A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 3: Dia do Tarche

Capítulo 31: Aproximação

Localização desconhecida…

Um copo de vidro foi solto e os cacos espalharam-se pelo chão. A mão que o segurava foi contra a boca cujo queixo alcançava o Abismo, e nem os cacos de vidro que voaram foram o bastante para fazer aqueles olhos arregalados piscarem.

A atenção que antes recaia sobre todas as telas ao mesmo tempo, agora focava em apenas uma. De cima, era possível ver com clareza aquele rombo que surgiu em plena Romantusk. Não apenas isso, como também fora possível vislumbrar aquilo que lá se escondia.

Uma tubulação enorme partia de incontáveis partes da esfera de vidro grosso. Dentro desta, um líquido brilhante como arco-íris terminava de derramar e misturar-se ao esgoto, perdendo todo o seu brilho para a podridão dos dutos.

Ele… cortou!?! Questionou o líder, aproximando o rosto do visor em específico. Como algo que nem físico era seria capaz de cortar concreto, ainda mais daquela maneira!!?

Uma linha reta perfeita dividia a avenida em duas partes. Mesmo um civil poderia olhar e dizer que não fora um tremor ou desabamento a causa da bifurcação.

Um terceiro invadiu a sala de repente. — Líder! Más notícias! Por causa da quebra da Barreira, todos os civis começaram a perceber o estrago da missão que foi causado aos arredores!!

Ele tirou a cara da tela e fitou o subordinado. O cabelo loiro pendeu para fora do chapéu, e o brilho dos olhos azuis fora capaz de ultrapassar aquele que impregnava seus óculos.

— Me dê os pontos importantes do relatório!

Virou a folha na prancheta. — O corpo morto de Alpina foi encontrado um pouco longe do centro do festival, a causa da morte foi o esmagamento completo dos órgãos. Xeps também está morto, foi encontrado na Praça do Escudo com o corpo cheio de perfurações. Quanto à Romanov, não tivemos nenhum contato desde o início da operação!

Mortos!? O líder cerrou os punhos, voltando a sentar na cadeira antes que desabasse. A mão massageou a testa, um riso nervoso saiu e uma coceira insessante nos braços fez faíscas elétricas saltarem de seu corpo.

O invasor da sala, ainda que não quisesse, viu-se obrigado a prosseguir. Um membro da Contenção de Pragas foi avistado com metade do corpo dentro do concreto. Fotos já percorriam todas as redes sociais!

Uma pilha de cadáveres de gatos de rua na Romantusk foi denunciada por civis. Além da própria Barreira, que já virava alvo de jornalistas de plantão.

— E quanto ao Agente dos Esgotos? — perguntou, minimamente esperançoso.

— O ataque daquela sombra misteriosa parece tê-lo acertado. O localizador mostra que não se move faz um tempo, então temo que tenha morrido por hemorragia. Mas pelo menos está longe da visão alheia.

Certo! Aquela única notícia pareceu alegrá-lo o bastante para que o rosto se erguesse. Faíscas amareladas saltaram das tomadas ao redor e invadiram seu corpo. Um espasmo rápido.

— Vamos deixar as coisas correrem soltas por enquanto.

Quê?? O rapaz segurou-se para não cair com a bunda no chão. Esperar? Essa era literalmente a única opção que não existia nessa ocasião! E mesmo nessa correria, tudo que o Líder pediu fora um minuto de paciência.

O tempo determinado se passou. Talvez existisse uma tela na mente do loiro que mostrasse o cronômetro do mundo, pois um toque em seu celular aumentou seu sorriso.

— Yo~!… Sim, aqui é o Alex, pode falar.

O subordinado segurou firme sua prancheta, quase ao ponto de partí-la ao meio. O Líder resmungava como num dia qualquer, e não tardou para que a ligação finalizasse em seu tom cômico de sempre.

Ele então se levantou da poltrona mais uma vez, virou-se na direção do rapaz e proclamou: — Vai ficar tudo bem.

Questionou outra vez com todas as suas forças. Como caralhos vai ficar tudo bem?? Perdeu a noção do quão preocupante era a situação?!?

Sua resposta foi um balançar negativo do dedo indicador. Tsc! Tsc! Tsc! Sem mais palavras, agarrou um rádio conectado por um fio à outro aparelho. Com a devida sincronização, os alto-falantes por toda a instalação chiaram por um breve instante, então transmitindo seu aviso.

— Todos os Agentes, aqui é seu Líder falando. Isso não é um treinamento!

O Agente de Campo, Romanov, havia acabado de dar o seu relatório! Os melhores cômodos, a melhor refeição do mundo, toda a formalidade que treinaram por tanto tempo, tudo valeria a pena quando esse dia finalmente chegasse.

E essa hora da verdade de fato chegou, e junto dela, aquele que portava em suas palavras algo maior que a própria realidade.

O Informante está à caminho!

 

***

 

29/04/2022, 3:00 da manhã…

Assim como esperavam, o Hospital Santa Estrela estava praticamente vazio. Impressionante. Era como se as pessoas se tornassem imortais naquele dia apenas para conseguirem comemorar sem qualquer problema.

Porém, o evento da falta de acidentes pareceu ter desenvolvido vida própria, e sua vontade era a de quebrar qualquer boa expectativa alheia.

Sentado na cama do Hospital e de perna enfaixada, Hector fitou a pequena televisão, ouvindo atentamente a cada palavra do jornalista que ainda trajava a roupa do festival.

Gatos de rua, pessoas mortas, algo dentro da Avenida… Que tudo iria dar merda, isso era uma certeza absoluta dentro de sua cabeça, mas nunca pensou que seria tão caótico assim. Até mesmo Romantusk foi pego no meio da confusão! Pobre mendigo.

Mas entre as várias dores que dominavam seu corpo, a que de longe superava a da facada em sua perna seria a de seus dedos. Um aperto! Teria bastado um único apertar no gatilho para a missão ser um sucesso!

Quantos BOs as pessoas já tinham aberto contra si? Uma questão complicada. Provavelmente estavam caindo com tudo em cima daquele que apontou a arma para a cabeça de uma criança.

“Bem, meu registro de detetive já deve ter sido invalidado desde a morte do Morgan. Não é como se fosse mudar muita coisa.”

Aconchegou-se na pilha de travesseiros e suspirou. Uma breve calmaria, o suficiente para que a dor desaparecesse e a dúvida tomasse seu lugar.

Os Amuletos. Será que Victor sabia pelo menos o mínimo pra conseguir entender aquela mensagem? “Não!”, negou com a cabeça. Ele teria sido capaz de identificar o suspeito se soubesse.

Argh! A identificação era tão fácil que a raiva emergia em seu coração só de pensar.

“Amuletos do Poder. Eu pensava que eram apenas itens espirituais que as pessoas da FESOL gostavam de ficar zoando. Quem diria que era algo tão estranho quanto aquilo.”

Lembrou-se daquele que Romanov usava em seu pescoço. Fio vermelho, pingente em formato de um losango dourado e que ainda por cima emitia brilho! Qualquer um que visse isso no pescoço de uma criança pensaria ser um brinquedo comum.

— Amuleto… das Formas? — proferiu sem perceber. — Acho que era esse o nome. Meh! Se não for, agora é!

Seu nome poderia dizer tudo, e caso não, a ferida em sua perna servia como testemunha visual de tudo.

“Aquela faca… Bosta! Ela deve ter caído enquanto o Igor me carregava pra cá.”

A frustração da perda, no entanto, não importava tanto naquele momento. A informação que conseguira adquirir em todos aqueles dias dedicados às pesquisas nos servidores da polícia e em sites normalmente inacessíveis eram os verdadeiros pilares de sua motivação.

Não era apenas uma balela sem fundamento — pelo menos queria acreditar que não. Ao invés de pistas subjetivas, como as que Victor adorava dar, toda a investigação levava o cartola para apenas um lugar, cuja localização permanecia na tela de seu celular.

— O Trono de Deus…

Um ponto turístico ao extremo Norte, fora dos limites da cidade e ainda assim considerado como dela. A montanha famosa não só pelo tamanho como também pela forma de seu pico, havia agora se tornado alvo das alucinações de um paranoico.

Em algum lugar do Trono de Deus, um misterioso item se escondia, os resquícios da Era Sombria, a incorporação das trevas em uma forma palpável.

“Isso tem que ser outro Amuleto! Impossível não ser!!”

A certeza em seus pensamentos poderia convencer até o mais cético dos investigadores. Difícil seria apenas encontrar um que ainda permanecesse são da cabeça à essa altura do campeonato.

Além daquela informação que adquiria sozinho, não sabia como, mas convenceu Lívia a entregar-lhe os resultados da investigação que pediu para ela fazer com os dados do hospital.

“Oswald TG. Ao que tudo indica, um outro membro de sua família foi responsável pela descoberta do tal Lírio Púrpuro.”

Lembrou-se da ocasião do vereador. A pele derretia de maneira anormal, sem contar a tonalidade roxa, o toque flácido e o cheiro já apodrecido.

Coincidência demais, certo? Definitivamente tinha caroço nesse angu. Casos de envenenamento por uma substância desconhecida começam e logo em seguida um florista aparece e diz que era por causa duma flor que tinham acabado de descobrir!??…

Bem, parando para pensar, fazia algum sentido, mas não para o cartola!!!

“TG. Essa família não cansa de causar problemas, ein! Se eu investigar a central deles depois, devo conseguir algumas respostas sobre esse veneno.”

Encontrar a base não era uma tarefa difícil. TG, traduzindo, ThunderGold! Uma família de proporções enormes, cujas origens datam de vários séculos atrás. Seus membros atuavam nas mais diversas áreas, de modo que, não importa onde você trabalhasse, era muito provável que um TG também fizesse parte do negócio (provavelmente seria seu chefe ou qualquer outro cargo acima de você).

Entretanto, apesar de soar mais místico, sua descoberta própria atraia mais a atenção do que uma longa viagem para a base daquela família.

Conferindo sua perna com um único movimentar de seus músculos, constatou: Muita dor!! Sua perna estava numa câmara invisível sob medida, a qual cercava todo seu membro com agulhas da grossura de seu dedo médio.

Essa agonia era passageira! Fora a motivação que usou para puxar do bolso a agulha de anestesia que roubara de um dos médicos e fincar em qualquer ponto de sua perna como se não houvesse amanhã.

De alguma maneira funcionou. Em menos de cinco minutos podia sentir tanto a falta de tato quanto os efeitos da anestesia atingirem seu cérebro.

“Não posso ferder mais TeMpO com mesteira! CaDa segundo é frecioso! Tenho que fegar essa forra de AmUlEtO e frocurar o Victor!!!”

Arrastou o quarto inteiro junto de si, um barulho que de nenhuma forma passou despercebido pelos funcionários do Hospital, muito menos por Lívia.

Blam! BLAM! A trava criada por uma cadeira não durou muito. Assim que a porta foi arrombada, a médica mais desesperada do que furiosa vasculhou até o teto, encontrando apenas uma janela aberta.

Tropeçando até esta, viu no estacionamento um carro que deveria ser o seu arrancar a toda velocidade, batendo em latas de lixo e raspando em quase todos os postes até o caminho da saída.

— HECTOOOOR!!

 

***

 

O cartola era imprevisível, louco para outros. Era impossível para qualquer pessoa boa da cabeça repetir ações como as daquele homem, até mesmo para alguém favorecido por uma Entidade.

Victor não mais arfava, sua respiração simplesmente não existia. Capotando a cada dois passos, rastejou como um feto para o primeiro beco que encontrou.

Escuro, sujo e fedido, combinava perfeitamente consigo. O olhar distante vacilava entre a realidade e a ilusão. O coração ardia por ter perdido o alvo de vista, e as pernas não sabiam mais como parar de se mover após tantas descargas de adrenalina.

Trêmulo, ele apenas desabou em uma das paredes. Não deu um segundo da queda e seus olhos se fecharam. Com uma função à menos para lidar, o cérebro limitado pôde tomar outra ação, que fora reviver o máximo possível ambos os pulmões.

Porém, a pouca luz artificial que alcançava a entrada do beco fora barrada pelo surgir de uma figura portando uma faca numa das mãos.

Um homem adulto, trajado socialmente. A pele morena, os curtos cabelos prateados e olhos de íris equivalente denunciavam uma origem pouco comentada pela boca do povo.

O destaque de tudo, entretanto, localiza-se em seu pescoço. O Amuleto das Formas brilhou sem medo, e a voz do agente soou através de seu rádio sem qualquer hesitação.

— Romanov para Base. Eu encontrei Victor White!



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