Volume 2

Capítulo 74: Desfile da Morte

— Senhorita Garta, você não pode simplesmente esconder esses dois de fora no restaurante do senhor Edgar. Eles têm até uma criança. — Disse o homem mais velho percebendo a presença de uma doce garotinha brincando no sofá da sua sala ao lado enquanto os pais lhe acompanhavam.

— Oskar, o que você quer que faça? — indagou Garta, sua voz baixa para evitar que o casal no outro cômodo ouvisse. — Eu os salvei de uns soldados que estavam prestes a... não importa. Eu não posso simplesmente deixá-los, não vão durar uma noite sequer.

— Você matou os soldados?

— Não. Você sabe que eu só mato a pedido dele.

— Hum. — Oskar respirou fundo, quase como um alívio, voltou ao assunto: — E se a polícia da capital descobrir? Pior, e se Edgar descobrisse?

— Eu posso lidar com o Gerente...

— E passar por aquela tortura de novo?

— Eu aguento — persistiu Garta.

— Não. — Oskar balançou a cabeça com veemência. — Eu espero não me arrepender disso, mas... — Respirou fundo. — E se deixasse eles aqui.

— Na sua casa? Tá brincando? Não. Eu já envolvi você demais nisso só de parar aqui e...

— O meu porão está vago, é perfeito para escondê-los. Além disso, você tem que confiar mais em quem confia em você. Não pode simplesmente recolher as responsabilidades do mundo e carrega-las nas costas sozinha.

— Hã? Do que você está falando? — estranhou Garta confusa.

— É que você parece estar sempre se cercando por muros, mesmo estando disposta a fazer o bem, nunca aceita ajuda para o seu próprio bem. O que eu quero dizer, senhorita Garta, é que você precisa confiar mais nos outros.

— Garta! — A voz da garotinha interrompeu o diálogo enquanto ela atravessava a sala e corria para abraçar a mulher que a havia salvado algumas horas antes.

Garta se sentiu desconcertada, sem saber como reagir diante dos olhos brilhantes cheios de gratidão e entusiasmo. A menina havia ficado impressionada com as suas habilidades, e isso era claramente visível:

— Garta, você tem uma mira muito boa, pode me ensinar também?

— Hã?! — A guardiã não sabia como responder.

— Como é mesmo o seu nome, garotinha? — perguntou Oskar, interrompendo a conversa.

— Iara, senhor careca.

— Ah! — Oskar pareceu surpreso, mas manteve a compostura. — Vou ignorar essa ofensa. Iara, você e seus pais vão ficar nesta casa por algum tempo. A senhorita Garta virá visitá-los e trazer comida e o que mais precisarem, então ela terá tempo para te ensinar algumas coisas.

Foi a vez de Garta ficar surpresa com a decisão:

— Eu não concordei com isso, Oskar. Eu não vou...

— Vai mesmo decepcionar a Iara, senhorita Garta?

A guardiã observou mais uma vez os olhos brilhantes da garotinha entusiasmada lhe enchendo de dilemas. Em seguida, suspirou insatisfeita e trouxe a resposta amarga em sua boca:

— Tudo bem. Vocês ficam...

— E você vai me ensinar? — perguntou Iara, apreensiva pela resposta. — Vai me ensinar como fez aquelas coisas com os soldados?

— É... Posso te mostrar um pouco do...

— Isso!!! — A garotinha gritou saltitante à sua felicidade ignorando o resto.

A guardiã, em resposta, apenas manteve-se calada contemplando a felicidade infantil. Escondeu o seu breve sorriso mantendo o rosto neutro.

***

— O que você está fazendo aqui? — perguntou Garta, enquanto era forçada a correr sendo puxada pelas mãos de Goro.

A corrida era em direção às ruinas do prédio do ministério das comunicações. Garta mantinha a posse da espada de Finn ao mesmo tempo que o rapaz lhe guiava rápido para longe dos lunáticos que mantinham sua perseguição feroz.

— O que eu estou fazendo? — rebateu em tom insultado, Goro. — O que você estava fazendo? Ficou parada esperando pelos lunáticos.

— Eu não... — disfarçou ela. — Estava tudo sob o meu controle.

— Ah, tá bom — retrucou irreverente. — Se sua intenção era acabar com o nosso plano, parabéns! Conseguiu.

— “Nosso plano”? Você não ajudou em nada nesse plano. E solta a minha mão! — Garta puxou seu braço para longe do rapaz, mas prosseguiu acompanhando a corrida dele no momento em que adentraram ao hall do prédio. Murmurou: — Que cara insuportável.

— Insuportável é você, fica fingindo ser a fodona. Além de tudo, é uma ingrata.

— O que foi que você disse?!

— Só corre, tá bom? Ou seus dias de guardiã assustadora chegarão ao fim.

— Do que você me chamou? — questionou duplamente Garta, rendendo-se à provocação.

Foi ignorada, suas palavras caíram no vazio enquanto Goro iniciava veloz a subida pelos primeiros degraus da escada de mármore desgastada pelo tempo.

Ambos saltavam os degraus e escalavam rápido os andares do prédio em pedaços enquanto os seus perseguidores avançavam em mesmo ritmo.

Com um olhar rápido para trás, Garta viu a horda de indivíduos podres se acumularem e inundarem as escadas como uma onda imparável de sangue e respiração poucos andares abaixo do seu.

— Eles estão perto — resumiu ela. — Não podemos simplesmente sair da cratera assim, os lunáticos vão continuar nos perseguindo sem parar lá fora.

— Ah, é mesmo? Agora você está preocupada? — rebateu Goro, sarcástico ao avançar mais um lance de escadas. — Só continue correndo!

Garta sentia o ritmo acelerado de suas batidas cardíacas, enquanto suas pernas queimavam com o esforço e o ódio sobre o desaforado amigo. Ela continuou acompanhando Goro, degrau por degrau, subindo em meio à atmosfera sufocante do prédio em ruínas e carregando consigo a espada de Finn. Cada movimento parecia mais pesado e difícil, mas a ideia de ser alcançada pelos lunáticos os impulsionava a seguir em frente.

Os andares foram deixados para trás rápido, e finalmente eles alcançaram o sétimo andar, o telhado, onde a paisagem de destroços e o céu nublado se abriu diante deles. Garta ofegava, mas a visão da torre de rádio se estendendo como uma ponte para fora dali lhe revigorava ao mesmo tempo que a preocupava.

Goro avançou, atravessou o telhado com Garta ao seu lado e saltou sobre o aço retorcido da torre que ligava o topo do prédio até a borda da cratera para começar a atravessá-la. A guardiã pensou em segui-lo, mas parou reflexiva antes de subir na ponte.

O rapaz sentiu a ponte instável e balançante por conta de seu peso, mas não foi isso que o surpreendeu. Cessou os seus passos ao perceber que sua acompanhante não estava mais lá.

— Hã? O que você está fazendo? — perguntou ele retornando para buscá-la. Sobre a ponte improvisada de destroços, estendeu a mão para Garta e complementou: — Vem logo!

Os lunáticos emergiram das escadas e os primeiros ganharam o telhado e o ar livre.

— Não podemos simplesmente atravessar. Os lunáticos vão nos seguir para fora daqui — disse Garta, resoluta, observando os primeiros perseguidores começarem a cruzar o telhado.

— Deixa de ser essa farsa ambulante e sobe logo aqui! — exigiu Goro. — Sei que está com medo, mas vamos dar um jeito.

— Eu não estou com medo...

— Você está apavorada! — retrucou o rapaz duro e recebeu um olhar surpreso da guardiã. — Não é hora para isso, vamos logo.

— Vai você! Atravessa de uma vez essa ponte, eu vou dar um jeito de despistar eles para longe daqui e então...

— Eu não preciso da sua valentia agora, Garta — interrompeu Goro em tom de bronca e desespero. — Você vai morrer, se não subir aqui! Eu mesmo vou te matar, se não fizer isso! Vem logo!

— Não precisa da minha valentia? — sussurrou a guardiã com uma dúvida sincera se alocando em sua mente.

Um zumbido rápido atravessou a ponte sendo carregado por uma flecha que sobrevoou o telhado até acertar o primeiro da horda de lunáticos que se aproximava de seus alvos.

— O que vocês estão esperando!? — gritou Iara na borda da cratera do outro lado da ponte improvisada com o seu arco em mãos e sua saia tremulando ao vento. — Venham, rápido!

Garta se surpreendeu.

— Disse que eu não participei dos planos, não é? — perguntou Goro com petulância. — Essa é a minha contribuição. — Sorriu orgulhoso estendendo novamente a mão para Garta.

Ela hesitou por um segundo. Ainda espantada, tentava entender o motivo dos outros dois simplesmente não se assegurarem longe dali. Viu mais uma flecha vinda do arco de Iara atravessar o telhado e impedir mais um lunático de avançar.

— Você não está sozinha. Não precisa carregar todo esse peso, nem precisa fingir estar cercada por muros para isso. Confie em nós, tá bom? Vamos derrubar tudo isso. Juntos.

“Do que ele está falando? Como? Como você pode entender isso? Eu disfarcei tanto nesses últimos anos. Eu encobri muito mais nesses últimos dias. Eu pensei que o Colth me entenderia, mas você?” Pensou Garta sendo acertada por diversos sentimentos.

— Tá bom — ela aprovou com desgosto, com uma espécie de raiva corroendo seu interior. Em seguida, ergueu o nariz e subiu na ponte de aço retorcido sem recorrer ao auxílio das mãos de Goro. — Mas eu não vou tocar nessa sua mão nojenta de novo.

Garta avançou pela ponte que se mostrou instável devido ao peso sobre ela. Goro, irritado pelo comentário, seguiu ao seu lado:

— Ah, sua ingrata...

— O que pretende fazer? — perguntou a guardiã, interrompendo a ira do rapaz enquanto corriam sobre a plataforma de aço retorcido que servira como ponte.

Goro sorriu presunçoso com o canto de boca. Após percorrerem mais da metade da torre, gritou em comando:

— Fofinha, agora!

— Eu já falei para você parar com esses apelidos! — respondeu Iara arqueando as sobrancelhas e evidenciando ainda mais a sua “fofura” com as bochechas rosadas.

Iara respirou fundo e disparou uma flecha com seu arco em direção ao outro lado ponte. O projétil cortou o ar e encontrou uma pequena escória de metal na ponta do telhado, estrategicamente colocado ali para impedir que uma grande peça de concreto se descolasse do prédio e fosse em queda livre para o fundo da cratera.

A flecha deslocou o metal provocando um efeito em cascata. Como uma reação em cadeia, o concreto ao redor começou a rachar e desmoronar, se soltou do restante da estrutura do prédio.

O grande pedaço de alvenaria composto por puro concreto, estava amarrado à uma corda que, entrelaçado no grande detrito em queda livre se estendia até a estrutura de aço da ponte improvisada, atravessando-a por cima e só terminando em uma grande rocha na borda da cratera do outro lado com um nó bem elaborado, que tinha raízes na antiga organização do ministério da Defesa, e que só poderia ser realizado por alguém com estudos daquela academia.

A queda do fragmento de concreto puxou a corda com ele, esticando-a até o limite. Um ruído angustiante ecoou da torre de rádio, era o metal rangendo sob a tensão. Com determinação, Garta e Goro atravessaram a ponte a tempo.

Finalmente, ambos saltaram da torre, chegando à segurança da terra firme na borda da cratera. A sensação de alívio foi quase palpável enquanto recuperavam o fôlego e avaliavam o que havia sido feito.

— Vocês fizeram isso? — perguntou Garta impressionada.

— Você estava demorando muito. Ainda bem que a Iara tinha bastante dessa corda militar resistente — disse o rapaz cantando vitória. — Plano concluído.

A atenção de Goro não se desviou por muito tempo. Seus olhos voltaram-se rapidamente para a ponte, que continuava a emitir rangidos preocupantes sob a tensão do concreto pendurado nela. Mesmo com o peso do destroço, o aço se mantinha resistente, recusando-se a ceder às forças que atuavam sobre ele.

— Esse era o seu plano? — perguntou Garta, colocando seus olhos preocupados na ponte improvisada. — Não sei se você percebeu, mas não funcionou. A torre ainda está aí.

— Não por muito tempo, o peso de alguns lunáticos já deve ser o suficiente para terminar de derrubar toda essa estrutura — complementou Goro ainda cantarolando suas palavras orgulhosas. Viu as criaturas no telhado tomarem o rumo sobre a ponte enfraquecida. — E falando neles.

Os lunáticos começaram a alcançar a ponte, a subir na estrutura e, então, começaram a atravessa-la. Um, dois, três indivíduos. Meia dúzia, e a ponte ainda resistia ao peso que a fazia ranger, mas não ceder.

À medida que cada lunático subia na ponte, e se aproximava da borda da cratera, o sorriso convencido de Goro ia se esvaindo.

— Essa ponte já não era para estar no chão? — perguntou Garta mais do que preocupada, observando os lunáticos se acumularem sobre a única passagem para fora da cratera e estarem a passos de atravessa-la por completo.

— Merda... — sussurrou Goro apertando os dentes em apreensão e preocupação. Começou a caminhar apressadamente pela borda da cratera — Assustadora, não deixe essas coisas saírem da ponte. Fofinha, eu preciso de uma ajuda sua aqui.

— Como é que é? — perguntou Garta, surpreendida pela tarefa indigna. Olhou para frente e viu a fila de ferozes se aproximar. Sussurrou aguçando a visão e se postando para o que viria de forma corajosa: — Não deixar eles passarem, é?

Devido o espaço apertado sobre o aço retorcido da ponte improvisada, os lunáticos a atravessavam em pares, formando uma fila dupla, isso facilitaria a contenção da horda pela guardiã. Ela se preparou com a espada de Finn. Sem magia ou corte, aquele pedaço de aço damasco teria de servir.

Goro foi até a pedra na borda da cratera com uma ideia em mente. Amarrada pela corda que suportava o pedaço de concreto pendurado, bastava a pedra rolar cratera abaixo que o peso sobre a ponte dobraria.

O rapaz rapidamente começou a empurrar a grande pedra, não precisaria de muito, a corda por si só já estava exercendo uma grande força para levar a pedra em direção ao abismo.

— Só mais um pouco... — disse se esforçando sobre a superfície sólida, empurrando-a com todo o seu comprometimento, mas não encontrando bons resultados, a pedra não se moveu.

Sobre a ponte, as criaturas a tomaram, uma fila dupla de morte, podridão e anseios. Os primeiros lunáticos terminavam de atravessa-la. Encontraram pela frente a guardiã de Finn, preparada para o combate:

— Vocês não vão sair daqui! — gritou Garta brandindo a espada.

A ponta da arma sem corte acertou a lateral da cabeça da primeira criatura, forte o bastante para rachar o seu crânio e jogá-la para fora da ponte fazendo-o cair em queda livre em direção ao fundo da cratera.

Já o segundo lunático avançou com as garras em direção ao pescoço da guardiã, ela por sua vez esquivou veloz e, com apenas um movimento, abaixou e deu uma rasteira no feroz de unhas afiadas que caiu sobre o metal retorcido.

Quando Garta se levantou novamente, se deparou com a respiração pesada do terceiro indivíduo da fila, já em ofensiva e bem próximo dela. A guardiã conseguiu reagir rápida, levou a mão esquerda até a lâmina da sua espada e a empurrou com força para afastar a criatura que estava a centímetros dela. Conseguiu adiar o ataque, mas por pouco tempo, as criaturas se acumulavam empurrando umas às outras contra a mulher que resistia no final da ponte.

Vários lunáticos caiam do alto da ponte enquanto outros eram pisoteados pelos seus semelhantes devido a disputa pelo pouco espaço sobre a ponte frágil, mas nada disso impedia os ferozes de continuar com os olhos no céu e a ofensiva sobre Garta.

Enquanto isso, Goro continuava a se esforçar em uma tentativa desesperada de mover aquela maldita pedra que se negava a caminhar:

— Eu sinto que falta tão pouco, mas não é o suficiente... — Foi interrompido por um barulho já conhecido.

Um estalo, proveniente dos macios lábios delicados de Iara. No momento seguinte, o solo atrás de Goro tremeu e, da terra, três grandes lobos negros emergiram, três Sirveres.

— Exibida... — resmungou Goro em meio aos seus esforços sobre a pedra imóvel.

Ao seu lado, as criaturas sombrias amigáveis de Iara apoiaram o seu corpo sobre a superfície rochosa e começaram a fazer força para empurra-la.

Finalmente, a pedra balançou. Moveu-se por apenas alguns milímetros, foi o suficiente para Goro se encher de ânimo:

— Eu nunca achei... — Esforçou-se. — Que teria essas coisas ao meu lado. — Um pouco mais de esforço sobre o empurrão.

Ao mesmo tempo, Garta também usava do empurrão para derrubar uma dupla de lunáticos do alto da ponte. Cada golpe e movimento eram uma afirmação audaciosa de sua coragem e força. A guardiã já estava exausta com os seus esforços para repelir a horda pesando sobre ela.

Garta não tinha sequer um segundo para descansar, mais uma dupla de ferozes traziam as suas unhas afiadas em direção ao seu pescoço em um ataque impiedoso.

Dessa vez, a guardiã não teria tempo de brandir a sua espada devido ao golpe anterior levar mais tempo do que o planejado.

A situação era angustiante. Garta se via em uma encruzilhada mortal, com duas investidas a serem enfrentadas. Esquivar-se estava fora de questão, eram dois ataques em tempos distintos, poderia até passar pelo primeiro, mas o segundo seria inevitável. Cogitou recuar, mas isso era o mesmo que abrir as portas para a horda inundar as bordas superiores da cratera.

No instante decisivo, Garta optou por um ataque audacioso, uma estocada rápida e precisa com sua espada. O movimento era mais curto e veloz, calculado para atingir o lunático à sua direita. Contudo, ainda teria o lunático à sua esquerda, que se preparava para um ataque frontal direto com suas garras prontas para o golpe letal no pescoço da presa.

A guardiã não hesitou, teria de enfrentar o risco iminente. Ela usaria o seu próprio braço esquerdo como defesa, em uma tentativa desesperada de interromper o ataque da segunda criatura. A possibilidade de sofrer ferimentos graves ou até mesmo de ser incapacitada era iminente, mas Garta estava disposta a tudo. Ela sabia que não podia falhar na missão de proteger a passagem. Era uma batalha não apenas pela sua vida, mas por todos aqueles que precisavam de sua defesa.

Determinada, Garta dirigiu sua estocada certeira à garganta da criatura à direita, neutralizando-o de imediato. Num ágil movimento, voltou-se para o lunático do outro lado, erguendo o seu braço direito como um escudo em antecipação ataque vindouro dele.

No entanto, as garras cruéis não miraram seu pescoço como previsto. O lunático, em um movimento inesperado, visou seu estômago vulnerável. Garta estava momentaneamente desprotegida, com seu abdômen exposto e o perigo iminente.

Ainda teria tempo para recuar, era só soltar a espada e pular para trás. Mas, com isso, abandonaria a espada sagrada e ainda abriria espaço para a invasão de lunáticos no alto da cratera.

“Não.” Em seus pensamentos, uma voz firme e inabalável ecoou. Ela estava decidida a nunca escolher sua própria sobrevivência em detrimento de outros.

A determinação queimava em seu peito, sobrepujando o medo e o desamparo que sentia. Mesmo em meio ao desespero, ela proclamou sua determinação: “Se eu precisar suportar a dor, se precisar sangrar para proteger, farei. Porque, mesmo com medo, apavorada, abandonada, eu vou fazer de tudo para proteger esse mundo! Farei o que for preciso. Farei como você, mãe.”

Não recuou.

As garras do lunático penetraram seu abdômen, trazendo consigo dor lancinante e agonia.

— Ahhh!!! — gritou a guardiã, sem cogitar recuar. Continuou resistindo e impedindo que as criaturas avançassem.

Aquele era o anuncio da sua morte, o lunático que o acertara ainda estava prestes a realizar mais um golpe. Com as unhas em um corte sem precedentes, ele traria as tripas da guardiã para fora de seu corpo em um só movimento, para tirar qualquer chance dela. A perspectiva da morte iminente pairava no ar.

No entanto, antes que o ataque mortal pudesse ser desferido, o destino foi desviado. Uma flecha rasgou o ar, acertando em cheio o olho esbranquiçado do lunático, colocando um fim à sua vida de rancor e maldade. A criatura tombou.

— Garta!!! — gritou Iara, abaixando o arco após lançar aquela flecha salvadora.

O vento soprou frio sobre a guardiã, despertando uma lembrança em sua mente. Pensou: “Iara, você aprendeu direitinho a atirar. Como eu te ensinei, não foi? Seus pais devem estar orgulhosos...”

— Não!!! — Iara rompeu mais um grito aflito, correndo em direção à mulher que tanto admirava e que tanto devia.

Seu rosto refletia desespero ao testemunhar o sangue de Garta escorrer espesso do ferimento grave. A guardiã perdeu forças, ajoelhou e apenas pôde esperar pelo seu destino, enquanto uma multidão de criaturas desalmadas desenfreada alcançava-a, indefesa.

A pedra rolou abismo abaixo, com ela, a corda foi levada e esticou em direção ao solo. Exerceu força dobrada na ponte improvisada que não resistiu ao peso. Finalmente o aço retorcido cedeu e a ponte ruiu, colapsou.

O estrondo ecoou pelo ambiente enquanto a ponte, outrora uma torre de rádio, desabou de maneira caótica.

Todos aqueles que estavam sobre a estrutura afundaram para dentro da cratera enquanto uma nuvem sinistra, uma mescla de poeira e sangue, se erguia.

— Garta!!!



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