Volume 2

Capítulo 73: Fraco à Noite

Ao centro da cratera, Garta se esgueirava pelas pilhas de pedras que um dia foram o centro da Capital. Ela agachou atrás do que sobrou de um muro de tijolos quebradiços e aguçou sua visão sobre a cobertura para identificar a espada brilhante de lâmina suavemente curva.

Lá estava o seu objetivo em forma de aço damasco, entregue ao tempo, esperando por alguém capaz novamente de brandi-la. Garta podia sentir o chamado da lâmina, o desejo do objeto inanimado que ressoava como magia por seu ser.

Quando estava prestes a se levantar e correr para o centro daquele ambiente inóspito onde a arma cravada na base rochosa estava, teve sua atenção tomada pelo grupo de lunáticos que se aproximava.

Garta freou sua corrida antes mesmo de começa-la. Viu aquelas dezenas de pessoas sem íris nos olhos se amontoarem caminhantes em uma direção que não representaria perigo, eles seguiam em linha reta e passariam diante da guardiã sem cruzar o seu caminho.

“Justo agora?” Pensou ela optando por esperar a passagem da fila de lunáticos e ficou imóvel atrás do muro de tijolos observando os movimentos dos demais.

A guardiã precisaria apenas aguardar a completa passagem do desfile bizarro debilitante que eram aquelas coisas e então teria o caminho livre para o seu objetivo novamente. Mas assim que os primeiros da fila horrenda, aqueles que guiavam o restante, se alinharam entre a espada e a guardiã escondida, os seus passos pararam. Em consequência, todos os outros também pararam mantendo os olhos ao céu.

“Mas o que é isso?” Pensou Garta apreensiva, percebendo algo de errado.

Os primeiros da fila viraram o corpo em direção a ela e em seguida voltaram a caminhar no mesmo ritmo de antes.

“Droga, droga, droga...” pensou a guardiã arregalando os olhos e pressentindo o pior enquanto o desfile dos bizarros mudava de direção e vinha ao seu encontro.

“Eu não fiz barulho algum e eles não podem me ver. Então, por qual motivo mudaram sua rota? Eu fui descoberta? Não. Não estão correndo ferozmente como Iara disse que aconteceria se eu fosse notada. Talvez, algo tenha lhes incomodado, algo como o meu cheiro ou então... Ah, esquece isso agora.” Se forçou a interromper os seus pensamentos especulativos ao ter a aproximação do grupo de criaturas evidente.

Os lunáticos estariam diante dela dentro de alguns segundos. Garta cogitou recuar, ou então correr para o seu objetivo que era a espada, mas qualquer uma dessas opções faria algum ruído e, se o que Índigo e Iara haviam relatado não fosse exagero, aquelas criaturas que já foram humanos em uma vida passada, escutariam até mesmo os passos apressados dela na terra seca.

A guardiã não se amedrontou, manteve a calma e esperou sem barulho, se escondeu recolhida ali mesmo, agachada com as costas ao pequeno muro em extensão. Prendeu a respiração quando se viu próxima de ser cercada pela multidão de lunáticos. Aquelas coisas esbarravam entre si sem tirar os olhos do céu enquanto caminhavam sem uma direção certa. Era como uma grande onda de carne, difícil até de identificar cada um dos indivíduos pertencentes a ela.

A onda acertou o muro de tijolos onde Garta se escondia e se dispersou em dois grandes grupos de criaturas que faziam a volta no obstáculo e retornavam a se encontrar metros há frente. Garta estava de fato presa naquela multidão, cercada pelos indivíduos, mas não havia sido notada.

Ela podia sentir os passos e os esbarrões do outro lado do muro onde se escorava escondida. Os dois grupos percorriam o caminho passando perto dos ombros da guardiã encolhida no esconderijo e voltavam a se unir logo em seguida para continuar a sua caminhada em direção incerta.

Garta podia escutar a respiração pesada deles que se harmonizavam em um ritmo único acelerado. Respiravam como uma só entidade. Isso surpreendeu ainda mais a mulher encurralada que se esforçou para manter a calma em meio a tantos deles.

Ao contrário dos moribundos, a guardiã manteve a sua respiração nula enquanto observava aquelas coisas passarem em ambos os lados arrastando os pés e provocando um só ruído contínuo na terra. Ela controlou suas emoções, seu medo, e sua aflição, assim como fazia quando estava prestes a puxar o gatilho e disparar um rifle de Sathsai.

Aquelas coisas, que não podiam mais ser chamadas de humanas, pareciam não acabar. Um atrás do outro, eram dezenas que continuavam em fila percorrendo o espaço como um rio em movimento. E estando mergulhada nesse rio, Garta manteve-se submersa sem respirar. Mais um pouco e seu fôlego acabaria. Ela pressionou os seus próprios pulmões ao abraçar o próprio corpo torcendo para que aquele pesadelo acabasse.

Quando viu os últimos indivíduos da onda passarem e se encontrarem mais a frente se distanciando, Garta se encheu de esperança. Esperou mais alguns segundos para ter a certeza de que não seria notada e respirou leve, esvaziando os seus pulmões com calma e depois os enchendo com a mesma tranquilidade necessária. Sabia que se apressasse isso, se apressasse a sua respiração, provavelmente se afogaria e a tosse seria inevitável, uma tosse barulhenta e delatora.

Não foi a primeira vez que prendeu a respiração por tanto tempo assim, seus deslocamentos dependiam disso também. De certa forma, era uma técnica conhecida por ela.

Recuperou o fôlego pacientemente e foi de encontro ao canto do muro. Ainda ajoelhada, esgueirou-se e checou o caminho até a espada mais uma vez, não havia nada entre ela e seu objetivo agora.

De fato, a escolha por esperar escondida a passagem do bando, havia se demonstrado a melhor. Garta finalmente respirou fundo e se levantou em caminhada na direção da espada fincada ao centro da cratera.

Assim que deixou a proteção do muro, dando deu seus primeiros passos para contornar o muro, se surpreendeu. Ouviu uma respiração profunda ganhar o seu ouvido direito, perto, feroz, angustiante. Congelou imediatamente, travou sua passada e sentiu o frio percorrer sua espinha.

“Merda.” Pensou a guardiã. Virou devagar a cabeça para olhar na direção da respiração pesada que vinha de trás daquele muro. O mesmo muro que a protegeu, guardou uma surpresa nada agradável a ela.

Um dos lunáticos caminhava com o peito contra os tijolos da parede em ruínas e os olhos apontados ao céu. Aquele indivíduo sem alma própria se perdeu de seu grupo, havia ficado preso naquele destroço, abandonado, tal como uma poça d’água deixada por uma enchente que passara.

“Eu estava tão preocupada em não fazer barulho, que deixei essa possibilidade passar. Merda, merda.” A mulher se puniu em seus pensamentos ainda imóvel, tendo a esperança de que não fora notada pelo ser ensanguentado de olhos leitosos e carne verminose. Não foi o bastante.

Aquela coisa percebeu a presença da guardiã, esperou por um segundo e, ao não identificar a respiração sinistra pesada que os seus semelhantes possuíam, virou o corpo para ela sem tirar os olhos das nuvens ao alto.

Garta engoliu seco observando de perto a feição desconfigurada do que já foi uma garota um dia. Uma humana que havia sido consumida pela doença da lua e que agora era apenas uma criatura sem alma.

Por todo o corpo pestilento, ferimentos gangrenados e fluídos espessos que não se podia identificar a origem, envoltos de lama seca e dejetos secos sobre a pele avermelhada queimada pelo sol, fediam fazendo Garta entortar o nariz.

A coisa abriu a boca e emitiu um som vindo do fundo da sua carne podrida. Uma espécie de grito ou um rosnado de um animal, um clamor de uma criatura esquecida pelos deuses e que não deveria existir.

No mesmo momento que Garta ouviu aquele som estridente, reagiu veloz, avançou até seu algoz e socou a pele fragilizada da criatura sem medir forças. Fez com que a lunática fosse arremessada ao chão com violência.

Rapidamente a guardiã olhou para trás enquanto o berro da asquerosa se mantinha. Viu os semelhantes daquela coisa horrenda que acabaram de passar por ali, se virarem todos ao mesmo tempo dando meia volta para mirar seus corpos em direção a ela.

Garta sentiu o ponto sem volta percorrer sua espinha como um calafrio ao ser alvo dos desejos malignos da multidão. No instante seguinte, os lunáticos aceleraram seus passos rumo à sua mais nova caçada.

Eles transformaram a caminhada em uma corrida desesperada, emitindo um único ruído animal repulsivo que se unia aos gritos da garota lunática que esperneava ao chão do lado de Garta.

Dezenas de lunáticos enfurecidos prontos para retalhar a única existência diferente das deles naquele seu habitat estéril.

— Puta merda... — emitiu a guardiã de Finn no mais preocupado possível. Não perdeu nem mais segundo, partiu em corrida na direção oposta, rumo ao centro da cratera.

Garta avançou o mais rápido que pôde, sentia o chão sob os seus pés tremerem e o som estridente emitido pelos lunáticos persegui-la ao passo que se aproximava da espada reluzente ao sol tímido.

Uma contra dezenas, não havia alternativas ali. Mesmo assim, Garta continuou com o seu objetivo em mente, mesmo com um exército sanguinário tão próximo e com o perigo tão presente. Correu para a espada e percorreu o caminho que faltava como um raio cruzando o céu.

A guardiã esticou o braço para frente sem interromper a corrida e fechou os olhos ao estar prestes a tocar o cabo da arma com suas mãos. Não saberia se teria o mesmo destino daqueles valentes com dedos derretidos das histórias de Iara que tentaram tocar a espada sem sua anuência. Mas naquela situação, só teria um jeito de descobrir.

A mulher agarrou a empunhadura da espada e logo sentiu um calor corromper a palma de sua mão. Resistiu, manteve-se, segurou com mais afinco pronta para aplicar mais esforço.

Ouviu um sussurro de diversas vozes se unindo em uma só:

— Tu que ousas encostar na arma sagrada de Finn, não sinto magia vinda de seu ser, destemida presença. — As diversas vozes uníssonas, masculinas e femininas, graves e agudas, tinham origem na espada, invadiam a mente de Garta sem emitir som algum e ganhavam um tom julgador dominante. —  Porém, sinto uma familiaridade, um poder além da energia mágica. Quem és tu? Uma deusa sem divindade? Uma guardiã sem magia? Uma humana impávida? Ou apenas mais um entre tantos tolos que ousam nos incomodar?

“Eu sou a guardiã de Finn.” Respondeu Garta em seus pensamentos, na verdade, teve ele arrancado de sua mente como em uma extração de memórias. As vozes divinas pareciam ecoar em cada recanto de seu ser, reverberando com uma força avassaladora. A cada palavra, uma conexão mais profunda era estabelecida, como se fios invisíveis a ligassem a esses seres celestiais sem corpos:

— Uma guardiã de Finn sem magia? Desfrutaríamos de boas risadas dessa piada se não pudéssemos sentir as verdades nessa revelação. De qualquer modo, é uma condição passageira, mas sem magia de Finn, não poderá brandir a lâmina sagrada com o poder absoluto do espaço. Mesmo assim, reconhecemos a sua força, possuí coragem, justiça, confiança e determinação.

As vozes pausaram por um segundo, como se refletissem sobre o que acabaram de dizer. Retornaram decididas:

— Veremos do que é capaz, guardiã. Sendo assim, concedemos a ti o honrado privilégio de empunhar o nosso ser. Mas lembre-se, a espada que empunhas é mais do que metal, é a vontade de teu povo, a esperança que nunca se apaga. Tu és a guardiã do espaço em meio a luz e às sombras. Siga com determinação, confiança e empenho até recuperar a sua magia, só assim o verdadeiro poder da espada sagrada será revelado. Se falhar, sua vida será consumida.

As palavras reverberaram na mente de Garta, imprimindo uma sensação de dever e propósito. Abriu os olhos e voltou a realidade com o calor que sentia nas mãos se dissipando.

— Consumida... — sussurrou repetindo as vozes da sua própria mente.

Os gritos dos lunáticos voltaram a se destacar enquanto se aproximavam do seu alvo e apressavam a guardiã.

Garta deixou os pensamentos, as dúvidas sobre aquelas vozes para depois. Pôde enfim segurar a espada com toda a sua força sem sentir o calor da rejeição nas mãos.

Puxou a empunhadura da arma percebendo a dor do poder adentrando as células de seu corpo e serem prontamente negadas pelo inibidor de magia acoplado ao seu pescoço. Por aquela fração de segundo, foi reconhecida pelos seres que habitavam a espada.

— Ah! — Se empenhou para arrancar a lâmina da pedra enquanto o som dos seus perseguidores lunáticos se aproximando aumentava rápido.

Depois de algum esforço, o aço finalmente se moveu no sentido contrário ao do seu último golpe de nove anos atrás. Garta aplicou mais força, sentia o poder na palma da mão, o poder da pura magia de Finn, mas era só isso. O colar de Sathsai absorvia toda aquela energia impedindo o seu uso pleno. Nessas condições, a espada de Finn era, de fato, apenas uma espada com a lâmina corroída pela chuva e sol.

Com uma aplicação ainda maior de força, a guardiã de Finn desprendeu a arma de sua deusa da pedra sólida do tempo. A espada emergiu, coberta por uma leve camada de ferrugem e poeira. Levemente curva, possuía o tamanho exato e um equilíbrio perfeito para a sua recém-adquirida portadora. Até a reluzente cor negra parecia estar em harmonia com os cabelos de Garta, como se a espada tivesse sido forjada exclusivamente para ela.

— Essa espada... O que foi aquilo? — Se perguntou vislumbrada pela aparência da arma e por aquela conversa sem som que tivera.

Poderia ficar horas admirando o aço damasco e os adornos da guarda e do cabo, mas esse não era um bom momento para isso. Garta olhou em direção aos seus perseguidores e viu a onda de lunáticos se aproximando como animais famintos.

Não hesitou nem por mais um segundo, segurou firme a espada e iniciou a sua corrida acelerada em direção ao ponto de fuga combinado, rumo à torre de rádio do ministério das comunicações enquanto os ferozes avançavam tão rápidos quanto ela.

A guardiã desviava de obstáculos, saltava sobre escombros e apressava o passo ainda mais, mesmo assim, os lunáticos continuavam na sua cola.

“Não vai dar tempo. Essas coisas estão muito próximas.” Pensou ela, levando seus olhos rapidamente para o caminho que acabou de percorrer. Viu o sangue, os ferimentos e a selvageria de tantos, todos cegos em elimina-la.

Chegou a cogitar parar e lutar, mas o bom senso falou mais alto, confrontar sozinha dezenas de criaturas com desejos sanguinários era o mesmo que um suicídio mórbido.

Finalmente enxergou a torre de rádio, mirou o alto da torre procurando por Iara e Goro na noite escura que chegou repentina. Se eles não estivessem apostos, aquilo não adiantaria de nada. Garta precisava deles, ou qualquer um que pudesse puxa-la para cima assim que alcançasse a corda, para longe dos seus perseguidores.

“Quando foi que anoiteceu? E onde estão aqueles dois?” Se perguntou enquanto o cabo da espada aumentava a temperatura.

“Hã? Onde eu estava com a cabeça? Eu apostei minha vida naqueles dois. E se eles tiveram algum problema no alto da torre? E se não conseguirem puxar a corda? E se eles simplesmente foram embora? O que eu faço? Não tem como eu me esconder novamente. Eu posso continuar correndo, mas duvido que essas coisas se cansem primeiro que eu. E se eu me agarrar na corda e não tiver ninguém para puxa-la, e se...”

O pânico percorreu suas veias, um suor frio brotando em sua testa enquanto ela percebia o risco crescente que estava correndo. A promessa de salvação dependia dos dois amigos, e a incerteza corroía sua confiança neles, lentamente minando sua determinação. Garta estava próxima do ponto de extração, do fio que podia lhe trazer o alivio ou a morte. Entre suas dúvidas e temores, algo chamou sua atenção: A palma de sua mão esquerda, aquela que segurava a espada, aqueceu-se mais de repente.

O cabo da arma fervilhou, e a guardiã se surpreendeu, mas resistiu. Enquanto mantinha sua corrida frenética, ela enfrentava o calor emanando do metal e suportava a súbita dor que ele provocava.

“Quente! Como antes. O que aconteceu? A espada me rejeitou? Mas porquê?”

A voz interior dela ecoava entre o medo e a confusão. A lâmina, parecia pulsar com uma energia diferente, como se a própria espada estivesse questionando a sua hesitação.

No íntimo de Garta, a incerteza crescia, um eco das dúvidas e do próprio questionamento. A espada, símbolo de sua força e conexão com Finn, agora parecia lhe negar essa atribuição. Sentia uma rejeição física e emocional, como se sua própria desconfiança em seus aliados, em si mesma, tivesse se refletido na arma que a acompanhava. Aquilo a abalou mais profundamente do que a própria perseguição dos lunáticos.

“É claro que a espada me rejeitou, assim como ele. Ninguém virá. Quem viria? Eu sempre menti. Nada além de mentiras por trás desse rosto odiado. Ninguém gosta de uma mentirosa, não é? Talvez seja melhor simplesmente parar por aqui. Deveria deixar esses lunáticos me alcançarem, permitir que eles saciem sua fome pelo meu fracasso. Ou então me torne um deles, não importa. Pelo menos assim, esses olhares odiosos cessariam.”

Com o edifício do ministério a poucos metros, e a corda de resgate praticamente ao alcance das mãos, Garta se encontrou imersa em um conflito interno avassalador. Seus passos hesitaram, a determinação que a havia impulsionado até ali desvaneceu. Ela abaixou a cabeça, desanimada, à beira de soltar a espada que lhe infligia dor para desistir completamente.

“Se eu não tivesse implorado para minha mãe nos levar naquele dia, talvez ela tivesse enfrentado o Gerente e sobrevivido. Se eu não tivesse demonstrado fraqueza, ele não teria me forçado a ceifar tantas vidas inocentes. Se eu não fosse uma irmã tão ruim, Hikki não temeria o mundo de Tera. Se eu simplesmente não existisse, tudo poderia ser melhor.”

Os lunáticos mantinham sua corrida, estavam próximos de sua presa congelada pelos pensamentos. Alcançariam o seu objetivo em segundos. Garta apenas se manteve estática, perdida em suas próprias inseguranças.

“Eu cansei de ser quem eu sou. Todos se recusam a gostar de uma mentirosa. Se ao menos você tivesse me escolhido. Se ao menos alguém... Eu só queria que... Não importa mais. Nada mais importa.”

Fechou os olhos, entregando-se à noite sem lua e esperando que seu destino fosse selado pelas garras dos lunáticos. O primeiro da fila ergueu seu braço em ofensiva e preparou as unhas em direção ao pescoço da guardiã. Ela, por sua vez, esperou, sentindo a presença da morte se aproximar de forma quase acolhedora.

Então, um zumbido rápido atiçou seus ouvidos, um som que parecia desafiar a escuridão da noite. Um som que se sobrepôs ao falso silêncio ameaçador que a cercava. Garta sentiu uma rajada de vento e, no último instante antes do golpe fatal, o lunático às suas costas caiu para o lado, uma flecha fincada em seu peito.

Garta piscou, atordoada, como se o tempo tivesse pausado por um momento. Seus olhos se abriram para encontrar Iara sobre a torre caída ao topo da cratera, arco em mãos e olhos fixos nela. Era como uma resposta ao seu desejo inconsciente por ajuda. A figura de Iara lá no alto, destacada contra o brilho do sol atrás dela, trouxe Garta de volta à realidade. Era dia novamente.

— O que você está fazendo?! — gritou Goro em corrida.

Ele avançou até a guardiã que ainda estava um pouco atordoada e segurou a mão direita dela, sem desacelerar seus passos, lhe forçando a correr com ele.

Os lunáticos também continuaram, velozes, mantiveram a sua perseguição para o que agora eram dois alvos.

Garta não tinha muito tempo para pensar, mas não deixou de notar que sua mão esquerda que segurava a espada não fervia mais, na verdade, sua mão direita é que estava mais quente, envolta de um calor inconsequente e presunçoso sob um sol forte refletido nos olhos do seu salvador.

— É bom que essa espada valha muito a pena! — reclamou Goro, odiando a sensação de estar sendo perseguido por dezenas de lunáticos mortais.

Continuou o mais rápido que pôde sem soltar a mão de Garta.



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