Volume 1

Capítulo 29: Reencontro

Morpheus seguiu pelo prédio, perseguindo o rastro de destruição massiva. Viu um gigantesco buraco numa parede e passou por ele.

Do outro lado, estava a criatura a qual um dia chamou de companheira.

Os músculos estavam tensionados e as feias vermelhas cobriam todo o gigantesco corpo cor esmeralda. A raiva era espremida a cada baforada.

Ela segurava em uma mão os restos de um corpo desmembrado.

— Ângela — chamou ele, com voz calma enquanto se aproximava calmamente —, viemos buscá-la. A garota está comigo. Vamos embora.

— Urgh! — resmungos ecoaram. — Já faz mais de duas décadas que eu não perco o controle desse jeito...

Ela deixou cair os membros no chão e o seu corpo começou a voltar para o tamanho normal.

— A garota está nos esperando.

— Estou indo logo atrás de você...

Antes de sair, Ângela olhou para o corpo no chão. Não sabia que era a pessoa, se tinha família, ou se era mau ou bom.

“Não posso perder o controle desse jeito nunca mais.”

A última lembrança que tinha quando acordada era do vislumbre do rosto de Morpheus e os gritos assustados de Sienna.

Quando acordou, não viu nenhum dos dois e os extintos sobrepuseram a razão. Entrou em um estado que pensou que nunca voltaria a ficar...

Ambos andaram rapidamente pelo prédio, buscando voltar ao salão principal.

— Aquela porta dá aonde?

— Acho que ela dá na área vip que fica nas laterais do salão, no alto.

— Vamos usar e pular para o salão — Ângela seguiu na frente.

Entraram na luxuosa sala vazia. Quando estavam prestes a pular para o salão, viram a cena que se desenrolou no palco.

Ficaram em transe, assistindo o desenrolar do show e em completo silêncio até que o tiro foi disparado e a garota correu para longe.

Rostos paralisados, como se estivessem surpresos, mas ainda assim tivessem certa ideia do que estava acontecendo. Um fantasma do passado, talvez.

— Ângela... — Tentou argumentar algo, mas as palavras escaparam.

— Ela é como o pai. — Ela que terminou sua frase.

No dia em que foi visitada, ele a alertou, mas ela ignorou. Agora estava ocorrendo diante dos seus olhos. Sua pequena e inocente menininha acabara de matar um homem.

— O que faremos agora? — Uma aura gelada cobriu o salão, mas logo Morpheus recuou com ela, pois a intenção de matar da ogra era maior.

— Vamos continuar como se nada tivesse acontecido. Você e eu não vimos nada e vai continuar assim até o fim da viagem. Eu ainda a amo. Se um outro monstro nascer, deixe que cresça. Eu assumo a responsabilidade.

Morpheus olhou o rosto solene dela, guardou suas armas e apenas abaixou a cabeça, aceitando a situação dessa forma.

Conseguia, agora, entender um pouco disso. O amor era cego.

“Eu ainda a avisei. Ela se apegou demais a criança, mas também como não se apegar?”

Sienna era inteligente, gentil, carinhosa, dedicada e mais uma dúzia de bons adjetivos. Até Morpheus tomava cuidado para não gostar demais dela.

No entanto já era um fato; ele começou a gostar.

Então um acordo foi fechado à moda antiga dos Reinos Médios: uma troca de olhares e um aceno de cabeça.

Ambos concordaram que não viram absolutamente nada.

 

 

Entrando em outra sala, Sienna viu danos na estrutura do prédio, buracos no topo do salão, pedras e rochas deslocadas e manchas de sangue pelo chão.

Uma lhe chamou a atenção em específico. Era uma longa mancha que se arrastava até o palco onde estava.

“Ele percorreu esse caminho até chegar a mim.” Ela adivinhou.

Concluiu sua investigação da sala e tentou ir para outra, mas se escondeu atrás de um rocha ao escutar o som de passos rápidos.

Uma dúzia de soldados passou pelo salão. Eles não tardaram a ficar por ali e continuaram correndo para o outro lado. Um deles, porém, olhou na direção de onde Sienna se escondia.

Não era outro senão Hajor. Sienna prendeu a respiração instantaneamente.

— O que foi, comandante? — perguntou um dos soldados.

— Não é nada. Os inimigos escaparam. Vamos continuar evacuando o prédio e perseguindo-os.

— Sim, senhor comandante!

Sienna suspirou aliviada e se levantou para sair dali.

“Eu tenho certeza que ele sabia que eu estava aqui”, pensou ela, perguntando-se porque ele não foi até ali.

Ela continuou até outra sala, entrando mais e mais fundo dentro do prédio. De repente, escutou uma voz atrás por detrás.

Era um voz forte e grossa, mas que lhe acalmava até a alma.

— Sienna.

Ela parou no corredor. Ficou alguns instantes assim até que se virou com um sorriso largo no rosto. Viu o rosto de Morpheus. Ele estava se apoiando na parede e parecia um pouco ferido.

No entanto seus olhos olharam apenas para o ser ao lado dele. Sienna correu com alegria e saltou nos braços da ogra; sua mãe.

— Dona Ângela!

O reencontro finalmente ocorreu.

 

 

Sete dias se passaram e as notícias voaram pelos Reinos Médios e por outros países no continente.

— Vocês souberam?! Comandante Hajor matou Amon e capturou seus homens.

Foi a notícia do ano. A fama e poder de Hajor cresceram ainda mais, mas o homem sabia que nem havia trocado um golpe com a enguia.

A população comum estava alienada sobre o assunto, mas os mais poderosos sabiam o que havia ocorrido. Amon tentou lutar contra forças superiores.

A tempestade na ilha Jaisen, a destruição do Cassino, o surgimento de um monstro e o seu desaparecimento. Todas as aparições acompanhadas de um menino com olhos vermelhos.

Os olhos do diabo.

Era noite do sétimo dia. Em um quarto escuro, Afreim sentava-se em uma cadeira de frente para um mesa. Contava dúzias de moedas de ouro e jogava dardos em uma imagem de enguia.

De repente, uma janela se abriu na sala e um vento frio bateu. Afreim olhou inexpressivo para a janela e viu um pequeno rato.

— Sei que está aí. Apareça.

Da escuridão surgiu o homem baixinho e dentuço. Apresentou-se como se estivesse tirando uma cartola e pôs-se a falar:

— Amon morreu.

Afreim levantou o rosto; não conseguia esconder a alegria que sentia pela morte dele. Ele já sabia, mas ouvir era como música para os seus ouvidos.

— Eu já sabia. O que você quer aqui?

— Seth não está nada feliz. Os planos atrasaram e Hajor está ganhando mais poder.

— E isso é problema meu? Ou culpa minha? — Afreim arremessou outro dardo na parede.

— Eu vi você naquele dia. Seth não vai gostar de saber disso.

Subitamente, um silêncio se instaurou. Afreim levantou da cadeira, deu algumas voltas pela sala e ficou de frente para Said com um sorriso no rosto.

Said olhou nos olhos dele e se arrependeu do que falou.

— E-eu... — Tentou dizer algo, mas foi interrompido com um tapinha no ombro.

— Você não vai contar nada. A partir de hoje, eu mando em Jaisen. Entendeu? — Sorriu com crueldade. Suas palavras cortavam a coragem do baixinho.

— S-sim... mas...

— Mas o quê?! — Ele bufou.

— O-o garoto! — Escutando-o, Afreim se afastou um pouco. — O garoto não ficou com aquelas mulheres aranhas?

— Ficou. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele foi para o continente com a maior parte do dinheiro e as mulheres. Dizia coisas loucas sobre Gardenheim.

Para Afreim, o garoto vivia em um conto de fadas.

— E-então... agora que você que manda. O que faremos?

— Viveremos muito bem, Said. — Afreim era um homem ganancioso — Viveremos muito bem.

Os dois se olharam. Afreim com um sorriso verdadeiro e Said com um sorriso de nervosismo.

 

 

Em uma casa afastada na ilha Jaisen, aquela senhora que assustou Sienna sentava-se enquanto consertava os botões do velho uniforme militar azul.

Realizando a tarefa, tinha uma expressão alegre e viva.

De súbito, alguém bateu em sua porta. Levantou-se e caminhou um pouco até abri-la. Havia um homem do outro lado.

Era um jovem forte. Tinha uns 25 anos, cabelos vermelhos, músculos amostra e era bem alto. Uma pele bronzeada, um rosto comum e olhos dourados.

— O que faz aqui? — disse a mulher para o homem. A expressão alegre partiu com a chegada dele.

— Quero conversar com a senhora — respondeu com voz forte, demonstrando a seriedade da coisa.

— A última vez que conversamos, você levou meu filho de mim. E isso faz décadas.

O ódio que a idosa sentia pelo homem era perceptível. Ela não fazia questão de esconder.

— É sobre isso que queria conversar. — O homem pegou um chapéu de capitão das suas costas e um saco de moedas. — O seu filho está morto, senhora.

Os olhos da velha se tornaram vazios e o seu rosto escureceu. O homem então contou-lhe como os fatos foram narrados. A versão da população e a verdadeira, mas com um detalhe que somente ele sabia.

— O menino dos olhos vermelhos disparou com a arma e desapareceu no prédio.

A mulher olhou-o por um instante. Ela pegou o chapéu do filho e virou-se para dentro da casa.

— Senhora, a compensação financeira.

— Pode dar aos seus homens. Que eles façam um enterro para o meu filho. — A voz da mulher era fria. — E mais uma coisa: nunca mais apareça aqui, por favor, Seth.

— Como a senhora quiser, mas saiba de uma coisa. — Uma aura pesada repercutiu do seu corpo, quebrando o solo e tremendo a casa inteira. — Amon era meu amigo e eu odeio quem mexe com os meus amigos.

Carregado de fúria, ele deu um soco na direção contrária a casa. O ar se quebrou e uma área de terra vazia surgiu onde anteriormente era um gramado vívido.

Seth pegou as moedas, despediu-se e deixou a casa. A senhora sentou-se a mesa e começou a remendar os buracos no chapéu enquanto lágrimas caiam dos seus olhos.

— Pai e filho... mortos pelos mesmos olhos vermelhos — murmurou sentindo-se amaldiçoada.

 

 

Muito longe dali, Sienna, Morpheus e Ângela passavam pelo deserto. Estavam os três em uma carroça puxada por um enorme lagarto-do-deserto.

Uma criatura de pele marrom que servia como principal meio de transporte naquela região árida.

Morpheus controlava as rédeas e guiava o caminho. Sienna e Ângela ficavam sentadas na parte de trás. Elas dormiam recostadas e sem que se preocupassem com nada.



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