Volume 1

Capítulo 28: Leilão (3)

Apresentou-se um enorme salão. Nele, um número considerável de pessoas estavam aguardando o show principal do dia.

Eles aguardavam sem se preocupar muito; não estavam ansiosos, e apenas se deleitavam na companhia um dos outros, até porque raras eram as vezes em que tantos deles se reuniam.

Todos naquele salão eram as mais ricas pessoas dos Reinos Médios. Enquanto todos comiam boa comida, as mulheres papeavam, contavam vantagem ou apenas ficavam de fofoca e os homens discutiam sobre negócios e sobre o quão grande a fortuna deles se tornou naquele ano.

Risadas e a alegria falsa trazida pela riqueza ressoavam pelo grande salão.

“Eles são piores que aqueles do Cassino.”

Acima, escondidos nas ferragens no teto, estavam Sienna e Morpheus observando grande parte do lugar.

A menina encarou aqueles abaixo com certo desprezo. Aquele sentimento nojento que a assombrou anteriormente quando estava no Cassino não era nada comparado ao de agora.

De repente, do palco à frente, um homem surgiu. Era August, o homem que anteriormente viram dentro do armazém.

Ele andou com calma até o centro do palco. As luzes do salão se apagaram. Os ricos sorriram e sentaram-se em seus lugares, pois o show começava.

Em seguida, uma grande luz foi colocada no homem no centro do palco.

— Boa noite, senhores e senhoras — disse August.

Ele começou um longo discurso sobre aquele dia e as grandes atrações que viriam. Como tratava tudo como se não fosse nada, aquilo irritou Sienna ainda mais.

Depois da longa divagação, as coisas realmente começaram.

— Primeiro. Apresento a vocês está belíssima peça do Reino Jordens. — Ele estendeu a mão para um longo tecido. Era apresentado como feito a mão e tinha uma cor vermelha forte, algo raro de se ver na região. — Começaremos o lance com...

Lá em cima, Sienna olhou para o tecido. Depois de alguns olhares, deduziu:

— Falso...

— Falso? Como você sabe? — interrogou o Morpheus.

— As roupas feitas no Reino Jordens são de uma linha naturalmente vermelha. É um símbolo da “grandiosidade” do Rei Dragão que eles dizem proteger a nação. Aquele tecido, ele foi tingido de vermelho.

O homem assentiu com a cabeça. Aquilo passou despercebido até para ele. A garota ao seu lado possuía conhecimentos incomuns para a maioria das pessoas.

— Quando aparecer algo falso, quero que me conte e também o porquê.

— Tudo bem.

Rapidamente o tecido foi vendido. Sienna olhou para a dama que o comprara com um sorriso e quase soltou um riso, mas se conteve.

Os itens do Leilão continuaram a aparecer um a um. Metade deles Sienna analisou como falsificados.

Notou também que o interesse do público diminuía cada vez mais e que August ficava cada vez mais nervoso.

Ele acelerou as coisas.

— Hoje, como todos sabem, temos um item muito especial. Contudo, antes, quero lhes apresentar o anterior prêmio principal.

Um dos servos veio caminhando devagar. Suas mãos carregavam uma caixa de vidro e dentro estava o item que Sienna viu antes.

Todos os ricos pararam de gritar. Alguns até levantaram-se das cadeiras para olhar melhor.

— Convidados, gostaria de falar um pouco sobre esta maravilha — começou August. — Os modelos dessa arma foram criados e desenvolvidos pela grandiosa heroína que nos salvou durante a Grande Guerra.

A dor de cabeça da garota retornou com toda a força. Ela colocou a mão no lugar que doía e continuou observando.

— Desejam o poder de um mago na palma da mão? A capacidade de lançar poderosas bolas de metal e fogo? Pois, hoje, lhes ofereço está obra prima: uma arma de fogo.

Antes que terminasse de falar, os lances começaram a vir. Cada um muito mais alto que o outro. As palavras “heroína” e o poder de um “mago” tornaram-na ainda mais atrativa.

August deleitava-se no esplendor. Ele tinha um sorriso que ia de orelha a orelha. E, após mais uma dúzia de lances, vendeu a arma por um preso abusivo.

Então, chegou o momento mais importante. No entanto, um grupo de homens entrou no salão com calma.

Morpheus e Sienna foram os únicos a notá-los.

— Amon... — comentou o homem.

“Logo agora?”, pensou ela.

O palco, de súbito, tremeu. Um alçapão se abriu e de dentro uma plataforma começou a subir.

Os olhos vermelhos de Sienna brilharam. Afinal, a sua mãe estava ali.

Ângela estava subindo na plataforma. Mãos e pés estavam presos em uma mesa por cordas e ela ainda estava desacordada.

A multidão entrou em Frenesi. Mulheres ficaram horrorizadas e alguns homens ficaram boquiabertos.

— Pensado anteriormente terem desaparecido do continente. Uma criatura de poder inimaginável para aquele que souber controlar! Convidados, ofereço-os um ogro!

Os lances começaram a vir como uma enxurrada.

Sienna batia os dentes e o rosto estava cheio de fúria. Tentou descer das ferragens, mas foi segurada por Morpheus.

— Siga o plano. Deixe que façam os lances. Quando levarem-na para o armazém, resgatamos ela.

— Eu sei... mas... olhe! — Sienna apontava para o estado dela.

O homem também estava cheio de raiva, mas ainda precisavam aguardar. Os lances continuaram até que Ângela foi vendida por uma fortuna.

August tinha um sorriso que não se poderia esconder. Aproximou-se da ogra e bateu no seu ombro.

— Obrigado. Você é meu passaporte para a riqueza... — Ele foi interrompido.

Olhava para o rosto da ogra. Um arrepio lhe subiu a espinha e o corpo tremeu por inteiro. Sentiu que a vida passou diante dele.

Ângela despertou e o encarava. De repente, ela levantou um dos braços, arrebentando as cordas como se fossem nada.

Ela agarrou a cabeça do homem que estava paralisado. Com um aperto leve, a cabeça dele explodiu em sangue e massa encefálica.

— AAAARGH!!! — O grito dela ressoou por todo o salão.

Com um único passo, soltou-se das cordas e destruiu tudo que lhe segurava e, então, saltou para o meio do salão.

A Aura percorreu todo o corpo como uma armadura invisível. Assim que caiu, uma explosão de poder abriu uma cratera no chão, matando a todos que estavam no alvo e fazendo o prédio tremer.

O caos se alastrou por toda a parte.

Como um Juggernaut, Ângela abriu um caminho de destruição pelo salão até desaparecer por dentro do prédio.

— Fique aqui! — exclamou Morpheus para Sienna. Até ele estava surpreso com a mudança súbita.

Ele saltou das ferragens e deixou Sienna no palco. Em seguida, perseguiu Ângela.

Amon, no meio da multidão assustada, percebeu o seu inimigo e o perseguiu. Os homens de Hajor e os guardas do Leilão também seguiram.

Sienna ficou sozinha no meio do palco. Sem ter o que fazer, a sua atenção se voltou para a arma de fogo.

 

 

Amon correu entre as pessoas até chegar em um outra sala.

— Capitão, o que fazemos agora? — perguntou um pirata.

— Eu não me importo com a ogra. Eu quero o outro. Atrasem ela!

Os piratas saíram correndo. Hajor e os seus guardas também passaram pela sala e por Amon, mas ele ignorou a presença da enguia, apesar de saber quem era.

“Não tenho tempo para ele.” Foi o que pensou.

A sala em que estava não tinha nada de muito especial. O poder de Ângela havia tremido o prédio inteiro, então o teto tinha vários buracos deixando a luz entrar.

Uma porta abriu e o homem de preto passou por ela. Amon estava parado no meio da sala. Ele estava parado em uma das frestas por onde a luz entrava.

— Vamos acabar com isso, monstro.

Morpheus o encarou com o seu rosto inexpressivo.

— Como queira...

A espada do pirata foi erguida; as lâminas do vampiro foram sacadas.

Desviando da luz, Morpheus voou em direção ao inimigo. A velocidade absurda não era visível a olho nú.

Amon colocou a cimitarra na frente do corpo para se defender, mas ainda foi arremessado para trás.

Ele anteriormente achava que tinha vantagem. Morpheus não tinha sangue, estava fraco por causa da luz do sol e, sem sombras, não poderia usar magia desse tipo.

Contudo a diferença de força ainda era absurda. No entanto, ele ainda tinha uma arma secreta.

Levantando-se, ergueu a lâmina outra vez e abriu o seu macabro sorriso.

— Ainda não acabou!

— Por que tem tanta obsessão por mim? — perguntou Morpheus.

— Obsessão? Há há há! — O riso gelado tremeria a alma de qualquer pessoa. — Você sabe muito bem, monstro. Depois de tudo o que você fez, acha que suas ações após a guerra compensaram as perdas?

Uma expressão de entendimento passou pelo rosto de Morpheus. Ele compreendeu a razão de toda a raiva e apenas entrou em posição de combate.

— Vamos acabar com isso. — Desta vez, as palavras saíram pela boca dele.

 

 

Sienna pegou a arma de fogo da caixa e começou a analisar os seus componentes. Ela montou e desmontou diversas vezes. Estava fascinada com aquilo.

Ela terminou de montar e apontou para o outro lado do palco, onde viu um homem caído no chão, ferido.

Deu um passo para trás assustada e caiu no chão.

Amon respirava pesado e sangrava muito. O seu sorriso foi embora e ele caiu de joelhos na frente da menina.

Vendo a garotinha assustada, ele soltou uma risada. A primeira risada verdadeira em muitos anos.

— Então você é a razão para tudo isso, menina? — Sienna não respondeu. — Sabe, garota, você está se metendo em algo perigoso. O monstro que anda com você... não é quem pensa.

Ela achou que estivesse falando de Ângela e a raiva lhe fez esquecer o medo.

— Não fale assim da minha mãe!

— Sua mãe? — perguntou enquanto vomitava um bocado de sangue. — Estava falando do homem de preto. Ficar perto dele é pedir para morrer. Ele não é um ser humano. Ele é algo sombrio e antigo.

Sienna pegou a arma caída no chão e se levantou.

— Garota — chamou outra vez. —, se não acredita em mim, pergunte para ele porque o persegui até aqui.

— Que resposta vou ter? Por que você não diz?

— Estou morrendo, idiota! Ah. Desculpas. Não estou acostumado a falar com damas e você não iria acreditar na minha palavra mesmo.

Amon levantou o braço e jogou a espada para Sienna. Ela olhou para a lâmina com serpentes que caiu do seu lado.

— Aceite! É um presente, mas em troca, quero algo tam... cof! cof!...bem.

O moribundo levantou o braço com dificuldade, apontou para a própria cabeça e fez um gesto de disparo.

Sienna olhou para a arma que tinha na mão e apontou para o homem, mas não disparou. Apesar dele ser o inimigo, ela tinha medo.

— Não tema... vai ser um favor — disse ele, mas ela já não ouvia.

A arma, o homem e a dor de cabeça. Sienna começava a entrar em pânico outra vez, assim como na luta contra os corvos.

Ela fechou os olhos e, quando abriu, estava de volta ao espaço branco com a mulher. Desta vez, a sua imagem era quase perfeita.

A única coisa ainda oculta em névoa, era o rosto. A mulher era alta, esquia, forte, com um ar de perseverança e segurança.

Os cabelos foram o que mais lhe chamaram atenção. Assim como os dela, eram brancos como a neve.

— Deixe que eu te ajudo, menina. Não precisa fazer isso sozinha. — A voz meiga tocou os ouvidos, mas desta vez Sienna estava decidida.

— Eu preciso aprender a me virar. Eu preciso ficar forte, senão perderei minha mãe outra vez.

A mão da misteriosa mulher tocou o rosto da inocente menina.

— Este é um caminho sem volta. Lhe darei a força que deseja, é só vir até mim... um dia, seremos uma...

Sienna saiu daquela mar branco e encarou o homem à frente. Devagar, puxou a trava de segurança.

Um sorriso surgiu no rosto de Amon, um de verdade. Ela retribuiu com um próprio e, como um ato de misericórdia, puxou o gatilho.

A explosão quente e o coice arremessaram a arma para longe. A bala acertou o peito e Amon caiu com o sorriso ainda no rosto.

Sienna suspirou. Piscou os olhos, pegou a espada e a arma. Saiu, então, do palco, buscando por Morpheus.



Comentários