A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 1: Dr. Yellow

Capítulo 4: Demônio

Hector abriu os olhos, pelo menos foi o que pensou, pois apenas escuridão tomava o seu redor. Dessa vez, não haviam mãos que tentavam alcançá-lo, alguém a lhe observar, muito menos o calor equivalente ao interior de uma fornalha. Era apenas vazio e gelado, a solidão na sua forma física.

Em um lugar como aquele, Hector não podia nem dizer se seus olhos estavam abertos, algo que só pôde descobrir quando uma voz distante invadiu-lhe os ouvidos.

Ele reagiu! Tente acordá-lo agora!

No instante seguinte, sua consciência foi puxada em direção a uma luz que surgiu à distância, e num grito, o rapaz finalmente acordou.

— DESGRAÇA!!

Quando vagou o olhar apressadamente, se deparou com alguns médicos ao seu redor, um deles com um desfibrilador em mãos e, assim como todos os outros, seu semblante e postura não demosntrava nada além de cansaço.

O detetive viu-se em uma cama, e trajava apenas roupa hospitalar. Com uma única pergunta em mente, olhou o relógio no balcão ao lado e, assustado com o que viu, voltou a atenção aos profissionais, em busca de explicações.

11/04/2002 11:40 da manhã

Dentre todos os médicos ali, apenas um se mostrava verdadeiramente preocupado com o rapaz. Ao tirar a máscara, Lívia agarrou os ombros do colega e fitou seus olhos, sendo impossível não notar as olheiras da garota.

— Finalmente, você acordou! Tem noção do susto que me passou, caramba!!

— O-o que aconteceu!? Não era dia 9 até agora a pouco??

Ele coçou o queixo e olhou para todos os lados histericamente. Antes de qualquer coisa, Lívia acalmou o amigo ao focar as atenções em si.

— “Era” dia 9. Você dormiu por dois dias inteiros!

O jovem nada disse, apenas esboçou ainda mais confusão em seu rosto. Abaixando a cabeça, passou a ponderar da forma que conseguia no momento.

A médica encarou o rapaz, e com apenas o movimento de sua cabeça, pediu que os outros profissionais deixassem os dois a sós. Assim que foi feito, se sentou na beirada da cama.

Conhecendo Hector, era sábio pensar que ele queria que ela fosse o mais direta possível, independente do quão abalado ele parecesse estar. Portanto, ela não perdeu tempo, e quando viu que seu paciente finalmente estava focado, começou a contar.

Não apenas ela, mas todos que estavam no hospital ficaram assustados com tudo que havia ocorrido. O detetive só se lembrou agora, com a situação sendo contada na sua cara.

Após a conversa que havia tido com Oswald, tentou sair do local, mas por algum motivo ficou parado na frente da porta e, de repente, desmaiou sem qualquer explicação.

Lívia analisou as filmagens incontáveis vezes, e acreditava já ter entendido. Hector, apesar de não parecer, era uma pessoa saudável, e alguém assim não desmaiaria daquela maneira, logo, sua certeza era de que havia algo errado com o colega.

— “Sem explicação”? — disse ele, indignado. — Foi culpa do homem com um olho amarelo!! Ele… ele é… Aaargh!! Eu não sei o que ele é, mas é culpa dele!

A garota recuou um pouco, estranhando aquela reação. Assim como havia dito, ela repetiu:

— Hector, não havia ninguém ao seu lado nas câmeras, nem mesmo perto, você olhou pra trás e desmaiou sozinho.

Hã? Seus olhos arregalaram e uma mão tapou a boca, enquanto a outra insistia em coçar o queixo incessantemente. Do que ela estava falando? Não! Não podia ser verdade, ele não apenas ouviu, como também sentiu o calor daquela mão demoníaca. 

Sua vontade mesmo era arrancar de seu corpo aquela parte tocada pelo homem, mas não podia se dar ao luxo de ferir-se a esse ponto. Desde os sonhos até essa última ocorrência, só sabia de uma coisa, Ele não era uma pessoa, muito menos um humano, e por mais que sua amiga dissesse o contrário, sua resposta sempre seria a mesma.

Lívia apertou o lençol, obrigando-se a permanecer e ouvir as balbúrdias do detetive, mesmo que seus instintos como doutora lhe dissessem para buscar um terapeuta.

— Hector, se acalme. Por favor, respire devagar e tente ser mais claro, é só isso que eu te peço.

O rapaz estalou a língua, e como uma flecha, um pequeno fio de raiva atingiu sua colega. De cabeça baixa e entre as falhas de sua respiração, ele disse:

— Eu vi… aquela coisa, ele era… o Demônio.

Ela ficou em silêncio, incapaz até de se mover por alguns momentos. Tomada por uma indecisão que nunca sentiu em toda a sua vida, se levantou, e antes de sair pela porta, disse:

— Descanse um pouco. Se você indicar melhora, vai receber alta e vai poder ir para casa. Eu vou pedir pra outro médico te visitar daqui a pouco.

O rapaz permaneceu mudo, encarando o nada até que os passos da garota no corredor parassem de ecoar.

Descansar? Parecia um pedido absurdo dada a situação. Como alguém seria capaz de dormir depois de algo assim acontecer?

Sem muitas opções, ele se debruçou na cama dura. Enquanto encarava o teto, o tempo foi passando e sua mente era gradualmente inundada por seus próprios pensamentos.

Dentre tantas coisas, o que mais queria saber era o paradeiro daquele que mais lhe ajudou a avançar até agora. Victor não era uma pessoa de simplesmente jogar problemas nas mãos dos outros, muito pelo contrário.

Os tiques do relógio eram lentos, constantemente avisando o detetive de cada precioso segundo que ele perdia.

***

No momento em que a porta automática se abriu, revelou um estacionamento escuro e completamente vazio. Nas mãos de Hector, apenas alguns papéis inúteis, mas em sua mente, uma informação valiosa.

“Os ThunderGold devem ter algum envolvimento no meu caso. Hora de uma nova pesquisa, ein!”

Conferiu o horário: Nove e meia da noite. Ainda com o celular, chamou uma nova carona, essa que logo apareceu. Em seu caminho para casa, lembrou-se dos avisos que Lívia lhe deu antes de receber alta.

Você está tendo alucinações por causa da exaustão, então trate de dormir um pouco mais.

Sobre as fotos do Sr. Rose, eu muito provavelmente vou conseguir elas. Se por algum acaso eu não for capaz, posso te falar eu mesma sobre o que me lembro do dia em que tratei aquele homem. Te envio uma mensagem, qualquer coisa.

Um aviso de preocupação e uma promessa que atiçou sua ansiedade. Como ela queria que ele dormisse após falar algo assim? Por um instante, talvez até por reflexo, Hector considerou a possibilidade daquela não ser a “verdadeira” Lívia, mas balançou a cabeça para descartar essa ideia, chegando a duvidar de si mesmo por um momento.

Chegou em casa um pouco depois das dez da noite, recebido por uma figura sorridente e com um olhar que constantemente vagava para os lados.

— Fala aí, Hector! Eu te visitei no hospital, mas você tava desacordado. Tá bem, tchê?

Ele fitou Victor, cujas olheiras tomavam conta de quase metade do rosto. Vendo aquela figura na qual estava pensando até agora pouco, o investigador se segurou para não socar a cara do parceiro.

— Eu é quem devia perguntar. Sua cara tá horrível. — Foi até o portão e o abriu. — Entra, a gente precisa colocar a conversa em dia.

Victor obedeceu, ajeitou o terno e tentou espantar o cansaço ao estampar um sorriso na cara.

Hector se jogou no sofá, passando a observar melhor o companheiro. Ele vestia um terno social comum, no entanto, sua aparência era a de um maratonista. Não havia parte da roupa que escapava das manchas de suor, assim como a respiração pesada que não deu trégua desde que entraram na casa.

Porém, o que mais irritava o da cartola era o rosto do parceiro. Seu cabelo curto e a barba rala eram ambos loiros, uma cor que refletia a luz num nível que chegava a cegar às vezes. Seus olhos, antes castanhos, agora só tinham uma negritude que o tornava irreconhecível, como se a alma não estivesse mais ali.

— Pelo que tô vendo, os últimos dias não pegaram leve com você. — Tirou a cartola e a deixou ao lado. — Me dê detalhes.

Bah! Obrigado pela preocupação. Tem sido complicado mesmo, mas eu não quero que você se preocupe. Eu vim aqui hoje pra cumprir minha promessa daquele dia…

O rapaz se lembrou na hora, então se ajeitou no sofá e mirou seu semblante curioso até o colega, cujo continuou:

— Sobre o caso Alamut, existem poucas informações que eu consegui acesso facilmente, outras eu tive que quebrar uns galhos.

Ah~! Agora aquela face e postura exausta fazia mais sentido. Mas caramba! Que tipo de “galho” era esse que ele falava? Tinha mais a cara de ser uma árvore inteira. Na brincadeira, Hector supôs que o colega estivesse sendo perseguido, algo não muito raro no trabalho.

Victor hesitou por alguns segundos e falou: — Não. Eu apenas pesquisei por tempo demais...

Em resposta, o da cartola arqueou uma sobrancelha, o que fez o colega desviar o olhar.

— De qualquer modo, as informações que eu consegui são valiosas. — Ele colocou uma câmera velha ao seu lado no sofá. — Eu confirmei que esse item, por exemplo, foi encontrado dentro da mansão pelos agentes da época, Jessie e James.

— Tem algo de bom nesse trem? — Hector analisou, mas não viu nada além de uma polaroid envelhecida.

Victor fez uma breve explicação inútil sobre o modelo da câmera, mas no geral, queria dizer que não havia algo interessante naquele item, pelo menos, não que Hector devesse saber.

Entre suas explicações, seu tom de voz tornou-se entristecido e um tanto zangado, pois a busca por informações estava limitada. A mansão Alamut, o melhor local de todos para se investigar, havia sido destruída pouco depois da solução do seu respectivo caso.

A única coisa que ele pôde destacar foram detalhes dessa demolição. Ela tinha sido ordenada pelo proprietário da época, Jon Alamut XIII, e os responsáveis eram os ThunderGold.

De instante, Hector deu um salto no sofá, levando seu sorriso de uma orelha até a outra.

— Os TG? Então eles realmente estão ligados com toda a situação!!

Victor tentou acalmar os ânimos do cartola. O que importava não era quem estava envolvido com o fim de todo o caso, mas sim o que aconteceu no meio dele, ou seja, dentro da mansão. Mais uma vez, Hector prestou atenção.

Nem seu colega tinha certeza, mas de acordo com o que descobriu, Jessie e James foram perseguidos por uma entidade sobrenatural. Provavelmente, ninguém acreditou no que eles contaram, então a versão que foi ao público era a mesma de hoje: atacados por um psicopata.

Aquilo tirou um resmungo do cartola. Confuso, ele perguntou: — Como você sabe disso?

— Hã? Ué, eu sou da família. Jessie e James são meus tataravós, salvo engano.

Um curto silêncio se instaurou na sala, e ambos se encararam intensamente até que Hector quebrasse as janelas com sua voz.

— É O QUE?? E CÊ SÓ ME CONTA ISSO AGORA!?! TEM IDEIA DO QUANTO VOCÊ PODERIA TER ME AJUDADO ANTES, EIN! SEU PUTO!

Ele pulou na direção de seu colega zumbi, o qual afastou o demônio atacado com um chute certeiro no estômago.

— Exatamente por causa dessa reação. Barbaridade, tchê… 

Após o ataque, fez questão de avisar. Mesmo que fosse da família, ainda havia informações que não lhe seriam entregues, por mais absurdo que pudesse soar.

Ora! Se nem ele tinha o que Hector queria, então do que aquela maldita conversa estava adiantando?

A faceta de Victor se contorceu por um momento. Ele procurou ao redor, e ao confirmar o que queria, encarou o colega.

— Hector, você está sendo atormentado por um ho… não! Por uma criatura de olho dourado, não está?

Eh?! A reação do rapaz foi imediata. Todo o seu corpo pareceu se contorcer da forma que podia, recusando-se até mesmo de lembrar da situação que passou recentemente. Hesitante, mas movido pela sua sede por respostas, confirmou.

— Não só atormentado. Foi por causa dele que eu fiquei em coma por dois dias inteiros. Você tem alguma ideia de quem é aquele bos…! Aquele… maluco?

— Mais ou menos. Já me encontrei com ele uma ou duas vezes, mas parece que não é a primeira vez que alguém da minha família é vítima dele.

De dentro de seu terno, ele tirou um pequeno amontoado de papéis, os quais entregou para Hector.

Eram documentos do hospital onde Jessie e James passaram após saírem da mansão. Não demorou para notar o que havia de estranho. De acordo com os relatórios da época, Jessie chegou ao hospital coberta de sangue, no entanto, tanto ela quanto James não apresentavam qualquer ferida aberta.

Além disso, havia sido constatado que, no primeiro exame, Jessie tinha uma carga elétrica anormalmente elevada em seu corpo, mas que se normalizou no check up do dia seguinte.

Finalizando toda essa leitura, Hector questionou:

— Caralho… Aqui diz muita coisa, mas também não fala bosta nenhuma. O que isso tem a ver com o demônio, ein?

— Eu chamo ele de Dr. Yellow, e na primeira vez em que ele apareceu fisicamente pra mim, ele me disse que fez algo com Jessie na mesma noite em que ela chegou ao hospital. Ele não me falou o que, nem o motivo, mas parece que ela e James terminaram algo “pendente” ou algo assim.

O da cartola ponderou e devolveu os papéis. Ao se lembrar de outra coisa importante, se permitiu comentar:

— Não acho que ele seja um espírito aprisionado ou coisa assim, acho que é algo… mais além. — Ele fitou o colega, finalmente se sentindo seguro para falar. — Alguns dias atrás, eu tive um sonho com esse maluco. Ele disse que algo cruel me aguarda nos próximos dois meses… Cê tem alguma ideia do que possa ser?

Victor não soube como reagir, seu corpo paralisou e a mente cansada tentou, mas não conseguiu trabalhar bem.

— Não faço ideia, nem eu sei o que esperar dele. Mas uma coisa ele deixou claro. Ele quer…

— Se entreter — completou, raivoso. — A nossa desgraça é como se fosse uma novela pra ele. 

Seu colega zumbi confirmou com a cabeça. Hector pensou que ele iria continuar, mas assim que o olhar cansado fitou o relógio, Victor se levantou de súbito, não hesitando antes de ir até a porta.

— A conversa tá boa, mas eu preciso continuar andando. — O da cartola tentou questionar, mas o outro foi mais rápido em continuar. — Hector, eu vou te falar mais uma vez. Procure por Lucas Silva, ele com certeza pode te dar umas boas explicações, sem contar que ele tem mais tempo de sobra do que eu. Ah! E outra coisa…

Virou-se uma última vez, mirando os olhos verdes do colega numa apreensão nunca antes vista.

— Independente do que aconteça, não aceite nada que o Yellow te ofereça. Eu digo isso pro seu próprio bem… guri.

Hector apenas encarou de volta, com nada além de sua insaciável sede por informações em seu cenho.

Por fim, Victor desviou o olhar e se despediu enquanto fechava a porta.

— Té mais, tchê.

Espera! Sua voz não foi escutada. A porta se fechou, separando mais uma vez o da cartola e a sua maior fonte de informações. Indignado, ele fitou a porta por alguns segundos, só então se permitiu deitar no sofá.

Com um profundo suspiro, colocou sua cartola sobre o rosto na tentativa de dormir um pouco naquela noite. Mesmo que não quisesse, deveria esperar até a próxima manhã para prosseguir com sua investigação, assim como o espectador especial daquele mundo, que nas profundezas do Abismo, aguardava ansioso pelo desenrolar de sua novela.



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