Volume 1 – Arco 5

Capítulo 42: Automutilação

Selena parecia brilhar. Seu vestido branco um pouco apertado de mais ia até o chão, cintilando com o que parecia ser purpurina. Além disso, a cor contrastava com sua pele negra e seus olhos de cores diferentes acrescentavam um charme a mais em seu visual. Um delineador dourado por cima dos olhos e uma tiara com orelhas de gato.

Enquanto a moça encarava Diego com certo ar de superioridade, e ao mesmo tempo parecendo que gostaria de ouvir algum elogio, o rapaz não parava de tentar espiar para o rumo de sua amiga, Margô, embora não a tenha achado.

Mais cedo ela lhe deu sinal para continuar com Selena, porém ele só queria dançar com Lorena. E como ele faria isso agora que a moça que tanto queria puxar para a pista de dança estava com Faramir e seu grupo?

Então ele se virou para a moça a sua frente, determinado a continuar com o plano estranho de Margô.

— Ahm… — murmurou, procurando palavras enquanto colocava o braço por trás da cintura da moça e a outra em sua mão, de forma desajeitada. Era difícil dançar com alguém maior, e ainda por cima usando salto alto. — Você está… Bonita.

Ela lhe olhou de um jeito meio decepcionado, como se as semanas que tivessem passando treinando não tivessem dado em nenhum fruto verdadeiramente promissor.

— É óóóbvio. Minha mãe que fez. — Ela deu um sorriso quase imperceptível. — Você também parece elegante.

— Obrigado?

Ele não gostou muito do “parece” de Selena. O ritmo das músicas estavam mais calmos, por isso era possível fazer os passos que treinou. Dois para um lado, dois para o outro enquanto viravam em volta do próprio eixo. Ou ao menos era assim que traduziria o que aprendeu com a moça. 

Enquanto se balançavam de um lado a outro, o rapaz sem jeito e a moça de uma forma elegante, ele quis saber: 

— Por que quis dançar comigo?

— Oh, sim — disse ela, com uma voz forçadamente pomposa. — Eu notei a forma como não parava de me olhar e de tentar chamar a minha atenção. Então resolvi te dar uma chance hoje.

Diego ficou confuso, embora isso, por incrível que parecesse, estivesse melhorando ainda mais os seus passos, pois saiam de forma automática agora e ele não precisaria mais ficar pensando neles.

— Não, eu não estava olhando para você — falou com sinceridade. E se fosse falar com mais sinceridade ainda, a maioria das vezes em que olhou para ela na vida foi com vontade de calar a sua boca de um jeito agressivo.

— Não precisa negar, eu já sei. — Mais uma vez a voz pomposamente forçada. — Você quis aprender a dançar só para ficar mais próximo de mim. — Isso era uma mentira. — Além disso minha irmã me contou o quão preocupado você ficou comigo quando fui derrotada por aquele asqueroso. — Ela se referia ao Alastor. E realmente, Diego ficou aborrecido com aquilo. Afinal, quem não havia ficado? — Então por isso te dei essa chance. Agora aproveite.

— Não sei se entendi… Você sempre me tratou de um jeito estranho também. Tipo, ficava de chamando de “pivete” e tudo…

O rapaz começou a processar algumas pequenas conversas em sua cabeça que uma vez teve com Sheila. 

Certa vez a moça, menos vaidosa que a irmã, havia lhe dito que a irmã tentava imitar o jeito requintado da mãe, a Sra. Sienna, que era uma modelo quando mais nova e que agora confecionava roupas.

Então ele notou, graças a Sheila, que o jeito vaidoso e exagerado da menina não passava de um reflexo da própria mãe. Basicamente, Selena estava imitando o que havia aprendido em casa, de um jeito estranho.

Isso explicaria o que ela disse logo depois, deixando Diego com vontade vomitar e desfalecer:

— Quando uma mulher está interessada em um rapaz, ela não vai se atirar para cima dele. — Ela deu de ombros. — Afinal, eu sou uma dama.

Ele sentiu um arrepio na espinha e fez uma careta. Aquilo era tão ridículo que todo o seu corpo tremeu. Só queria sair dali o mais rápido possível. 

E finalmente sua hora parecia ter chegado. Margô, com seu vestido amarelo, estava se aproximando dos dois. Ao lado dela estava Neto, que vinha com um grande sorriso no rosto, parecendo meio envergonhado. Ele vinha carregando uma bandeja de salgadinhos e uma jarra de suco de abóbora.

Margô de longe, fez um gesto estranho com a cabeça, apontando para o lado diversas vezes, para a direita. Ele não entendeu a princípio.

Selena parou de dançar e encarou os dois de forma agradecida. Ela se desvencilhou de Diego de modo a pegar o suco, porém assim que os dois chegaram perto o suficiente, Margô colocou o pé na frente de Neto. E ele, por sua vez, tropeçou e o suco de abóbora caiu sobre o vestido branco de Selena. 

Diego se desviou por puro reflexo. 

Para a sorte de Margô, Selena ficou aborrecida com Neto. Ela começou a gritar com ele e depois chorou. O rapaz tentou acalma-la enquanto pedia desculpas. Sheila foi tentar amparar a irmã, mas Selena ficou tão enfurecida e envergonhada que saiu bufando e chorando, com o vestido estragado. Sheila e Neto logo atrás.

Diego sentia pena, Margô segurava o riso com toda a sua força. Depois ela pegou o rapaz pelo braço e o puxou para um canto.

— Para que isso? — perguntou ele, meio surpreso com a atitude. 

— Para tirar você dela. Não é óóóóbvio? — Ela disse imitando a voz pomposa de Selena. Pelo visto a menina também conhecia a família Sienna muito bem. — Fora que já tá dando meia-noite e nada de você dançar com aquela menina. 

Diego parou por um instante e olhou para o lugar que estava sendo levado. Era para o rumo do grupo de Faramir. Lá no meio estava Lorena.

— Pera aí. — Ele parou. — O que tá fazendo?

— Você vai até o Faramir e na frente de todo mundo vai pedir para dançar com aquela menina. — Ela disse aquilo de um jeito mandão. — Entendido?

— Não!

— Escuta aqui… — Ela se aproximou dele, parecendo um pouco irritada. — Era só ter chegado nela e dito que queria dançar. Nenhum garoto quer dançar com ela, porque ela é a prometida do Faramir e blá, blá, blá. Então era óbvio que ela ia querer dançar com qualquer idiota que aparecesse na frente dela. — Aquilo magoou o rapaz um pouco.  — Como você estragou sua chance de ouro, vai ter que fazer de outro jeito: Vá até o Faramir e na frente deles vai pedir para dançar com ela. Entendido?

Ele fez uma expressão irritada.

— Não. Eu não sou um qualquerAí!

Margô pisou em seu pé. Ele devolveu com um cascudo.

— Para com isso — disse ela, se defendendo. — Escuta aqui, você é muito idiota. Ela queria dançar com qualquer um, agora ela só quer dançar com o Faramir e ponto final. Mas se você for lá e pedir, na frente de todo mundo, para dançar com ela, o que acha que vai acontecer?

— Vai acontecer de todo mundo rir de mim!

— Então que assim seja, mas pelo menos vai dançar com a garota. — Então ela lhe deu um empurrão, enfurecida. — Agora vai logo antes da meia-noite!

Diego bufou e então foi em direção ao grupo. Ajeitou um pouco o cabelo e foi até lá. Teria ao menos de tentar. Por algum motivo o movimento de suas pernas já não estavam funcionando muito bem. Estava no automático.

Assim que chegou perto o suficiente, todos do grupo se viraram para ele. Faramir, Rodrigues e outros mais velhos também estava por ali. O único da idade do rapaz era Rafaela, que continuava no grupo, conversando.

— Com licença — disse ele, se virando especificamente para Faramir, nervoso, embora calmo por fora. — Eu gostaria de dançar com a Lorena. — Muito formal. Ele ficou com vergonha. — Posso roubá-la só por um tempo, não posso? — Agora muito informal. Isso fez um pequeno sorriso brotar no rosto de mármore de Faramir.

Lorena olhou para baixo no mesmo segundo, possívelmente achando mais interessante os movimentos que suas mãos estavam fazendo uma por cima da outra. Entretanto, seus olhos estavam arregalados de surpresa. Não parecia prestar muita atenção no que quer que estivesse fazendo. 

Já Rafaela deu um grande sorriso que era só dentes, quanto o encarava com aprovação com seus olhos amarelados. O rapaz podia jurar que ela balançou a cabeça positivamente, com um ar de “É isso aí”.

Faramir se virou para o seu amigo, Rodrigues, que lhe respondeu com um sorriso quase imperceptível e um sinal de aprovação. Então ele se virou para a menina, que estava ao seu lado, surpresa.

— Senhorita Leindecker. — Diego reparou que ele não usava o nome dela. — Não acho que eu vá dançar hoje. Por que não aproveita o resto da noite com o senhor Murdock? — Sua voz era aveludada e doce. Era como se a vesse como uma criança de oito anos. — A decisão é sua.

Diego ficou nervoso de antecipação. Já estava suando, por mais que não estivesse fazendo calor e tampouco estivesse dançando. Aliás, dançar seria menos exaustivo que aquilo.

Lorena fez que sim com a cabeça, ainda olhando para baixo. Ela estendeu sua mão para Diego e fez uma reverência para ele, dizendo: “Encantada”. Ele a puxou para a pista de dança, ainda sem acreditar em seu feito. Dessa vez estava mesmo muito próximo dela e pôde reparar em mais detalhes de sua pele, seus olhos e cabelos.

Sua pele dourada estava levemente rosada na região das bochechas. Seus olhos verdes não paravam de olhar os seus. Por muitas vezes ela quis falar alguma coisa, porém parecia sempre ficar se cortando.

E até a meia-noite os dois ficaram perto um do outro. As únicas vezes em que trocavam palavras era quando iam de mesa em mesa conversar com alguém. Tiago ficou muito surpreso ao ver os dois. Galadriel estava de queixo caído. Lauro e Dani não paravam de balançar a cabeça e fazer um sinal de positivo com a mão.

Mas esse foi o máximo de interação que teve com a moça. Nenhuma conversa, apenas dança, comer juntos e troca de olhares embaraçosos. Mas para Diego, isso era o máximo.

Margô tinha se retirado mais cedo, pois, dizendo ela, estava cansada de mais para continuar até meia-noite. Aquilo não importava muito. O Cachorro tinha dançado com as três meninas mais bonitas do Craveiro.

Quando chegou a hora de todos se despedirem do evento, o rapaz teve medo de falar alguma coisa para a moça. 

— A gente se vê amanhã — disse ela, tomando a iniciativa. 

— Tá… — respondeu. E ela foi embora.

Diego ficou feliz e frustrado ao mesmo tempo. Queria ter tido mais tempo, ao menos assim poderia ter falado mais do que um “tá” com a menina a noite inteira. Alias, realmente, tinha sido muito pouco tempo, ou ao menos assim pensava. Queria mais, estava esperando mais do que aquilo.

Mas aquela noite ainda tinha mais uma surpresa lhe aguardando.

Antes de sair para seu dormitório, ele decidiu ir para o banheiro. Estava tão sereno por conta de Lorena que ele nem percebeu que os litros de suco que havia tomado até ali agora queriam sair.

Ele foi correndo até a porta dos funcionários, onde dava acesso ao palco. Para sua sorte, Riddley não estava mais ali. Pelo visto alguém tinha lhe levado para sua cama. Mais ao fundo estava a porta que dava acesso ao banheiro. Era só um banheiro, tanto para homens quanto para mulheres. Ele estranhou aquilo, mas entrou do mesmo jeito.

Assim que entrou, ficou paralisado com a cena a sua frente.

A Profa. Rúnica, a mulher que ele não viu a noite inteira, estava na frente de um espelho quebrado, pegando os cacos e cortando os braços. Lagrimas saiam de seus olhos, borrando toda a sua maquiagem violeta.

O sangue pingava na pia. As fendas eram abertas e nojentas. Diego tinha o estomago forte, porém aquilo lhe fez querer vomitar toda a comida da noite. Ela não viu ele de imediato, ele não fez barulho ao entrar. Era a opotunidade dele sair dali sem ser notado. 

— Eu te odeio… Eu te odeio… — Ela dizia, enquanto, de vez em quando, pegava da pia uma foto. Diego não viu direito a foto, pois estava assustado com o braço sangrento da professora, mas percebeu que na foto havia uma mulher. Ao lado dela estava alguém, porém a foto estava rasgada. — Eu te odeio… Eu te odeio…

Diego tentou sair rapidamente, sem tirar os olhos da professora. Ela o notou antes.



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