-san continua me encarando enquanto estou petrificado. Ficamos assim por alguns momentos, mas então ela parece se desapontar comigo por não ter respondido, então ela olha para baixo e suspira.

— Foi inútil mesmo tendo ido tão longe... entendi você está um nível mais estúpido hoje.

Ela murmura suas reclamações.

— Se você esqueceu, lembre agora. Meu nome é « Maria ».

... « Maria »? Não, err... você é « Aya Otonashi », não é?

—...E-É o seu pseudônimo ou algo do tipo?

— Calado.

Ela franze o rosto sem nem ao menos tentar esconder sua irritação.

— Bom. Você não é um oponente muito ameaçador desse jeito, mas já que é assim vou agir a favor da minha própria conveniência.

Otonashi-san se vira me dando as costas.

— Ah, espere...

A paro acidentalmente. Ela volta a se virar em minha direção parecendo estressada. Intencionalmente estremeço por causa do seu olhar. Não tenho certeza. Mas julgando pelas atitudes dela, talvez ––

— Pode ser que nós já tenhamos nos encontrado antes?

Ouvindo essas palavras, ela ergue o canto da boca.

— Sim, nos éramos amantes na nossa vida passada. Oh meu amado Hathaway, como é miserável seu estado atual! Você não era um idiota antes quando veio me salvar, a princesa de um país inimigo.

—.........err, eh?

Estou sem palavras. Otonashi-san parece satisfeita me vendo nessa situação, e pela primeira vez hoje mostra um sorriso que realmente se parece com um.

— Estou brincando.

No próximo dia.

Vejo o corpo de Aya Otonashi.

 

8.946ª vez

Após ouvir minhas palavras Mogi-san pensa um pouco, seus olhos estão tristes. Então, parecendo realmente desconfortável, anuncia o seguinte:

— Por favor, espere até amanhã.

 

2.601ª vez

— Meu nome é Aya Otonashi.

A aluna transferida murmura apenas estas palavras.

— Oh meu Deus! Isso é incrível!

Meu amigo Usui Haruaki, que está ocupando o assento ao meu lado, diz com uma voz alta demais, apesar de ainda estarmos em aula, e bate nas minhas costas vigorosamente.

— Haruaki! Sabe, isso dói e os olhares dos nossos colegas estão me deixando constrangido...

No fundo da sala na direção em que Haruaki permanece olhando está a estudante transferida, Aya Otonashi.

— Nossos olhares se cruzaram! Isso é incrível!

— Bem, quando você vira para trás especialmente para olhar para ela, é apenas natural eles se encontrem.

— Hoshii, te falta de espírito masculino.

Mas que...? Espírito masculino?

— De qualquer forma, ela é bonita demais! Desse jeito poderia contar como uma obra de arte no mercado mundial... e depois seria reconhecida como um tesouro nacional. Ah, é tarde demais para mim, meu coração foi roubado... vou me confessar para ela.

Que rápido!!

O sinal soa. Depois que nos levantamos e agradecemos o professor, Haruaki vai direto até Otonashi-san sem nem se preocupar em voltar a sentar.

— Aya Otonashi-san! Me apaixonei por você à primeira vista. Eu te amo!

Uwaa, ele está mesmo fazendo isso...

Não consigo ouvir a resposta de Otonashi-san, mas a expressão de Haruaki me diz tudo. Ah, não... não preciso nem olhar para o rosto dele. Haruaki volta para frente da minha carteira.

— Absurdo... *Eu* fui rejeitado?

Como você pode pensar que tinha alguma chance... É assustador porque você parece sério.

— Não é óbvio? Uma declaração daquela do nada vai apenas incomodá-la!

— Mh, entendo o que você quer dizer. Muito bem, então irei me confessar de novo. Mas dessa vez não vai ser do nada! Meus sentimentos estão destinados a alcançá-la algum dia!

Por um lado, acho que esse pensamento positivo dele é invejável, mas por outro... eu passo.

— O que vocês estão fazendo de tão interessante? Para mim isso parece divertido, mas as garotas estão lançando olhares de desprezo sob vocês.

Daiya se junta a nós dizendo isso.

— Eeh?! Não era para apenas o Haruaki ser desprezado?!

— Não, você é também. As garotas consideram vocês dois como penas do mesmo pássaro.

— Oho, do mesmo pássaro que eu? Que honra! Não acha Hoshii?

T- Tudo menos isso...

— Deixando isso de lado, Daiyan. Até você sente vontade de dar em cima dela, não é?

Haruaki cutuca Daiya com o cotovelo. A razão pela qual ele não tem medo de fazer isto com o Daya é provavelmente porque são amigos de infância, ou talvez apenas por causa da personalidade dele de ignorar as consequências. Daiya suspira e responde em seguida.

— Na verdade não.

— Impossível! Então quem pode fazer seu coração bater mais rápido, Daiyan!

— Não importa se meu coração fica comovido ou não pela beleza da Otonashi. Mesmo que admita que ela seja bonita, não vou dar em cima dela.

— Huuh...?

— Haruaki, você não entende nada, não é mesmo? Bom, é claro que este sentimento não pode ser entendido por um macaco como você que vive seguindo seus instintos e iria atrás de qualquer garota desde que ela tenha um rosto bonito.

— Como! Para começar, o que instinto tem a ver com dar importância para a aparência?!

— Desde que a aparência de uma criança está diretamente relacionada a sua prosperidade, é instintivo se sentir atraído por alguém com uma boa aparência.

“Ooh”, “Ooh” Haruaki e eu suspiramos em admiração no mesmo momento. Daiya fez uma expressão de impressionado, como se ele estivesse chocado por nós não sabermos nem ao menos isto.

— Ah, entendi Daiyan! Você quer dizer que a beleza dela é tão fora de alcance que nem mesmo você pode dar em cima dela! Derrota inevitável! Certo? Da mesma forma como as raposas pensam que ‘essa uva é azeda’ quando está fora do alcance delas. É chamado racionalização. Que coisa brega! Isso é brega Daiyan!

— O quanto do que falei você escutou? Nada?... Bom, a primeira metade não está necessariamente errada. Mas vou matar você pela outra metade.

— Oho, então você realmente não pode dar em cima dela.

Enquanto Haruaki está com uma expressão triunfante em seu rosto, Daiya finalmente dá um soco nele. Uwaa, parece que esse soco veio com tudo o que ele estava contendo até agora...

— Não é ‘Não posso dar em cima dela’. É ‘Ela não vem dar em cima de mim’.

— De onde veio essa conclusão presunçosa e errada? Hei Hoshii, este cara está se deixando levar pela beleza dele, não?

Haruaki diz sem mudar sua atitude nem um pouco.

— Não estou dizendo que ela não vem dar em cima de mim porque estou fora de alcance para ela! Bom, isso até seria possível, mas não se aplica no caso dela.

— Uwaa, ele está falando coisas estranhas sem o mínimo de vergonha.

— Ela não está me considerando como fora de alcance, ela nem ao menos faz esse tipo de classificação. Em primeiro lugar, ela não está nem um pouco interessada em nós. Não está nem fazendo pouco de nós. Assim como reconhecemos insetos como apenas insetos, ela reconhece pessoas como apenas pessoas. Isso é tudo. Ela não se importa com pequenas diferenças como meu rosto bonito ou a cara feia do Haruaki. Da mesma forma que nós não nos preocupamos em reconhecer o sexo de uma barata. Como você quer dar em cima desse tipo de garota?

Até mesmo Haruaki fica sem resposta, para essa declaração sem piedade sobre Otonashi-san, e fica em silencio.

—...Daiya.

Por isso sou o primeiro a começar a falar.

— Parece que você está surpreendentemente interessado na Otonashi-san.

Daiya fica sem palavras. Ah, esta é uma reação incrivelmente rara. Mas não estou certo? Deixando de lado se a opinião dele está certa ou não, ele deve ter estado observando ela até certo nível para ser capaz de fazer essa análise.

—... tze, não estou interessado!

— Oh, você ficou vermelho!

—...hey Kazu. Você vai acabar entrando em um campo minado se continuar desse jeito. Quer que te mostre uma maneira de usar cebolinhas³ que vai além da sua imaginação? Você vai acabar com um caso tão grave de TEPTque a mera visão das cebolinhas vai te fazer se borrar todo.

Entendo que Daiya está nervoso o bastante, então tento me livrar da situação rindo de um jeito desajeitado. De qualquer forma, Daiya parece saber que ele não se daria bem com a Otonashi-san.

— Até mesmo vocês estúpidos com a mesma intuição de um inseto vão logo perceber a anormalidade dela.

Isso soou um pouco como desculpa ruim. Mas não era. Sabe, era exatamente como ele disse.

Logo após o fim da primeira aula, Otonashi-san repentinamente ergue sua mão. O professor, Hokubo, a nota, mas ela não se importa com o consentimento dele, nem ao menos espera a resposta para se levantar e começar a falar.

— Quero que todos da sala seis do primeiro ano façam uma coisa agora.

Sem se importar nem um pouco com nossa confusão ela continua.

— Vai levar cinco minutos. Desperdiçar isso não será problema, certo?

Ninguém responde, mas ela sobe na plataforma mesmo assim, assumindo o lugar do professor após colocá-lo para fora da sala como se fosse completamente natural. E apesar de que esta deveria ser uma cena incomum, senti como se fosse algo normal.

Até onde posso ver pela reação dos outros na sala, eles parecem ter a mesma opinião. Não havia comoção alguma na classe, apenas silencio completo. De pé na plataforma, Otonashi-san começa a falar com seu olhar sobre a classe.

— Quero que vocês escrevam agora «uma certa coisa».

Ela desce da plataforma e distribui algo para os estudantes nas carteiras da frente. Os alunos que aceitam, pegam uma folha e passam para trás, da mesma forma que fazem quando precisam distribuir folhetos para toda a classe.

Foram passando até chegar a mim. Era uma folha de papel com laterais de aproximadamente 10 cm completamente normal.

— Quando vocês terminarem de escrever, por favor, devolvam para mim.

— O que é esta «certa coisa»?

Pergunta Kokone representando a classe, Otonashi-san responde normalmente.

— Meu nome.

Com isso, a sala finalmente começa a ficar barulhenta. É claro. Quero dizer, não entendi. O nome dela? Todos sabem o nome dela. Ela se apresentou esta manhã como “Aya Otonashi”.

— Que coisa estúpida!

Alguém protesta. É claro que só tem uma pessoa que poderia dizer isso para Otonashi-san.

Daiya Oomine.

Os outros alunos seguram o ar ao mesmo tempo. Isso é porque todos sabem que não se deve ter Daiya como inimigo.

— Seu nome é Aya Otonashi. Porque você quer que nós escrevamos? Está tão desesperada para que lembremos seu nome?

Otonashi-san não perde sua calma natural mesmo contra esse tipo de argumento.

— Iria apenas escrever « Aya Otonashi». Mas acabei de te dizer oralmente. Não há mais necessidade para escrever, tem?

— Ah, não me importo.

Parece que ele não esperava uma afirmação tão simples e fica sem palavras.

Ele estala a língua, rasga o papel propositalmente fazendo o maior barulho possível, e deixa a sala.

— O que foi? Não vão escrever logo?

Ninguém podia ter começado a escrever. É claro. Eles podem não dizer isso mas estavam surpresos e agora estão abismados. Ela discutiu com Daiya. Nós, colegas dele, sabemos o quão impressionante isso é.

Por alguns momentos ninguém é capaz de fazer nada. Mas ao o som da caneta de alguém escrevendo, como se estivessem esperando esse sinal, o mesmo som começou a vir de vários lugares da sala. Provavelmente ninguém sabe quais são as intenções da Otonashi-san. Mas isso não importa. No final, só há uma coisa para ser escrita.

Apenas o nome «Aya Otonashi».

Haruaki é o primeiro a levar o papel de volta para Otonashi-san. Vendo ele se levantar, vários outros alunos o seguem. A postura dela não muda ao aceitar o papel de Haruaki.

Provavelmente... a resposta errada.

— Haruaki.

Chamo Haruaki quando ele vem em minha direção após ter trocado uma ou duas palavras com Mogi-san.

— O que foi Hoshii?

— O que você escreveu?

— Mh? Bom, só posso escrever «Aya Otonashi». Apenas quase esqueci de escrever a última letra.

Haruaki parece abatido ao dizer isso por alguma razão.

—... bom, acho que é apenas isso que você pode escrever.

— Não fique hesitando muito e escreva logo!

— Mas você realmente acha que ela fez isso para que nós escrevêssemos esse nome?

Não vejo sentido em fazer isso, se for o caso. Haruaki responde imediatamente para minha pergunta.

— É claro que não.

— Eh? Mas... você escreveu «Aya Otonashi», não escreveu?

— Sim... ouça, Dayan é tão inteligente que nem tem graça, certo? Tanto que o oposto dele seria tão estúpido que nem teria graça.

Inclino minha cabeça por causa da súbita mudança de assunto.

— E ele disse ‘Iria apenas escrever «Aya Otonashi»’. Então até mesmo ele não pode pensar em nada, além disso, para escrever. É claro que para mim é o mesmo. Então, para nós que não podemos pensar em mais nada, só podemos escrever isso.

— Se você não puder pensar em mais nada... você não pode escrever.

— Exato. Em outras palavras, isso tudo não é direcionado para nós.

Tenho a impressão de que Haruaki acertou em cheio. Ele com certeza está certo. Em outras palavras, Otonashi-san está ignorando a maioria dos outros alunos e está fazendo isso direcionado a pessoa que puder pensar em outra coisa.

Agora entendo porque Haruaki parece tão abatido. Quero dizer, ele se apaixonou por ela à primeira vista. Pode parecer que estava brincando, mas não sei de mais ninguém para quem ele tenha se confessado. Então estava mais ou menos sério. Mas ela não está interessada. A existência dele está sendo ignorada. ... assim como Daiya tinha dito.

—...Haruaki, surpreendentemente você é brilhante.

— O ‘surpreendentemente’ foi desnecessário!

Haruaki reage com um sorriso amargo enquanto tento esconder minha vergonha, por ter dito algo rude com um sorriso.

— Até mais. Se não for agora, vou ser morto pelo senpai. E não estou exagerando!

— Ah, ok, até mais.

O nosso regular clube de baseball parece ser bem rígido.

Encaro meu papel em branco. Estou prestes a escrever «Aya Otonashi», mas no fim não o faço.

Olho para Otonashi-san. Não há a menor mudança na expressão dela enquanto lê o conteúdo dos papéis entregados a ela. Aposto que tem «Aya Otonashi» escrito em todos eles.

....... Alguém que não puder pensar em mais nada... não pode escrever.

“——“

Então o que deveria fazer?

No final, consigo pensar em algo. Por alguma razão, o absurdo nome «Maria» surge na minha mente. Não, eu sei disso. Tem alguma coisa errada com a minha cabeça. «Maria» entre tantas coisas. Não faço ideia da onde vem esse nome. Se entregar o papel para ela com esse nome escrito ela só vai gritar comigo algo do tipo «Você deve estar brincando!».

Mas e se essa for de alguma forma, a resposta que ela quer...? Após hesitar um pouco, começo a escrever no papel reciclado de 10 cm.

« Maria »

Me levanto para entregar o papel. Não tem mais fila. Parece que sou o último. Entrego o papel para ela timidamente. Otonashi-san pega o papel sem dizer nada. Então ela olhou para as letras escritas. A expressão dela mudou bruscamente.

—...eh?

Otonashi-san, que não ficou nem um pouco nervosa contra o professor ou contra Daiya, está com os olhos arregalados?

— Hahaha...

Agora ela teve um ataque de risos.

— Hoshino.

— Oh, você lembra o meu nome.

Me arrependo instantaneamente. Quando para de rir, ela me olha da mesma maneira que olharia para os inimigos dos seus ancestrais.

—... Seu desgraçado... Você está brincando comigo?

Parece que ela está freneticamente tentando suprimir sua raiva porque falou em uma voz baixa. Já esperava o ‘Você está brincando comigo’, mas não esperava esse tom de voz. Ela me segura pela gola da camisa com toda a força que possui.

— Wa! E-Eu sinto muito! Não estava tentando tirar uma com a sua cara...

— Então você está dizendo que escreveu aquilo a sério?

—...err, bem. Talvez... você esteja certa. Eu devia estar brincando.

Esse deve ter sido o golpe final. Sem soltar da minha camisa ela me arrasta até os fundos do prédio da escola.

— Hoshino. Você está tirando uma com a minha cara?

Ela me empurra contra o muro da escola e me encara.

— Não sou boa em montar planos. Sei disso. É um plano insano que é o mesmo que dizer «Culpado, apresente-se!». Não, você não pode nem ao menos chamar isso de plano. E mesmo assim... Porque você está mordendo a isca!? E essa já é a segunda vez que estou fazendo isso! A primeira vez você ignorou completamente!

Ela me solta, mas os olhos dela eram o suficiente para me manter paralisado. Otonashi-san está me encarando enquanto morde os lábios e deixa escapar um suspiro.

—...não, perdi minha cabeça porque capturei a base sem o menor sentimento de realização. Mas isso é sem dúvida um avanço, então deveria estar feliz.

—...certo, eu acho. Você deveria estar feliz! Hahaha.

Ela me encara de novo por causa do meu sorriso forçado. Acho que é melhor eu ficar quieto.

—...Não entendo. Na verdade, estava achando que você tinha desistido por causa da minha persistência... mas o que é essa sua expressão despreocupada e confortável?

Em vez de despreocupado, não tenho a menor ideia do que você está falando.

— Você continua me ignorando por 2.600 vezes. Não importa quantas vezes essa repetição sem fim continue, não me renderei. Mesmo assim, até eu me canso. Deveria ser o mesmo para você, e mesmo assim como pode manter essa compostura!

O que faço... Não tenho ideia do que ela está falando. Parece que ela finalmente percebe meu espanto sobre o que ela está dizendo e me encara como se suspeitasse de algo.

—......será que você não está consciente?

— Consciente? De que?

—...muito bem. Não importa se você está encenando ou não, uma explicação não deve causar nenhum problema notável. Hm, certo. Colocando de uma maneira simples—Eu já me ‘transferi’ 2.601 vezes.

Ficar completamente perplexo é tudo o que posso fazer.

— Se você estiver apenas encenando é muito bom nisso. Mas certamente, se realmente «não sabe», deveria fazer essa cara estúpida. Tanto faz. Vou te explicar o que aprendi até agora. Mh, certo — hoje é dia 2 de Março, certo?

Consinto com a cabeça.

— Poderia dizer que repeti esse 2 de Março por 2.601 vezes, mas não estaria totalmente certo. Por isso uso a expressão ‘Transferência Escolar’, apesar de não poder dizer que é apropriado.

— Haa...

— Fui mandada de volta para as 06h27min da manhã, do dia 2 de Março, 2.601 vezes.

......

—’Mandada de volta’ é a expressão correta do meu ponto de vista, mas está errado quando você tem uma perspectiva geral. Então estou usando a expressão ‘Transferência Escolar’ nessa situação, porque é mais realista ——

Otonashi-san para para coçar a cabeça vendo que estou boquiaberto.

— Aah, droga! O quão idiota você é?! Se tem algo inconveniente para você depois das 06h27min, você está apenas convenientemente declarando como «isto não aconteceu»?!

Ela grita comigo sem esconder sua irritação. Não, não... ninguém entenderia uma coisa dessas simplesmente do nada!

—...Não entendi direito, mas você está repetindo o mesmo tempo de novo e de novo?”

É no instante que digo isso.

— Ah ——

O que? O que está acontecendo?

Seguro meu peito por causa desta estranha sensação que me invade. Um mal-estar, o termo ‘mal-estar’ não é suficiente. É uma estranha sensação, como, imagine que sua cidade foi substituída por outra sem que ninguém além de você percebesse. Não é como se as minhas memórias tivessem voltado. Não me lembro de nada. Mas por alguma razão posso sentir que isto realmente «aconteceu».

Otonashi-san está falando a verdade. Nada além da verdade.

— Você finalmente entendeu?

—...e-espere um momento.

Ela viveu o dia 2 de Março por 2.601 vezes. Só isso já é o suficiente para me deixar confuso, mas basicamente Otonashi-san está declarando que:

—...Eu estou fazendo isto?

— Sim.

Ela responde sem hesitar.

— P-porque faria isto?

— Não tem como eu saber seus motivos.

— Não tem como eu ser o responsável!

— Você apenas está fazendo isto inconscientemente, estou errada?

Porque eu? Estou prestes a dizer isto, mas noto uma coisa. Ela só me arrastou aqui por um único motivo.

Isto é —— porque escrevi «Maria» naquele papel.

— Assim como você não está consciente de estar fazendo isto, outras pessoas que foram envolvidas nisto também não têm como se lembrar do passado que foi declarado como «não aconteceu». Em outras palavras, além de mim, apenas o culpado seria capaz de ter escrito «Maria», mencionei este nome em uma repetição passada.

Mas me lembrei do nome. Admito que é inimaginável que um nome como «Maria» poderia simplesmente surgir sem nenhum motivo.

— Não sei se é eficiente. Mas sempre estou tentando agir de uma maneira que permaneça na memória das pessoas. Esperei que o culpado, que também tem as memórias das repetições passadas, fizesse um erro. Mas bem, não tinha realmente nenhuma expectativa.

—...desde quando você começou a duvidar de mim? Quero dizer, você me disse especialmente o nome «Maria» em alguma repetição anterior, não disse?

— Não duvidei especialmente de alguém como você que parece ser inofensivo.

— Então...?

— Hmpf, é claro que fui testando um por um e disse esse nome a todos, já que meu tempo é basicamente ilimitado.

O tempo dela é ilimitado. O tempo que ela gastou é tanto, que dizer que ele é ilimitado não pode nem ser considerado uma metáfora.

Entendo. Com tempo ilimitado é fácil entender o porquê ela criou um plano ousado de fazer a classe escrever o nome dela. Com a mínima esperança de que alguém poderia escrever «Maria». ...Não, talvez ela nem tivesse esperança alguma. Todas as soluções dela foram esgotadas muito tempo atrás nessas 2.601 ‘Transferências Escolares’, então isso provavelmente era uma mera maneira de passar o tempo até ela pensar em um novo plano. Até um plano simples como este é melhor do que não fazer nada para mantê-la distraída. Afinal de contas, o tempo dela poderia durar para sempre.

É por isso que ela ficou zangada quando caí nesse truque. Como quando você não consegue derrotar um inimigo em um RPG e para isso treinou e passou de level desesperadamente, mas na verdade poderia facilmente derrotar o inimigo apenas usando certo item. O objetivo pode ter sido completado, mas você quer ter de volta todo o esforço investido.

—...não, me distraí por um momento, mas ainda não é hora para relaxar. Afinal de contas isto ainda não está resolvido.

— Ainda não?

— Claro que não. Parece que algo foi resolvido para você? Parece que esse pesadelo, a 'Rejecting Classroom', acabou para você?

'Rejecting Classroom’? Acho que é assim que ela chama essa repetição. De qualquer maneira, só tem uma coisa me incomodando.

— Tudo bem, entendo que você me trata como o culpado porque escrevi «Maria», certo? Mas veja, para começar, porque você não está envolvida na ‘Rejecting Classroom’?

— Não é como se não estivesse envolvida. Estou fortemente envolvida nesta ‘Rejecting Classroom’. Acho que poderia acabar presa nesta situação se também desistir e parar de tentar lembrar. Iria continuar a viver sem propósito nessa repetição sem fim. Isso é tão fácil quanto derramar um copo de água colocado sobre minha cabeça. Iríamos continuar eternamente a reviver este dia que você está rejeitando.

— Isso aconteceria se você simplesmente esquecesse?

— Pense nisso. Tem alguma outra pessoa que poderia notar o que está acontecendo? Até você, aquele que criou esta situação, não está consciente dela!

...ela pode estar certa. E realmente, já repetiu o mesmo dia por 2.601 vezes.

— Seria simples desistir e me esquecer de tudo. Mas isso absolutamente nunca vai acontecer.

—...nunca?

— Sim, nunca. Não é possível para mim desistir. Não importa se tiver que repetir este mesmo dia 2.000 vezes, 20.000 vezes ou um bilhão de vezes, vou superar essa repetição e cumprir meu objetivo.

2.000 vezes. Tentei pensar um pouco sobre este número. Nós frequentemente nos deparamos com este ‘2.000’ como um número qualquer no nosso dia a dia. Mas se tivéssemos que realmente contar um por um... por exemplo, um ano tem 365 dias, cinco anos tem 1.825 dias... ainda não seria o suficiente. Essa quantidade de tempo, já foi superada por Otonashi-san.

— Hoshino. Por acaso você também não sabe a razão pela qual você criou a 'Rejecting Classroom’?

— Eh? ...que?

— Fufu, entendo. Assumindo que você esteja se fazendo de desentendido apenas para evitar esta questão, então com certeza tem um significado por trás disto. Neste caso você também mereceria um prêmio pela atuação.

— E-eu não estou atuando!

— Muito bem então me deixe perguntar ——

Um leve sorriso se forma em seu rosto.

— Hoshino, você já —— encontrou ele, não encontrou?

—— quem?

Seria a minha resposta natural, mas que não surgiu. Não compreendo o porquê e por isso estou perplexo. Quem eu encontrei? Não sei. Não me lembro. Mesmo assim entendo.

Eu já encontrei “*”.

Quando? Onde? É claro que eu não sei. Isto não está em minha memória. Mas de qualquer forma, sinto que já nos encontramos. Tento me lembrar. Mas a informação está bloqueada diante dos meus olhos como uma janela sendo fechada em extrema velocidade. Atenção! Não entre. Proibida a passagem de pessoas não autorizadas.

— Fufu, então você se encontrou com ele.

Ela ri. Otonashi-san estava convencida agora. E eu também estava convencido. Eu, Kazuki Hoshino, sou o motivo desta situação.

— Ele deve ter dado para você. A ‘caixa’ que garante um único e qualquer ‘desejo’.

Ela usa a palavra ‘caixa’. Baseado no contexto, esta ‘caixa’ parece ser a ferramenta que criou a ‘Rejecting Classroom’.

— Ah, ainda não te disse o meu objetivo.

Ela diz sem parar de rir.

— Meu objetivo é —— obter a ‘caixa’.

Então ela para de rir. Otonashi, que está convencida de que possuo a ‘caixa’, me encara com um olhar frio e dá a ordem.

— Agora me entregue a ‘caixa’.

Com certeza devo ter a ‘caixa’, eu acho. Mas está tudo bem dar esta ‘caixa’ que garante um ‘desejo’, para ela? Quero dizer, Otonashi-san aguentou 2.601 repetições apenas pelo bem de obter esta ‘caixa’. Então ela tem um ‘desejo’ pelo qual vale todo este esforço. Ela quer garantir o seu próprio ‘desejo’; mesmo que isso signifique passar por cima do meu ‘desejo’, para roubar meu ‘desejo’. Esse tipo de determinação.

Esta persistência é —— quase anormal. Certo, isto não é normal. Aya Otonashi não é normal.

—... Não sei como.

Não é uma mentira. Mas também é minha maneira de oferecer resistência.

— Entendo. Então você vai me dar ela assim que se lembrar como?

— Bom...

— Se esquecer como tirá-la é um caso comum. Mas se você apenas esqueceu, você ainda deve saber como. É como andar de bicicleta, você não dizer como faz para os outros, mas sente como se faz. Apenas está confuso porque não consegue por isto em palavras.

—... tem alguma maneira de parar a ‘Rejecting Classroom’ sem tirar a ‘caixa’?

Otonashi-san me lança um olhar frio.

— Então você não pretende me dá-la É isto que quer dizer?

— N-Não foi isso que quis dizer...

Me vendo obviamente entrar em pânico, Otonashi-san deixa escapar um leve suspiro.

— Vamos ver. Acho que a ‘Rejecting Classroom’ também terminaria se nós destruíssemos a ‘caixa’ junto com o seu ‘portador’.

— Destruí-la junto com seu ‘portador’...?

‘Portador’ provavelmente se refere ao culpado que possui a ‘caixa’ – em outras palavras, eu. Destruí-la junto comigo? Resumindo ——

— A ‘Rejecting Classroom’ vai terminar se você morrer.

Isso é razão o bastante para criar um «*****»?

Você está dizendo que este é o meu futuro? Neste caso é melhor fazer isso comigo logo, isso seria melhor.

Dia 3 de Março. Chuva, má visibilidade na estrada.

Jogo fora o meu guarda-chuva e estou ali parado olhando para o «*****». Outras coisas não entram claramente no meu campo de visão. Tanto o caminhão que bateu contra o muro ou Otonashi-san, que está ali parada, não são claramente reconhecidos pelos meus olhos. Sangue vermelho escoa sem interrupção em uma quantidade que não pode ser lavada pela chuva.

Um cor** faltando metade de sua cabeça e com o cér**** saltando para fora. ***po.

Corpo. Corpo. CORpo. CorpoCorpoCORPO. corPO. CorpocorpoCORPO. Corpo. Corpo. Corpo!

O «Corpo» de Haruaki.

— ....ah.

Vomito quando reconheço a coisa diante dos meus olhos. Olho para Aya Otonashi. Ela está me encarando sem expressar nenhuma emoção em seu rosto.

—......Haruaki.

Mas não se preocupe Haruaki. Você sabe —— isto vai se repetir de qualquer forma. Isto vai ser declarado como «não aconteceu» de qualquer forma. Convenientemente.

.......oh? Pode ser que...

É esse o motivo pelo qual desejei esta ‘Rejecting Classroom’...? Porque estou rejeitando estes acontecimentos?

 

2.602ª vez

— Meu nome é Aya Otonashi.

— ....ah

Nesse instante, uma imagem avermelhada apareceu em minha mente como um flash. Uma imagem que estava enterrada no fundo da minha memória, apesar de ter visto ela há pouco tempo. E como se meu cérebro fosse puxado por um fio ligado a esta imagem, as memórias das 2.601 ‘Transferências Escolares’ vieram juntas. Estou espantado comigo mesmo por ser capaz de suprimir um grito.

— Mh? O que foi Hoshii? Você parece estranho, está tudo bem?

Haruaki, sentado na carteira ao lado, fica preocupado comigo. Haruaki, que deveria ter sido atropelado por um caminhão, sorri para mim. Um mal estar inevitável. Náusea. A informação se acumula e me cobre por completo, como se fosse sua presa e estivesse sendo devorado por ela. Meus sentimentos não conseguem acompanhar a velocidade das informações e entram em choque. As memórias da última repetição se conectam com as dessa. Tão vívida e claramente.

— Mas sério, Aya-chan é linda demais. Vou me confessar.

...Por causa do corpo do Haruaki.

E agora ele se apaixona por ela de novo à primeira vista, apesar dela tê-lo feito sofrer daquele jeito. Olho para Otonashi-san. No momento em que nossos olhares se cruzam. Ela me encara com um olhar presunçoso.

...aquele corpo foi um ataque para me cercar e conseguir a ‘caixa’?

Neste caso, isso é efetivo demais. Me chantagear mostrando um corpo, carregando o significado de “vou matar você”. Usando o corpo de um amigo meu, ela também está fazendo com que me sinta culpado. Otonashi-san está fazendo tudo isto arbitrariamente. Até entendo que em teoria, não é minha culpa. Mas quando vi o corpo, esta teoria foi jogada fora e meus sentimentos foram facilmente destroçados. Se soubesse como, com certeza daria a ‘caixa’ para ela agora mesmo. Mas felizmente não sei como fazer isto.

...felizmente? Sério? Quero dizer, se isto foi um ataque efetivo, Otonashi-san vai muito provavelmente continuar. Até destruir meus sentimentos.

Otonashi-san desce da plataforma e se aproxima de mim. Ela vem até meu lado. Olhando para frente em vez de olhar para mim ela murmura.

— Parece que você se lembra.

Se isto continuar assim vou ficar louco. Sei que isto não vai resolver nada, mas me faço de desentendido e fujo de Otonashi-san. De alguma maneira, tenho que pensar em um plano de reação enquanto estou evitando ela.

É por isso que —

— Esses são todos os detalhes, Kazu?

Venho consultar a pessoa mais inteligente que conheço: Daiya Oomine.

Daiya está encostado na parede do corredor e parece obviamente de mau humor. Isso deve ser porque explicar os detalhes consumiu todo o intervalo entre a primeira e a segunda aula.

— Então? O que você quer de mim me explicando esta ideia para o seu livro?

Expliquei tudo para ele sem hesitar, incluindo as coisas que Otonashi-san me contou, sem omitir nada. Ainda assim, tem um problema. Já que não espero que um realista como Daiya acredite em minha situação, conto para ele como se fosse a ideia para um livro.

— Estava imaginando o que o «Protagonista» da história deveria fazer.

— Se nós pensarmos nisso de uma forma geral, ele provavelmente deveria se opor a «Estudante Transferida».

Obviamente sou o «Protagonista» e Otonashi-san é a «Estudante Transferida». Já que coloquei desse jeito, Daiya percebe que a «Estudante Transferida» é «Aya Otonashi». Mas ele apenas dá um sorriso fraco e diz “Então ela é o modelo”, e aparentemente está confiante de que isto é apenas ficção.

— Mas... não acho que o «Protagonista» possa rivalizar a «Estudante Transferida».

— Acho que no momento isso é verdade.

O oponente é Aya Otonashi. A pessoa que chega ao ponto de se ‘transferir’ 2.602 vezes e até mesmo criar corpos para conseguir a ‘caixa’. Não acho que exista uma chance de vencer.

— Mas é possível que mais tarde o «Protagonista» obtenha poder para enfrentar a «Estudante Transferida».

Daiya diz despreocupadamente.

— Eh--?

É claro que consultei Daiya para encontrar um caminho. Mas minha expectativa era a de achar uma agulha em um palheiro. Honestamente, não esperava que ele me desse uma opção de ataque.

— O que há com essa reação? Bom, me diga, por que o «Protagonista» não pode rivalizar a «Estudante Transferida»?

— Eh? Bem--

— Aah, não, melhor não dizer nada. Com sua idiotice você vai me dar uma resposta estúpida e me deixar irritado.

... tenho a permissão de ficar irritado nessa situação, certo?

— A diferença entre o «Protagonista» e a «Estudante Transferida». É a diferença na quantidade de informação. A «Estudante Transferida» pode usar esta diferença para mover o «Protagonista» como bem entender. É simples. As informações que ela dá ao «Protagonista» são as favoráveis para ela.

Isso... está certo. Otonashi-san pode fazer o que quiser comigo assim que eu esquecer a situação de novo.

— Por outro lado, se ele diminuir a diferença entre a quantidade de informação deles, que é o principal motivo pelo qual ele não pode rivalizá-la, ele poderia encontrar um jeito. Ele apenas precisa se livrar dessa vantagem dela.

— ... mas isto é impossível!

Daiya dá um sorriso estranho e murmura.

— Então, você não me disse que o «Protagonista» pode recuperar as memórias da vez passada?

— Sim.

— Se ele recuperar as memórias dele da última vez, que já tinha recuperado as memórias da vez anterior, ele seria capaz de recuperar as memórias da última vez também. Certo?

—...bem, acho que sim.

— Então se ele recuperar as memórias da penúltima vez, ele pode também recuperar as memórias da antepenúltima vez. Se ele puder recuperar as memórias da antepenúltima vez ele também pode recuperar as memórias da vez anterior a esta.

—...e daí---? Quero dizer, a «Estudante Transferida» também pode acumular informação durante este tempo, não há como igualar a diferença. Otona-- a «Estudante Transferida» já tem a memória de mais de 2.601 repetições, entende? O que vai mudar para o «Protagonista» se ele conseguir as memórias de duas ou três vezes---

— Repita por 100.000 vezes.

—...eh?

— Não há como cobrir a diferença das 2.601 vezes que já se passaram. Então apenas faça esses 2.601 se tornarem irrelevantes. A diferença entre 102.601 vezes e 100.000 vezes é apenas 2% se nós arredondarmos. Você não pode mais chamar isso de diferença. Se o «Protagonista» fizer isso, ele obtém os meios de se opor a «Estudante Transferida». Então ele deve usar a informação que conseguiu somado a todo trabalho que a oponente já teve para cansar a «Estudante Transferida», para enfraquecê-la, frustrá-la e fazê-la perder as memórias dessas repetições.

— Eu---

Eu deveria fazer esse tipo de coisa?

—......mas ele não sabe como recuperar as memórias para começo de conversa.

Certo, consegui recuperar as memórias dessa vez, mas isso foi apenas ao acaso.

— Você disse que o choque de ver um corpo fez o «Protagonista» recuperar as memórias, certo?

— É o que acho... pelo menos.

Não consigo pensar em nenhuma outra razão e meus sentimentos me dizem que foi isso. Fui capaz de recuperar as memórias ao acaso, porque vi o corpo de Haruaki.

— Então é simples.

Daiya diz de novo despreocupadamente.

— O «Protagonista» apenas precisa criar corpos ele mesmo.

— ---mas que!

Instantaneamente fico sem palavras.

— T-Tal coisa---

— Bem, ouça. Acho que certamente é sem sentido matar alguém. Porque o «Protagonista» iria apenas causar aversão no leitor com essa falta de ética. Meu ponto é que o «Protagonista» tem que preparar algo com o mesmo impacto de ver um corpo.

—...isso poderia... funcionar.

— Em outras palavras, o «Protagonista» apenas precisa ter uma obstinação pela ‘caixa’ mais forte do que a da «Estudante Transferida».

O sinal sou. Daiya considera isso como o final da nossa conversa e se vira.

— Vou voltar para a sala. Você deveria vir logo também, Kazu!

— Sim...

Mas não sinto vontade de voltar para a sala agora e não me movo. Daiya volta para a sala sem prestar atenção em mim. Solto um suspiro.

...com certeza deve haver um jeito de manter minhas memórias. Mas----aguentar por 100.000 vezes? Isso pode ser possível em teoria, mas não é uma opção muito realista. Não tem como um humano com sentimentos aguentar isto. É como se alguém me falasse ‘Criei um carro que chega até 10.000km/h, você poderia dirigir para mim?’. Mesmo se o carro pudesse aguentar essa velocidade, meu corpo não suportaria a pressão e seria destruído. Minha mente, não, a mente humana não é feita para aguentar 100.000 repetições.

Otonashi-san é um caso especial se ela realmente pode aguentar isso. Por favor, não me coloque no mesmo nível daquele monstro. Mas essa é realmente a única maneira de me opor a Otonashi-san? Para começar, deveria me opor a ela? Não seria melhor para nós se apenas erguesse a bandeira branca?

Novamente deixo escapar um suspiro pela minha falta de capacidade para tomar uma decisão.

Quando ergo minha cabeça, decidido a voltar para sala.

— ---ah

Reflexivamente ergo minha voz.

—......Haruaki.

Ele ouviu nossa conversa? Mas nesse caso, o rosto dele que apareceu de dentro das sombras não deveria estar tão sério. Afinal de contas nós apenas estávamos falando sobre uma ‘história de ficção’. Teoricamente.

— Francamente, fiquei com inveja por que você estava de bom humor sem mim, como seu amigo. Por isso acho que está tudo bem para mim me esconder e espiar você. Então vamos me perdoar.

Ele começa a livremente se declarar como inocente. Apesar do tom de voz sarcástico, a expressão dele continua séria como antes.

— Muito bem então, Hoshii---

Haruaki coça a cabeça e pergunta.

— ---quer tentar me matar?

Minha respiração para. Não tinha ideia do que o faz dizer essas palavras completamente fora do comum. Ele fica observando o meu espanto por um tempo. Não sou capaz nem de piscar. Subitamente sua boca muda de forma para um sorriso satisfeito, parece que ele não pode mais aguentar e cai na gargalhada.

— Ah, não me diga!--Isso é cruel, Haruaki! Não me provoque!

— Ahaha! Não, não, nunca poderia imaginar que sua reação seria tão séria...!! Incrível! Hoshii, você é muito engraçado! É claro que só estava brincando, só brincando!

Bom, isso faz sentido. Ninguém acreditaria que esse tipo de coisa acontece na realidade.

— Certo... naturalmente é só uma piada.

— É claro. Naturalmente é uma piada. –te deixar me matar.

Sinto algo estranho na última sentença.

— --Haruaki?

— --E? Como posso te ajudar?

Me ajudar? Do que ele está falando? Haruaki está sério quando diz isso.

— Bom, mas como minhas memórias serão perdidas na próxima repetição, acho que o que posso fazer é limitado.

Aah, entendi-- Haruaki acredita na ‘Rejecting Classroom’. Acredita na minha história que qualquer outra pensaria que é apenas ficção.

—......Haruaki.

— O que foi, Hoshii?

— Err... isso é apenas uma história que inventei, entende?

Haruaki ri e diz como se fosse óbvio.

— Isso é uma mentira, não?

— Wha--

Não consigo nem formar uma frase para perguntar como ele descobriu. Quero dizer, eu mesmo não poderia acreditar em uma história tão sem sentido nem que me implorassem.

— Wahaha! Está impressionado pela minha profunda amizade, que me faz até mesmo engolir esse tipo de história sem hesitar?

— Sim.

Quando concordo, Haruaki fica sem reação por algum motivo.

— N-Não... não responda tão normalmente! Vou ficar envergonhado.

Ele diz coçando o nariz timidamente.

— Vou falar só por falar, mas Daiya também acha que isso não é uma história inventada, mas que está acontecendo com você.

— Eh? ...não, não acredito. Quero dizer, nós estamos falando de Daiya, o realista?

Bom, mas agora que ele disse, Daiya pode ter agido de forma incomum. Apesar de tudo ele especialmente mudou o lugar para nós conversarmos e até gastou o intervalo dele. Se realmente tivesse pensado nisso como uma história, ele apenas me ignoraria dizendo algo como “Chato. Não escreva.”.

— Okay, ele provavelmente não acreditou na sua historia toda. Mas ele sinceramente acredita que você está atualmente nesse tipo de situação. Senti isso!

Pensando nisso, o conselho de Daiya foi um pouco estranho, considerando que era para um livro. Ele claramente escolheu as respostas que eu queria.

— Tem uma contradição logo no começo, Hoshii. Aya-chan que é o modelo da «Estudante Transferida» chegou hoje, entende? Você chamou Daiya no intervalo após o primeiro período. Quando você teria tempo para pensar nisso tudo?

— Ah--

Isso é verdade.

— Acho que você está dizendo a verdade e não apenas inventando.

—...por quê?

— É um pouco bem feito demais para ser invenção sua, não é? Não tem como você ter tanta imaginação, Hoshii.

— Que rude...

— Bem, mas mesmo que você fosse um pouco mais brilhante e pudesse pensar nisso em tão pouco tempo, ainda assim acreditaria em você.

—...por quê?

— Porque somos amigos, não somos?

Uwa, o que essa pessoa está dizendo. Se ele disser isso assim... Não posso me impedir de ficar vermelho e não sei o que responder.

Haruaki franze a testa e coloca uma batata em sua boca.

— Entendo. Então Aya-chan... não, Aya Otonashi pode ter me matado...

Nós fomos ao McDonald’s por sugestão de Haruaki. Dois estudantes uniformizados que saíram mais cedo, e porque estavam passando mal, no McDonald’s em plena luz do dia.

Não consigo evitar perceber os olhares das pessoas ao redor e tenho vontade de sair correndo.

— Imagino se Otonashi-san não se importaria de estar no McDonald’s durante esse horário e de uniforme.

— Bom, acho que no caso de Aya Otonashi, ela não iria.

Haruaki ouve minha história de que ele pode ter sido morto pela garota que ele se apaixonou à primeira vista e diz o nome dela com hostilidade.

— Em outras palavras, isso significa que ela se adaptou a esses mais de 2.000 loops.

Otonashi-san se acostumou com tudo sendo declarado como «isto não aconteceu». Ela com certeza não se preocupa com mais nada dentro da ‘Rejecting Classroom’. Otonashi-san se adaptou a uma situação anormal. Você pode dizer com certeza que a personalidade dela continua normal? Essa Otonashi-san está tentando me matar?

— Isso era para ser uma fuga?

Meu coração para. A súbita voz da pessoa em quem estava pensando agora mesmo. Não posso me virar para a direção da voz atrás de mim. Incapaz de me mover como se tivesse sido cimentado.

Como ela nos encontrou? Nem ao menos falei para o Daiya. Otonashi-san anda ao meu redor e para na minha frente. Ainda incapaz de erguer o meu rosto.

— Deixe-me te dizer uma coisa boa, Hoshino.

Ela diz com um sorriso no rosto.

— Estou vivendo este 2 de Março pela 2.602ª vez. Gastei todo esse tempo junto com colegas de classe que não mudam nem um pouco já que eles não retém memória alguma e não estão cientes do que está acontecendo.

Ela silenciosamente coloca a mão sobre a mesa. Isso é o suficiente para deixar meu corpo todo tenso.

— Pessoas mudam. Seus valores também mudam. Por isso não é nada fácil prever suas ações. Porém, vocês estão presos em um beco sem saída sem nenhuma mudança. É muito fácil entender suas ações. Ainda mais porque é o mesmo 2 de Março. Até mesmo deduzi o padrão da sua conversa. Hoshino, posso facilmente predizer até onde vai o alcance das ações que um aluno do ensino médio passivo como você pode tomar.

Acabo de experimentar a «diferença na quantidade de informações» mencionada por Daiya em primeira mão. Vagamente pensei que isso significava apenas informações sobre a ‘Rejecting Classroom’ ou sobre a ‘caixa’. Mas não é só isso. A informação mais crucial é sobre «Kazuki Hoshino» - eu mesmo. E as informações que preciso obter são sobre «Aya Otonashi». Daiya estava falando sobre isso desde o começo. É por isso que ele disse que a diferença entre nossas informações iria desaparecer com o decorrer de mais repetições.

— Entendeu? Você não pode escapar de mim, Hoshino. Você está na palma da minha mão. Posso facilmente esmagá-lo. Mas se fizer isso, também estarei esmagando este artefato precioso que você tem. Esse é o único motivo para ainda não ter feito nada. Entendeu? Então é melhor não me irritar.

Otonashi-san segura a minha mão.

— Fique quieto e me siga. E me obedeça em silencio.

A força que ela estava aplicando na minha mão não era muito forte. Provavelmente poderia me livrar dela se tentasse. Mas... posso fazer isso? ...sem chance. Já fui derrotado por Aya Otonashi. Sou digno de pena? Sei disso. Mas não posso apenas... desafiá-la. Não sei como. E apesar disso – apesar de não saber os meios para desafiá-la – minha mão foi solta do aperto dela.

— O que você está fazendo?

Ela diz. Não fui capaz de me soltar dela. Então suas palavras hostis não são direcionadas a mim.

— O que estou fazendo? ...ha!

São direcionadas a Haruaki, que separou nossas mãos.

— Não vou deixar você levar o Hoshino! Você não pode deduzir nem mesmo isso? É idiota?

Apesar de fazer essa provocação infantil, seu rosto está tenso. Ele está blefando completamente. Para começo de conversa, ele não faz pouco dos outros desse jeito. Contudo, Otonashi-san naturalmente não reage a esta provocação.

— Não é isso que estou perguntando. Usui, parece que é você que não consegue usar sua cabeça direito. Suas ações são fúteis. Completamente sem sentido. Parece que você decidiu salvar o Hoshino, mas isso é apenas um sonho frágil e momentâneo e vai desaparecer. Você vai ter esquecido essa determinação da próxima vez de qualquer forma e vai vir se confessar para mim ao invés de me considerar uma inimiga.

Haruaki hesita ao ouvir essas palavras. Ele sabe que vai ser desse jeito. Se reiniciarmos de novo, Haruaki vai esquecer nossas conversas dessa vez. Não importa o quão hostil ele possa ser agora, ele vai se apaixonar por ela de novo à primeira vista, e vai se confessar. Haruaki está em um beco sem saída. E mesmo sendo confrontado com a verdade dessa forma, Haruaki cerra os punhos.

— Não, ainda é você que não consegue pensar direito, Otonashi! Posso mesmo voltar para o «eu que não sabe de nada» toda vez! Aposto que não vou ser capaz de manter minhas memórias e não sou tão brilhante quanto Daiya. Mas você sabe? Tenho fé em mim mesmo.

— Não entendi. O que você está tentando dizer?

— Diga, Otonashi. É certeza que estou imobilizado e não vou mudar, certo?

— Sim, é por isso que você não pode fazer nada.

— Há! Pelo contrário, Otonashi! Se não vou mudar, posso responder pelo meu eu em repetições futuras. Afinal de contas eles vão ser exatamente a mesma pessoa que sou agora. Posso visualizar isso sem nenhum problema! Os próximos ‘eu’ vão acreditar no Hoshii cada vez que ele explicar a situação dele, vou ajudá-lo cada uma das vezes. Não importa quantas repetições, não vou abandonar o meu amigo Hoshii. Está ouvindo, lembre-se disso, Otonashi--

Ele aponta seu dedo indicador para ela.

— --se você fizer de Kazuki Hoshino um inimigo, você também vai fazer do meu eu eterno um inimigo!

Para ser sincero, sua postura é tudo menos firme. Ele parece forçado, está blefando e suas mãos estavam até tremendo. Era óbvia a sua ansiedade. Especialmente se você considerar que está sempre bancando o palhaço na frente de todos. Palavras legais não combinam com ele, não tem nem graça. Mas as palavras dele me deixam confiante, mais do que suficiente. Quero dizer, Haruaki está dizendo sem 1% de dúvida. Sem nenhuma hesitação. Ele está dizendo como se fosse óbvio desde o início.

“----“

É claro que Otonashi-san não está nem um pouco preocupada com a postura insegura dele. Mas ela também não responde na hora. Ela fica de boca fechada por alguns segundos irritada.

—...você faz parecer como se fosse a vilã. Apesar de ter sido Kazuki Hoshino que arrastou você para essa 'Rejecting Classroom’.

As palavras de Otonashi-san são precisas e afiadas. Haruaki está recebendo os golpes um por um, mas mesmo assim--

— Mas não vou escolher mal os meus aliados só por causa disso!

Haruaki não muda sua opinião. Ele decididamente não desvia seu olhar de Otonashi-san apesar de estar assustado.

Começo a ficar preocupado. Quero dizer, o oponente é Aya Otonashi! Ela nem ao menos hesita quando Haruaki a declara como inimiga eterna. É o Haruaki. Ele vai ser o alvo da hostilidade da garota por quem ele vai se apaixonar em cada repetição, sem saber o motivo. Haruaki vai sofrer cada uma das vezes a partir de agora. Considerando que ela com certeza não vai sentir pressão alguma pelas declarações dele. Contudo:

— Perdi meu interesse.

Otonashi-san é a primeira a desviar o olhar e se virar.

— Todas as suas atitudes vão perder o sentido de qualquer maneira quando chegar à próxima vez.

Ela cuspe essas palavras e sai.

Se não fosse ela quem estivesse dizendo, isso teria soado como uma má desculpa. Mas não parece ser isso. Em primeiro lugar, como Otonashi-san poderia perder para ele quando ela nem ao menos se importa? Portanto, ela apenas disse o que lhe veio à mente. Apenas concluiu que seria mais conveniente fazer algo sobre mim em uma situação melhor. Otonashi-san não sente nada sobre nós. É claro que não sente medo de nós, não está irritada e não grita conosco também.

Então imagino -- por quê?

Não, eu sei. É apenas a minha imaginação. Um chute errado. Um completo mal entendido. Mas mesmo assim, honestamente, de verdade, apenas por um instante -- Ela pareceu apenas um pouco -- triste.

— Fale... Hoshii.

Haruaki disse ainda olhando na direção da porta automática pela qual Otonashi-san passou.

— Você acha que vou ser assassinado?

Sem chances... é o que quase respondo reflexivamente, mas percebo que isso pode acontecer e fico quieto.

Como esperado, está chovendo no dia 3 de Março da 2.602ª repetição. Vou para a escola um pouco mais cedo do que da última vez e desvio do local do acidente, apesar de que tenho que fazer uma volta. Tudo para me proteger do ataque de Otonashi... ou em vez disso, simplesmente para não ver aquela cena uma segunda vez. Quando chego à sala, Daiya já está lá. Ele se aproxima de mim quando me percebe.

— O que foi Daiya?

Por alguma razão Daiya não responde de imediato. Ele olha profundamente em meus olhos. Ele é bom em esconder os próprios sentimentos como sempre, mas alguma coisa está obviamente fora do comum.

—......sobre a história para o seu livro que nós falamos ontem.

Daiya fala com um tom indiferente de propósito. É sobre o «livro». Em outras palavras é sobre «minha atual situação».

— Tem algo que está me incomodando. Porque a «Estudante Transferida» não perde suas memórias, apesar do «Protagonista» perder?

Não consigo responder. Porque não consigo entender o motivo pelo qual ele começa a falar sobre isso.

— Mesmo o «Protagonista» - o criador da «Rejecting Classroom» - perde suas memórias. Mesmo quando assumimos que a «Estudante Transferida» possui algum tipo de poder especial, não seria muito conveniente que isso automaticamente mantivesse as memórias das repetições? Então acho que seria melhor fazer com que o «Protagonista» e a «Estudante Transferida» fossem capazes de manter suas memórias empregando o mesmo método.

—...você pode estar certo.

Concordo sem pensar muito no sentido disso. Talvez não consiga compreender completamente o que ele está tentando dizer por que ele está apenas falando sobre uma «história».

— O «Protagonista» foi capaz de manter as memórias, porque ele viu um corpo, certo?

—...acho que sim.

— O corpo foi resultado de um atropelamento por um caminhão, certo? Não tem como a «Estudante Transferida» que repetiu o mesmo dia por 2.601 vezes, não saber sobre esse caminhão. Se a «Estudante Transferida» tivesse suas mãos no acidente, então isso foi sem dúvida intencional. Foi por isso que você disse que o «amigo do Protagonista» «foi morto».

Concordo.

— Mas algo me incomoda nesse ponto.

— Por quê? Minhas ideias são estranhas?

— Não, não mesmo. Com certeza é um ataque efetivo contra o «Protagonista». Isso é, se ela puder garantir que ele vai recuperar essas memórias. Não tem sentido em um ataque efetivo, se o «Protagonista» esquecesse sobre ele logo em seguida.

— Não estou entendendo o que você quer dizer...

— O objetivo da «Estudante Transferida» é roubar a ‘caixa’ do «Protagonista», certo?

— Sim.

— Tente pensar na perspectiva da «Estudante Transferida». A «Estudante Transferida» finalmente achou a pessoa por quem ela procurava – o «Protagonista». Apesar da «Estudante Transferida» poder ficar quieta, ela explicou a situação abertamente para o «Protagonista». De qual você acha que é mais fácil de roubar a ‘caixa’ – de um oponente sem ideia do que está acontecendo ou um oponente que foi atacado e por isso está em guarda? É claro que é do que não sabe da situação. Então porque você acha que a «Estudante Transferida» explicou a situação para ele?

— Err... porque a «Estudante Transferida» pensou que o «Protagonista» iria esquecer?

— Certo. Ela pensou que não importaria. Então ela falou apenas diversão, você pode chamar isso de negligencia.

— Mas o acidente só poderia acontecer intencionalmente, certo? Então isso poderia ser apenas um ataque contra mim...

— Acho que foi intencional. Mas tente pensar dessa forma: a «Estudante Transferida» não achou que o «Protagonista» fosse ver o corpo.

Em outras palavras, foi um acidente com um objetivo diferente de me atacar? Penso sobre o que ele disse mais uma vez.

— Ah—

Rapidamente olho ao redor da sala. A «Estudante Transferida» - Aya Otonashi não está aqui. Ela com certeza ainda está naquele local.

— Sem chance... isso não é mais normal!

— É obvio. Não tem como uma pessoa que se adaptou a 2.602 repetições manter sua sanidade mental.

Aya Otonashi matou alguém. Ela não fez isso para me atacar, mas para manter suas próprias memórias.

Me lembrei. Eu nem ao menos queria, mas lembrei. Que esse acidente não aconteceu apenas durante a 2.601ª vez. Que ela pode ter feito isso em cada uma das outras 2.600 vezes. Então ela vai continuar a matar alguém para poder “se transferir”? Vou ser forçado a assistir isso em silêncio? Haruaki vai ser morto novamente essa vez?

— ---Haruaki!

— Mh? O que foi Hoshii?

Haruaki acaba de entrar na sala e fica parado ao lado da porta. O que isso significa? Haruaki não é o alvo? ...certo, não há necessidade de que ele seja o corpo, há?

— A história para o seu livro está no fim agora, Kazu. Vou te dizer agora o principal problema.

Daiya continua sem se importar com Haruaki.

— Parece que teve um acidente há pouco tempo.

Daiya respira fundo e diz.

— Aya Otonashi foi atropelada por um caminhão.

Err, o que--? Aah, entendo.

Ela não se importa mesmo que o alvo seja ela mesma.

 

4.609ª vez

Haruaki é atropelado por um caminhão.

 

5.232ª vez

Kasumi Mogi é atropelada por um caminhão.

 

27.753ª vez

Jogamos futebol durante a educação física.

Estou dormindo no colo da Mogi-san porque meu nariz começou a sangrar. Subitamente começo a pensar sobre os sentimentos dela para me deixar dormir no seu colo. Pode ser que ela esteja tentando, mesmo que só um pouco, me atrair?

Não tenho a menor ideia, ela não tem nenhuma expressão em seu rosto como sempre quando tento puxar conversa de maneira casual.

—...Mogi-san

— O que foi?

— O que você está pensando nesse momento?

— Eh?

Mogi-san inclina a cabeça, mas não dá nenhum sinal de que vai responder. A única reação que mostra é seu rosto confuso. Isso me faz pensar. Se for tão difícil reconhecer os sentimentos do parceiro, o amor tem alguma chance de progredir?

Porque me apaixonei por uma garota tão difícil? Em primeiro lugar – quando foi que me apaixonei por ela? Tento me lembrar.

—............Huh?

—...Qual o problema?

Mogi-san pergunta por causa da minha súbita reação.

— N-Não... nada!

Provavelmente meu rosto não está dizendo ‘nada’. Mogi-san sabe disso. Mas já que não tem a habilidade para me perguntar qual o problema, fica em silêncio sem fazer nada. Me levanto sem avisá-la.

— Ah, um... parece que meu nariz parou de sangrar.

—...mh.

Nossa conversa termina com essas simples palavras. Porque abandonei uma posição tão favorável voluntariamente? Uma chance dessas pode não acontecer uma segunda vez. Mas -- é impossível.

Veja bem, não importa quanto tente — Não consigo me lembrar. Não consigo me lembrar. Não consigo me lembrar. Não consigo me lembrar! — Eu não consigo me lembrar quando foi que me apaixonei por ela!

Porque me apaixonei? Qual foi o ponto de partida? Ou simplesmente estava atraído por ela antes de saber, mesmo sem nenhum acontecimento especial? Apesar que deveria saber esse tanto. Apesar de que não tem como esquecer – Não consigo me lembrar, não importa o que faça.

Não foi amor à primeira vista. E exceto pelo fato de que somos colegas de classe, nós quase não nos falamos. De qualquer forma, porque assim do nada? Ou você está me dizendo que foi um súbito despertar do amor—

— ..sem chances...

Sério? Mas essa é a única coisa que consigo pensar. Isso foi um súbito despertar do amor.

— O que houve? Você está bem? ...Devemos ir até a enfermaria?

Mogi-san sugere isso com sua voz calma. Estava incrivelmente feliz por ela se importar comigo. Simplesmente feliz. Esse sentimento não era falso.

—...Estou bem. Só estava pensando sobre uma coisa.

Me perguntei diversas vezes se isso não é algum tipo de engano. Mas quanto mais reconsidero, mais isso parece correto. Eu não estava interessado na Mogi-san. Até quando? Certo — Não estava interessado nela até ontem.

— Ah, entendi.

Olho para a estudante transferida que está apenas parada em pé na quadra – Aya Otonashi. Quando foi a ocasião que me fez sentir atraído pela Mogi-san? --ah, isso é fácil. Não foi ontem. Mas hoje já estou apaixonado por ela. Então quando foi isso? A única possibilidade é -- entre ontem e hoje.

Apenas durante o intervalo de mais de 20.000 repetições que aconteceram por causa da ‘Rejecting Classroom’. Ah, lembrei. Apenas um fragmento, mas provavelmente me lembrei mais do que nas outras vezes. Mas ainda é apenas um fragmento, então a maioria das minhas memórias continuam perdidas.

Perdi a memória mais importante para mim – como me apaixonei pela Mogi-san. E com certeza não vou recuperar isso. Não posso dividir nada com ela. Um amor não correspondido que não posso fazer nada sobre, não importa quanto tempo passe. Apenas meus sentimentos vão ficar mais fortes.

Não, talvez isso não seja tudo. Esse amor pode possivelmente desaparecer assim que a ‘Rejecting Classroom’ acabar. Quero dizer, esse amor não poderia ter existido sem a ‘Rejecting Classroom’. Isso é estranho. Esse tipo de coisa é estranho. Esse amor não é falso. Mas esse amor é uma farsa que não deveria existir originalmente?

Uma súbita rajada de vento um pouco antes do fim da aula. Ela levantou a saia da Mogi-san. Me pergunto porquê. Mas sinto que já conhecia essa calcinha azul claro. Não, realmente a conheço. O fato de que a Mogi-san está usando calcinha azul claro hoje. E também o fato de que Aya Otonashi sacrificou Kasumi Mogi mais do que qualquer um para poder manter suas memórias. Por isso decidi.

Defenderei esta ‘Rejecting Classroom’.

Dessa vez, Aya Otonashi não se aproxima de mim. Não, acho que foi a mesma coisa na vez anterior. Não consigo me lembrar direito, mas já tem sido assim por um tempo.

Durante o intervalo do almoço, Aya Otonashi está sozinha mastigando seu pão cansadamente. Então me aproximo dela. Apenas por me aproximar dela, meu corpo fica tenso e meu coração dispara. A rejeição dela contra os outros cresce em proporções gigantescas, só isso já é o suficiente para me pressionar.

—...Otonashi-san.

Me preparo e a chamo. Contudo, Otonashi-san não se vira. Mas não tem como não ter me ouvido dessa distância. Então continuo sem me importar.

— Tenho algo para discutir.

— Eu não tenho.

Ela me rejeita de primeira.

— Otonashi-san.

Sem reação. Ela apenas continua mastigando seu pão desinteressadamente. Parece que ela pretende ignorar qualquer coisa que eu diga. ...nesse caso só tenho que fazer com que ela seja incapaz de me ignorar. Aparece na minha mente imediatamente no momento que penso sobre isso.

—...Maria.

Os movimentos de mastigação da boca dela param.

— Tenho algo para discutir.

Mas mesmo assim ela não olha na minha direção. Se mantém calada. A sala está em um silêncio mortal. Nossos colegas estão apenas olhando para nós enquanto seguram suas respirações. E finalmente Otonashi-san parece perder sua paciência e suspira.

— Nunca imaginei que você diria esse nome. Parece que você lembrou o bastante dessa vez.

— Sim, então--

— Mesmo assim, não tenho nada para discutir com você.

Ela volta a mastigar seu pão desinteressadamente.

— Por que?!

Os olhares dos nossos colegas se focam em mim quando grito reflexivamente.

— Por quê?! Você não tem que fazer algo sobre mim?! Então porque você nem ao menos tenta me escutar!?

— Por que, você pergunta?

Ela diz em tom de zombaria.

— Você honestamente não sabe? Há! Certo. Você é sempre idiota, agindo dessa forma. Você nem pensa por si mesmo. Porque deveria fazer companhia para esse tipo de pessoa?

—...bom, não sei o que fiz antes.

— O que você fez antes? Tolo. Qual é a diferença para o seu ‘eu’ atual? Você é o mesmo, não é?

— Porque você está afirmando isso? Talvez esteja tentando te oferecer minha ajuda.

Nesse caso--

— Virtualmente não importa.

Otonashi-san cospe essas palavras antes de me deixar terminar. Estou para responder reflexivamente. Mas isso é cancelado pelas próximas palavras.

— Porquê você não fez essa proposta apenas duas ou três vezes até agora.

— Eh--?

Minha cara idiota deve ter sido engraçada. Otonashi-san curva sua boca para cima levemente, coloca seu pão meio-comido de volta e fala.

— Muito bem. Essa vez está cheia de coisas inúteis de qualquer forma. Essa não é apenas segunda ou terceira vez que estou explicando isso também, mas vou te falar de qualquer jeito.

Otonashi-san se levanta e começa a andar. Não tenho outra opção a não ser segui-la silenciosamente.

Ela me leva até os fundos do prédio da escola como sempre. E se encosta no muro como sempre.

— Vou falar isso logo no começo. Não vou conversar com você. Apenas ouça o que vou dizer como um idiota.

—...Posso decidir isso sozinho.

Digo para tentar ser um pouco rebelde, mas Otonashi-san apenas me lança um olhar frio.

— Hoshino, você sabe qual vez é essa? Não, você não sabe. Essa é a 27.753ª vez.

Isso é um número chocante.

—...você conta especificamente cada vez?

— Sim, já que não tem outra maneira de confirmar assim que eu parar de contar mesmo uma única vez. Se me esquecer de fazer isso, perco a noção do meu avanço. Por isso estou contando.

Certamente, é um pouco reconfortante saber quantos passos se deu em direção a um objetivo indeterminado.

— Já passei por tudo isso. Já tentei praticamente todos os meios possíveis de me aproximar de você. Estou em uma situação onde não consigo nem pensar em algo que já não tenha tentado com você.

— É por isso que você acha que não tem sentido em falar comigo?

— Sim.

— Você não está nem tentando me persuadir a te entregar a ‘caixa’?

— Já parei com isso há muito tempo atrás.

— Por quê? Em alguma vez dessas repetições, deve ter tido um eu colaborador.

— Sim, claro. Teve vezes que você me tratou com hostilidade, e também tiveram vezes que você cooperou. Mas quer saber? Não importa. Você não entrega a ‘caixa’ de jeito nenhum.

Não entrego a ‘caixa’ nem quando estou cooperando? ...bom, isso é lógico. Se Otonashi-san tivesse obtido a ‘caixa’ então esse «agora» dentro da ‘Rejecting Classroom’ não existiria.

— Apenas confirmando: é certeza que tenho a ‘caixa’, certo?

— Também duvido disso constantemente. Mas a conclusão é sempre a mesma. Kazuki Hoshino é, sem dúvida, o ‘portador’.

— Porque você acha?

— Não tem tantos suspeitos quanto você possa imaginar. A explicação demoraria muito então vou abreviar. É impossível para os poucos suspeitos me enganarem por 27.753 vezes. Portanto você é o único ‘portador’ possível. E ainda por cima, sem nenhuma relação com isso, tem uma evidencia circunstancial, indiscutível, não tem?

Como ela disse. Me encontrei com o distribuidor da ‘caixa’--“*”.

— Mesmo assim você não está tirando a ‘caixa’ do mesmo jeito. Não, você não pode. Já te defini como ‘portador’ há mais de 20.000 vezes atrás.

— Então você desistiu?

Essa Otonashi-san que não poupa esforços para conseguir a ‘caixa’?

— Não desisti. As maneiras de se fazer isso não existem. Vamos supor que você está procurando por uma moeda de 100 Yen que deveria estar em sua carteira, mas você não consegue achá-la não importa quanto você a revire. Procurar em cada canto da carteira é fácil. Mesmo assim, ela não está lá. Nesse caso você tem que assumir que aqueles 100 Yen não estão mais lá. Nessas 27.753 repetições eu cheguei à conclusão que «Não posso obter a ‘caixa’ de Kazuki Hoshino».

Otonashi-san franze as sobrancelhas por um momento e então se vira.

— Muito bem, meu lado do espetáculo terminou. Ainda tem algo que você queira dizer?

—...tem! Esse é o motivo pelo qual queria falar com você para começo de conversa.

Tenho que dizer. Eu decidi. Decidi defender a ‘Rejecting Classroom’.

Otonashi-san, que matou Mogi-san inúmeras vezes, eu a declaro como--

— Eu declaro Otonashi-san, não, Aya Otonashi como--

— --uma inimiga?

— --huh?!”

O que ia dizer com a mesma determinação necessária para me lançar em um abismo escuro, Otonashi-san adivinha antes. E ela ainda estava desinteressada sem nem ao menos olhar para mim. Quando ela vê que estou chocado do fundo da minha alma e sem o que dizer, ela deixou escapar um suspiro e se vira em minha direção relutantemente.

— Hoshino, você ainda não entendeu? Quanto tempo você acha que gastei com esse estúpido você? Isso é apenas outro padrão que já repeti tantas vezes que estou cansada. Não tem como não ter previsto isso, tem?

— O-O que--

Já juntei essa determinação inúmeras vezes? Por que isso se tornou sem sentido todas essas vezes?

— A propósito vou te dizer isso também. Mesmo que você junte a determinação para fazer de mim uma inimiga e então tente recuperar suas memórias toda vez, no final você revoca essa hostilidade contra mim. Certeza absoluta.

— N-Não tem como--

Afinal de contas isso significa que a permiti matar Mogi-san, que escolhi apagar meus sentimentos por ela.

— Você não consegue acreditar em mim? Então devo te dizer a razão que ouvi de você inúmeras vezes?

Mordo meu lábio. Otonashi-san considera a conversa como terminada e se vira.

— Essa sua convicção pode aguentar mais de 20.000 vezes sem problemas. Eu reconheço apenas essa convicção.

Ergo meu rosto espontaneamente. Ela acaba de dizer que ela me «reconhece», certo? Essa Otonashi-san disse?

— Espere um momento.

Tem algo que preciso perguntar para ela não importa o que. Otonashi-san vira apenas sua cabeça em minha direção.

— Você parou de tentar de obter a minha ‘caixa’, certo?

— Sim. Já não disse?

— Então -- o que você planeja fazer de agora em diante?

Não houve mudança de expressão no rosto dela. Mas ela olha diretamente para mim sem desviar o olhar. Sou eu que desvio o olhar por causa do olhar extremamente direto dela.

— Ah--

Nesse instante -- Otonashi-san andou para o outro lado sem dizer nada. Sem responder minha pergunta.

Otonashi-san não volta para a sala depois daquilo – talvez ela tenha ido para casa. Quinta aula. Não consego entender a fórmula na aula de matemática logo de cara, apesar de provavelmente ter ouvido isso por inúmeras vezes, ao invés disso fico olhando para Mogi-san o tempo todo.

Vou realmente abandonar a Mogi-san? Vou realmente abrir mão desses sentimentos por decisão própria? Não. Isso não é possível. Não importa o que o ‘eu’ do passado pensou. O atual ‘eu’ não vai desistir da Mogi-san. Isso é tudo que importa. A quinta aula termina.

Imediatamente me aproximo da Mogi-san. Ela me percebe e me olhou com seus olhos bem abertos. Meu corpo fica paralisado como uma pedra. As batidas do meu coração perdem seu ritmo. Apenas por olhar para ela. Isso significa que o que vou dizer para ela agora é especial para mim.

Uma atitude que certamente não tomaria no meu cotidiano. Mas não posso fazer nada sobre isso. Não consigo pensar de nenhuma outra maneira de reter minhas memórias. Não consigo pensar em nenhuma outra maneira a não ser me confessando para ela.

—...Mogi-san.

Acho que estou fazendo uma expressão bem estranha agora. Mogi-san olha para mim ponderando e inclina sua cabeça.

— Err, tem algo que gostaria de—

«Por favor, espere até amanhã.»

— ---ah.

Uma imagem aparece em minha mente por um instante. Uma voz começa a se repetir sem meu consentimento. Isso era tão claro quanto o fato de que pressionar vidro contra meus olhos, ouvidos e meu cérebro iria doer. Meu peito estava pulsando agressivamente como se tivesse sendo atacado por um martelo.

N-Não--

Não quero me lembrar. Mesmo não querendo me lembrar. Mesmo já tendo considerado isso como se não tivesse acontecido incontáveis vezes, isso não desaparece. Mesmo podendo esquecer qualquer outra memória importante, apenas essa não consigo esquecer.

Sim, está certo-- Muito tempo atrás -- Já me confessei para a Mogi-san.

—...qual o problema?

—......desculpe, não é nada.

Me afasto dela. Ela levanta a sobrancelha suspeitando de mim, mas não me pergunta mais nada. Volto para o meu lugar e deixo a parte de cima do meu corpo cair debruçado sobre a mesa.

—......entendo.

Agora que penso nisso, é óbvio. Afinal de contas repeti esse dia por mais de 20.000 vezes. Me confessei para ela. Mas esqueci. Então me confessei de novo. E me esqueci de novo. Para resistir à ‘Rejecting Classroom’, fiz essa confissão, não quero fazer isso, de novo e de novo, e de novo mais uma vez, se for para esquecer assim. E cada uma das vezes recebo a resposta que menos quero ouvir. É sempre a mesma. É decididamente sempre a mesma resposta. Bom, não tem como ela mudar. Mogi-san não pode manter suas memórias e por isso sua resposta também não pode mudar.

Essa resposta--

— Por favor, espere até amanhã.

Verdadeiramente cruel. Se importa -- esse amanhã nunca vai chegar.

Juntando uma determinação incomparável, usando a coragem que eu normalmente não tenho, forçando meus nervos ao limite – e mesmo assim, minhas palavras honestas desaparecem completamente como se não tivessem acontecido. E então, como agora, tenho que falar com ela, que perdeu as memórias das minhas confissões inúmeras vezes.

...Entendo. Elas foram declaradas como se não tivessem acontecido. Não tinha nada para começo de conversa. Não tem nada nesse mundo desde o começo. Nada tem valor em um mundo que é classificado como não aconteceu. Igualmente, não há valor em coisas bonitas, nem em coisas feias, nem em coisas preciosas, nem em coisas ordinárias, nem em coisas amáveis, nem em coisas detestáveis.

É por isso que não tem nada. Apenas o vazio. Esse vazio interminável é chamado ‘Rejecting Classroom’. Me sinto enjoado. Estou respirando nesse tipo de lugar. Quis colocar tudo isso para fora. Mas se fizer isso, não poderei viver aqui dentro. Eu não posso viver sem respirar. Mas se continuar a respirar o vazio, então meu corpo se tornará vazio também. Me tornarei tão oco quando uma esponja. Ou -- já era tarde demais a muito tempo atrás e já estou vazio?

— O que foi Kazu-kun? Está se sentindo mal?

Quando ouço uma voz familiar, ergo meu rosto lentamente sem me levantar da mesa. Kokone está parada em minha frente me encarando.

— Agora que me lembro, você teve um sangramento nasal durante a educação física, certo? Pode ser por causa disso que você está se sentindo mal sabia? Se você não estiver bem, quer que te leve pra enfermaria?

— Não precisa se preocupar com ele, Kiri. Aposto que o motivo é o colo em que ele estava descansando ao invés do sangramento nasal.

Daiya, que estava perto de mim sem perceber diz isso.

— Colo...? ...ah! Entendi! Então é isso! Oquee, passando mal de amor...

Então ela faz um sorriso presunçoso e me dá tapas nas costas para me encorajar.

— Vo-cê! Você, você! Isso não é um pouco atrevido, considerando que é você? Por favor, não se envolva em algo maduro como amooor.

— Seduzido por um desejo tão comum – ridículo.

— N-Não! Sempre amei--

Paro o que ia falar no meio da sentença. Isso seria um erro em vários sentidos. Primeiro estaria admitindo meus sentimentos pela Mogi-san se falasse, e acima de tudo--

— Ha? Você não tinha nenhum sentimento especial pela Mogi até ontem, tinha?

--não é verdade.

De fato, me apaixonei por ela hoje. Pelo menos pelo ponto de vista de Daiya e dos outros, isso foi um súbito despertar dos meus sentimentos. Aah, entendo... então é por isso que ninguém sabe da minha afeição por ela, mesmo que seja bem claro pela minha atitude.

— Hey hey, mais do que isso Daiya. Parece que esse cara acabou de admitir seu amor não correspondido pela Kasumi. Uhihi.

Kokone ri e cutuca Daiya com seu cotovelo.

— Sim. No melhor caso isso pode me entreter por algum tempo.

— Uhehe... o amor dos outros é divertido afinal de contas! Mh, Mh. Não se preocupe. Onee-chan vai te suportar! Vou te dar conselhos e até te ajudar! Se você for rejeitado, vou te consolar! Mas se tudo der certo, te mato, já que isso me deixaria irritada.

— Não se preocupe. Se os dois começarem a sair, vou tomar ela dele.

— Uwaa, isso parece divertido! A desgraça dos outros e um confuso triangulo amoroso! Soberbo!

...ignorando que não estou em excelente forma. Esses dois são realmente cruéis. Bom, mas felizmente XX não está aqui. Se ele estivesse aqui, ele aproveitaria a oportunidade e levaria a conversa em um rumo que terminaria em--

— --huh?

— Mhh? Qual o problema, Kazu-kun?

— Não, só que... estava me perguntando onde ele está. Está tirando um dia de folga?

— De quem você está falando?

Daiya pergunta com uma expressão de quem está suspeitando de algo. Isso é estranho. Achei que Daiya com certeza saberia de quem estou falando quando eu uso esse tom.

— Você não sabe? Naturalmente é sobre o-----

-----err, quem?

Huh? Espera um momento! Estava, eu mesmo estava para dizer o nome de certa pessoa. Então porque não posso me lembrar não só o nome, mas nem mesmo o rosto?

—...Kazu-kun? O que foi? De quem você estava falando?

Fico enjoado como se tivesse engolido algo pastoso como uma gosma, que me faz querer arranhar minha garganta. Mas tenho sorte por sentir esse enjoo. Veja bem, se tivesse engolido e não tivesse nenhum efeito, então XX iria desaparecer.

— H-Hey... Kazu-kun!

Sem problemas. Posso me lembrar. Posso me lembrar graças ao enjoo.

— ---Haruaki.

O nome do meu amigo. O colega que declarou que seria meu aliado eternamente.... tive esperança, mesmo que apenas um pouco. Tive esperança de que apenas eu tivesse esquecido Haruaki por alguma razão. Mas sou realmente idiota. Essa esperança--

— Ei, Kazu. Quem é esse ‘Haruaki’?

--não poderia jamais ser garantida.

Ranjo meus dentes por causa dessa sensação irritante. Daiya e Kokone paralisam diante do meu comportamento estranho. Esses dois esqueceram. Apesar deles conhecerem ele a muito mais tempo, sendo seus amigos de infância.

O fato de que «Haruaki» não existe aqui, foi jogado sem piedade sob mim, e--

— Eu vou para casa.

--foi uma ferida fatal.

Me levanto, peguo minha mala, viro minhas costas para eles e me afasto em direção a saída da sala. Não posso aguentar ficar aqui por mais tempo. Por que Haruaki não está aqui? Sei porquê. Eu sei. Haruaki foi ‘rejeitado’. Por quem? Isso é certo. Ele foi com certeza ‘rejeitado’ pelo «Protagonista» que causou esta ‘Rejecting Classroom’.

Me enganei. Achei que a ‘Rejecting Classroom’ fosse para continuar meu cotidiano para sempre. Que tolo. Não tem como ser tão conveniente. O cotidiano é chamado cotidiano porque ele muda constantemente. Se você parar a correnteza de um rio, então sujeira vai se acumular e vai torná-lo preto. Foi o que aconteceu aqui. Sedimento se acumulou.

Aah, entendo. Acho que já percebi esse fato várias vezes. Quando repito, percebo esse fato. E então paro de ser hostil contra Aya Otonashi. Aya Otonashi vai destruir a ‘Rejecting Classroom’. Como poderia impedi-la?

O sinal soa. Aposto que a maioria dos meus colegas já está se preparando para sair. Me viro antes de sair da classe. Um assento vazio. Outro assento vazio. Outro assento vazio. E tem mais um ali. Aah...

Já sabia, mas ninguém está desconfiado dessa quantidade incomum de assentos vazios.

Provavelmente já sabia que isso ia acontecer. Mas não pensava sobre isso porque não queria admitir. Aya Otonashi chegou à conclusão de que é impossível tomar a ‘caixa’ de mim. Em primeiro lugar é fácil de terminar a ‘Rejecting Classroom’ assim que você souber quem é o culpado. Ela repetiu aquelas 20.000 vezes para tomar a minha ‘caixa’. Então--o que posso fazer?

Isso é óbvio.

Meus membros voaram para longe quando fui atropelado pelo caminhão. Pareceu extremamente cômico poder ver minha familiar perna direita caída tão longe de mim.

De alguma maneira podia rir.

— Então isso acaba aqui...

Fui «assassinado». Me deixei ser morto.

— 27.753 repetições sem sentido. Então todo esse tempo terminou em esforço completamente desperdiçado? Tenho que... Tenho que admitir que até mesmo eu estou cansado agora.

Para ser exato ainda não estou morto. Mas estou caído na minha própria poça de sangue, entendo. Vou morrer. Não tem volta para mim. Então fui de fato morto por ela.

— Ugh...! Gastei essa quantidade ultrajante de tempo e o que ganho é isso. Nunca antes odiei minha própria falta de capacidade mais do que agora...!

Ela murmura em amargo arrependimento.

—...vamos continuar. Não pude achar a ‘caixa’ aqui. Só tenho que buscar a próxima ‘caixa’.

Os olhos de Aya Otonashi não estão mais me observando. Não, certamente esses olhos nunca me observaram. Aya Otonashi estava do início ao fim apenas olhando para a ‘caixa’ dentro de mim.

Isso também vai ser declarado como «não aconteceu»? Não, não vai. Se a ‘caixa’ chamada ‘Rejecting Classroom’ está dentro do meu corpo, então ela foi esmagada com a minha morte. E como minha carne foi esmagada pelo caminhão, essa ‘caixa’ já está esmagada também.

Não vai mais se repetir.

Aah, que ironia. Se esse era o único meio de terminar a ‘Rejecting Classroom’, então morrer era a única coisa que estava decidida desde o início. Bom, naturalmente é vazio.

Esse mundo era com certeza -- o mundo depois da minha morte. Mas com isso, nossa luta chega ao fim. Foi uma luta de apenas um lado sem nenhuma surpresa, mas chega ao fim aqui.

Sim — é disso que você está convencida. Certo, Otonashi-san? Você é digna de pena. Sinto do fundo do meu coração, Otonashi-san! Acho que isso aconteceu porque você me ignorou o tempo todo. Se não, você não teria feito esse engano. É por isso que esse tempo sem sentido continuou. Ouça Otonashi-san. Seria simples se você tivesse pensado sobre isso. Não tem como uma pessoa comum como eu ser o «Protagonista».

Quis dizer isso para ela, mas não era mais possível. Não conseguia nem mover minha boca. Minha consciência foi desaparecendo. Vou morrer agora.

E então — nada vai terminar.

 

Interlúdio

Estava dentro de uma cena que não posso me lembrar fora dos meus sonhos. Aceitei a ‘caixa’ dele.

Por favor, não se preocupe! Normalmente tem riscos para esse tipo de coisa, mas não tem nenhum para essa daqui. E você não vai perder nada precioso, sua alma não vai ser drenada. Você sabe, não é uma característica especial da ferramenta que adiciona esses componentes negativos, mas a natureza do humano usando ela. Se você usar corretamente, seu desejo vai se tornar verdade da maneira que ele for desejado.

Se você usar corretamente

Mas essa condição é realmente tão simples de se alcançar? Não sei. Mas mesmo se tivesse um risco desse tipo, ainda seria uma condição extraordinária. Como uma certeza de acerto na loteria. Claro que existe a possibilidade de destruir a vida de alguém com tanto dinheiro. Mas você não considera isso como risco normalmente, certo?

Então por favor, me diga se tem alguma pessoa que não aceitaria essa ‘caixa’.

Qual o significado disso?

Porque aqui está a pessoa que a está devolvendo.

Você está se contendo? Você não acredita nas minhas palavras? Ou você tem medo de mim?

As duas coisas se aplicam, com certeza. Mas esse não é o meu motivo. Simplesmente não preciso desse tipo de coisa. Veja bem, meu desejo é que esse dia a dia simples continue. Já tenho isso sem usar essa ‘caixa’.

Como um homem que possui um trilhão de Yen, não entra em uma luta por um milhão de Yen. É claro que entendo o valor disso. Nesse caso não posso aceitar esse tipo de coisa de um humano misterioso.

Certo. Certamente rejeitei a ‘caixa’.

Portanto

Mesmo se desejasse por essa repetição para que meu dia a dia pudesse continuar, não tem como eu ser o culpado.

 

27.753ª vez

*rasp* *rasp* *rasp* *rasp*

Me pergunto, o que será esse som? É um som extremamente baixo, ele passaria despercebido por mim se não me concentrasse nele. Mas um som que não posso deixar passar despercebido, que está vindo de dentro de mim.

*rasp* *rasp* *rasp* *rasp*

Tem um pequeno, bem pequeno ralador aplicado em mim. Onde? --bem, o som vem de dentro de mim, então está me ralando por dentro é claro.

*rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp*

Mesmo o som sendo muito baixo, para mim ele parece extremamente alto, então reflexivamente bloqueio meus ouvidos. Mas fazendo isso apenas me deixa ouvi-lo melhor. Aah, naturalmente. É claro que posso ouvir os sons dentro de mim ainda melhor, quando tampo meus ouvidos. Então não sou nem mesmo capaz de bloquear meus ouvidos. Eu não posso nunca escapar do som de mim mesma sendo ralada.

E isso machuca. Como esperado, ser ralado dói. Aposto que é assim que alguém se sente quando o coração se hiper desenvolve aumentando de tamanho. Uma contínua dor formigante. Isso é sentimento de culpa? E tinha certeza de que esse tinha sido o primeiro sentimento que tinha perdido. Mais teimoso do que pensei.

*rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp* *rasp*

Estou sendo ralada.

Meu coração.

Eu mesma.

Aah, minhas entranhas vão perder suas formas originais e vão desmoronar em peças pequenas como aparas de madeira se isso continuar assim. Mhhm, não. Já é tarde demais. Já me tornei apenas pequenos pedaços.

Nessas 20.000 repetições, parei de ser eu mesma. Sei disso. Não conseguia aguentar esse tédio e perdi meu coração. Não posso mais nem mesmo me comunicar direito com os outros. Esse mundo está me rejeitando.

Bom, é claro. Esse não é o lugar que deveria estar desde o começo. Me obriguei a isso forçadamente. Esta sala está constantemente me rejeitando. Sei como posso me acalmar. Mas não vou fazer esse tipo de coisa.

Isso é porque--meu desejo não foi garantido ainda.

...huh?Mas eu já desmoronei em pequenos pedaços. Então porque consigo manter apenas esse desejo? Isso é ao menos possível? Meu desejo foi ralado junto com o meu coração. Como prova

—— não posso lembrar o que é esse desejo.

ahaha.

Eu rio sem intenção. Certo, não posso me lembrar. Ahaha, não posso me lembrar. O que era meu desejo mesmo? Vamos lá, me deixe lembrar! Ahaha pare de brincar comigo, então porque aguentei essas repetições que não são nada mais que tortura? Só posso rir. Apesar de só poder rir, aah, me esqueci como rir já faz muito tempo, e aumento o som da minha risada sem mudar minha expressão.

Então posso muito bem apenas terminar com isso.

Uma conclusão extremamente simples. Me pergunto por que não fui capaz de pensar nisso? Apenas tenho que matá-lo. Certo, apenas preciso mata-lo. Apenas tenho que matar Kazuki Hoshino. Afinal de contas, ele é a origem dessa agonia. Se puder me acalmar fazendo isso, então apenas tenho que matá-lo rapidamente.

Mas em algum lugar dentro de mim eu sei. Essa «tenacidade» minha que já foi uma vez conhecida como meu «desejo» não vai me permitir um fim.

 

 


Notas:

1 – Se traduz como ‘vareta deliciosa’, pequeno, cilíndrico e inchado, sua consistência lembra Cheetos e é feito de milho, tem vários sabores.

2 – O ano letivo japonês começa em Abril e termina no início de Março, a transferência de Otonashi ocorre praticamente nos últimos dias de aula.

3 – Referência a um remédio popular japonês que usa cebolinhas (alho-poró) como supositório para curar resfriados.

4 – Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

5 – Sala de Aula da Rejeição



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