Volume 2

Capítulo 92: A Herança de Finn

Todos estranharam, mas foi Colth quem deu voz a esse sentimento:

— Celina, o que você está fazendo? — perguntou o rapaz observando a guardiã de Tera colocar as palmas de suas mãos sobre o rosto surpreso de Garta ajoelhada.

— Shh — interrompeu Koza, pedindo silêncio em meio as ruinas de Albores frente ao abrigo de Índigo.

Celina fechou os olhos concentrada. Dois segundos se passaram, mas nada pareceu acontecer.

— Não vai funcionar — disse Garta sem perspectiva —, esse colar de Sathsai impede qualquer magia de fluir pelo meu corpo.

— Eu tenho que tentar mais uma vez, tentar curar o seu olho. Tenho que me esforçar mais, assim como você fez.

Celina se concentrou mais, com o rosto mostrando o seu anunciado esforço. Koza ficou impressionado com aquela determinação, com aquele olhar e concentração, notou algo mais, algo que só ele poderia notar entre os que estavam presentes, não conseguiu deixar de pensar:

“Mestra Tera, você acertou em cheio na sua escolha. Essa garota, essa guardiã... Ela realmente é a nossa esperança. Está invocando um selo, sozinha. Ela sentiu essa possibilidade, mesmo que ninguém a tenha mostrado. Mesmo eu nunca achando que essa possibilidade pudesse existir. Ela é incrível, mestra.”

Koza observava o processo com espanto e devoção. Enquanto a maioria duvidava, ele percebia a grandiosidade do que estava acontecendo. As palavras de Colth eram mero reflexo da incompreensão diante da magnitude da guardiã de Tera.

Naquele momento, Koza começou a entender que Celina era muito mais do que uma simples guardiã. Ela era a esperança de Tera, que poderia ultrapassar as limitações da própria magia. Ele pensou consigo mesmo:

"Essa garota é extraordinária. Curar o olho de Garta vai além do que se poderia esperar para uma simples guardiã. Mas fazer disso um selo, é algo que ninguém poderia imaginar. Um selo de magia de Tera é algo da mais alta dificuldade. Nem mesmo Dante, o guardião mais forte de Tera, conseguiu esse feito.”

Enquanto Celina persistia em seus esforços, Koza não pôde deixar de pensar na magnitude do potencial daquela jovem guardiã. Uma força latente emanava dela:

“Essa garota pode ser a chave para algo maior. Se ela conseguir dominar esses poderes, ela poderá rivalizar com a própria Tera. Quem sabe, talvez, até com Lux”

Koza disfarçou os seus olhos esperançosos. Se viu com altas expectativas, mas depois daquilo, não poderia ser diferente. Permitiu-se sonhar após testemunhar os esforços de Celina. Seus pensamentos fluíram continuamente:

“Com a coleira de Sathsai envolvendo o pescoço de Garta, é impossível determinar a eficácia desse selo, se é que ele existe. Enquanto essa restrição mágica estiver presente, permanece uma incógnita. No entanto, quando esse obstáculo for superado, quando a coleira não for mais um empecilho, o selo será libertado, e descobriremos se foi bem-sucedido. Não quero depositar todas as esperanças nisso, é pura especulação. Não vou permitir que os outros se agarrem a essa possibilidade incerta, mas é inevitável que eu me sinta otimista. Se, de fato, isso se concretizar... mudará completamente tudo.”

                                               ***

Garta colocou ambos os pés no chão, sentindo uma onda de energia percorrer seu corpo como uma cascata revigorante assim que o colar de Sathsai caiu ao chão. Era uma sensação única, como se Tera, a própria deusa, estivesse canalizando seu poder diretamente para ela.

Goro, ao lado dela, sentiu algo como o vento percorrer o ambiente e retornar à própria Garta.

A guardiã de Finn tinha plena consciência da origem desse influxo revitalizante. Cada fibra de seu ser parecia ser acariciada por mãos divinas, por uma sensação de calor reconfortante e único, penetrando profundamente em suas células e músculos. O cansaço que antes a consumia foi dissipado instantaneamente, substituído por um vigor fervoroso.

Garta podia sentir a cura ocorrendo por todo seu corpo. As marcas das batalhas passadas em seu rosto, pareciam desvanecer, substituídas por uma luminosidade suave. A guardiã endireitou a postura, cabeça e ombros erguidos, a respiração tornou-se mais profunda e cada batida de seu coração mais firme.

Ela abriu ambos os olhos, agora saudáveis e revigorados, não apenas pelo selo de cura da guardiã de Tera, que restaurara completamente sua capacidade de enxergar, mas também pela esperança e determinação que emanavam daquela intervenção.

— Celina... — murmurou ela, agradecida, ao perceber a magnitude do poder divino que percorreu brevemente seu corpo e desapareceu, cumprindo sua missão. Apesar de efêmera, deixou uma impressão duradoura em seu ser.

Com a revitalização de suas forças, Garta voltou seu olhar para Bernard, agora mais decidida a enfrentar o desafio que se apresentava. Sua expressão tornou-se séria, encarando seu alvo do outro lado do salão.

O guardião mantinha Iara sob controle, prendendo-a com sua mão sobre o pescoço, pressionando-a contra a parede.

— Liberte ela, Bernard — exigiu Garta. Ela olhou para os lados em direção ao chão, procurando por algo.

— Tsc. — Odioso, Bernard respondeu erguendo o nariz: — Eu não sei o que aconteceu com você, ou o motivo de estar tão confiante. Mas se quer algo, venha buscar.

Garta encontrou o que procurava ao observar o chão. Caminhou dois passos tranquilos para a lateral do salão e, se inclinando em direção ao solo, alcançou a sua espada enferrujada que havia se perdido em meio ao caos passado da poeira e destroços. Assim que a tocou com as pontas dos dedos, o tempo pareceu parar:

— És tu? Sim. Agora sim, guardiã de Finn. — As diversas vozes uníssonas, masculinas e femininas, vinham da espada e invadiam novamente a mente de Garta sem emitir som algum. — Estávamos certos em nosso julgamento. Mas e agora? Terás a determinação para empunhar o nosso ser?

“Eu sou a guardiã de Finn. Sou digna de utilizar a espada de Finn, não?” rebateu Garta, em sua própria mente.

— De fato. Mas isso não lhe confere o direito de empunhar o nosso poderoso ser. Sendo assim, reiteramos, podes provar a sua determinação para empunhar a espada de Finn? — a voz uníssona, entre agudos e graves, ressoava pelos pensamentos de Garta.

“Sim. Provarei minha determinação.”

— Diante do guardião de Calis, não é?

“Sim, vou manter Iara e Goro seguros.”

— Os seus aliados. Compreendemos. E como fará isso? Eliminarás o guardião de Calis?

“Não pretendo chegar a esse ponto.”

— Essa é única alternativa. Você deve matá-lo.

“Não é a única alternativa.”

— Guardiã de Finn, tuas palavras soam nobres, mas sabes o que está em jogo?

“Vidas estão em jogo, e eu vou lutar por todas elas, inclusive a do guardião de Calis.”

— Há vidas que já se perderam para as trevas a muito.

Garta sentiu a pressão crescer em sua mente à medida que as vozes uníssonas da espada a desafiavam. No entanto, sua determinação permaneceu firme, e ela respondeu interiormente:

“Não, não vou eliminar o guardião de Calis. Encontrarei uma maneira de proteger Iara e Goro e fazer Bernard cooperar conosco."

— Você não entende. Não está lidando apenas com um guardião, está lidando com Calis, a deusa mais nefasta dos oito mundos. Você não conseguirá manter os seus aliados a salvos.

As vozes na mente de Garta sibilaram descontentamento, mas ela continuou a resistir à influência da espada.

“Não busco o caminho das trevas, como você mesmo disse. Quero encontrar uma solução pacífica, mesmo diante do desafio que Bernard representa."

— Tola. Nossa lâmina já cortou incontáveis cabeças de inimigos e feriu aliados, vimos e revimos esses acontecimentos diversas vezes. Seu zelo por um completo insano de Calis só trará consequências negativas.

A espada emitiu murmúrios indecifráveis, testando a resiliência da guardiã de Finn. Garta, entretanto, manteve sua postura, firme em sua convicção.

"Sou a guardiã de Finn, e meu dever é proteger, não destruir. Se há um caminho para a paz, é isso que eu vou buscar."

As vozes diminuíram gradualmente, e a espada pareceu aceitar a resposta de Garta. Então, em um sussurro final, as vozes disseram:

— Que assim seja, guardiã de Finn. Que assim seja. Veremos a sua determinação.

A espada repousou nas mãos de Garta, e o tempo, antes suspenso, retomou sua fluidez. Embora a lâmina estivesse enferrujada e suja, Garta não se incomodou. Voltou-se decididamente para Bernard, empunhando a velha espada de Finn.

— Deixe Iara fora disso. Solte-a. — desafiou Garta com olhos decididos, fitando os de Bernard.

Ele sorriu de canto de boca, mantendo seu domínio sobre Iara e respondeu soberano:

— Eu já disse. Se quer alguma coisa, venha b...

Blast!

Um estrondo! Um som único e específico, acompanhado por um flash de luz que percorreu o centro do salão, interrompeu Bernard. Quando ele percebeu, Garta já não estava à sua frente.

A guardiã de Finn havia usado a sua magia de deslocamento. No instante seguinte, Bernard sentiu um impacto poderoso em seu braço, de baixo para cima, forçando-o a soltar o controle sobre Iara. Ao se virar para identificar o agressor, deparou-se com Garta. A lâmina enferrujada de Finn tinha atingido seu braço, mas ele se considerou sortudo, caso a lâmina estivesse minimamente afiada, seu braço poderia ter sido separado em dois. Em vez disso, uma dor contundente o atingiu.

Retrocedendo passos apressados até o meio do salão, Bernard recolheu seu braço em dores:

— Merda!

Garta, firme e determinada, se apresentou como a real oponente para o guardião de Calis. Ela sustentava a espada enferrujada de Finn e se colocava a frente das velas que pareciam estremecer com a expectativa da batalha que se aprontava.

Iara, após ser liberta, sentou-se ao chão recuperando o fôlego. Rapidamente, foi auxiliada por Goro que se juntou a ela no canto do salão.

A guardiã de Finn havia assegurado a sua primeira tarefa. Proteger Goro e Iara e, após notar isso com os cantos dos olhos, se focou totalmente em Bernard ao centro do salão.

Apesar de ferido, o guardião de Calis não se renderia à batalha iminente, até porque, esperava ansiosamente por esse momento. Ergueu o seu braço direito e apontou a palma da mão para Garta:

— Demorou tanto tempo para, finalmente, me enfrentar. Faça a minha espera valer a pena!

Com um sorriso desafiador esculpido em seu rosto, Bernard canalizou sua magia com uma luminosidade radiante emanando de sua mão. O ar à sua frente ganhou tonalidades vibrantes e, em um instante, uma esfera de energia pura surgiu na sua palma.

Todos se impressionaram e até admiraram a beleza daquela magia. Mas o deslumbre cessou quando, com um gesto brusco, como se estivesse arremessando o orbe mágico, Bernard lançou a magia em direção à sua oponente.

Garta, surpresa com o projétil mágico, viu a esfera do tamanho de uma bala de canhão avançando velozmente em sua direção. A tremulação luminosa intensificava a imponência do ataque.

A guardiã de Finn não se intimidou. Com movimentos rápidos das mãos, utilizou sua habilidade de deslocamento, esquivando-se do iminente impacto. A esfera atravessou o vazio, atingindo a parede e abrindo um buraco como se fosse papel, desvanecendo-se em seguida.

No instante seguinte ao seu deslocamento, Garta surgiu ao lado de Bernard. Já preparando sua espada sem corte para um golpe contundente na direção do inimigo surpreendido. Ela avançou erguendo a arma, rápida como um raio. A lâmina desceu com toda sua força na tentativa de atingir o topo da cabeça de Bernard.

O metal acertou em cheio os fios do cabelo bagunçado do odioso e, quando encontrou o seu crânio, nada aconteceu. Foi a vez de Garta se surpreender. O guardião simplesmente não sentiu o golpe. Pelo contrário, a empunhadura da espada tremeu violentamente, como se a lâmina sem corte tivesse acertado uma pedra dura e maciça. A arma reverberou, devolvendo o golpe com a mesma intensidade em direção a Garta.

Retrocedendo um passo para conter o impacto repentino da espada, ela empregou todas as suas forças nos punhos. Conseguindo, por um triz, conter a força do ricochete. No entanto, agora estava vulnerável diante do inimigo, que não hesitaria em explorar qualquer vacilo. Com essa preocupação ecoando em sua mente, Garta girou o corpo, ainda impulsionada pelo movimento resultante do rebote da espada, e tentou um golpe horizontal.

 No entanto, Bernard já estava alerta, percebeu de imediato a ofensiva e se antecipou-se a ela. Com um simples movimento com o punho, e o concentrar de sua magia, ele mirou a palma da mão para o chão. No ato, o solo tremeu em apenas uma direção, a direção em que Garta se apresentava.

Sob os pés da guardiã, o piso adquiriu uma textura líquida, desprovida de solidez para sustentar seu peso durante o golpe. A inevitável queda se desenhava, relembrando o confronto anterior na rua diante do prédio da Defesa. Bernard, rápido em suas ações, dirigiu a palma de sua mão em direção ao rosto de Garta, que estava em desequilíbrio.

Se o toque da palma de Bernard encontrasse qualquer parte do corpo de sua adversária, seria como ser consumido por chamas abrasadoras. Se esse poder fosse direcionado diretamente ao rosto, significaria a inevitável aniquilação. Garta sabia disso, testemunhou a destruição causada na perna de Índigo e, se até mesmo Celina não conseguiu curar aquele tipo de ferimento, era improvável que outro alguém pudesse. Tendo isso em mente, a guardiã de Finn não teve alternativa senão se deslocar novamente. O brilho da magia de Finn se fez presente por um instante no salão mais uma vez.

Garta emergiu do deslocamento alguns metros atrás. Recuou percebendo que precisaria de outra abordagem, mas manteve a postura firme e determinada, mesmo que a respiração ofegante mostrasse o esforço necessário para os deslocamentos seguidos em tão curto espaço de tempo.

— Não adianta, Garta. O Cabelinho é imune a esses tipos de ataque — comentou Goro ao fundo do salão enquanto acompanhado de Iara.

— Imune, é? — pensou alto a guardiã.

 Com a lâmina de Finn, ainda sem corte, ela pensava a respeito do combate até ali sem tirar os olhos atentos de Bernard. O guardião de Calis, por sua vez, recuperou a pose após recuo da guardiã e ergueu a voz em tom áspero:

— Vamos guardiã, você pode mais do que isso! Não me diga que já está cansada.

— Tsc — ela ignorou a provocação com desdém e internalizou seus pensamentos de modo que o tempo parou novamente.

“A espada de Finn não é o suficiente contra o guardião de Calis?” Considerou Garta em sua mente.

— Não nos desrespeite, guardiã — rebateu a voz da espada apenas audível para Garta. — Não concederemos tamanho poder para alguém que não se prove digno. Recusar a morte do guardião de Calis é o mesmo que trair a confiança de Finn.

“Não. Não é. Eu não sei quais são os seus motivos para odiar a deusa Calis, mas o guardião Bernard não tem nada a ver com isso.”

— Tola. Não sabe do que estás a falar. O guardião de Calis matou dezenas...

“Cale a boca.” Petulante, Garta.

— Como ousa... — A voz Atônita, mas Irredutível.

“Vocês não estão, nem um pouco, se importando com isso. Só estão pensando em se vingar de Calis. Não são apenas vocês que sentem as minhas emoções através da magia de Finn que nos conecta, eu também posso sentir a de vocês. Não entendo exatamente quem, ou o que, são vocês, mas posso sentir um furor em busca de revanche emanando das suas vozes. E isso é de dar dó.”

— Argh — grunhiu aborrecida a voz intangível. — Sua... Você é completamente...

“Não quero saber do seu julgamento. Apenas me diz uma coisa, quando a sua lâmina encontrou a pele de Bernard, a magia de Calis pareceu repelir o ataque. Provavelmente, se fosse uma espada normal, ela se quebraria, mas a espada de Finn não.”

— É claro que não. Não quebraríamos ou nos partiríamos diante de uma magia simples como essa.

“Então vocês aguentam a magia de Calis?”

— Que tipo de pergunta é essa?

"Aguentam, ou não?" Garta pressionou em seus pensamentos, desafiando a confiança na espada que empunhava.

— É claro que sim. Nosso aço fora forjado nas forjas mais magnificas e...

“Tá, tá. Tanto faz. Depois vocês me contam.”

— Deusa Finn, o que te fez pensar que essa menina atrevida seria uma boa guardiã? — reclamou descontente.

“Eu não sei o que ela estava pensando, mas definitivamente não estava planejando depositar uma vingança vazia no seu último feito. Eu já vi alguém importante se perder nesse abismo de sentimentos, e não permitirei que o mesmo aconteça comigo, não vai acontecer com a herança da deusa de Finn.” Garta finalizou o seu pensamento sem dar espaço para resposta da espada. O tempo voltou a correr. Ela havia se decidido sobre o seu próximo movimento.

— Você é forte guardiã — comentou Bernard, satisfeito ao centro do salão iluminado por velas. — Escapou dos golpes e ainda está de pé. Está sendo uma batalha memorável.

— Não foi nada demais. — Garta respondeu em tom desaforado. — Na verdade, eu estava apenas fazendo o reconhecimento do meu oponente.

— Tsc — Bernard cerrou os dentes com a raiva lhe corroendo.

— Ela é muito legal — sussurrou Iara, ao fundo do salão enquanto observava atentamente aquele embate.

— É sim... — concordou Goro ao lado da arqueira.

Garta preparou a sua espada sem corte, com a mão direita servindo de base, levou a empunhadura da arma até o lado esquerdo de sua cintura. Cravou os pés no chão e focou os olhos no inimigo. Partiu.

Uma corrida extremamente rápida e frontal em direção ao guardião de Calis. Bernard não se surpreendeu nenhum pouco, ficou até decepcionado com a escolha básica da oponente. Ele alinhou os pés ao chão e esticou o braço novamente em direção à Garta.

— Muito previsível — reclamou Bernard, concentrando-se para criar uma esfera de magia na palma de sua mão, em seguida, a lançou em direção à investida de Garta.

No momento seguinte que arremessou a magia, Bernard se antecipou e se concentrou pleno no próximo ataque. A palma da sua mão estava imbuída de sua magia destrutiva, só precisaria esperar a oportunidade certa para surpreender a guardiã tocando-a com a devastação. Ao mesmo tempo, a esfera de magia arremessada seguia rápida em direção à Garta.

Correndo em alta velocidade de encontro com o projétil, seria impossível da guardiã conseguir desviar a tempo sem ser acertada. Teria que utilizar de sua magia novamente para se deslocar, provavelmente, aproveitando desse uso de habilidade para tentar mais um ataque as costas do oponente. Foi o que Bernard pensou, por isso já estava preparado com o contra-ataque na superfície de sua mão.

Mas contra a concepção do guardião, ou de qualquer outro. Garta não usou seu deslocamento ou tentou o desvio. Ao invés disso, interrompeu sua corrida, sacou a espada e a posicionou horizontalmente à sua frente com ambas as mãos. A esfera de magia tremulante atingiu a lâmina em cheio, mas não causou danos à condutora.

Garta sentiu a pressão mágica sobre a lâmina de Finn, se esforçou para conter o orbe mágico empurrando-o na direção oposta. O poder mágico pulsava frente a espada enferrujada, criando uma resistência palpável que percorria e aquecia os braços da guardiã.

Seus pés escorregaram momentaneamente sobre o chão empoeirado de madeira, evidenciando a intensidade do confronto. Mas ela se manteve firme, os músculos tensos e os dentes cerrados enquanto segurava a espada. A vibração do orbe mágico se mostrava uma sintonia discordante, mas Garta resistiu convicta, impedindo que o projétil instável escapasse de seu controle.

— O que essa garota... — tentou se perguntar Bernard, surpreendido. Mas assim que se deu conta, um brilho tomou conta do salão e logo em seguida cessou.

Quando os olhos do guardião de Calis se acostumaram novamente com o a baixa intensidade da luz proveniente apenas das velas ao redor, intrigou-se. A esfera de puro poder mágico havia desaparecido, assim como a guardiã de Finn.

— Mas que merda ela... — Bernard foi Interrompido novamente. Dessa vez, ele se espantou com uma luz que surgiu do teto, no alto de sua cabeça, ganhando totalmente sua atenção.

O guardião levou os olhos ao alto, apressadamente, e deparou-se com a imponente esfera de magia de Calis, aquela que ele próprio havia acabado de lançar, descendo em sua direção. O orbe, impulsionado por Garta através da lâmina enferrujada de Finn, surgira de forma surpreendente no teto do prédio.

Em um breve momento audacioso, a guardiã desafiou a própria realidade, encontrando-se de cabeça para baixo no forro de madeira envelhecida do salão. Esse instante fugaz não apenas surpreendeu a todos, mas desafiou as próprias leis da física. Ela empurrou o teto com as solas dos pés para ganhar impulso, juntando forças com a gravidade iminente que a faria despencar, rumando em direção a Bernard abaixo.

De forma irreparável, Garta direcionou o orbe de magia diretamente à cabeça de seu inimigo. O guardião de Calis não teve tempo para reação diante da inevitabilidade.

— Tente ser imune a isso! — A voz de Garta ecoou pelo salão, carregada de triunfo, enquanto ela desabava sobre o inimigo com seu golpe planejado.

A luminosidade da esfera intensificou-se, banhando o salão em um brilho ofuscante. Simultaneamente, um estrondo ressoou pelo ambiente quando os dois guardiões colidiram.

E então, a luz intensa finalmente cessou, dissipando-se junto com a poeira que pairava no ar. Ao centro do salão, apenas Garta permanecia de pé.



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