A Mansão de Alamut Brasileira

Autor(a): Safe_Project


Volume 2 – Arco 4: Federação de Solum

Capítulo 32: Cadáver Ambulante

29/04/2002, 8:20 da manhã… 

Bom dia, Paradise! Aqui é seu anfitrião Bonner trazendo as últimas notícias. 

Para a infelicidade de todos, um grande caos marcou o Dia do Tarche deste ano com bastante sangue. Três pessoas foram encontradas mortas em pontos distintos da Avenida Romantusk, sendo que uma delas estava soterrada por inúmeros animais mortos. 

Em seguida, várias fotos tomaram conta das redes sociais e dos pesadelos dos cidadãos. Uma criatura semelhante à um réptil em forma humana foi encontrada no meio de uma rua, com o corpo parcialmente mesclado ao concreto. 

Várias pessoas buscam respostas, e uma multidão começa a caminhar por Romantusk desde as 4:00h da madrugada, exigindo principalmente respostas das autoridades competentes. 

Mais informações no plantão da tarde. 

Multidão? Aquilo ainda era pouco para definir a massa unida que marchava pelos fragmentos de Romantusk. 

— Mas que… bosta é aquela?! — A cabeça de Hector pulou pela janela do carro. 

Fora da Avenida, fora capaz de analisar a situação do topo do morro em que estava. Com o máximo de cuidado que existia naquela organização de formigas loucas, uma grande fenda era contornada pelos cidadãos. 

Pegava a avenida vermelha de um lado ao outro, revelando no interior uma grande esfera de vidro também fatiada ao meio. 

Uma bola de cristal? O detetive considerou, não havia motivo para não fazer. Difícil imaginar algo daquele calibre estar escondido debaixo de concreto, muito mais a razão para tal. 

Sua mão caiu sobre a maçaneta do carro, removida pela outra no instante seguinte. Hesitante, o cartola balançou a cabeça em negação e pegou no volante. O pneu cantou e o carro acelerou novamente, mais rápido que antes. 

Ruas vazias. Toda a população se encontrava lá, naquele mutirão gritante quase rouco. Sem motivos para parar nos sinaleiros, o foco do investigador esvaiu-se da direção e logo caiu em assuntos mais importantes. 

“Amuleto das Formas, né? Se aquela bosta realmente existe, então os outros também estão em algum lugar!!” 

Quantos eram mesmo? Não lembrava, nem mesmo o que havia comido no dia anterior tinha noção. Nada, talvez. O ronco do estômago agia como testemunha disso. 

“Ele consegue alterar formas. Transformou um alfinete na porra de uma faca!” A ferida latejou. “Eu tenho que arriscar! Não posso ficar pra trás nessa corrida!” 

Passou para a quinta marcha, quase arrancando o câmbio. Conforme o coração acelerava e a adrenalina arregalava seus olhos, a tal “Encarnação das Sombras” que tanto ouvira falar tentava tomar forma em sua imaginação. 

A lenda dos jovens místicos poderia ser a chave que abriria a porta de destaque; que traria a atenção dos ignorantes à sua pessoa raquítica naquela guerra de tigres. O destino era apenas um, uma visita a um curioso ponto turístico amado por historiadores e geógrafos, o Trono de Deus! 

  

*** 

  

Extremo Norte de Utopia, Tríplice Divisa… 

Muralha, uma grande, larga e extensa muralha. Montanhas? Não havia como ter visão de algo assim no horizonte, na verdade, tal nome poderia ser dado para aquela construção que impedia a passagem de qualquer um. 

Aquele chão um dia cheio de grama guardava apenas pegadas duras e pesadas das botinas de couro. As paredes gritavam através das cavidades criadas por projéteis, e o ar sussurrava suas últimas palavras para os surdos soldados que marchavam em linha acima do muro. 

Não havia limite para a área militar, pelo menos não que estivesse no campo de visão de alguém. Todo o bioma parecia deles, e nem a própria natureza seria capaz de reconquistá-lo agora. 

— Senhor!! — De longe, um soldado correu desesperado na direção do muro. 

Rente ao único portão — fundido nos mais resistentes metais conhecidos —, o homem de farda repleta de medalhas fitou o rosto desesperado do outro. 

— No Distrito Sul! Um invasor foi avistado no Distrito Sul!!! 

!!? Ele passou a andar imediatamente. — Onde estão os comunicados?? 

— A central foi destruída e os membros estão mortos! 

— Quantos invasores? 

— Apenas um, senhor! Mas ele é um Especial! 

Fator B, soube na hora. Puxou o rádio na cintura e gritou para estourar a garganta. — ELIMINEM O INVASOR! FRANCO ATIRADORES, EM POSIÇÃO!! ESSA É UMA ORDEM DE EXECUÇÃO!! 

A marcha, o bravejar, tudo cessou para que os soldados se concentrassem na ação de correr. As filas se organizaram em grupos, as torres antes quase vazias agora transbordavam de armas apontadas em todas as direções. 

Morteiros, canhões, tanques, todo equipamento do velho ao atual miraram a direção da qual, supostamente, vinha o invasor. 

A preparação gerou o silêncio, e esse consequentemente trouxe o barulho. DRURURUM!! A grande torre de vigília, tão resistente quanto o próprio portão da barulha, de repente viu-se ser engolida depois dos acampamentos. Uma força atrativa como se tivesse sido solta sobre um abismo infindável, de onde ecoou apenas os gritos repentinamente cortados dos soldados que lá estavam. 

— TANQUES!! — ordenou o Líder com um apontar de dedo. 

Uma sequência de tiros se fez. Retilíneos, acelerados e oblíquos. A condensação de todas as formas de ataque gerou uma explosão concentrada. 

A tErRa TrEmEu. A fumaça cinza se ergueu junto de nuvens de poeira, logo engolindo as outras construções ao redor. A mão do Líder fez um cessar fogo. Outro silêncio, quebrado agora por passos velozes! 

Ele emergiu da cabana de madeira mais próxima da linha de frente. Saíra não pela porta, mas atravessou a parede como se ela não existisse! Era um… civil!? Não podia ser, ele sabia muito bem.  

Notando a enganação que sofrera pelos olhos, mandou o cérebro tomar o controle. A mão rasgou o ar e apontou para o homem estranho, mas ao mirar das armas contra si, a caminhada se transformou em corrida. 

Maratonou certeiramente contra as tropas! Os homens armados até os dentes recuaram. O líder fez o oposto, empunhado uma faca de sobrevivência e partindo para cima do invasor. 

                                                          S 

                                                       L 

                                                       A 

                                                    S 

                                                            H 

A exata sensação de cortar o vento. O peso do golpe se perdeu e trouxe o corpo desequilibrado ao chão. Com os olhos empoeirados, pôde ver aquele homem de aparência comum continuar seu caminho sem problemas. 

Os soldados agarraram, bloquearam, atiraram… tudo que acertavam era uns aos outros. Um fantasma. Se houvesse algo para definir aquela figura, seria essa palavra; cuja logo ganhou um nome na mente do Líder. 

— Lucas Silva — murmurou, levantando logo em seguida. — CESSAR FOGO!! 

Demorou alguns segundos, mas seus subordinados atenderam a ordem. Lucas seguiu ainda mais rápido, sem tirar os olhos do grande portão até encarar o mesmo cara a cara. Uma estrutura imponente como um bastião secular. 

Rapidamente, a figura humana mergulhou no metal tal como numa piscina. 

Os outros, inquietos, subiram a muralha o mais rápido que puderam. O líder seguiu-os, colocando-se à frente de todas as faces incrédulas. 

Ele observou Lucas correr naquela vastidão. Um deserto que sequer areia era capaz de habitar. Um mar sem água isento de brisa. De céu limpo, tudo que se enxergava no horizonte eram as densas ondas de calor. 

— Senhor — chamou um soldado —, devíamos mesmo deixá-lo ir? 

— Está tudo bem. Não é como se pudéssemos fazer mais alguma coisa para tentar impedi-lo. 

Outro soldado completou: — Realmente, e mesmo que ele tenha passado, não é como se fosse encontrar algo do outro lado. Provavelmente vai voltar daqui algum tempo, isso é, se ele conseguir voltar. 

O líder assentiu. Uma recuperação rápida, desnorteante para alguns. A compostura foi retomada como se nada daquilo tivesse acontecido. 

Falou no rádio novamente: — Todas as unidades, voltem aos seus postos. 

Aqueles ao redor dispersaram-se na mesma hora. Cada um de volta aos seus postos, incluindo o líder. 

Hora de reportar essa merda ao QG. Um murmúrio escutado não pela proximidade daquele subordinado que passou despercebido, mas talvez graças ao pequeno tentáculo que se debatia perto do ouvido do homem. 

Ignorando aquela correria que tornou-se a base, Enry fitou Lucas desaparecer horizonte adentro com um sorriso no rosto. Quanta sorte… 

— Agora você é livre, moleque. Escolha bem o local de sua morte. 

  

*** 

  

Paradise… 

A visão avermelhada fez os olhos arderem. Sol forte. Os raios penetravam as profundezas do beco e alcançaram as pupilas de Victor mesmo que estivessem protegidas pelas pálpebras tão pesadas quanto ferro. 

Semicerrou o olhar para enxergar. Um bocejo trouxe a certeza da vida junto do lento bater de seu coração, e uma rápida conferida no próprio corpo pôde constatar um fato curioso. 

— Hã!? As feridas… sumiram? 

Além da inexistência de escoriações, o sangue que antes manchava as roupas também se foi. Estava novo em folha! Uma noite bem dormida resultava efeitos tão extremos assim?? 

A alegria gerou um curto sorriso, cortado por uma possibilidade que poderia ser até mesmo a única. Yellow! Seu chamado foi respondido com o silêncio. 

— Eu sei que está aí. Acha que eu não conseguiria sentir a presença de um demônio depois de tanto tempo? 

Diga de uma vez o que quer, tenho outros assuntos pra cuidar. — 

— Virou uma dona de casa agora? Você perdeu bastante imponência desde que te conheci. 

O resmungo que ouvira não fora de Yellow. Era mais animalesco, revivendo diante de seus olhos o momento em que conversara com o demônio pela primeira vez. 

— Conseguiu aquela peça? 

Nenhuma voz veio, na verdade, a questão fora respondida na forma de uma ação. Plot! O que caiu à frente do detetive fora um membro humano, um braço. Esquelético, seco e de pele negra. O braço esquerdo de Romantusk. 

Pe-perfeito…!? Difícil escolher entre comemorar ou vomitar. Ainda que fosse apenas um membro, todo o cheiro do cadáver parecia ter se concentrado ali. 

Victor respirou pela boca, tão vividamente quanto nunca em todos os últimos dias. Hesitante, sua mão foi levada até o membro a poucos centímetros de si. O simples era capaz de desintegrar aquele galho, mas esse mesmo e rápido contato também era o suficiente para cumprir seu objetivo. 

Bzz-ts!! A curta faísca de eletricidade percorreu todo seu corpo e findou na cabeça, especificamente os olhos, que tomaram a cor dourada antes de sua própria consciência ser arrastada por mãos invisíveis até um local distante no tempo.

 


 

Um ambiente desconhecido, com incontáveis pessoas cercando-o. Um sentimento até que nostálgico. No entanto, havia uma pequena imagem longe de seu cotidiano, ao mesmo tempo que próxima demais da realidade que vivia. 

Uma silhueta brilhante desfoque. Aquele que a carregava vestia uma roupa branca de detalhes não perceptíveis. 

Arrastavam-no por um ambiente enegrecido como as profundezas do mar. Tudo que podia encarar era um teto repleto de pregos passar rapidamente. 

Ao atravessar o que deveria ser uma porta, seu corpo foi sentado e virado contra uma parede. A luz da lâmpada contra seu rosto tornou impossível enxergar mais de um metro à sua frente. Mas para sua sorte, essa curta distância era o suficiente para ver o que mais queria. 

Logo à sua direita, um equipamento familiar. Esférico e feito de material translúcido. Vários tubos ligavam-se a ele, extraindo de dentro uma substância densa, meio gelatinosa, que brilhava tanto quanto um arco-íris, predominando em cor com um azul turquesa. 

Atravessando os tubos lentamente, aquele líquido enfim alcançou seu corpo. 

 


 

!! A mente descendeu dos céus, expulsa talvez do paraíso para ser condenada ao corpo físico mais uma vez. 

Victor desabou ao chão, vomitando (ou tentando) toda a água que havia em seu estômago. Bufou contra o concreto, expulsando o odor cadavérico de suas entranhas. De cabeça baixa, apenas aceitou as palavras invadirem seus ouvidos. 

E então? Satisfeito? — 

Mais do que isso! Respondeu em seu interno. As mãos tremiam não pela falta de alimento ou por medo, todas aquelas correntes que lhe prendiam até pouco tempo foram retiradas de suas pernas. 

Estava lá! No fim daquele beco pôde enxergar uma luz que guiava para um caminho reto, cujo apenas o final se ramificava em vários caminhos ainda mais brilhantes. 

— Eu sei o que é aquela coisa brilhante!! Estava meio incerto se era realmente isso, mas agora eu tenho certeza!! 

Cambaleou para cima, terminando escorado na parede para se manter de pé. Sem motivos para levar o braço consigo, chutou-o na direção de uma pilha de lixo. Com sorte, o cheiro seria minimamente disfarçado. 

Um pouco menos zumbificado que na noite anterior, caminhou com suas própriasa forças em direção à luz do dia. Ainda que apoiado nas paredes, não depender das doses de adrenalina proporcionadas pelo demônio havia se tornado uma experiência privilegiada. 

Com passos curtos, aproximava-se daquela luz forte, e na mesma medida algumas ideias surgiam em sua cabeça. 

Memórias do dia anterior passaram diante de seus olhos. Não pôde negar, a única parte para qual deu atenção fora a partir do instante que Hector surgira. 

“Que bom que ele estava bem… Pensei que tivesse morrido, filho da mãe!” 

O Amuleto! O grito do cartola ecoou dentro do crânio. Pelo jeito ele havia feito uma descoberta interessante no tempo que desapareceu. Teria sido útil se tivesse colocado em prática quando capturou seu suspeito pela segunda vez. 

E conforme pensava nos assuntos, uma possibilidade brotou repentinamente em ambos, coração e cérebro. 

A boca se abriu levemente, os dentes cerraram e olhar se arregalou. Uma das mãos foi até a boca, e o corpo então se inclinou para frente, seguido de uma inspiração pesada de ar. 

— Yellow, eu tenho um favor pra pedir. A terceira ajuda que prometeu… 

!! A boca expeliu as palavras sozinha, atraindo a atenção imediata do demônio. O que seria? Ele questionou, isento da animação que sempre apresentava. 

— Eu queria… Eu quero que… 

A língua tomou as forças de todo o resto do corpo, ao máximo tentando sobrepujar a resistência de todos os membros. A garganta torceu, os lábios secaram e o cérebro latejou. As varetas que chamava de pernas balançaram como galhos num furacão. 

— Será que você poderia… 

Mas havia uma verdade, a qual não se importaria em admitir, pelo menos não na frente daquela Entidade. Uma pena, no entanto, que tal nunca sairia de sua realidade, muito menos de sua irrealidade. 

— Eu quero que… garanta… garanta a minha segurança por toda a viagem que vou fazer. 

O demônio nada disse, nem um suspirou seu ressoou pelo ambiente. Fora difícil dizer se planejava ou não algo por debaixo do sorriso que devia ter em sua cara. Entretanto, Victor se deu por satisfeito, era melhor ter silêncio do que uma resposta — ainda que positiva — daquela coisa. 

Hesitando de todas as maneiras possíveis e esforçando-se para negar tal ação, ele endireitou a postura, chegando perto de parecer apenas mais uma pessoa normal. Assim, ele seguiu ao seu objetivo, onde esperava que as respostas que queria seriam encontradas! 

O seu destino era apenas um. Um local que seus antepassados visitaram uma vez. Ambiente dito como amaldiçoado. A população conhecia essa chamativa atração como Caverna dos Cristais, mas para os mais íntimos da história, era um pouco diferente. 

— Agora, nós vamos para a Mansão de Alamut! 



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