A Lenda do Destruidor Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 23: Pesadelos

O silêncio permeou o barco enquanto todos olhavam incrédulos para o centro. O Monge parecia surpreso também mas sorriu enquanto girava a lança nos dedos.

— Um duelo? — perguntou enquanto andava de um lado para o outro com um sorriso nostálgico pintado no rosto. — Tem certeza? Eu não sei me segurar direito, sabe? Posso acabar te matando sem querer — provocou ao enfim olhar para Ethan.

— Relaxa… eu sou mais forte do que pareço — grunhiu irritado e levantou a Bento. Os dois se olharam e a plateia deu espaço para ambos. Demorou alguns segundos até que estivessem prontos e, sem hesitar, o Mármore pulou contra o rapaz.

Foi tão rápido que o jovem teve dificuldades em acompanhar. Pôs a espada na frente e defletiu o ataque mas, como se esperasse tal movimento, o Monge girou a arma nas mãos e girou corpo. Pondo a Bento acima da cabeça, sentiu os joelhos pressionados contra a imensa força.

Suika continuou pondo pressão na arma enquanto Liza tinha irritação no olhar. Já previra o resultado da disputa mas não esperava que a diferença fosse tão desproporcional. Para a sua surpresa, no entanto, o jovem girou o punho e defletiu o ataque enquanto pulava para longe.

“Aquele bloqueio…” Estreitou os olhos enquanto lembrava do irmão mais velho e do movimento que levou semanas para aperfeiçoar… um movimento copiado com perfeição por alguém que era um inimigo de Jack.

Ethan pulou para frente e pulou sobre um corte da Nagitana. Esse movimento fora algo que viu de relance na praça de Locust e quase não conseguia replicar direito, devido à diferença de Destreza dele e do usuário original.

Assim que apareceu atrás do Monge, girou a espada no punho e tentou perfurá-lo no estômago, contudo Suika já sabia dessa estratégia esse ataque e pulou para longe enquanto usava a Nagitana para dar uma rasteira.

O rapaz conseguiu manter o equilíbrio devido a Constituição sobre-humana que portava e o Mármore o elogiou mentalmente enquanto girava a arma e se preparava para uma estocada.

Amaldiçoou a posição em que estava. Mesmo que estivesse de pé, o último ataque ainda foi prejudicial e não conseguiria contra-atacar a tempo, logo só tinha uma opção.

Pôs a espada a frente e se preparou para o impacto que não veio. Como se tivesse previsto o movimento defensivo Suika se ajoelhou e usou a parte de madeira para empurrar a espada para cima e dar uma palmada no peito aberto de Ethan.

O jovem voou longe e sentiu uma ardência nos pulmões. Mesmo de pé, curvou-se um pouco para recuperar o ar enquanto mantinha a espada levantada. Assim que recobrou os sentidos, o Monge estava sobre si com vários ataques da Nagitana.

“Ô porqueira…” pensou enquanto respirava com dificuldade. “Não consigo defender direito e ele não me dá espaço para pular fora.” O sangue se acumulava no seu quimono e no chão. Vários cortes maculavam a roupa e o rapaz já pensava no custo que teria para mandar costurar tudo de novo.

Pôs a espada acima da cabeça e então a levou para o lado esquerdo do corpo para bloquear a lâmina. Decidido, pulou para frente e tentou uma estocada, seguido por vários cortes, todos evitados pelo adversário.

Era como se dançasse através dos ataques, coisa que deixou Ethan irritado. — Pare de brincar comigo e lute a sério! — gritou, dando uma Patada Leonina seguida pelo Pendulo Inverso.

O monge desviou com perfeição e deu um forte soco no rim. O golpe o deixou atordoado por alguns segundos e ele tentava ficar de pé de alguma forma enquanto observava o oponente. A visão turva custou seu equilíbrio e o fez cair no chão de novo.

— Já acabou? — perguntou o Mármore, decepcionado. Mesmo que fosse um aquecimento, o rapaz ainda era o mais próximo de um desafio que teve entre os civis, mesmo com os diversos discípulos do seu Dojo. — Bem, acho que podemos deixar por isso mesmo…

Ethan levantou-se de novo, usava a espada como muleta. Ao conseguir ficar de pé, bateu fortemente no rim e gritou de dor.

“Que diabos?” Todos pensaram enquanto o viam socar mais e mais o lado. Suika começou a se preocupar ao ver que ele não pararia e decidiu se aproximar para ver o que estava de errado… assim que deu um passo, colocou-se em posição de luta de novo.

“Esse fedelho…” pensou enquanto ‘via’ o que aconteceria se se aproximasse. Um golpe no queixo, seguido por um corte profundo no peito… “Ele ainda está disposto a lutar?”

Coff… Agora sim… coff… consigo me manter desperto. — Sorriu enquanto sentia a dor o forçar a ficar de pé. Era uma das piores dores que sentiu na vida mas a utilidade era óbvia. Usaria daquele método bruto e cru para lutar e testar suas habilidades contra um Mármore de verdade.

Pôs sua espada numa posição defensiva enquanto olhava atentamente para cada detalhe do adversário. Conforme lutava que notou algo curioso.

Ambos o Mármore e Jack tinham uma capacidade inacreditável de prever o próximo movimento que ele usaria. Não só isso mas eles usavam essa habilidade com tamanha naturalidade que era difícil ver quando a ativaram.

A maioria esmagadora das habilidades precisavam de um tempo para serem ativadas e tinham um tempo de cooldown. Essas duas coisas estavam ausentes nesses dois, o que significava que: ou era uma habilidade passiva, ou era uma técnica secreta.

Uma habilidade passiva tinha uma raridade muito alta e eram poucos que as usavam com proficiência, visto que raramente haveria um professor ou método de ensino para as dominar. Portanto era de se esperar que aqueles dois tinham alguma técnica.

E se realmente era uma técnica, então Ethan seria capaz de aprender.Logicamente que não foi o único que chegou nessa conclusão, visto que Hector também prestava atenção absoluta naquele confronto.

O monge decidiu agir e correu na direção do rapaz, ambos começaram uma troca de golpes, o foco dele impressionava seu rival, que decidiu parar de brincar.

Num movimento rápido, ele permitiu que seu ‘verdadeiro eu’ viesse a tona e ‘viu’ cada defesa que Ethan pudesse realizar antes mesmo do mesmo pensar nelas.

A pressão aumentava contra o Destruidor, que mal conseguia seguir os ataques do inimigo.

No entanto, algo mudou nele.

Algo fundamental e que ressoou no seu interior conforme as lâminas se cruzavam. Assim que Suika ‘viu’ uma abertura entre as inúmeras defesas, permitiu que a Nagitana fosse contra o peito do rapaz.

Aquele momento de descuido, onde o ‘verdadeiro eu’ de Suika ficou exposto, foi tudo o que Ethan precisou para despertar, momentaneamente, seu ‘verdadeiro eu’.

Imediatamente que viu o que aconteceria antes mesmo do ataque ir contra si, seu corpo reagiu como era de acordo. Fluído como a tinta que borra e sobrescreve em um papel já pintado, a Bento interceptou a Nagitana e, num movimento ainda mais fluido, deu um rápido corte no peito do adversário.

O monge ficou sem reação enquanto tentava entender o que aconteceu, algo replicado por Liza e todos que sabiam da existência daquela Arte Marcial.

Ethan aproveitou o choque do adversário e pôs seu corpo numa postura que Suika imediatamente reconheceu.

“Ele… não, ele não poderia…”

— Rasen Suisei! — gritou, o ataque que viu o Monge usar contra o espírito da água sendo copiado e adaptado para o estilo ‘Foice da Doninha’. Com um giro completo do corpo, Ethan avançou como uma broca que precisou de toda a força do adversário para a deter.

A Nagitana tremeu com a força posta sobre ela e, não satisfeito com isso, usou a ‘continuação natural do golpe’, mudando para a Patada Leonina, que também fora sobrescrita para poder ser usada em conjunto com aquela técnica.

Sem que soubesse, a Tinta que era já começara a reescrever bases e estilos inteiros instintivamente.

O monge foi atirado para longe, indo até a beirada do navio.

“Como isso é possível?” pensaram Suika e Liza, incapazes de compreender a curva de aprendizagem do jovem.

Direcionou o olhar para o rapaz e viu, para sua alegria, que estava esgotado. Não só mentalmente como também fisicamente. Rasen Suisen exigia muito do corpo e o rapaz a usou junto de uma espada, logo, o poder e a eficiência foram cortados pela metade.

— Não fique surpresa — falou Hector, enquanto encarava Ethan com uma expressão indecifrável. — Esse cara é a anormalidade em pessoa. Ele conseguiu uma força absurda em seis meses… acho que foi dessa forma.

“Ele ficou forte assim em apenas seis meses?” pensou Suika, uma carranca no rosto. “O quão mais forte estará a próxima vez que nos reencontrarmos?”

Num instante ele estava numa extremidade. No outro, apareceu atrás de Ethan, que estava cansado demais para se mover. Um golpe na nuca bastou e ele segurou o corpo desacordado do Destruidor.

 

Os sonhos antigos de Ethan não eram agradáveis mas ainda eram preferíveis àquilo.

Os mesmos elementos estavam lá, o eclipse, os monstros de carne, tudo. Havia, contudo, uma diferença fundamental nos sonhos antigos para o pesadelo de agora.

O sangue ainda estava lá, assim como a carne dilacerada… dessa vez, o problema estava em quem tinha o poder.

Diferente de antes, onde ele não conseguia salvar ninguém, agora ele era o executor.

A lâmina desceu e mais um morto foi adicionado a pilha de corpos. “Ahh.” Enquanto caminhava para longe, percebeu que era seu pai que estava caído. Enquanto andava na casa, ouviu o som de alguém entrando e balançou a espada.

O invasor não teve nem chance.

Limpou a lâmina com um movimento fluído enquanto procurava algo. Seus sentidos estavam ampliados e conseguia captar com tranquilidade o som dos batimentos da caça.

Tudum tudum.

Caminhou até lá, atrás de si só corpos e sangue. Assim que chegou dentro de seu quarto viu os pés para fora de debaixo da cama e sorriu. Não sentia alegria naquilo mas sim fascínio.

Sempre que um corpo humano caía na casa que sentia seu poder aumentar. Sua sede também… e o vazio diminuía, dando espaço a algo mais… assutador.

“Não…” implorou para aquilo acabar, para voltar a si, mas era como se estivesse preso naquele loop infinito de mortes e atrocidades.

— Kukuku… minha pobre irmãzinha.

A mão arrancou a pessoa de debaixo da cama. Era uma criança, cujo tronco foi perfurado pela Bento. Os olhos que perdiam o brilho apenas o observavam, em um misto de choque e traição.

Após aquilo, uma risada e então estava de volta a vila Cuckoo. A lâmina balançou e os mesmos corpos caíram sem as cabeças.

O ciclo se repetiu por cinco vezes, cada uma tinha diferentes jeitos de matar seus entes queridos… e todos terminavam com ele matando sua irmãzinha, com aqueles mesmos olhos vazios o encarando no fundo de sua alma.

 

Foi ao acordar que Ethan sentiu, pela primeira vez, o efeito de um contrato.

Assim que despertou da cama, correu para o banheiro e vomitou a tinta negra e fervente que consumia toda a vida ao redor. Olhou aquilo com nojo e então sentiu uma segunda vinda, mais quente e que parecia rasgar a carne que vinha junto.

Assim que aquilo saiu, o cheiro de cadáver podre chamou a atenção dos outros habitantes. O rapaz notou, com fascínio mórbido, a forma como o sangue enegrecido o encarava de volta e perdeu a força nas pernas.

Ainda podia sentir o olhar dos seus compatriotas o encarando com a cruel mistura de dor e traição… tudo coisas que ele causou. “O que… o que está acontecendo?”

O corpo dele foi levantado por uma mão macia e feminina, mas firme e forte. Olhou para a estranha e viu um dos rostos do sonho. Piscou os olhos incrédulos e então viu a figura de sua mãe ser substituída pelo rosto preocupado de Hector.

— Ethan…

— Tá… tá tranquilo. — Forçou-se a dizer, a pele coberta de suor e a carne tremendo o contradiziam. — F-foi só… só um pesadelo.

Saiu o mais rápido possível dali e foi para o convés, onde treinaria até o raiar do dia.

 



Comentários