Volume 2

Capítulo 125: A Forma do Futuro, Segredo, Devaneio

— Acha que poderia ser diferente?

— Diferente? Talvez. Mas nossas escolhas nos trouxeram até aqui. Ficar pensando no que poderia ter sido é perda de tempo. O único caminho possível é fazer algo agora, para que, daqui em diante, possamos ter orgulho das nossas decisões.

— Heh. Tarde demais pra nós, não acha?

— …

O silêncio entre eles se estabeleceu em meio à escuridão severa. Sob os pés era possível sentir a superfície líquida, sem temperatura.

— Você se arrepende de algo? — a pergunta veio dela, em voz baixa.

— De uma tonelada — ele respondeu com naturalidade, já em paz com esse assunto. — Mas isso não é ruim. Se não fosse o arrependimento, eu não teria me forçado a mudar.

Ela permaneceu quieta por um tempo, pensativa. A escuridão os envolvia em um véu espesso e não lhes permitia a visão.

— Então… acho que sim — murmurou ela.

— O quê?

— Acho que poderia ter sido diferente. Se eu tivesse me arrependido antes... eu teria feito diferente. Talvez não fosse boa, mas não precisava ter sido tão ruim.

Ele soltou um riso curto, apenas em compreensão.

— Você se arrepende de não ter se arrependido. Isso é bem a sua cara.

Ela virou o rosto na direção dele desconfiada, mesmo que não pudesse vê-lo naquele breu.

— O que quer dizer com isso?

— Que você sempre esteve um passo atrás. Sempre tentando justificar tudo, como se o mundo fosse te forçar a ser quem foi. Sempre dizia que não tinha escolha, mas agora que tudo acabou, você vê que tinha muitas alternativas. Tinha o tempo todo.

Ela mordeu os lábios contrariada. Estava prestes a rebater, mas as palavras morreram antes de ganhar forma. Se conteve e apenas perguntou com sinceridade:

— Você sempre soube disso, não é?

— Sempre soube que um dia você perceberia. Mas não que conseguiria admitir.

Ela soltou uma risada abafada.

— Eu fiquei presa na mente da pior pessoa possível. Mas quer saber? Eu vou sentir falta disso.

— Você era uma voz insuportável na minha cabeça. Mas no final ainda está ao meu lado. Eu sou grato a você.

— Não é como se eu tivesse escolha. — Ela sorriu, e pela primeira vez, foi um sorriso sem ironia. Percebendo exatamente isso, seus ombros pesaram. — Se ao menos eu tivesse te conhecido antes... quando ainda havia tempo. Quando ainda importava.

— Mas tudo importou. Tudo importa.

— Fala isso porque tá com pena.

— Falo isso porque é verdade. Falo isso porque pra mim importou e ainda importa. — A voz dele era convicta, enquanto ela prendeu a respiração involuntariamente. — A Agnes tinha razão. Ela viveu tempo o suficiente no seu interior para saber que lá havia alguém que valia a pena lutar. E depois que passei algum tempo com você, eu pude ter a mesma certeza. Quando apenas a verdade permaneceu, quando você não tinha mais máscaras para se esconder, você era apenas a Lashir.

Ela desviou o rosto, como se o seu nome nunca tivesse sido dito daquela forma. Sem medo, sem ódio, sem cobrança.

Foi então que ele notou. Após alguns segundos do silêncio no escuro, as sombras ao redor estavam se movendo. Se contraindo. Sendo atraídas para a mulher.

— O que está...?

A visão dele clareava. Pela primeira vez, enxergou os traços dela com nitidez. A silhueta de Lashir, vívida e presente. As sombras se contorciam em suas mãos, sendo recolhidas para dentro do seu corpo.

— A lâmina da adaga de Sathsai é mesmo afiada — disse ela, em um tom que beirava o casual. — Só precisou de um golpe, e minha alma foi arrancada do seu corpo. Infelizmente, o sacrifício foi concluído com ela.

— Lashir... você...

— É, Colth. Você vai voltar sozinho.

— Voltar? — ele avançou um passo, instintivamente, mas ela ergueu uma das mãos, gentilmente.

— O que foi? Achou que eu ficaria no seu corpo pra sempre? Isso seria nojento — ela tentou rir, mas sua voz falhava. — Além disso, tem alguém mais importante por quem você deve lutar. Alguém que realmente mereça que você se importe com ela.

— Espera! Podemos...

Ela negou com a cabeça e então olhou pra ele, firme.

— Eu vivi do jeito errado por tempo demais. Fiz muita coisa que me arrependo. E quando finalmente senti vontade de ser diferente... já era tarde. Pelo menos agora, eu possa ao menos levar comigo a parte mais podre disso tudo.

As sombras se condensavam, girando em torno das palmas das mãos de Lashir. Colth teve a respiração cortada e disse em plena dor:

— Eu não quero te perder.

— Engraçado — caçoou ela. — Eu já havia me perdido há muito tempo, mas foi você, Colth. Foi você que permitiu que eu me reencontrasse.

Lashir caminhou até ele. Seus dedos trêmulos tocaram o rosto de Colth com uma delicadeza quase impossível para quem carregava tantas sombras. Ela tentou manter o controle, mas até o toque revelava o quanto estava prestes a se desfazer.

— Obrigada — sussurrou ela.

A palavra pairou entre eles por um instante longo. Colth tentou responder, mas não conseguiu. Queria poder dizer tudo. Que ela importava, que ele ainda não estava pronto, que talvez ainda houvesse outro caminho. Mas nenhuma palavra veio, apenas a dor e a garganta fechada.

Ela manteve o olhar fixo no dele, apenas observando-o e agradecendo por aquele momento.

Então, sem aviso, um chamado.

Um clarão silencioso. Um estalo. Colth foi arrancado dali, como se o seu mundo lhe chamasse de volta. Como se o mundo decidisse continuar sem ela.

O espaço entre eles se esticou até arrebentar.

A mão de Lashir escorregou pelo ar, sem mais encontrar a face dele. Colth se foi.

E o vazio permaneceu.

Lashir torceu o rosto. Respirou com dificuldade enquanto as lágrimas saltaram dos seus olhos. Apertou o peito com o punho e caiu de joelhos quando suas pernas tremeram. O som do contato com a superfície líquida ecoou brevemente, distorcido pela imensidão solitária que a cercava.

— Por que, Colth...? — sussurrou ela, os lábios fracos. — Por que demorou tanto...? Por que... por que eu não te conheci antes?

As palavras se perderam no espaço sem fim. Ninguém para ouvi-las. Apenas o vazio

As lágrimas caíram. O aperto no peito se fez mais forte. E o arrependimento de fato culminou.

— Idiota...!

A voz em meio ao choro de Lashir ecoou na eternidade.

E então, só o silêncio permaneceu. Um silêncio absoluto. Sem vida. No vazio. Na solidão. Um silêncio onde apenas Lashir existia, e onde existir era a sua punição.

                                               ***

— Ah! Finalmente, você acordou!

A voz chegou primeiro como um eco, arrastando-se pela consciência de Colth, até encontrar forma. Ele franziu a testa, uma dor pulsando da cabeça até as pontas dos dedos.

Quando Colth finalmente conseguiu focar a visão, viu o rosto suado e coberto de fuligem de Goro pairando sobre ele. O sorriso aliviado nos lábios dele não escondia a exaustão nos olhos.

— Goro...? O que...?

— Eu nem acredito que você tá vivo — Goro riu, a voz tremendo mais de nervoso do que humor.

— O que aconteceu? — perguntou Colth, confuso, tentando reconhecer o lugar onde estava.

Acima dele, nuvens leves se moviam lentamente, tingidas de dourado e laranja pelo Sol nascente. O vento trazendo um ar com cheiro de cinzas e magia queimada.

— Sinceramente? Eu também não entendi direito. O dadivar foi concluído... mas você... você continuou aqui.

As palavras de Goro acertaram em cheio as memórias confusas do guardião de Anima.

Colth se ergueu bruscamente, os músculos ardendo em dor, mas o que o deixava inquieto era algo mais grave. Um silêncio. Um vazio estranho dentro de si. Aquela presença constante, aquela voz incômoda, agora não estava mais lá.

— Droga. Foi a Lashir... ela... — A respiração travou enquanto ele colocou a mão no peito. — Ela não tá aqui. Eu... não consigo senti-la.

Goro olhou para ele, mais sério agora. Comentou pensando a respeito:

— Então foi isso. Nós sentimos quando o dadivar à Lux foi aceito. Quando o sacrifício de um guardião se completou. Mas não foi você. Foi a Lashir.

Colth assentiu, desviando o olhar. O gosto da perda subiu à garganta, amargo.

Mas então, algo na fala de Goro o puxou de volta à urgência:

— Espera. Você disse que o dadivar foi concluído. Então Lux...

Goro ficou em silêncio por um segundo. Então, deu um passo para o lado, permitindo que Colth visse além dele.

O cenário à frente era o de uma guerra violenta recém travada. A luz dos primeiros raios de sol ainda era fraca, mas suficiente para iluminar uma imensa pilha de escombros feita de pedras escuras e antigas. Colth reconheceu as estruturas retorcidas de imediato, as colunas partidas, os brasões despedaçados. Era a fortaleza de Última. O que restava dela.

— O que é tudo isso...? — Colth sussurrou, sentindo os pelos dos braços arrepiarem.

— Após o Aldren te acertar com a lâmina de Sathsai — Goro começou em tom pesado —, Lux retomou o seu poder. Garta atrasou ela como pôde, enquanto Celina curou os seus ferimentos.

Colth levou a mão à cabeça, tentando ordenar as memórias que não vinham.

— E o Aldren, ele...

— Ele tentou te atacar enquanto Celina lhe socorria. Não teve chances contra a lança do senhor Dante.

— Quem? — perguntou Colth, sem reconhecer o nome.

— O anterior guardião de Tera. Eu não sei os detalhes. Só sei que o Koza também está de volta, e agora é um enorme lobo.

Colth soltou um suspiro sofrido.

— Parece que eu dormi por umas duas semanas...

Um rugido distante os interrompeu. A terra tremeu sob seus pés, e uma nuvem de poeira subiu no horizonte além das ruínas.

— São eles? — Colth perguntou, já sabendo a resposta.

— Garta e Celina estão tentando impedir Lux. Mas...

Goro calou-se ao ver Colth começar a correr, mancando, em direção ao ponto de impacto.

— Ei! Espera, Colth!

— Não temos tempo pra...

Goro o alcançou em dois passos e agarrou seu braço com força.

— Eu falei pra esperar! — Sua voz era firme. O olhar, feroz. — Me escuta ou vai levar outra surra de mim. Com força, dessa vez.

— Hã?

— Garta e Celina nos deram uma missão — disse Goro, respirando fundo.

— Missão?

— É. Acha mesmo que eu ia ficar aqui só olhando sua cara de imbecil enquanto elas enfrentam Lux sozinhas?

— Eu acho...

— Não precisa responder, tá bom? — rebateu Goro, irritado com o tom do amigo. — Agora, você precisa vir comigo.

O silêncio que se seguiu foi cortado por um novo estrondo, longínquo, grave, como um rugido.

A brisa do amanhecer descia das montanhas ao fundo, espalhando o frescor pelos arredores. Entre a cidade destruída e os escombros da antiga fortaleza de Última, estendia-se um campo irregular, coberto por algumas pedras partidas e vegetação rasteira. Do outro lado, o bosque próximo, ainda cheirava a umidade da noite sobre as folhas. Ali, entre cidade, bosque e ruínas, o confronto já se desenrolava.

Garta e Celina estavam distantes uma da outra, mas ambas tinham as roupas marcadas pela luta e a respiração ofegante. Koza circulava por perto, esperando com elas, a próxima movimentação da inimiga poderosa.

À frente deles, a poeira de um impacto recente começava a se dissipar, revelando uma silhueta entre a névoa turva.

Lux emergiu com a mesma elegância cruel de sempre. Caminhava convicta com seu vestido preto provocante. Seus olhos vermelhos ardiam fixos, inabaláveis. Os longos cabelos brancos ondulavam com a brisa. E seus lábios, belos e serenos, desenhavam um sorriso calmo demais para quem estava prestes a destruir tudo.

— É inútil — declarou ela, com a certeza do poder. Seus olhos se fixaram em Celina.

Ergueu a mão suavemente. Um gesto pequeno. E, no instante seguinte, lançou.

Uma esfera de energia absoluta. Pura magia de Calis. O projétil foi rápido em direção à Celina. Ela, por sua vez, esticou os braços e, no momento exato, agarrou a pelugem de Koza. O lobo gigante passou correndo por ela e permitiu que sua mestra alterasse o seu posicionamento em um instante.

A esfera seguiu seu curso até explodir contra uma das montanhas ao longe, abrindo um clarão e um estrondo que reverberou como um trovão pelos vales.

Celina soltou-se de Koza e deslizou os pés elegantemente sobre a grama até parar ao lado de Garta, os olhos atentos.

— Minha vez — murmurou Garta, já se movendo, como em um revezamento.

A guardiã de Finn se concentrou em sua magia e então se deslocou, surgiu no instante seguinte as costas de Lux.

A espada curva de Garta assoviou ao cortar o ar em um arco certeiro na direção ao pescoço da Deusa.

Mas antes que o metal tocasse sua carne, uma barreira translúcida se ergueu em sua defesa. A lâmina ricocheteou com um som agudo, faíscas surgiram ao toque poderoso do metal na magia de Mutha.

Garta rangeu os dentes. Não recuou. Em vez disso, forçou um segundo deslocamento, mesmo antes da sua magia estar totalmente recarregada. Rasgando o espaço com pura vontade, reapareceu ao lado de Lux, deslizando em meio à poeira e arremessando a lâmina em um corte de baixo para cima.

Lux, no entanto, já se antecipava.

Sua mão direita brilhou com a energia de Véu. E uma dúzia de corvos surgiu como uma explosão de sombras. As aves, com olhos vazios e bicos afiados, voaram contra Garta.

A guardiã tentou manter o foco, mas foi atingida de raspão nos ombros e pernas. Perdeu o equilíbrio por um segundo, recuou um passo e brandou sua espada para afastar uma das criaturas, cortando-a ao meio. Sangue espesso espirrou para cima.

Garta recuperou o equilíbrio, ofegante enquanto mantinha os olhos tensos.

— Ahh!!! — Um resmungo de esforço surgiu da outra lateral de Lux.

Aquele era Dante, aproveitando a brecha. O lanceiro de Tera surgiu em um salto e avançou com uma estocada potente. O brilho da lâmina reluziu sob o sol nascente, apontada diretamente para o outro flanco de Lux.

Mas a Deusa já havia reagido.

Em um rápido gesto com a mão esquerda, o sangue do corvo ao ar ganhou vida e, através da magia de Rubrum, seguiu em direção ao segundo atacante. O líquido endureceu repentinamente e formou uma espécie de escudo escarlate que desviou a ponta da lança de Dante até ela encontrar o chão.

Lux se virou lentamente. O rosto sereno e o olhar incandescente frio.

O lanceiro teve o seu golpe completamente frustrado, e por consequência ficou cara a cara com a Deusa maior.

— Você vai pagar pelo que fez à Tera! — gritou ele, tentando recuperar a postura.

Ela ergueu uma sobrancelha. E foi o suficiente.

O homem revirou os olhos de forma involuntária. Sua mente ardeu imediatamente e ele não pôde fazer nada além de ajoelhar mediante a magia de Anima e a dor extrema atingindo a sua mente.

— Ahhh!!!

— Suma da minha frente, seu inferior — Lux firmou as palavras à medida que lançava a magia de Finn sobre o homem.

No momento seguinte, Dante não estava mais lá. Apenas o vento soprando as folhas pelo campo.

Garta, ainda ofegante e convicta que não poderia dar espaço ou tempo para a Deusa, se lançou novamente. Um corte horizontal, rápido e certeiro.

— Não vou deixar você usar a minha magia assim! — vociferou ela.

Antes que o golpe a atingisse, Lux materializou seu cajado e cravou a lâmina dupla do bastão ao chão. A espada faiscou ao encontrar o obstáculo, e o som metálico ecoou pelo campo como o ressoar de um sino.

— Sua magia? — Lux repetiu, franzindo o rosto com desaprovação. — Toda magia é minha. Não existe fonte além da minha presença.

As duas estavam frente a frente. A lâmina de Garta pressionava o cajado da Deusa, faiscante, mas imóvel. As mãos de ambas firmes, os olhos se encarando ainda mais intensos.

— Me diga, garota agraciada por Finn… — começou Lux, como se não se esforçasse para manter o equilíbrio de poder entre elas. — As vozes da espada estão comportadas?

— Como… — Garta arregalou os olhos, mas não teve tempo de reagir.

Um calafrio percorreu sua espinha. O metal em suas mãos murmurou em sua mente.

"Corte."

"Vá fundo."

"Ela sangra, Garta. Faça sangrar. Como sempre você fez."

As vozes ecoavam como sussurros reverberando dentro da cabeça da guardiã. Sua visão tremeu. O rosto de Lux se distorceu, as feições se multiplicando em um espelho quebrado diante dela.

"Mate."

"Faça o que faz de melhor."

"Essa dor... é tudo que você tem!"

— Cale... calem a boca…! — Garta gritou, confusa.

Mas as vozes riram.

"Você é apenas uma ferramenta!"

"Corte. Corte. CORTE!"

Ela gritou, os olhos arregalados e vazios. A espada tremeu em suas mãos perdendo espaço para o cajado da Deusa. Então, Lux assumiu o controle. Girou o cajado e preparou a lâmina dupla em direção à guardiã. Seria um golpe sem resistência.

Mas então, um som ecoou pelo campo. Passos pesados em ritmo crescente.

Koza surgiu rápido.

O lobo branco gigante cortou a grama alta por onde passou em alta velocidade. Em seu dorso estava Celina com os cabelos ao vento e os olhos firmes.

— GARTA!! — gritou ela, a voz rasgando a espécie de transe que a guardiã havia estado.

Celina estendeu o braço direito e apontou a palma da mão em direção a aliada. A magia de Tera cintilou por ela.

Uma rajada branda cruzou o ar e atingiu Garta em cheio.

O tempo ao redor dela desacelerou por um instante. O som cessou. As vozes da espada vacilaram, hesitaram, e então se calaram.

A respiração de Garta voltou. Parecia completamente recuperada. A lâmina tremeu em suas mãos e, finalmente, ela recuou dois passos rapidamente, atônita.

Lux esboçou um avanço com suas lâminas, com intenção de finalizá-la, mas antes que pudesse agir, Koza se lançou à frente.

O rugido do lobo branco ecoou pelo campo. Ele partiu para cima da Deusa com as presas expostas. Um ataque direto, feroz, e até imprudente. Lux se surpreendeu com a ousadia da criatura e saltou para trás, evitando o impacto por centímetros.

Koza parou, firme, entre Garta e a ameaça, encarando a Deusa com os pelos eriçados. Celina permanecia montada em seu dorso e também fixou seus olhos sobre Lux de forma a não se intimidar.

Lux rebateu os olhares, inicialmente em silêncio. O leve sorriso sereno havia sumido.

A brisa do campo soprou novamente, agitando as folhas das árvores do bosque próximo.

A Deusa girou o cajado lentamente e o reposicionou, elevando o queixo arrogante.

— Tera. — sua voz saiu gélida, divina. — A última magia que não me foi retornada… ainda.

Koza rosnou antes de responder.

— Isso é porque minha mestra jamais permitiria que você roubasse o que é dela.

— Quem permitiu que um mero familiar ousasse me responder? — rebateu Lux, com um tom de desdém. — Fui eu quem abençoou Tera. Toda a magia que ela carregava era minha. Apenas estou tomando de volta o que é meu por direito.

— Você não tem direito algum sobre a magia de Tera — respondeu Koza, firme. — Minha mestra deixou a benção dela para uma única pessoa. Para a única que pode manter a mais bela magia longe de uma atrocidade como você, Lux.

— Cale a boca, seu ser insignificante — vociferou Lux. Em seguida voltou os seus olhos plenos em direção à Celina. — Então é isso, herdeira de Tera? Esse é o tipo de servo que você mantém ao seu lado? Desrespeitoso que não sabe o seu lugar?

Celina respondeu com serenidade:

— Koza não é meu servo. Ele é meu amigo, meu familiar.

O lobo, ao ouvir aquilo, balançou o rabo com orgulho. Logo voltou à posição de alerta.

Lux bufou, entediada.

— Patético. Exatamente o erro que todos os meus filhos cometeram. Acharam que sentimentos os tornavam especiais. — A Deusa mãe continuou em tom exatamente presumido. — Mas você, garota... você não é especial. Apenas teve sorte. O poder caiu em suas mãos por acaso.

— Não é verdade! — rosnou Koza, avançando um passo. — Tera protegeu sua magia com a própria vida. Se sacrificou na explosão de magia em Albores para manter a sua benção nas mãos de quem poderia confiar. Sei disso, pois eu mesmo foi quem atestou que essa garota era a resposta certa. E eu não estou nenhum pouco arrependido dessa escolha. Assim como a minha mestra, tenho certeza disso.

— Eu já não lhe falei para calar a boca, criatura? — rebateu a Deusa.

— Você não tem essa autoridade, Lux. Eu só obedeço a uma pessoa — retrucou Koza, informalmente. Ergueu os olhos em direção a garota sobre ele. — O que você acha, minha mestra, deusa de Tera?

Celina respondeu neutra, mas por dentro ela estava fervendo em sarcasmo:

— Pode falar o quanto quiser, Koza. Fez um bom trabalho ganhando tempo para nós.

Lux estranhou.

— Viu só? — Koza sorriu mostrando os seus caninos. — O que você chama de futilidade, eu chamo de vantagem.

E então, o próprio céu pareceu ter respondido. Um estrondo rasgou o ar.

Algo imenso descia em queda livre em direção a Lux, como um meteoro.

— O guardião de Nox não perderia essa batalha épica! — gritou Mon, em um golpe poderoso.

A Deusa arregalou os olhos. Saltou para trás no último instante.

Mon e seu martelo colossal aterrissaram violentamente contra o solo onde ela estava, levantando pedras, poeira e um tremor que sacudiu o campo.

Todos foram obrigados a se firmar, até mesmo Lux.

Foi o momento perfeito. Da poeira, a lança de Dante, retornando ao combate, surgiu veloz. A ponta afiada brilhou ao rasgar o ar. Lux girou seu cajado e aparou o golpe com força, o impacto ressoou entre os dois.

Antes que pudesse respirar, mais uma lâmina cruzou sua visão. Garta, recuperada e determinada, cortava o ar com a espada de Finn, mirando a cintura da Deusa em mais um golpe horizontal perigoso.

Lux, agora pressionada, teve que reagir rápido. Levantou o cajado e, em um gesto preciso com as mãos, invocou a magia de Mutha, conjurando mais uma vez sua barreira translúcida para impedir os ataques sincronizados que a cercavam.

A barreira de Mutha trincou com o impacto potente da espada de Garta. Lux foi obrigada a recuar mais alguns passos, os olhos vermelhos odiosos em frustração.

— Seus... — murmurou. — Vocês todos... são inferiores!

Girou o cajado no alto com ambas as mãos. O ar ao seu redor se comprimiu e, em seguida, explodiu em energia, lançando todos os atacantes para trás com uma onda brutal de magia divina.

Garta rolou ao chão, mas se levantou em um salto habilidoso. Dante cravou a lança no solo para se segurar. Mon plantou o martelo como uma âncora. Celina e Koza foram jogados para trás, mas aterrissaram juntos com o lobo amortecendo o impacto.

No centro do campo, os pés de Lux deixaram o solo, flutuante. Seus olhos expressavam raiva enquanto se concentrava em puro poder.

— Vocês acham que podem me derrotar? Tão fútil.

— Não — sussurrou Celina, se levantando sobre Koza. — Eu tenho certeza.

A Deusa cerrou os dentes.

— Eu sou a mãe de todas as magias! Sou a criadora dos criadores de mundos! Tudo, sempre foi, e sempre será meu! — Sua voz reverberou.

Ela ergueu o cajado mais uma vez. Ao redor, o céu do amanhecer pareceu escurecer. A gravidade e o espaço tremeram sob os pés de todos. A mente e o sangue gelaram. A energia, alma e matéria cintilaram. E uma esfera sem absoluta cor, breu, começou a se formar sobre a cabeça da Deusa.

— Isso é ruim... — sussurrou Koza.

Celina arregalou os olhos tentando pensar em algo, mas a Deusa foi mais rápida:

— Eu criei o ciclo. E agora, encerrarei... para que ele renasça sem vocês, sem pecados ou arrependimentos!

Porém, antes que completasse a conjuração, uma flecha de luz cortou o céu e perfurou o globo negro de energia. A esfera rachou. A magia se desfez em mil estilhaços de energia pura, explodindo em um brilho ofuscante.

Lux grunhiu, cobrindo o rosto.

Do alto dos destroços de uma das torres desmoronadas da fortaleza, Iara abaixava o seu arco. Ao lado dela, Goro com um sorriso bobo de quem havia acabado cumprir um objetivo difícil.

— Tá falando demais, Deusa — disse Iara.

— Belo tiro, fofinha — comentou Goro.

Garta, ao ouvir a voz deles, se orgulhou imediatamente.

— Eu sabia que vocês conseguiriam — sussurrou ela. Em seguida voltou os olhos para a inimiga de todos. Apontou a espada na direção da Deusa e vociferou para os seus aliados:

— Não parem!

Dante, Mon, Koza e Iara avançaram mantendo a ofensiva sobre Lux. Eles revezavam golpes e magias sobre a Deusa que defendia ou rebatia todos de forma impiedosa e furiosa.

Goro saltou pelos escombros e então correu até estar ao lado de Garta e Celina.

Ele sorriu ao alcançar elas como um cão esperando um elogio após um truque:

— Eu falei que conseguiria. Foi até fácil trazer a fofinha de volta com aquelas bugigangas da baixinha inventora.

— E o Colth? — perguntou Garta, direto ao ponto.

— Poxa, nenhum agradecimento? — Ele respondeu fingindo desapontamento.

— Goro... — Garta arqueou uma sobrancelha o apressando em tom crítico.

— Tá falando sério? É o Colth, não precisa se preocupar — Goro apontou os olhos para a mulher ao lado, abrindo espaço para a resposta dela. — Não é mesmo, Celina?

— Sim. Eu confio nele. Colth vai conseguir, tenho certeza.

Ela balançou a cabeça positivamente, convicta. Goro sorriu, recebendo a exata resposta que ele esperava. Garta assentiu, em plena confiança nos amigos.

Então, Koza aproximou-se deles e disse em direção a Celina:

— Mestra, Dante está exausto. Precisamos do seu suporte e da sua magia de revitalização.

— Claro — ela respondeu já pegando impulso para se pendurar a pelagem do seu familiar e então montar sobre suas costas. — Vamos.

O lobo avançou rápido de volta a batalha, deixando Goro e Garta para trás.

Goro sacou o revólver de Sathsai pronto para segui-los.

— Vamos também...

— Espera — Garta se colocou a frente dele. — É melhor você ficar aqui.

— O quê? — agora sim, ele estava surpreso.

— Goro, você não é como outros aqui...

— É claro que não — ele rebateu no seu tom mais defensivo e sarcástico. — Eu sou bem mais bonito do que o brutamontes ou o velho de uma só mão e...

— Pare de graça — interrompeu Garta. — Você sabe do que estou falando. Você é o único aqui sem magia. Se a Lux te acertar com qualquer golpe, você vai...

— Isso nunca vai acontecer — cortou ele, em menosprezo, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

— Quê? — Garta nem soube como reagir a tamanha resposta imatura e sem noção.

Ele manteve os olhos sorridentes nos dela.

— Você é minha guardiã. Esqueceu o que disse naquela noite? — perguntou, e logo desviou os olhos, lembrando do soco que levou no estômago. — Minha guardiã assustadora... é verdade.

Garta balançou a cabeça, contrariada.

— Não, não... É muito perigoso aqui. Se você tentar qualquer coisa, eu juro que vou te deslocar para o canto mais longe desse mundo e...

Goro avançou. Segurou a mão dela e encarou os belos olhos negros de perto. Garta se surpreendeu e sua respiração cessou impactada, corou o rosto fervente. Seus narizes quase se tocaram, e ele foi mais enfático, sem se permitir ao sarcasmo. Sério:

— Escuta. Eu finalmente achei onde eu quero estar. Com as pessoas que quero estar e, principalmente, com quem quero passar o resto do meu tempo. — Ele respirou fundo. Garta engoliu em seco. Goro continuou: — Se você me odeia tanto assim... se quer tirar tudo isso de mim... se quer me transformar em um homem vazio e esquecido por tudo aquilo que me importa... então usa a sua magia. Me manda para o inferno mais distante desse lugar.

Ela não conseguiu responder. Apenas respirou leve, pequena diante da intensidade daquelas palavras. O mundo ao redor silenciou-se aos seus ouvidos para ouvir o que viria a seguir.

— Mas se aquilo que me disse naquela noite for verdade... — Goro apertou com mais firmeza os dedos nos dela — então me deixe estar com você.

— Mas e se... — A voz dela vacilou. Os olhos, tão convictos em batalha, agora tremiam diante de algo que não podia ser combatido com magia alguma.

— Para sempre com você, Garta. — A voz dele era calma, cheia de certeza. — Não importa o que acontecer. Enquanto você estiver aqui, eu vou querer estar também.

Silêncio. Um, dois segundos... Ela soltou um suspiro trêmulo. E por fim, balançou a cabeça levemente, afirmando.

— Tá... tudo bem.

As palavras saíram baixas, quase como uma rendição. Uma confissão disfarçada.

Goro respirou mais aliviado, cortando a tensão. O sorriso voltou aos poucos, mais gentil agora. Não precisou dizer qualquer palavra, seus olhos se encontraram com os dela por mais um instante em conexão e comum acordo.

Apenas se virou, olhando novamente para o caos que acontecia no centro do campo.

Garta permaneceu ao seu lado. Ainda um pouco desconcertada, ainda vermelha, especialmente ao perceber que suas mãos continuavam entrelaçadas. Por um instante, pensou em soltá-las, mas não o fez.

— Está pronta, minha guardiã? — perguntou Goro, recuperando a atenção dela.

Ela virou o rosto devagar, os olhos encontrando a face concentrada dele. Não respondeu de imediato. Apenas o observou em silêncio. Estava feliz. De fato, feliz, mas no fundo, um receio. Um medo de perder aquilo que acabara de encontrar.

Por fim, respirou fundo, dominando a inquietação no peito. Voltou o olhar à batalha, embainhou a espada com firmeza.

— Sim. Pronta.

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