Volume 1 – Arco 5

Capítulo 41: Maré de Azar

Mais a frente estava Lorena, sentada, meio entediada, próximo de uma mesa de salgados, a maioria já completamente devorados pelos outros alunos. Diego estava começando a se aproximar da menina enquanto o seu coração batia com força no peito. 

Revisava na cabeça sem parar como que começaria a falar com ela. Deveria ser um simples cumprimento, ou ser menos formal? Ele teria de se decidir logo, pois Lorena, com aqueles olhos verdes, já estava lhe fitando com tom de curiosidade. 

Quando Diego se aproximou o suficiente para começar a falar com ela, viu que suas sobrancelhas eram levemente arqueadas para baixo, como se estivesse estressada quase o tempo todo. O vestido azul que usava era realmente bonito, conforme o diretor havia dito; realçava ainda mais o brilho que a menina parecia emitir.

— Oi — disse o rapaz de um jeito desajeitado. 

— Oi — respondeu, cautelosamente.

Ela estava na defensiva, ele notou. Não podia bancar o tímido, embora estivesse. Tinha de mostrar ser firme; ao menos ele julgava que isso era uma boa ideia.

— Você tá sozinha? — Ele estufou o peito e fez uma cara séria, embora estivesse com vontade de morder sua própria cara por conta da pergunta pateta.

Ela o encarou de baixo para cima, o analisando. Ainda estava sentada e de cara meio emburrada por conta dos insistentes foras que Faramir havia lhe dado.

— Aham — respondeu. — E você, deixou a Margô sozinha?

Diego entendeu errado a pergunta. Achou que ela estava dizendo: “A Margô está sozinha, então vá lá ficar com ela e vê se me deixa em paz”. 

— Não, não deixei — disse ele em tom defensivo. — Ela só cansou de dançar. Só isso. — E voltou a encara-la, agora com certo receio de continuar a conversa, já que para ele a menina estava lhe dando pouca atenção. — Ahm… Você não vai dançar com o Balthazar?

Foi a primeira coisa que lhe veio a mente e se arrependeu logo em seguida, mordendo as partes de dentro de sua boca por faze-la.  

— Não. — Ela olhou para trás, em direção ao garoto albino, e deu um suspiro aborrecido. Depois olhou para Diego, com um olhar meio triste. — Ele não é de dançar muito.

Isso foi o que ela disse, mas o que ele entendeu foi: “Eu preferia mil vezes dançar com ele ao invés de você.” E isso começou a lhe irritar.

— Sei… — Essa seria a hora para convida-la . O certo seria usar essa fragilidade. Entretanto ele tinha a impressão que se a convidasse acabaria sendo usado por Lorena como uma forma de fazer “ciúmes” a Faramir. Não que o albino fosse ser provocado por isso. 

Na verdade, Diego sabia que Faramir era tão estranho e, ao mesmo tempo elegante, que julgava-o como uma espécie de super-humano sem fraquezas. Mesmo assim, o pensamento de que seria usado como um joguete começou a lhe incomodar, por mais que isso fosse apenas fruto de devaneios.

— Pois é — começou ela, profundamente aborrecida. — Ele prefere ficar conversando com os amiguinhos. Aí ele vem usar a desculpazinha de ser muito alto e eu muito baixa. Tsk! Ele só não quer dançar comigo e pronto. É tão difícil chegar e dizer? Aí ele fica ali, parado, sem dançar com ninguém só para não me magoar.

Muita informação. Diego teve de parar uns segundos para processar. Lorena estava falando, isso era um bom sinal. Ela queria desabafar, de fato. E isso era bom. Poderia conquistar a amizade dela ali. Mas o rapaz processou erroneamente as informações.

Primeiramente, ele ficou incomodado por estar falando sobre outro garoto, que não ele. Depois, mais incomodado ainda com o fato dela não demonstrar notar segundas intenções vinda do rapaz. Afinal de contas ele não queria ficar papeando com ela e sim convida-la para dançar.

— Sei… — disse ele, matando completamente a conversa.

Depois disso o silêncio que se seguiu foi tão constrangedor que Lorena foi obrigada a voltar a falar, tentando puxar assunto.

— Pois é. E você, tem certeza que a Margô não quer mais dançar por outros motivos?

Era uma pergunta inocente. Lorena estava tentando colocar o rapaz no mesmo barco que ela, como dois rejeitados. Ao menos essa era a intenção dela. O que o rapaz entendeu foi diferente; diferente o suficiente para lhe irritar.

— Como assim? — Sua testa já estava franzida, e seus dedos já estavam tensos.

— Não sei — disse, dando de ombros. — Tipo, ela até que parece com você um pouco, agitada e tudo mais. — Diego fechou a cara ao ouvir aquilo mais uma vez. — Mas ela tem um pouco de classe. Não sei se vocês dois são compatíveis, entendeu?

— Não sei se entendi. — Sua voz era fria.

— Só quis dizer que vocês dois são diferentes, só isso. — Ela disse isso muito agitada, pois era óbvio, pela faceta enraivecida que Diego lhe lançava, que estava lhe aborrecendo. 

— E o que tem de mais nisso? — perguntou o rapaz, agora ficando realmente irritado. Tinha entendido tudo errado, do começo ao fim, pensando que tudo que a menina estava lhe dizendo era uma afronta pessoal. — Você e o Faramir são diferentes também. Não acho que combinam.

Foi nesse momento que ele entendeu que era ele quem estava falando bobagens. Até ali, Leindecker não havia ficado verdadeiramente irritada, estava mais com um tom tedioso e calmo, sempre tentando levar as coisas na calma. Agora, sua expressão e tom de voz eram outros. Irritação.

— Não lembro de ter perguntando — respondeu ela, cruzando os braços.

— Não me importo se perguntou ou não, você falou de mim e da Margô — falou ele, irritado. — Qual o seu problema? Não posso falar de você e do Faramir também? 

— Olha aqui… — Ela se levantou da cadeira e ficou a dois passos de distância do rapaz, ainda com os braços cruzados. — O Faramir é de uma família muito boa. E nós dois somos prometidos. Sabe o que significa isso, Murdock?

— Significa que você não tem nada a ver com ele — respondeu, com simplicidade. — Quem escolheu o seu destino foi sua família e não você. Você provavelmente nem estaria perto dele se não fosse prometida.

Ela paralisou. Depois desfez os braços cruzados e o encarou, meio irritada, meio chocada.

— Não é só isso! — tentou defender ela. — Tem mais do que isso. Quer dizer… Esses noivados servem para muitas coisas importantes…

— Tipo o quê? — perguntou ele, com malícia.

— Tipo…. Tipo… — Ela ficou perdida, olhando de um lado para o outro, e quando não achou resposta nenhuma, o encarou com raiva, chegando mais perto dele, e perguntando: — Vem cá, o que tu veio fazer aqui mesmo? Falar mal de mim?

— Foi você que começou, eu só revidei.

— Ah, pois desculpe — disse com ironia. — Se eu soubesse que isso ia irritar você eu nem tinha dito nada. Teria deixado você que nem um bobão parado aí.

— Não tinha outra coisa para falar?

— Claro que não. A coisa menos escandalosa que você fez foi dançar com a menina que todo mundo queria dançar. O que mais tinha para falar? Do monte de advertências que você tem?

Ele deu um passo para frente, ficando ainda mais perto da menina. Dois palmos de distância de seu rosto. 

— Podia ser — sussurrou ele, ameaçadoramente. — Era melhor do que ouvir você falando essas coisas.

— E o que você queria ouvir? — murmurou ela, em tom de desafio.

— Não importa. Eu só ia te perguntar se queria dançar comigo. Só isso.

Ela se inclinou para trás, surpresa. Então voltou com um tom de indignação na cara. 

— Mas por que você quer dançar comigo se tem a Margô? — Era uma pergunta completamente sincera. Era pura indignação. — É só porque ela tá cansada? É isso? Cansou dela e agora quer…

— Não é nada disso… — Ele balançou a cabeça. — Já estava querendo te chamar antes de dançar com ela. E eu ter dançado com ela foi culpa do Galadriel. 

— O que tem ele? — Quis saber, curiosa.

— Ele fez eu ir falar umas besteiras com ela. Acabei confiando nele e fui. No fim deu certo, a Margô achou engraçado e tudo… Eu não sei direito como aconteceu, mas ela virou minha amiga, de algum jeito.

Ela ainda estava parada, as mãos para baixo, analisando o rosto de Diego. 

— Você já estava de olho em mim? — Ela levantou uma sobrancelha. Ele começou a ficar envergonhado, principalmente após dar conta do que disse. 

— Não… Quer dizer, sim. Mas não como o Alastor olha para todo mundo. — Ela deu uma risada, isso aliviou a tensão do rapaz. — Só que eu já queria dançar com você antes de dançar com ela. Era só isso.

— Só isso?

Ele balançou a cabeça positivamente, enquanto passava a mão no pescoço. Depois disso, os dois se encararam por um tempo. A pele da menina era dourada. Mesmo para um baile, ela continuava usando aquelas tranças que pareciam uma tiara. Uma verdadeira princesinha. 

Mas essa era diferente. Não era como Selena, que se achava de mais, maquiagem demais, extravagancia de mais. Lorena era bonita sem precisar dessas coisas. Bonita de verdade.

Então Diego abriu a boca, calmo, pronto para fazer a pergunta. Ele estendeu a mão, começando a adotar a pose que aprendeu com suas aulas de dança.

— Você quer dan…

Alguém puxou seu braço para trás. Quando Diego se virou deu de cara com Sheila, uma das gêmeas. Os dois olhos dela eram azuis e seu cabelo era mais curto que o da irmã. Ela estava usando um vestido preto que ia até o meio de suas coxas. Sem salto, por isso ficava do mesmo tamanho que o rapaz.

Ela perguntou para Lorena:

— Com licença, posso roubar ele, né? — Ela apontou com a mão livre para o peito do rapaz, um sorriso no rosto. — Você não vai dançar com ele, vai?

Lorena tomou um susto. Parecia ter saído de um transe, aterrissando mais uma vez na terra. Ela piscou algumas vezes enquanto encarava o rosto de Sheila. Ela abriu a boca para falar alguma coisa, porém sua voz não saiu. Parecia surpresa com a propria capacidade de não falar, pois logo colocou a mão na garganta.

— Não, né?! — Sheila puxou ainda mais o braço de Diego. Até mesmo o rapaz estava confuso e sem entender nada. A gêmea por sua vez apenas o puxou mais e mais. — Então tá.

Ele foi arrastado atrás de Sheila, surpreso de mais para falar qualquer coisa. Ainda olhou para trás afim de ver Lorena. Ela estava tão surpresa e desnorteada quanto ele, até o momento em que cruzou os braços e saiu dali, indo em direção a Faramir.

Diego queria muito gritar com Sheila naquele momento. Porém Margô, que entrou em seu campo de visão, mais adiante, fez um sinal com a mão para ele. Ele não entendeu, a princípio, até que por fim ela começou a sibilar as palavras e o rapaz entendeu.

Ela dizia: “Pode ir!”, levantando o polegar para cima e piscando um olho para o rapaz. “Confia em mim!”, sibilou mais uma vez. 

Sheila o largou em um momento e foi em direção a uma menina muito alta, com um vestido branco que ia até o chão. Uma fenda no vestido quase mostrava toda a sua perna.

— Aqui, Diego — disse Sheila, pegando mais uma vez a sua mão e unindo com a da menina com vestido branco. — Essa daí é a menina que quer dançar contigo. Brincadeira — riu. — É a Selena. Selena, esse é o Diego.

Era pedir de mais que sua maré de azar acabasse?



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