Volume 2

03. Mario

(Domingo) Kenpō Kinenbi¹

 

03. Maio (Domingo) 07:12

Acordo. Não com a sensação estranha de ter trocado, mas a sensação normal de acordar. Indo dormir algemado no chão do apartamento de Miyazaki-kun, acordo da mesma forma.

Miyazaki-kun continua sentado sobre a cama. Em baixo de seus olhos existem dois círculos escuros. Ele provavelmente não dormiu bem nos últimos dias. Percebendo que acordei, ele pega um pano umedecido e limpa meu rosto. O mentol no pano me faz acordar completamente.

— Vou te dizer o que fazer agora.

Sem me cumprimentar ele continua dizendo.

Você vai algemar Otonashi da mesma forma que você está agora e deixar clara sua intenção de traí-la. Apenas isso. Bem simples, não?

— …Realmente?

— Ah?

— Você vai realmente acreditar que me rendi se eu fizer isso?

[Ele] pode decidir julgar como quiser. Se não quiser aceitar isso como minha derrota pode exigir algo ainda mais absurdo.

Ele disse que estaria satisfeito quando pudesse roubar Maria Otonashi de você.

— Roubar?

Uma mensagem antiga me veio à mente.

« Finalmente consegui realizar meu maior desejo. Agora posso ficar com você. »

Agora entendo o significado daquela mensagem.

Parece que [ele] acredita que eu e Otonashi somos namorados. Então ele está sob a impressão de que vai poder ficar com ela quando a ‘Sevennight in Mud’ terminar. Mas isso não faz sentido. É impossível obter tudo o que é meu apenas tomando o meu corpo.

— Você não pode roubar ela de mim!

« Eu posso. »

Teria caído de susto se já não estivesse no chão. Uma voz que não deveria estar aqui respondeu meu murmúrio.

« Eu sou Kazuki Hoshino e ninguém mais! Portanto, posso ficar com ela.»

A voz veio dos auto-falantes ao lado do computador sendo usado por Miyazaki-kun.

« Você acha que isso é absurdo? Você acha que não posso me tornar Kazuki Hoshino porque você é Kazuki Hoshino?»

É claro. Apenas [eu] sou Kazuki Hoshino, ninguém mais pode ser.

« Então diga, o que define Kazuki Hoshino? Você não pode notar a diferença apenas pela personalidade. Afinal você ainda pode reconhecer alguém que não viu em anos como sendo a mesma pessoa, mesmo se a atmosfera e personalidade da pessoa tiverem mudado completamente, certo?»

Ouvindo as palavras [dele], me lembro das palavras que ouvi daquela pessoa certa vez.

« Então me diga, quando você vê alguém agindo de maneira um pouco incomum, você logo pensa “Essa é outra pessoa. Alguém assumiu o seu lugar?”»

— …Ugh!

Realmente, Daiya, Kokone e Haruaki todos reconheceram [ele] como sendo Kazuki Hoshino. Até mesmo Otonashi-san com quem passei mais tempo do que com qualquer um…

«Nem mesmo Maria Otonashi consegue distinguir entre [Kazuki Hoshino] e [Ishihara Yuuhei], consegue?»

— …Uh?

«Bom, já que ela sabe sobre as ‘caixas’ talvez ela entenda o desaparecimento de [Kazuki Hoshino] como o desaparecimento da existência de Kazuki Hoshino. Portanto vou mostrar a ela que Kazuki Hoshino não vai desaparecer quando me tornar ele. Fazendo isso, Kazuki Hoshino continuará a existir dentro dela.»

Uma risada sai dos auto-falantes.

«E então ela será minha.»

Enquanto a aparência for de Kazuki Hoshino, ele será reconhecido como Kazuki Hoshino, mesmo que o interior seja mudado. Isso é verdade. O que ele está dizendo não é completamente sem sentido… Mas ele está enganado se acha que pode se tornar Kazuki Hoshino.

— Você acha que ele está sendo absurdo?

Paro o que ia dizer ao ouvir as palavras de Miyazaki-kun.

— Hoshino, o que você faria se descobrisse que alguém importante para você tem síndrome de múltipla personalidade?

— Eh?

Estranhei o uso desse exemplo.

— Então, sua pessoa importante é apenas uma dessas personalidades? Você iria distinguir cuidadosamente entre elas e dizer «aquela é importante para mim», «não preciso daquela», «não me importo com aquela»? Você não iria certo? Independente das personalidades, essa pessoa importante no fim é apenas um ser humano.

— …Talvez.

— Portanto, não importa se o interior é [Kazuki Hoshino] ou [Ishihara Yuuhei]. Se ela aceitar que aquela pessoa é Kazuki Hoshino, as emoções dela vão ser mantidas. Não é a [sua] personalidade que Maria Otonashi considera importante. É na verdade…

Sem alterar sua expressão nem um pouco ele conclui

— … a própria existência de Kazuki Hoshino.

Algum significado a mais estava contido naquelas palavras. Ele não as disse simplesmente para me acuar.

— …Sinto dizer, mas não sou uma existência tão importante assim para ela.

Ele sorriu de leve.

— Você pode não ter percebido já que isso diz respeito a você. Mas eu sei, Otonashi depende de você! Portanto será difícil para Maria Otonashi suportar a perda quando sua personalidade desaparecer. Ela então vai tentar compensar essa perda com alguma coisa. É óbvio o que ela vai usar como compensação, não?

— …Você acha que ela aceitará [Ishihara Yuuhei]?

— Não exatamente. Será Kazuki Hoshino que continua vivo, apenas um pouco alterado.

— E com isso [ele] vai conseguir ficar com ela…? Essa é a sua explicação óbvia? Por que você está tão convencido de que isso vai funcionar?

Por que ela é igual a mim.

Ele disse claramente irritado.

— Eh?

— Eu também dependo de alguém da mesma maneira que Maria Otonashi. Por isso sei o que ela vai fazer.

Finalmente entendo o significado oculto que tinha sentido em suas palavras antes. Miyazaki-kun sabe como é. Ele sabe qual a sensação de ter uma pessoa importante que desaparece e se tornar algo diferente.

— Pare de ficar procurando problemas. Você apenas precisa trair Maria Otonashi. Se fizer isso, ela vai começar a confundir [Kazuki Hoshino] e [Ishihara Yuuhei].

— …Por quê?

— Otonashi nunca sonharia que [Kazuki Hoshino] a trairia. Mesmo se você algemá-la, ela vai achar que foi [Ishihara Yuuhei]. Mas na verdade foi realmente [Kazuki Hoshino] quem o fez. Consequentemente, ela vai deixar de conseguir diferenciar vocês dois com certeza. A linha que divide [Kazuki Hoshino] e [Ishihara Yuuhei] vai desaparecer.

E então ela vai passar a ver [eu] e [ele] como a mesma pessoa. Se ela estiver assim em 06 de maio, vai aceitar sem qualquer resistência, mesmo que [ele] roube tudo de mim. É isso que Miyazaki-kun quer dizer.

— Você entendeu? Ótimo, agora vou te explicar o que fazer.

— … Espere um momento.

O interrompo.

— O que?

— O que você pensa em fazer quando [ele] não estiver convencido de ter tomado Otonashi-san completamente de mim?

Porque sei que é isso o que vai acontecer. Nós não estamos juntos para começo de conversa. Portanto, ela não pode ser roubada de mim como [ele] planejou.

— Você não vai continuar a fazendo sofrer? Você não vai continuar me usando?

Ele fica em silêncio por um momento e então admite:

— Acho que sim.

E sem nenhum problema adicionou: — E daí?

— “E daí”…? De… de forma alguma poderia… fazer isso. É verdade, decidi traí-la. Mas isso não significa que quero criar problemas para ela…

— Você quer que eu te bata de novo?

— … Mesmo assim, não poderia fazer isso!

Não me importo se eu tiver que sofrer. Nesse caso, apenas tenho que aguentar a dor. Mas absolutamente não quero que alguém acabe ferido por minha causa. Isso não tem nada a ver com ser minha aliada ou não, apenas não posso aceitar isso.

Ele continua me encarando por um tempo, mas no final apenas suspira, por alguma razão, desapontado.

— Você realmente está bem com isso?

— … com o que?

— Se não puder te convencer usando violência, então apenas preciso usar outro meio para te convencer, entende?

— … O que você quer dizer com isso?

Ele não responde minha pergunta e continua em silêncio.

 

03. Maio (Domingo) 08:45

Estou em frente à casa de Kazuki Hoshino.

— Mas seu plano é realmente desagradável, huh.

— Desagradável como? Se for por você, então isso é o mínimo. E de qualquer forma, é você quem tem que executá-lo, não?

Ele diz calmamente.

— Você acha que aquela garota exibicionista vai me obedecer gentilmente? Vai ser ruim se ela resistir.

— Bom, vou rezar para tudo dar certo!

Ryuu Miyazaki responde com palavras vazias como se não tivesse qualquer interesse no que está para acontecer.

Não… talvez ele realmente não se interesse.

Para ele, que não foi capaz de fazer nada contra aquele incidente, qualquer outra coisa pode ter se tornado indiferente. Essa teoria não tem qualquer fundamento, mas por alguma razão acredito que é isso.

— Certo, vou começar.

— Certo.

É algo óbvio, mas entro sem apertar a campainha.

— Estou em casa.

Subo para o segundo andar.

Hoshino Ruka estava dormindo apenas de roupas intimas como sempre.

 

03. Maio (Domingo) 10:06

Miyazaki-kun coloca o telefone em meu ouvido.

«Não… NÃOOO!!»

Ouço um grito vir do telefone. Reconheço a pessoa por trás da voz imediatamente. Afinal, é uma voz que ouço praticamente todos os dias.

— Ruu-chan…!!

«Por que você está fazendo isso?! Pare Kazu-chan!!»

— Ah…

O que… o que ele fez!? O que ele fez para Ruu-chan usando o meu corpo!?

— Isso aconteceu porque você não nos obedeceu como um bom garoto!

— Mas a Ruu-chan não tem nada a ver com isso! Por que você faria…!!

— Porque ela não tem nada a ver com isso, você está sofrendo agora. É exatamente esse o motivo!

Ouvindo isso tento me atirar contra ele sem pensar… mas falho e caio no chão. Esqueço que também estou com algemas nos pés. Miyazaki-kun pisa em mim e coloca novamente o celular em meu ouvido.

— Uuh…

Sem poder cobrir meus ouvidos, reflexivamente fecho os olhos. Embora isso não adiante de nada. E então o que ouço é:

«Brincadeirinha~~~!»

— Huh…?

«Kazu-chan, por que você está me pedindo para dizer essas coisas? Sua irmã está seriamente preocupada com seu futuro.»

Sem entender nada olho para meu agressor.

Mas que diabos? Uma piada…?

Ele tira o pé de cima de mim. Me sento sem tirar os olhos dele que não muda de expressão nenhuma vez até agora.

— Por que você está se acalmando, Hoshino?

— Eh?

— Isso foi uma gravação. Não é em tempo real. E se apenas tiver revertido a ordem dos arquivos para reprodução? E se o que você acabou de ouvir tiver sido gravado antes do primeiro?

— Você não faria…!

— É uma piada!

— Ugh…

Me sinto miserável por ser enganado tão facilmente.

— Deus… pare de alternar de humor dessa forma. O problema não é se ela foi realmente ferida ou não, não é mesmo? O problema é que Hoshino Ruka é completamente indefesa contra as ações de [Ishihara Yuuhei].

Dizendo isso, Miyazaki-kun vira em minha direção.

— [Ishihara Yuuhei] irá se tornar Kazuki Hoshino. Você pode imaginar o quão problemático é a existência da sua irmã? Vocês até dividem o mesmo quarto! É claro que ela perceberia a mudança em Kazuki Hoshino e é impossível simplesmente cortar relações com ela já que vocês são irmãos. Ela é a pessoa que pode se tornar o maior obstáculo. É por isso que ele está indeciso. Como devo lidar com ela?

Ele apertou dois botões no celular e um novo arquivo de voz começou a reproduzir.

«Você vai trair Maria Otonashi para nós, não vai, [Kazuki Hoshino]?»

Isso é uma ameaça. Uma simples ameaça que significa que ele vai matar Hoshino Ruka se eu não obedecer.

— Então, o que vai fazer, Hoshino?

Se algemar a Otonashi-san, ela pode acabar ferida. Mas se não fizer, Ruu-chan pode acabar morrendo.

Não tem como simplesmente decidir entre uma das duas! …Contudo, Otonashi-san não será morta. E se for ela, ela pode ser capaz de superar essa situação com as próprias habilidades. Não, é claro que ela vai.

… Ela vai nos derrotar.

 

03. Maio (Domingo) 21:04

— Otonashi demora tanto tempo para chegar…? Que surpresa. Tinha certeza de que ela saberia para onde ir imediatamente.

Miyazaki-kun disse.

— Bom, ela pode não ter percebido que você foi confinado. [Ishihara Yuuhei] foi para casa uma vez afinal de contas. Mesmo assim, ela deveria perceber que algo estranho aconteceu já que o número dela foi bloqueado do seu celular… Ei, Hoshino, por acaso vocês tiveram uma briga que justificaria você bloqueá-la?

Não pude responder. Afinal não me lembro do que aconteceu depois que minha visão escureceu durante a nossa última conversa.

— Bom, não importa, heh. Se ela não vai vir por conta própria, só precisamos chama-la.

Dizendo isso, pega meu celular. Ele não tinha agido até agora porque [meu] tempo não era claro até que as 19:00 foi roubada de mim. Meu tempo restante hoje já está confirmado agora. Até as 23:00 será [meu] horário.

— …Ah, quase me esqueci.

Dizendo isso, ele tira um rolo de fita para embalagem e colocou duas camadas por cima da minha boca. Estando algemado, naturalmente não tenho como tirá-la. Ele inicia uma chamada. Para quem… é obvio.

— Alô?

«…Quem é você?»

O ambiente estava em silêncio, então até mesmo eu podia ouvir a voz da Otonashi-san claramente.

— Ryuu Miyazaki!

«…Miyazaki, por que você está com o celular do Kazuki? O que aconteceu com ele? Sabia que você era aliado de [Ishihara Yuuhei], mas…»

— Aliado? Como se eu fosse ajudar aquele pedaço de merda por nada! Ele descobriu minha fraqueza e está me ameaçando.

Do que ele está falando…?

«Sua fraqueza?»

— Sim. Não o apoio, ele está me usando. Mas já me cansei disso! E felizmente pensei em uma simples e prática solução.

«Uma solução…?»

— Você deve descobrir facilmente. É bem simples.

«…Não me diga…»

— Exatamente. Apenas preciso matar Kazuki Hoshino.

Miyazaki-kun continua falando com indiferença sem misturar qualquer emoçã estranha em sua voz. Foi então que percebo que ele está simplesmente inventando um cenário. Mas esse desempenho parece natural de mais. Mesmo eu, sabendo da verdade, acreditei por um momento que o que ele estava falando ali era a pura verdade.

Portanto Otonashi-san não vai perceber que isso é uma mentira.

«… Do que você está falando? Não sei o que ele descobriu sobre você, mas o risco é grande demais. Não acho que você seria tão estúpido a ponto de fazer uma escolha dessas.»

— Você é tão fácil de ler. Parece que teria dificuldades para enganar qualquer um.

«…»

— Assassinato realmente é uma aposta arriscada. Não valeria a pena correr o risco. Mas esse risco não se aplica a Kazuki Hoshino agora. Você deveria saber o porquê, não?

«…Não faço ideia.»

— Haha, não se faça de idiota! Certo, eu te digo. Para cometer um assassinato sem correr riscos, apenas preciso usar o momento da troca para minha vantagem.

Acredito que Otonashi-san também percebeu isso. Afinal ela me disse esta manhã que seria perigoso se eu trocasse enquanto ela dirigia. Se alguém tirasse vantagem dessa lógica de outra maneira, seria fácil fingir um acidente ou suicídio.

É isso o que ele quer dizer com assassinato sem riscos.

— Se puder acabar com a ameaça dele, farei isso.

«…Por que você está me contando isso?»

— Existe pelo menos alguém em quem você gostaria de atirar se tivesse uma bala que não pode jamais ser encontrada, certo? Mas usando essa bala, também vou eliminar alguém contra quem não tenho nenhum ressentimento. Já que ele seria tão digno de pena pensei em pelo menos deixá-lo falar com a pessoa amada no final.

«O quão egoísta você pode ser…!?»

— Oh? Hoshino só tem mais algumas horas sobrando, sabia? Ele já está praticamente morto! Mas não se preocupe; vou matá-lo quando ele for [Ishihara Yuuhei]. Vou praticamente fazer uma eutanásia para ele. Não é melhor ele morrer antes de ser possuído completamente por aquele desgraçado?

«Kazuki vai recuperar o corpo dele!»

— Isso é apenas o que você acha, não é mesmo? Ninguém seria capaz de ver as coisas de forma tão positiva nessa situação!

«Gh…»

— Bom, é isso. Certo, vou deixar você ouvir as últimas palavras dele.

É claro, ele não remove a fita da minha boca ao dizer isso.

Ele move o mouse e dá um duplo-clique. Minha voz sai do autofalante.

«Por favor, me salve…»

Eu teria achado que isso não soaria convincente. Se apenas…

«…Aya!»

…ele não tivesse mencionado esse nome.

Por que ele sabe desse nome…? Eles não sabem sobre a ‘Rejecting Classroom’, então não tem como saberem sobre esse nome.

Não… eles podem saber. Usei esse nome dentro da minha sala. Certamente, Miyazaki-kun percebeu que esse nome deveria ser algum tipo de código e repassou para [Ishihara Yuuhei].

Mas ela, sem saber que essas palavras pertencem a [ele], não percebeu isso. Portanto…

«…Estou indo te salvar, Kazuki.»

…ela acredita que aquelas palavras foram minhas.

«Você cometeu um erro.»

E então ela declarou:

«Você deveria ter ligado pouco antes dele trocar com [Ishihara Yuuhei]. Agora são nove e doze da noite. O mais cedo que você pode agir é as dez. Ainda tenho quarenta e oito minutos restantes. Vou te derrotar e trazer Kazuki de volta nesse tempo.»

Um anúncio que falha em seu propósito.

Ela não sabe que essas palavras não o deixam nervoso, na verdade o acalmam.

 

03. Maio (Domingo) 21:32

E então ela veio. Nem vinte minutos se passaram desde a ligação. A janela foi quebrada e seus restos estavam espalhados pelo local. Ela acertou o vidro com os sapatos e agora estava em pé no centro da sala usando roupas casuais.

— …Para ter chegado tão rápido, significa que você sabia onde eu estava?

Miyazaki-kun a estava encarando do corredor em frente à entrada com uma faca de cozinha pressionada contra mim.

— Você realmente acha que foi difícil encontrar? Você jamais faria uma ligação daquelas em público. Portanto, é mais provável que você estivesse em casa, não acha? Afinal, que outro lugar você poderia usar?

— Mesmo assim, você não acha que foi rápido demais?

— Descobri onde você morava no momento em que se revelou ser aliado de [Ishihara Yuuhei]… Vamos lá, já não é o bastante? Tire suas mãos do Kazuki. Você mesmo não disse que não pretendia correr o risco de ser culpado de um assassinato? Se você usar essa faca, não vai ser apenas um risco mais? Com certeza será preso por lesão corporal ou mais².

— Calada.

— Não tem porque ficar histérico só porque seu plano não deu certo. O ponto não é se livrar das ameaças de [Ishihara Yuuhei]? Me entregue o Kazuki e prometo que essas ameaças vão acabar!

— Isso é apenas uma promessa vazia, não é mesmo?

Ele continua agindo como se estivesse irritado e não quisesse ouvir o que ela diz. Por que ele continua com essa atitude?… É obvio, ele quer aumentar o nível da queda. Miyazaki-kun está agindo no papel do antagonista genérico e tentando montar o cenário para fazer com que minha traição tenha um maior impacto.

Otonashi-san vai derrotar o inimigo, Miyazaki-kun, e me salvar. É claro, ela vai se sentir aliviada e satisfeita. E então será traída por mim. Portanto, com a intenção de aumentar o impacto, ele não vai me soltar imediatamente.

— Vá embora! Isso já não é o bastante para o último encontro entre vocês dois?

— Não seja ridículo!

Mas por que Otonashi-san não o ataca imediatamente? Claro, tem uma faca no meu pescoço. Mas isso é uma ameaça insignificante. Miyazaki-kun jamais me atacaria com ela já que (nesse cenário) ele planeja cometer um assassinato livre de riscos para se livrar de uma ameaça.

— Achei que você era uma pessoa firme e de pensamento lógico, sabia?

Se ela disse essas palavras significa que sabe que ele não planeja me atacar. E mesmo assim ela não avança.

— Se acalme, Miyazaki.

Mas realmente, ela não pode excluir a possibilidade de eu ser esfaqueado. Miyazaki-kun poderia perder a paciência e me esfaquear por engano. …É essa a razão? Ela não está se movendo porque não tem certeza sobre a minha segurança?

— …

Sem chances, huh. Afinal de contas, ela não tem motivos para me proteger tanto assim. Não sei o motivo agora, mas Otonashi-san não se move. É um impasse. Miyazaki-kun cutuca meu lado escondido do olhar dela com sua mão esquerda.

…Eu sei! Ele me deu instruções sobre o que fazer no caso de um impasse. Não quero agir ativamente nisso, mas parece que não tenho outra escolha. Ele me disse para não me segurar, ou ela perceberia que é apenas uma atuação. Então engulo minha saliva e sigo minhas instruções. Mordo a mão dele com toda a força que consigo.

— …Uwaa!!

Esse grito não foi uma atuação, mas uma reação real a dor. Miyazaki-kun derrubou a faca como planejado. Nós propositalmente criamos uma abertura. É claro, Otonashi-san não deixa a chance escapar.

Tudo realmente aconteceu em um instante. É um apartamento de aproximadamente seis tatames. No próximo instante, ela já estava diante dos nossos olhos. Corre em nossa direção e dá uma cabeçada no nariz de Miyazaki-kun. Pisando no espaço entre eu e ele, ela nos afasta e o puxa para trás o atingindo no queixo enquanto ele ainda segura o nariz. E então rapidamente ela pega a faca e a atira para longe do alcance dele.

— Para trás, Kazuki.

Faço o que me mandou. Ela também se afasta aos poucos e começa a falar.

— Me dê as chaves das algemas Miyazaki. Vou deixar você sair dessa só com isso.

— …Você é mais gentil do que pensei.

Miyazaki-kun disse ainda segurando o sangramento do seu nariz.

— Você poderia ter simplesmente me enforcado. Assim não teria escolha a não ser te entregar as chaves.

— …Não tem porque chegar a esse ponto.

— …Não tem porque ir tão longe.

Com essas palavras me lembro. Certo. Otonashi-san não gosta de usar violência. O que ela acabou de fazer « foi para me salvar ». Mas ela não seria capaz de enforcar alguém apenas para exigir algumas chaves.

Miyazaki-kun se levanta. E então pula na direção dela para atacá-la. Mas no momento em que eles fazem contato, o corpo dele voa.

— Ehh…!!

Isso não foi uma atuação, mas uma genuína exclamação de surpresa. Aconteceu tão rápido que ele nem percebeu a própria derrota. Foi um arremesso de ombro magnífico.

— Se você chegar perto de mim, vou te derrubar.

— …Droga, não sabia que você era uma faixa preta em judô!

— É claro que não. Afinal sou faixa branca. …Bem, apesar de já ter derrotado vários faixa preta.

Dizendo isso, ela o prende em um Kesa-Gatame³.

— Ugh…

— Ouvi um som metálico quando te joguei.

Ela verificou os bolsos dele com a mão livre. Achando o que estava procurando ela as joga para mim. O objeto que cai no chão com um som metálico eram as chaves para minhas algemas.

— Kazuki, que horas são? Me diga exatamente.

— …21:39.

— Então ainda dá tempo. Kazuki; pegue seu celular e fuja pela varanda. Te alcanço em cinco minutos. Enquanto você foge, vou garantir que ele não possa se mover.

Miyazaki-kun me olha de relance. Não se preocupe, não vou fazer o que ela diz. Mas por causa do Kesa-Gatame, não tenho como algemar ela. O que devo fazer?

Não posso prendê-la assim. Olho para o chão. E vejo algo. E isso me dá uma ideia. Essa realmente é a pior, mas por isso mesmo, a mais significante forma de traí-la. Aah, se eu fizer isso absolutamente vou me tornar um inimigo de Aya Otonashi. Já tinha feito minha decisão, então já estava assumindo que as coisas terminariam assim. Mas mesmo assim, isso é terrível demais. As chaves que ela me jogou não servem na fechadura. As verdadeiras estavam comigo desde o começo. Removo minhas algemas. Livre, pego do chão… a faca que Otonashi-san havia jogado.

Aya.

Aponto a faca para Otonashi-san.

Ela logo vai perceber que não tenho coragem de usar a faca como arma. Mas isso não importa. Não muda o fato de que a traí.

— Largue o Miyazaki-kun obedientemente.

Otonashi-san percebe a ponta da faca de cozinha. E…

— Eh…?

Esse som não foi feito pela Otonashi-san, mas por mim. Ela arregalou os olhos e parou de respirar apenas por ter apontado a faca para ela. Nunca a vi de uma forma tão indefesa antes.

Usando essa chance, Miyazaki-kun se solta dela. Mas ela continua petrificada. Me aproximo com a faca, me abaixo e a algemo. Apenas quando ela deixou as duas mãos serem algemadas sem qualquer resistência é que ela volta a falar.

— Qual… o significado disso, Kazuki?

Ela disse de forma errática.

— O que é isso… não entendo. Por que você está apontando uma faca para mim…?

— Ele te traiu!

Miyazaki-kun explica em meu lugar.

— Me traiu…? Não tem porque ele fazer isso. O Kazuki não pode fazer nada contra o ‘Sevennight in Mud’ sem mim. Ele só faria isso se tivesse desistido completamente. Isso não é possível. Portanto ele jamais me trai…

— Então isso significa que Hoshino desistiu completamente e se rendeu, não é mesmo?

— Ele… desistiu?

Reflexivamente desvio o olhar quando ela me lança um olhar apelativo.

— Hu…

Por outro lado, Miyazaki-kun não consegue conter uma gargalhada.

— Huhu, ahahahahaha! Que visão lamentável é essa, Otonashi? Por favor, pare com isso! Tinha uma opinião relativamente alta sobre você até agora a pouco quando nos enfrentamos, sabia? Mas quão delicada você pode ser para estar nesse estado apenas porque seu amante te traiu? Estou terrivelmente desapontado!

— Kazuki...

Otonashi-san em nenhum momento sequer olha para Miyazaki-kun que está rindo dessa maneira. Os olhos dela estavam em mim o tempo todo.

— Isso é verdade? Você realmente se rendeu a [Ishihara Yuuhei] como ele disse?

— …É verdade!

Respondo.

Ouvindo isso, Otonashi-san abaixa a cabeça, com seu rosto escondido ela começou a tremer.

— Whoa, espere um segundo! Por que você está tremendo? Não me diga que você começou a chorar! Oi, oi, não seja tão dramática! Honestamente, pare com isso, é hilário demais!!

Diante desse desfecho melhor do que o esperado, Miyazaki-kun continua a gargalhar.

— Ah é verdade, Otonashi-san. Deixe-me dizer algo interessante! Esse cara é definitivamente [Kazuki Hoshino] e não [Ishihara Yuuhei]. A pessoa que te traiu e algemou é sem duvidas [Kazuki Hoshino]!

— …Eu sei.

Ela responde ainda cabisbaixa.

— O que?

— Eu sei muito bem que esse é [Kazuki Hoshino] com certeza.

Otonashi-san continua olhando para baixo, mas se levanta. Ainda não consigo ver seu rosto. Ela se aproxima de mim cambaleante. Dou um passo para trás com a faca na mão reflexivamente por causa desse comportamento estranho. Ela está vindo mesmo estando algemada e eu tendo uma faca em minhas mãos. Dou mais um passo para trás e acabo batendo minhas costas contra a parede.

Ela bate na parede em cima da minha cabeça com suas mãos algemadas.

— Kazuki, você se rendeu a eles?

Ela fala em uma voz profunda e sem entonação. Encolho meus ombros e olho na direção dela cuidadosamente. Lentamente ela ergue o rosto. Ah, eu entendo… ela estava tremendo de raiva.

— Você, o único que me derrotou desde que me tornei uma “caixa”, se rende a um grupo frágil e sem objetivo como esse, é isso que você está dizendo? Quer me insultar…? Você está me dizendo que sou mais baixa do que um grupo lamentável de perdedores, é isso…!

Sua voz inicialmente suprimida foi aumentando de volume aos poucos.

— Não brinque comigo, honestamente, não brinque comigo! Não diga uma coisa tão absolutamente sem sentido! Não tem como a sua determinação sumir tão facilmente contra esse bando de…!!

Ela balança novamente os braços algemados. Fecho os olhos reflexivamente. A parede geme com um som alto acima da minha cabeça. Lentamente abro os olhos e vejo rosto vermelho de raiva com uma expressão assustadora voltado em minha direção.

— O…oi! O que houve Otonashi? Você ficou louca com o choque por causa da traição?

— Você, cala a boca.

Ela diz com os olhos ainda focados em mim.

— … Sinto que alguma coisa estava errada desde a ligação. Mas eu sabia que você nunca iria cooperar com eles. Por isso acreditei no Miyazaki. E mesmo assim, você está assim… Merda! Isso é besteira!

Otonashi-san olha para a faca em minha mão como se só agora a tivesse percebido e rosna ainda mais com uma expressão impressionada.

— … O que é essa faca? Você vai me esfaquear se não te obedecer? Haha, muito engraçado. Vá em frente, me esfaqueie! Minha guarda está cheia de aberturas. Vamos! Vamos vamos! Como se você pudesse!

— Uuh…

Abaixo a faca instintivamente.

— Diga. Porque você fez isso. …Diga!

Abaixo minha cabeça e digo, rangendo meus dentes diante da minha atitude miserável.

— Ruu-cha… minha irmã foi usada de refém. Não tive outra escolha a não ser obedecê-los.

— Por causa de algo tão insignificante…

— Isso não é insignificante! Ruu-chan é minha única…

— Você é o homem que estava preparado para deixar a garota que amava ser atropelada por um caminhão.

Prendo minha respiração.

— Espere um momento, Otonashi!

Com desgosto, Otonashi-san vira em direção a Miyazaki-kun.

— O que foi? Não está vendo que estamos ocupados?

— Não, quero dizer, você não deveria estar negando que ele é [Kazuki Hoshino] já que ele fez aquilo com você? Então por que você está tão convencida de que esse é [Kazuki Hoshino]?

Realmente, Miyazaki-kun não pode ignorar isso. O objetivo dele era desde o inicio fazê-la confundir [Kazuki Hoshino] e [Ishihara Yuuhei].

— Você diz umas coisas estranhas, não é mesmo? Kazuki é Kazuki é claro. Não tem como isso mudar.

— Por que diabos você consegue distingui-los!? …Ah, entendo. Você está tentando se convencer. Porque você acreditou que a voz apelando por ajuda pertencia a [Kazuki Hoshino], você está propositalmente se apegando a esse engano e se forçando a não duvidar dele.

— Eu sabia que aquela voz pertencia a [Ishihara Yuuhei].

Miyazaki-kun range os dentes.

— Não minta! Você está dizendo que já tinha percebido que era uma gravação?

— Não.

— Então como você pode ter percebido que não era [Kazuki Hoshino]!?

— É claro que teria percebido.

Ela falou como se isso fosse senso comum:

Kazuki jamais me chamaria de «Aya» ao pedir por ajuda.

— …Ah.

Me lembrei.

O nome pelo qual a chamei quando Daiya estava montado em cima de mim e não tinha mais ninguém por quem chamar na sala de música.

Exatamente, ela está certa! Jamais a chamaria de «Aya» ao pedir por ajuda. Afinal, esse é o nome do inimigo contra quem lutei.

— …Então me diga, por que você veio salvá-lo?

— Foi como você disse, salvar [Ishihara Yuuhei] nessa situação é o equivalente de salvar o Kazuki.

— …Espere um momento. Isso não significa que nesse momento você está vendo Kazuki Hoshino como [Ishihara Yuuhei]?

— É, no começo. Mas sei que ele é [Kazuki Hoshino] apenas olhando para ele.

— …Oi, oi! Essa é uma mentira totalmente esfarrapada. Até agora você não era capaz de distinguir entre eles!

— Isso era apenas por que não sabia quando uma troca poderia acontecer. Preciso observar os movimentos da face dele por uns três segundos para ver a diferença. Agora já posso reconhecer Kazuki como Kazuki.

Ela pode reconhecer que eu sou eu? Mesmo quando ninguém mais pode?

— … Isso é impossível! Não tente tirar uma comigo!

— Realmente. Se não fosse o Kazuki, provavelmente não conseguiria distinguir entre eles. Mas apenas por ser o Kazuki, isso é possível.

— Por quê?

Ela declarou:

Porque estive junto com o Kazuki por mais tempo do que qualquer outra pessoa no mundo.

Essas palavras que já haviam se tornado familiar para mim, em algum lugar, em alguma época.

— Ah…

Minha voz escapa involuntariamente. Coloco minha mão no ombro dela. Um pouco atordoada por isso ela volta a olhar em minha direção. Vendo minha reação, Miyazaki-kun franze a testa e ameaça:

— Qual o problema, Hoshino? Você não planeja remover as algemas dela só por causa dessa bobagem sem sentido que ela disse, certo? Você sabe o que vai acontecer com a sua irmã se fizer isso, não sabe?

Mas por alguma razão essa ameaça não me assusta mais.

— Uhmm, Otonashi-san...

Se disser isso, eu não vou mais poder voltar atrás. Mas mesmo hesitando já fiz minha decisão.

Me deixe tocar sua ‘caixa’.

O espanto no rosto dela mudou.

— Você não precisa pedir. Não poderia te impedir mesmo que quisesse, estou algemada.

Disse a garota que quase destruiu a parede sem nem se preocupar com a faca em minha mão.

— …Você pode apenas tocá-la arbitrariamente.

Com essas palavras diretas, ela me permite. Assinto de leve e pressiono minha mão espalmada contra o peito dela.

— …Ah.

 

Fui jogado para o fundo do mar. É a segunda vez que vejo essa cena. É uma cena imutável onde todos parecem estar felizes. Contudo, é apena uma mentira que alguém pode ser feliz aqui. Alguém está chorando no meio deles. Alguém que sabe que essa felicidade é apenas uma mentira e não pode se juntar aos outros. Já ouvi esse choro antes.

É difícil de permanecer aqui. Não há oxigênio, não posso ficar aqui para sempre. É isso que torna essa situação difícil? Ou é por que sei que não posso curar a dor dela? Porque sei que não posso fazer nada para amenizar essa profunda solidão?

 

Sinto as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Igual como foi dentro de uma ‘caixa’ antes.

— …Sinto muito.

Me lembrei de tudo relacionado a ela.

Por que eu achei que ela estava apenas me usando como uma mera isca para ‘O’? Por que achei que ela estava fazendo pouco do cotidiano que tanto protejo? Não tem como ela fazer algo assim… ela, que coloca os outros em primeiro lugar. Ela acreditou que poderia lutar contra a ‘Sevennight in Mud’ mesmo sozinho. Foi por isso que ela não veio atrás de mim imediatamente mesmo depois de a ter abandonado. Mas não consegui acreditar nela… e ainda por cima a traí.

— Sinto muito.

Digo novamente. Eu digo novamente. Ela desvia o olhar, parecendo um pouco constrangida.

— … Não, posso não ter considerado tudo o bastante. Coloquei muitas expectativas em cima de você por conta própria, sem levar em consideração que você esqueceu o que aconteceu durante a ‘Rejecting Classroom’. …Uhmm, apenas me dei conta disso agora, me desculpe.

Chacoalho a cabeça. Sem mover o rosto em minha direção, ela me olha pelo canto do olho.

— Vou te dizer algo que não falei antes porque achei que iria perceber. Kazuki, seus dias como eram não podem ser recuperados. Contudo…

Ela ajusta o olhar, relaxa sua expressão um pouco e termina:

…nós podemos reconstruí-los.

Aah… Com apenas essas palavras, jamais vou esquecer o meu lugar novamente. Eu sou… eu. Eu sou… Kazuki Hoshino.

Pego as chaves do meu bolso e coloco a correspondente na fechadura das algemas ao redor dos pulsos dela.

— …O que você está fazendo, Hoshino!? Você vai abandonar a vida da sua irmã apenas para agradar sua namorada?! Você é uma pessoa horrível…

— Não. Realmente, estou indo contra você. Mas não abandonei minha irmã.

— Então o que? Se você não obedecer, Hoshino Ruka será morta!

— Ela não será.

— Como você pode ter tanta certeza?

— Simples — isso não é um blefe, estou apenas declarando minhas intenções. — Eu não vou deixar.

É impossível eu perder agora, agora que a tenho como aliada. Decido confiar tudo o que tenho a ela. Viro a chave. As algemas caem no chão. Seguro a mão livre dela. Ela me olha, eu olho para ela.

— Por favor, me dê uma mão…

Não vou cometer o mesmo erro novamente. Não vou me enganar sobre qual nome usar novamente.

 

…Maria.

 

Quando digo isso, ela… foi realmente apenas por um mínimo instante…

Ela sorriu, um sorriso honesto e inocente, como uma garota normal da idade dela.

— Existem condições.

Diz, já recuperando a atitude confiante.

— Posso não precisar dizer isso especificamente. Acredito que você vai cumprir essas condições mesmo que não diga. Contudo, também fico ansiosa, e isso me machuca. Então me deixe dizer.

Concordo, sem ter ideia das intenções dela.

— Não vou mais perder você de vista. Então, por favor. Você, também…

Maria desvia o olhar uma vez. Mas olha em minha direção novamente e diz de forma clara:

— …não me perca de vista.

Aah… entendo. Não tinha percebido até agora. Sem qualquer objetivo, me isolei e fiquei sozinho, mas não fui o único a sofrer com isso. Ao mesmo tempo deixei Maria sozinha sofrendo. Desde a ‘Rejecting Classroom’, Maria sempre foi [Aya Otonashi]. Ela está tentando se tornar uma ‘caixa’. Sua verdadeira identidade, [Maria Otonashi], não está em lugar algum.

«Meu nome é Aya Otonashi. Prazer em conhecê-los.»

«Mas não sou forte o bastante.»

Me lembro da cena dela se lamentando vagamente. Certo, sou o único que pode chamá-la de «Maria», porque sou o único que presenciei a primeira transferência dela. Se me esquecer, [Maria Otonashi] será realmente esquecida por todos… provavelmente até por ela mesma… e vai desaparecer.

 

— Parem com isso!

Ouvindo isso, solto a mão dela.

— Isso já não ficou ridículo? Não importa o quanto vocês conspirem, não vai mudar nada! Kazuki Hoshino será substituído e a irmã dele, Ruka, será morta. Ou vocês acham que podem simplesmente fugir para seu mundo imaginário?

Miyazaki-kun nos ridiculariza.

— Vocês não podem vencer! Afinal de contas, [Ishihara Yuuhei] se suicidou. Vocês não podem possivelmente encontrar alguém que já está morto! É claro, vocês também não podem destruir a ‘caixa’. Como vocês acham que vão resolver isso? Vamos, diga!

Ele… está certo.

O ‘portador’, o irmão dele não está mais entre nós. Nós não podemos fazer nada contra isso.

— …Eu já sei quem [Ishihara Yuuhei] realmente é.

Ele arregala os olhos ao ouvir o que Maria diz, mas percebe que ela não estava cantando vitória e pergunta.

— E então? O encontrou?

— … Não. Procurei o dia todo, mas não consegui nada.

— Huhu, bem, é compreensível. Você não pode possivelmente encontrar uma pessoa morta afinal de contas!

Ele proclama triunfante.

…Oh? Que sentimento estranho é esse? Sinto algo terrivelmente errado com a atitude dele agora. O que…?

«É tarde demais, entendeu? Não posso mais proteger a pessoa que quero proteger.»

Diz ele ajudou a completar a ‘Sevennight in Mud’ porque era a única forma de proteger ‘ele mesmo’. Porque o « irmão mais novo » que era tão importante para ele havia morrido.

Entendo.

— …Isso é uma mentira.

Ao ouvir meu murmúrio, Miyazaki-kun vira em minha direção imediatamente.

— Você disse que ele está morto, mas isso é uma mentira. É uma questão lógica se você pensar. Jamais faria isso, ou sequer permitiria que isso acontecesse.

— … Do que você está falando, Hoshino? Não tente distorcer o significado das coisas a seu favor.

— Ele era importante para você, não era?

Ele foi pego de surpresa por essa questão, mas admitiu mesmo assim.

— Sim.

— Então você jamais falaria sobre a morte dele rindo, certo?

É claro, apenas achei que isso era estranho, não pude contar como uma evidência. Portanto, se ele tivesse mantido a compostura e fugido da questão, eu teria sido enganado novamente.

Mas…

— Portanto, ele não está morto, não é mesmo?

Mas Miyazaki-kun não consegue responder. Ele apenas abaixa a cabeça.

— Uma mentira pode trazer esperança no momento em que for descoberta.

Repito essa fala. Que ele mesmo me disse uma vez. Quando levanta a cabeça, continuo:

— Você estava certo.

Ele arregala os olhos e abre a boca. Continuo olhando silenciosamente para ele, mas ele cerra o punho, range os dentes e me olha com uma expressão assustadora.

— …Mer… da…!

Contudo, ele é incapaz de fazer qualquer coisa e desvia o olhar novamente. Ele então começa a andar cambaleante e passa na nossa frente. Chegando perto da mesa ele pega o celular. Sem falar nada ele começa a apartar os botões e o coloca próximo ao ouvido para ouvir algo.

— Não cheguei a tempo.

Um murmúrio que mais parecia que estava falando com ele mesmo.

— Não cheguei a tempo. Estava tomando banho quando recebi a ligação.

Portanto já era tarde demais quando percebi o recado de voz. Ele provavelmente está ouvindo o recado do qual está falando.

— Deveria tê-lo salvo antes de ser tarde demais. Se tivesse percebido a dor que sentia antes, podia ter feito algo. E mesmo assim, estava intoxicado com minha própria infelicidade e não consegui ouvir seu pedido de socorro, mesmo sendo a pessoa mais importante para mim. Esse é o resultado disso.

Dizendo isso, ele abre a gaveta.

— Sei que já é tarde demais. Sei que não posso mais chegar a tempo. Mas quer saber? Ainda está gritando! Não quero mais… ouvir seus gritos!

Colocando a mão na gaveta ele continua.

— Vou acabar com suas lágrimas. Pelo seu bem, vou aguentar qualquer pecado e qualquer punição. Esse é o tamanho da minha resolução! Se vocês têm alguma reclamação podem dizer agora!!

— É claro que nós temos — Maria declarou.

— Você apenas parou de pensar. Não escolheu nada. Está tentando tapar os ouvidos porque não quer mais ouvir os gritos. Você está apenas se intoxicando com esse sofrimento enquanto nos enfrenta sem razão alguma.

Ela abaixa a cabeça por um instante, mas não hesita em dizer as próximas palavras.

— Você não pode mudar o passado fazendo isso.

— …E daí?

Ele abaixa a cabeça e sussurra.

— Você acha que pode desfazer esse resultado cheio de corpos, ou o que? Você não pode fazer isso. Não posso mais ter um futuro brilhante, não importa o quanto me esforce. Então pelo menos vou garantir que ele consiga o que quer. Isso é tudo. Então…

Ele tira a mão da gaveta.

— …Seja obediente e se renda de uma vez!

Ele se joga na direção de Maria com uma arma de choque em mãos.

— Maria!!

Ela segura a mão estendida dele e rapidamente a torce. Miyazaki-kun dá um leve grito de agonia e derruba a arma.

— Ugh…

Peguo a arma de choque. Maria pode restringir os movimentos dele, mas ela não vai usar violência desnecessária. Por isso, tenho que agir. Aceito a expressão no rosto dele sem desviar meu olhar. Não vou recuar. Se ele quer ser meu inimigo, então vou fazer o mesmo.

— Sinto muito.

Pressiono a arma pronta para descarregar no pescoço dele. Com um breve gemido ele desmaia em um instante.

— …Kazuki, vamos sair daqui.

— Certo.

Mas quando estava para sair, minha perna foi presa por algo.

— …!

Me virei rapidamente. Miyazaki-kun estava segurando minha perna em um estado de semiconsciência. Mas com tão pouca força que pude facilmente me livrar dele. Ele ergue a cabeça.

— … Me desculpe.

O que…?

— Desculpe por não ter chegado a tempo. Desculpe por não ter te salvo a tempo. Vou ficar mais forte… Eu vou ficar mais forte por nós dois… então, por favor, me dê apenas mais uma chance…!

Aah, não.

Essa súplica não é direcionada a mim. Mordo meu lábio e erguo minha perna. Apenas com isso consigo me livrar da mão dele. E então pressiono novamente a arma de choque contra as costas dele.

— …Você não tem mais chances.

Porque vou destruir esse desejo. Aciono a arma. A cabeça dele caiu no chão e para de se mover.

…Me desculpe. Eu tenho certeza que ele disse isso para [ele].

Mas talvez, esse pedido também seja direcionado a [mim]… esse pensamento cruzou minha mente por um instante. Passei por cima do corpo de Miyazaki-kun e peguei o celular dele.

— Kazuki, o que você está fazendo?

Abro a mensagem de voz.

«…me …ajude… Por favor, Nii-san, me ajude…!»

 

E então finalmente descubro a identidade de [Ishihara Yuuhei].

 

 


Notas

1 – Kenpō Kinenbi (Dia da Constituição): Um dos feriados da Golden Week. Comemora a atual constituição do Japão, que entrou em vigor em 3 de maio de 1947, durante o pós-guerra, substituindo o antigo estatuto da Era Meiji de 1889.

2 – No Japão a maioridade penal é de 14 anos.

3 – Kesa-Gatame (袈裟固): um movimento de imobilização lateral do judô

4 – Abreviação de Onii-san, forma carinhosa de se chamar irmão mais velho.



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