A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 2: Fator B

Capítulo 16: Parceria Histórica

17/04/2002, 3:00 da tarde

Surpreendido por um resgate de Melissa, Lucas se livrou das mãos dos sequestradores em seu momento mais crítico. Contudo, a pessoa que agora o tinha em mãos era potencialmente mais perigosa que os outros.

Por mais que o rapaz estivesse sendo perseguido por deus e o mundo instantes atrás, aquela rua em específico nunca mudava. Deserta era o que a definia, talvez sua solidão fosse agora maior do que da primeira vez que visitou o local junto de Hector.

Ah~, Hector! Pensar naquele nome mesclava raiva e saudade. Já não tinha sinal de vida do cartola fazia alguns dias, se bem que não esperava ser contatado depois de pular de um carro em movimento. Ainda assim, era estranho e um pouco preocupante não saber se aquele maluco estava vivo ou não.

Haviam se passado menos de três horas desde que deixara seu apartamento, e nesse curto período de tempo já se encontrava ali, na porta do local que considerava o último de todos os lugares que iria para buscar salvação.

— Sinta-se em casa — disse Melissa com sua doce voz.

Estava a exata bagunça daquele dia, com instrumentos musicais, adereços esportivos e um amontoado de outras coisas por aí.

“Só espero não encontrar nenhum tentáculo solto no meio dessa merda!!” Ele clamou em sua mente.

Como se fosse um dia comum, Melissa guiou a visita até a cozinha, onde repetiu o cenário da última vez e preparou um café.

Lucas sentou-se à mesa, conferindo embaixo dessa e não encontrando a escopeta, o que lhe deu um de muitos alívios. O que realmente temia era o surgimento daquele homem agressivo que usou a arma de fogo.

E a mulher talvez fosse capaz de ler sua mente, pois logo após servir o café ao ex-açougueiro, tratou de começar a conversa.

— Eu quero me desculpar pela última vez. Não queria que sua primeira impressão de mim viesse com uma arma sendo apontada pra você.

Ele recuou no banco, tornando a postura menos dura.

— O que? Na-não! Eu que me desculpo, aquele detetive maluco não sabe se controlar, e olha que conheço ele faz pouco tempo!

Ela conteve um riso, notavelmente verdadeiro. Após um gole de café, apoiou os braços na mesa e se inclinou para frente.

Sua exaltação mesclava-se à alegria de uma forma contagiante, ao ponto de deixar a visita relaxada em questão de poucas palavras.

— Você também tem um Fator B, né? Isso é muito legal, eu nunca tinha visto alguém como eu desde que apareci nessa cidade!!

“Apareci”? A palavra logo chamou a atenção do rapaz, que ainda com algumas preocupações acerca da garota, perguntou: — Seu Fator B… o que ele é?

Ela arqueou uma sobrancelha, parecia estar sendo indiciada por um crime que não cometeu.

— Na verdade, eu não sei muita coisa sobre a minha habilidade. Sinceramente, eu não sei nem como que vim para aqui.

Ou uqe? A confusão foi tanta que sua dicção até falhou. Aquele argumento era… suspeito, para não dizer outra coisa. No entanto, a experiência do fugitivo era maior que a de qualquer outra pessoa, sua mente estava totalmente ciente do quão afetado um usuário de Fator B podia ser, tanto mental quanto fisicamente.

— Se importa de me dizer mais? Eu não sou nenhum detetive como o Hector, mas talvez eu consiga te ajudar, digo isso como um igual.

Melissa hesitava, mas não por medo, parecia tentar pensar por onde começar, ou até mesmo o que falar. Se assemelhava com uma criança querendo contar sobre algo que não sabia descrever.

Ela iniciou com gaguejos. Simplesmente apareceu, explicou. Haviam memórias em sua mente, mas tudo parecia artificial, ou se colocasse em outras palavras…

— É como se fossem memórias de outra pessoa, mas levemente diferentes.

A estranheza foi imediata. Não havia como algo assim ser possível, foi o que o jovem pensou até refletir sobre a luta que teve momentos atrás.

Tinha visto um sapo sair de dentro de seu pé, não só isso como um homem manipulou a terra diante de seus olhos! Se não tivesse um Fator B, diria que ele era um Avatar, igual o das ficções que assistia na TV antigamente.

— Quando você acha que “surgiu” de fato? Não tem nada que te ajude a pensar em algum dia específico?

Ela matutou, até tinha, mas considerava raso demais para ser aquilo.

— Eu tenho… uma garota na minha mente, e ela é bem parecida comigo. Acho que eu estava saindo com ela uns dias para trás mas… eu não jogo pra esse lado, se é que me entende.

O rosto do jovem ficou vermelho, cor que foi expulsa num balançar frenético de cabeça. Sem tempo pra isso, paspalho!

Pediu então a descrição da garota, e também do passeio em si.

Tinha olhos azuis, cabelo longo e negro. O corpo era o de uma mulher jovem, cheio de belas curvas. Não era muito alta, mas o olhar afiado intimidava tanto quanto os maiores brutamontes que se podia encontrar nas academias.

“É, tirando o olhar, o resto é realmente bem parecido. Mas será que não é apenas uma coincidência?”

A possibilidade existia, e havia uma possível maneira de confirmá-la ou prová-la como falsa. Era um terreno perigosíssimo para se aventurar ainda naquele momento do interrogatório, mas dado o atual momento — onde um tiro poderia atravessar a janela e atravessar sua cabeça a qualquer momento —, não havia um momento ruim.

— Agora… sobre aquele cara, quem é ele exatamente? E sem querer ser rude… o que é você?

Foi fácil entender apenas sua face temerosa de pobre coitado. Melissa não pareceu se importar com a pergunta, muito pelo contrário, bebericou o resto do café e ainda colocou mais com um olhar entusiasmado.

— Aquele homem grande e forte que… apontou uma arma pra você, hehe! O nome dele é Alexandre.

Grande e forte com certeza ele era, mas não tinha cara de ser digno do tanto de admiração que a mulher indicava.

Lucas lembrava-se bem do homem que pensava ameaçar sua vida com uma mera arma. O cabelo era ruivo de tom meio amarelado — idêntico ao de Victor —, os olhos também eram castanhos, então basicamente alterava-se apenas o porte entre os dois.

— Ele tem um temperamento bem curto, né? — disse numa tentativa de ser cômico.

— Hehe! Ele só é meio tímido.

“Não acho que esconder uma escopeta embaixo da mesa seja sinal de timidez!!”

Ele grudou a mão no próprio queixo, encarando a interrogada com um olhar afiado e perspicaz. Hector estaria orgulhoso se estivesse ali, ou talvez apenas lhe desse um tapa na cabeça e mandasse não roubar seu trabalho.

Melissa continuou. — Sobre a outra pergunta…

O jovem saltou na cadeira, expulso de pensamentos e focando a atenção na mulher outra vez.

— Eu meio que compartilho esse corpo, por assim dizer. Meu Fator B é complicado de explicar, mas… acho que outra pessoa consegue fazer isso por mim!

Outra pessoa? Oh, merda! A primeira coisa que veio à cabeça de Lucas foi o maluco da arma. Lidar com uma escopeta não seria problema algum, aquilo que lhe preocupava era a imensa criatura que surgia junto do homem enraivecido.

Tentou de imediato impedir a transformação, mas a moça tratou de o acalmar.

— Não tô falando do Alexandre, e sim do meu terceiro colega. Ele é bem mais calmo, então tenho certeza de que vai te ajudar muito mais que eu, já que é o original.

“O-original?” A palavra despertou uma curiosidade que cresceu na velocidade da luz.

Aquela habilidade não era qualquer uma! O monstro era manifestado fisicamente.

Não era qualquer um que podia vê-lo, visto que Hector era incapaz de notá-lo da vez que esteve na casa, diferente de Lucas. Ainda assim, para um Fator B ser desse calibre, tinha no mínimo que ser algo milenar!

 — Por-por favor, traga esse cara até mim! Seria de grande ajuda conversar com alguém assim!

— Sério!? — Ela pulou de alegria na cadeira. — Ótimo! Vou chamá-lo imediatamente!

Estava mesmo acontecendo?? Conversar com alguém que viveu séculos, talvez milênios atrás, era o sonho de qualquer um, até por aqueles que nem tinham interesse por história!

Estaria a sorte finalmente sorrindo para si? Não sabia dizer ao certo, só podia aguardar pelo que viria após a última fala de Melissa naquele momento.

Anima!

Foi então que começou! A partir de uma curta pronúncia, todo o corpo de Melissa se alterou como antes, mas era notório que não era algo forçado como parecia da última vez.

Os cabelos longos encurtaram em cachos curtos, ainda negros. Os olhos foram fechados, mas ao se abrirem no instante seguinte, haviam trocado do azul do mar por duas esmeraldas brilhantes.

A roupa não ficou para trás, se alterando de maneira que não expôs qualquer parte que… não devia. O estilo era bem curioso, misturando algo que parecia faroeste e cyberpunk, tendo a cintura como linha divisória dos modelos extremos.

Foi então que Lucas soube. “Esse cara não é uma pessoa de séculos atrás”, e essa decepção estava estampada em seu rosto.

— Lucas, não é? Tudo joia? Meu nome é Isaac, prazer em conhecê-lo.

Opa! Ele estava ouvindo a conversa? Não havia outra maneira de saber seu nome! Era o bastante para colocar o interesse na face de Lucas novamente.

— Então… você é o “original”? Tipo, o dono verdadeiro do Fator B?

— Haha! Acho que sim, pra falar a verdade nem eu tenho tanta certeza.

Hã!? Mas afinal, essa habilidade era boa ou ruim? Por acaso o efeito era amnésia? Não seria tão surpreendente, considerando que a criatura manifestada era imensa, provavelmente precisaria de um grande “sacrifício” ou algo do gênero.

Movido por essa curiosidade, Lucas perguntou: — Então, Isaac, esse seu Fator… pode me explicar mais sobre ele? Ou melhor! Você sabe alguma coisa sobre quem pode já ter usado ele no passado!?

— Caramba, pra saber de tudo isso você deve ser bastante interessado em história.

Ele coçou a cabeça, envergonhado. De fato era, mas a verdadeira razão para querer saber poderia desanimar o rapaz a lhe contar.

— O meu Fator B — continuou Isaac —, ele é algo bem complexo, como a Melissa deve ter falado. Se eu fosse resumir, eu diria que eu sou um disco de memória de várias pessoas.

— Disco? Tá me dizendo que você rouba memórias ou algo do tipo? — perguntou ao mesmo tempo que se afastava um pouco.

— Hahaha! Não, nada disso. — Assumindo uma postura mais séria comparado à mulher, questionou. — Me diga, você já ouviu falar na palavra Doppelganger?

— Sim, e já lhe digo que eles não existem.

A convicção repentina assustou o interrogado. Como poderia ter tanta certeza?

Era bem simples. O mundo funcionava de maneira fácil de entender: Se uma pessoa existe, não haverá outra idêntica à ela, apenas bastante semelhante, mas ainda diferenciável a olho nu. Algo como uma confusão momentânea, quando se encara alguém de relance e pensa ser outra pessoa.

Isaac deu um curto riso. — Você está certo. Mesmo que fosse um Fator B, ainda haveria formas de se diferenciar um “Doppelganger” da pessoa original, por mais difícil que fosse encontrar esse sinal.

— Então~...? — Mirou o olhar no rapaz, aguardando o resto da explicação.

— Eu não crio Doppelgangers, mas sou capaz de dar vida a novas pessoas.

.   .   .

O que disse?

Suas palavras foram como o questionamento de uma entidade divina. Dar vida? Passaram de uma conversa sobre habilidades sobre-humanas para o criacionismo, por acaso?

O contestamento de Lucas seria instantâneo, se não fosse por uma única peça encaixada naquele confuso quebra-cabeça dentro de sua mente.

Dar à vida. Tal fenômeno não soava tão absurdo; não quando era ligado a uma certa figura. E percebendo essa iluminação nos pensamentos do rapaz, Isaac então continuou:

— As pessoas com quem convivo, são delas que surgem essas novas vidas. Não importa quem seja.

Fazia sentido! tudo fazia sentido! Não era uma simples coincidência!

— Basta uma simples conversa, e a pessoa em minha frente será automaticamente… replicada!

Lucas então encarou o homem sorridente. — Você é… parecido com o Hector.

— Aquela não foi a primeira vez dele aqui — comentou, sanando uma dúvida antes dela sequer surgir.

O corpo do ex-açougueiro não mexia. Por mais que forçasse os músculos, tudo que conseguia fazer era manter o olhar fixo no misterioso homem diante de seus olhos.

Foi então que se lembrou exatamente do que queria, e para compensar sua falta de voz, Isaac tratou de dar ao projeto de investigador aquilo que ele mais queria, as palavras que ele desejava e temia no fundo de seu coração.

Vozes sobrepostas surgiram por um mero instante, incontáveis delas. — Meu Fator B possui um nome, [Dark Wave]. Fui eu mesmo que inventei, espero que tenha gostado. Mas…

Ele então surgiu. Como se pretendesse se apresentar, tentáculos menores rastejavam a partir de todos os lugares, mas sem aquela intenção assassina, e ainda assim o poder que guardavam era palpável, quase visível até para uma pessoa normal.

— Acho que você conhece essa habilidade com outro nome. Não sei o motivo dele ser trocado, e se não fosse pelas minhas memórias armazenadas, eu também nunca saberia o nome verdadeiro disso…

Sim! Era de fato aquela habilidade! A mesma citada nas lendas do evento que marcou a humanidade para todo o sempre. Um descendente? Não, Isaac poderia ser facilmente considerado uma reencarnação daquele homem!

Era conhecido nos livros de história como um dos Fatores mais poderosos durante o 1° Colapso, o qual diziam ter sua própria variação dependendo de quem fosse o seu atual portador. O seu nome era apenas um…

— A Doença do Homem Louco, [Paranoid].



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