Volume 1

Capítulo 31: Matilha Abandonada

— Bom, como vocês já se conhecem, eu vou deixar a parte chata com você, Goro. — Disse Richert, o líder, se afastando de todo o grupo, em seguida a terceira integrante, uma mulher de cabelos longos avermelhados, seguiu os passos do homem. — Enquanto isso, eu e a Rose vamos recolher as criaturas.

— Certo, entendido. — Goro respondeu prontamente. Assim que os outros dois se afastaram da velha moradia rural abandonada, em direção aos cadáveres das criaturas, ele retomou a sua atenção com dificuldades de conter o seu espanto para Celina e o rapaz salvo: — Colth, o que você está fazendo aqui?

— Eu é que pergunto isso. Você não deveria estar na Capital, esse não era o seu sonho?

— Haha. — Forçou uma risada sarcástica com o rosto sério. — Eu estaria, se tivesse conseguido uma vaga na guarda Real.

— Então, você não conseguiu? E acabou entrando para tropa anti-criaturas?

— Não precisa esfregar isso na minha cara. Você não foi melhor do que eu, não é? — respondeu Goro, em um tom defensivo agressivo.

— Eu não tô esfregando nada... — Colth percebeu que o rapaz não lhe daria ouvidos quanto aquilo, se desfez do assunto balançando a cabeça e continuou em tom mais sério após se levantar com ajuda de Celina. — Escuta, você não deve confiar nas pessoas do ministério da Defesa. Há algumas pessoas infiltradas que estão sabotando para tomar o poder. Você deveria deixar a Defesa e...

— Que patético.

— O quê? — Ficou surpreso ao ser interrompido pelo tom superior de Goro.

— Que patético, Colth. Você está mesmo tentando me prejudicar, apenas por ter fracassado? Não acredito que chegaria a esse ponto.

— Não, você entendeu errado. Isso não tem nada a ver com o exame de admissão...

— Tem tudo a ver com aquele maldito exame! — Goro aumentou o tom de voz. Demonstrava a raiva em seus olhos enquanto Colth, e Celina ao seu lado, eram surpreendidos. — Você não suportou a ideia de eu ser o primeiro guarda Real de Toesane, não é mesmo? Não suportou ver a sua família afundando enquanto a minha se destacava, não é?

— Goro, eu não sei do que você...

— Fala a verdade! Desde que o covarde do seu pai entregou Toesane de bandeja para Albores, sua família simplesmente ruiu. E mesmo assim, você quis tentar ofuscar o meu sucesso, simplesmente por inveja.

— Não, eu nunca quis isso. — Tentava acalmar a situação, estava surpreso pelas palavras sinceras do rapaz, geralmente possuía um tom mais refinado e snobe, mas dessa vez, Goro estava extravasando suas emoções como nunca antes. Colth tentou manter a compostura: — Nós éramos amigos, mesmo nossas famílias se odiando, você sabe disso. Eu nunca quis atrapalhar nada...

— Mentira! — rebateu o anti-criaturas com os olhos ferventes.

— Não. Não é.

— Então, por que tomou o meu lugar na pré-seleção de Toesane? Você ficou sabendo que eu havia me inscrito para a única vaga daquela pré-seleção e, mesmo assim, se inscreveu e passou. Que belo amigo, em? — disse aflito enquanto se aproxima e encarava face a face o velho conhecido. — Você não faz ideia do que a minha mãe teve de fazer para conseguir uma vaga extra e me colocar naquele exame de admissão. Tudo por conta da sua inveja.

— Nunca foi por sua causa. Eu apenas segui um desejo do Thomas.

— Thomas? — Goro disse descrente se afastando enquanto balançava a cabeça negativamente em retaliação. — Eu devia saber que aquele covarde suicida tinha um dedo nisso...

Antes que o rapaz concluísse a sua fala, Colth foi movido pela fúria e instinto, fechou e apertou com força o punho direito, se moveu rapidamente na direção de Goro e o golpeou.

Um belo direto de direita que, mesmo não sendo acertado em cheio, fez a sua vítima dar um passo para trás e se agachar para evitar uma queda em acerto a sua mandíbula.

— Foi um acidente! Thomas morreu em um acidente! — berrou Colth, extravasando a sua raiva e contendo a sua ofensiva.

A exemplo do agressor, Goro ficou imóvel, cuspiu a saliva com gosto de sangue sobre a grama úmida e, em seguida, olhou para Colth a seu reflexo.

— Você está perdido Colth... Eu podia te denunciar agora mesmo. Você seria levado para uma prisão no Oeste da Capital, mas não. Vou deixar você apodrecer aqui mesmo. Afinal, esse foi o castigo que eu te dei.

— O quê? — estranhou Colth.

— Meu cotovelo tem a marca do nariz daquele idiota até hoje. — Goro mostrou um olhar malicioso enquanto ajeitava os seus cabelos. Em seguida, começou a caminhar em direção aos outros do seu grupo.

— O que você disse, seu... — Colth fechou o punho novamente, estava prestes a perseguir o amigo de infância novamente. Não se conteria com apenas um soco dessa vez. Mas antes que pudesse partir em mais uma ofensiva, seu braço foi agarrado com força.

— Não! Para. — Celina disse em contraponto enquanto recebia um olhar surpreso de Colth. — Isso não vai resolver nada.

— Você entendeu, Celina? Foi ele, quem derrubou o Aldren da parede de escalada na admissão...

— Eu entendi. Isso não muda nada.

— Mas... — Colth respirou fundo, observando o arrogante se afastando. Se conteve ao retornar os olhos para a garota.

— Aqui. Trouxe algo para o curativo também — Jorge retornava com a água fresca do rio e alguns panos limpos tirados de um dos armários empoeirados da casa.

— Muito bem, Jorge. Agora volte para a casa e nos espere lá — respondeu a garota recebendo os materiais para os curativos simples.

O rapaz ainda expirava a sua raiva enquanto observava de longe o grupo da tropa anti-criaturas realizando o trabalho de amarrar os cadáveres das criaturas sombrias aos seus cavalos.

Colth teve a sua atenção tomada por Celina, ela o fez se sentar sobre a mureta de pedras que envolvia o terreno para facilitar os curativos e seu tom continuou neutro como sempre.

— Devia pensar mais, antes de tomar uma atitude dessas. — disse a garota em um tom simples disfarçado de reprimenda enquanto ajeitava o braço esquerdo ensanguentado do rapaz e se preparava para limpá-lo com um dos panos úmidos.

— Você não fica com raiva?

— O que quer dizer? — Perguntou e, delicadamente, começou a riscar o pano sobre a pele suja.

— Não tá brava com o idiota do Goro? Foi ele quem... Ah, esquece.

— Eu não sei... — Ela pensou por um segundo. — Fiquei um pouco confusa. Não consegui pensar muito. Meu peito ardeu, e eu só quis que você parasse de dar motivos para aquele rapaz parar de falar.

— Como assim, seu peito ardeu? Foi como das outras vezes? —perguntou Colth enquanto fechava um dos olhos em reflexo a resistência da dor que o algodão do tecido causava sobre os ferimentos em formas de presas.

— Eu não sei. Acho que deve ser algum problema cardíaco, mas o Aldren sempre me diz que é isso que me faz humano.

— Você, acha mesmo? Um problema cardíaco?

— Eu não sei.

— Para quem é uma das pessoas mais inteligentes que eu já conheci, você diz “eu não sei” muitas vezes. — Colth percebeu que a garota à sua frente, ocupada com o limpar dos seus braços, desviou o olhar de forma instintiva. Ele respirou para mudar o seu tom na sequência: — Sabe o que eu acho? Você tem medo de colocar para fora o que você sente. Por isso seus sentimentos ardem no seu coração quando você os nega.

— Eu não...

— Eu não sei — completou ele. — Você é imprevisível com suas atitudes, mas bem previsível com as suas palavras — permaneceu ele com bom humor e sorriu ao ver os olhos impressionados de Celina. — O seu coração, isso aí que arde no seu peito as vezes — plenamente sarcástico —, ele também se fere.

— Eu não sei se entendi. — As palavras eram as mesmas, mas dessa vez, Celina se mostrou curiosa a ponto de parar o que estava a fazer para prestar inteira atenção as palavras do rapaz.

— As coisas que envolvem as pessoas que você gosta, e você mesmo, podem ferir o seu coração. E as vezes, esse ferimento pode deixar algumas cicatrizes, tipo essa na minha mão.

— Então eu devo combater esses sentimentos — decidiu-se ela.

— Não. Até a minha sobrinha Agnes já teria entendido isso. —reclamou Colth para si próprio com a cara fechada, mas logo voltou a ser gentil com a garota. — Sentimentos são bons. Mas você deve saber quando se desfazer deles, se não vão acabar se acumulando no seu peito e te destruindo por dentro.

— Sério?

— Sim.

— Pensando agora... — Celina arregalou os olhos minimamente ao se dar conta. — Eu me senti melhor quando gritei com você.

— Bem, não era exatamente isso o que eu tinha em mente, mas... Viu? É só você colocar os sentimentos para fora, e tudo vai ficar melhor. — Colth desviou o olhar ao pensar no que dizer a seguir, viu a garota voltar ao seu curativo quando se decidiu: — E sobre ontem... Eu queria pedir desculpas. Eu fui bem insensível.

— Tudo bem, o Jorge me disse que aquilo só aconteceu porque você é meu amigo.

— Amigo? — Seu rosto avermelhou-se antes mesmo de entender o sentido daquelas palavras. — O Jorge disse isso?

— Sim.

— Eu devo ser um péssimo amigo, então. — O rapaz baixou a cabeça em conjunto com o tom punitivo. — Acabei não te ouvindo e te deixando nervosa.

— Não precisa se culpar, você não quebrou nossa promessa, ainda vamos achar o Aldren e os outros, certo?

— Sim, pode apostar que vamos. — Sorriu confiante.

— Pronto. Acabei. — completou Celina ao deixar as mãos de Colth livres após os primeiros socorros.

O curativo envolvia parte da palma da mão e o pulso do rapaz que, após ver o bom trabalho da sua amiga, sorriu mais uma vez satisfeito.

— Certo. Agora, eu vou lá expor meus sentimentos para esse Goro. — disse Celina em tom destemido franzindo as sobrancelhas de modo determinada enquanto visava o desafeto distante.

— Não, não, não. — Colth imediatamente parou a ofensiva dela.

— Mas você falou...

— Lembra que eu falei que você deve saber a hora de se desfazer dos sentimentos? Então, essa, definitivamente, não é a hora.

— Isso é bem complicado de entender. — Ela desistiu, Colth suspirou aliviado em resposta.

— Não se preocupe, eu vou te ajudar com isso.

— Sério?

— Sim. Afinal, somos amigos. — Colth recebeu um olhar surpreso de Celina como resposta.

Ele sentiu o seu rosto corar ao perceber que havia dito algo tão tosco. Fingiu nunca ter falado tal baboseira e apenas desviou o olhar. Ela, por sua vez, colocou a mão sobre o peito e suspirou dúvida.



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