Volume 1

Capítulo 37: THE WALKING DEAD



Quando os dois exércitos se chocaram, sons de lâminas se encontrando e feitiços sendo lançados estouraram pelo longo campo de batalha.

Os monstros estavam em uma quantidade maior, mas isso não significava superioridade.

Vitanti pintavam o campo de batalha destas criaturas com suas magias etéreas e golpes trajados de energia transparente.

Os mudanti eram ainda mais brutos.

Vísceras e sangue era jorrado a cada momento, inundando o ar de um fedor discernível.

Vez ou outra um vitanti morria, o som indiscutível de sua voz pavorosa ecoando e se alargando até seus irmãos coloridos.

Aquilo gerava angústia nesse povo que há muito não participava de uma batalha tão animalesca e brutal.

Alguns vitanti com o dom do saber dito por Mael se saiam melhores que outros; isto é, eles eram auxiliados pelo ambiente ao redor.

Mael se colocou ao lado de Oren.

– Vamos? – Indagou o general.

Oren sorriu.

– Estava com saudade disso...

A espada de Mael pulsou, ambos se precipitando lado a lado contra Erde.

Este ergueu sua lâmina escura e sorriu de volta.

A visão daquilo causou arrepios na dupla.

Oren foi pela esquerda enquanto que Mael foi pela direita.

O vitanti laranja ergueu a lança para a cabeça de Erde, que desviou. Sem tempo de uma segunda reação, foi recebido com um forte chute no peito por Mael.

Que não parou para descansar.

Ergueu a espada de luz e se precipitou em Erde, que também ergueu a sua.

CLANG! TING! TANG!

O encontro das espadas antônimas gerou sons de aço contra aço. Pequenas explosões visuais se fazendo presente.

Mael era mais rápido, desferindo, por uma série de vezes, golpes fortes o suficiente para arrancar membros de qualquer criatura normal.

Mas Erde não era normal nem mesmo quando estava vivo, avalie morto e com todas as suas capacidades no auge...

Mael lembrou-se de quantas vezes seu embate com seu velho amigo acabou em empate. Depois dele, Erde era, possivelmente, o melhor espadachim dentre os vitanti.

Oren se juntou à batalha, riscando sua lâmina na espada de Erde, que recuava sempre que um golpe era desferido.

Em determinado momento, uma abertura foi feita quando Mael embolou sua espada com a de Erde e ergueu-a para o alto.

Erde ficou com a guarda baixa e totalmente desprotegido. Isso deu tempo para que Oren espetasse com sua lâmina na direção do peito de Erde.

Contudo, uma enorme sombra engoliu o cadáver antes disto acontecer, com Oren perfurando o corpo de um mago que apareceu de repente.

Este morreu instantaneamente.

Erde, por sua vez, apareceu à uns 30 pés de distância. Ele havia trocado de lugar com o pobre mago.

– Ainda mais essa agora... – Praguejou Oren.

Mael franziu a testa.

– Droga, ele é inteligente.

Os dois tornaram a se aproximar.

– Já deve ter percebido que a sua magia é crucial contra ele, Mael. – Disse Oren, estalando o braço direito.

Mael concordou.

– Hum. Que é que sugere?

– Façamos o contrário agora. Eu o encurralo, o deixo sem saída e, usando sua magia de luz, você o impede de fugir a tempo.

Mael franziu o cenho, como se duvidasse daquilo.

– Que é? Vai dar pra trás agora? – Indagou Oren, sem um pingo de modos.

Mael sorriu, irritado.

– Não é isso... É só que... será complicado.

Oren concordou. Havia pelo menos uma dúzia de motivos e dificuldades por trás daquele embate.

– Não é Erde, Mael... e você tem sido mais rápido e mais forte que ele desde o início. A sua permanência nessa guerra tem sido um enclave pra terminarmos logo com isso. E então, qual vai ser?

Mael ficou surpreso. Era como se o antigo Oren tivesse se ido pra sempre; e junto desse novo visual, um novo e mais calmo tivesse aparecido. Ele era mais sábio também.

Assentindo, o general vitanti suspirou e agarrou firme sua espada outra vez.

– Pronto? – Indagou Oren.

BZZZZT! BZZZZT!

O objeto de comunicação vibrou e uma voz soou na mente de Mael.

Era o canal privado dele; os generais tinham acesso a esse tipo de tecnologia.

“General! Há algo de muito errado com os cadáveres.”

Mael franziu o cenho e olhou ao redor.

“Que é que está acontecendo?” Ele indagou.

“Assim que colidimos com as criaturas do gorila... os mortos-vivos que o senhor matou antes começaram a reviver... nossas baixas tem aumentado mais e mais...”

Percebendo a perplexidade de Mael. Oren suspirou.

– Que aconteceu?

Mael o olhou de soslaio.

– Os mortos-vivos. Estão revivendo.

– Isso é mau...

– É...

Oren encarou o nada por um longo tempo.

– Que vai fazer?

– Não sei... temos que derrotar esse cara aqui...

Oren assentiu.

– Vá. – Disse, sem rodeios.

– Não posso. Minha magia é crucial pra derrotar o cadáver de Erde.

– Eu o seguro até você voltar. Não podemos perder tantos homens, nossos irmãos precisam de você. Eu cuido daqui.

Mael olhou fundo nos olhos de Oren. Estava realmente mudado.

Minutos se passaram, Mael tendo imensa dificuldade de decisão.

– Quanto mais tempo passamos aqui nos encarando, mais chance damos ao inimigo. Vá, descubra o que os mantem vivos e volte. Derrotaremos ele juntos. Então expulsaremos esses filhos da puta de nossa terra. – Oren apertou a lança, sua feição mudando um pouco. – Você quer vinga-lo, não é?

Mael assentiu.

– Então vá.

Sem mais dúvidas, o general se virou e sorriu.

– Não morra ou eu o matarei. – E disparou como um feixe de luz.

– Não vou... – Sorriu Oren, se voltando para o lento Erde. – Agora somos nós dois.

Enquanto Oren lutava contra o cadáver de Erde, Mael avançava com maestria e classe, empunhando sua nova arma etérea numa das mãos.

Não voltara a usar magia de terra ou ar como antes, visando se guardar para o embate contra Erde e a possível labuta contra Pele-pétrea; mas seus golpes eram igualmente poderosos.

Logo chegou num lado do campo cheio de cadáveres. Se precipitou com sua lâmina etérea em mãos.

Bastava um corte limpo e seco de lâmina etérea para varrer daquelas terras os mortos-vivos que se recusavam a fugir daquela realidade.

E isso estava realmente o deixando irritado.

Burlar a vida daquela forma, violar o corpo de seres que já tinham ido para o descanso... era imperdoável.

Entrementes, uma enxurrada de mensagens chegava ao comunicador, sempre com as mesmas palavras.

“Essas criaturas se recusam a morrer... por Bulogg”.

“Droga... É o mesmo aqui.”

“Aqui também, meus homens já estão ficando sem energia.”

 
E o que diferia este grupo daquele que enfrentou Erde?!

Se era o mesmo feitiço... ou vírus, como Kai Stone deixou claro, que é que teria mudado nestes meses?

Mael não sabia, mas tinha de descobrir.

Ele mesmo já não aguentava mais enfrentar criaturas que voltavam o tempo inteiro.

Foi então que, ao tentar encontrar o problema, Mael notou uma espécie de sistema, uma tática proposital por parte dos cadáveres.

Eles se reuniam em dez, como se colocados em pontos estratégicos.

Mael se afastou um pouco, buscando entender aquele jeito diferente de agir.

Eles estavam mortos, não é como se tivessem qualquer consciência. Apesar de Erde ter reconhecido suas palavras anteriormente.

Aquilo o deixou cabreiro, é verdade.

Ao se distanciar e se aproximar dos cadáveres vez ou outra, Mael percebeu a mesma estratégia um punhado de vezes: eles permanecendo em pontos chave, pouco distantes uns dos outros, como uma espécie de rede de proteção.

Foi aí que ele teve uma breve ideia do que se passava.

Reunindo certa energia nas mãos, fechou os punhos e o chão abaixo de si o impulsionou para cima, catapultando-o num arco alto e veloz.

Ele conjurou ar nas pernas e ficou a pairar.

Observando o campo de batalha, tudo era um marasmo sem fim.

Os vitanti lutavam com afinco e determinação, destroçando tudo e todos que se opunham à sua frente.

Havia uma diferença clara entre esses cadáveres e os que Erde enfrentou.

Era óbvio que os de Erde morreram quando foram golpeados fatalmente, estava no relatório; mas estes, não.

O que mudou?!

Mael viu, finalmente. Então se preparou para voltar.

Antes disso, entretanto, deu uma breve olhada mais adiante, onde pôde ver outra coisa que o deixou mais intrigado; isto, no entanto, teria de esperar.

Ele pousou lentamente no campo de batalha barulhento e hostil.

Foi recebido por uma dúzia de cadáveres, que tentavam abocanhar e golpeá-lo.

Foram, contudo, ignorados.

Mael passou como uma flecha por eles, evitando ser atingido.

Puxou o objeto de comunicação e pressionou o botão.

“Atenção a todos os que enfrentam os grupos de cadáveres...” sua voz soou.

“Há uma diferença entre estes e aqueles que foram derrotados por Erde e seu grupo... vocês já perceberam que eles não morrem por nada.”

Dando uma pausa em seu discurso, Mael pôs-se à frente de um mago de estatura mediana e pele clara, que estava estranhamente escondido e mantinha as mãos juntas.

Como não percebemos antes? pensou Mael, um sorriso no rosto.

O mago se assustou, perdendo brevemente o foco no que quer que estivesse fazendo.

Mael ergueu a mão direita, uma enorme lâmina transparente se formando, e abaixou-a horizontalmente, cortando desde o ombro do mago até seu peito.

Ele urrou de dor e logo seu olho perdeu cor.

A lâmina se desfez, deixando um enorme caminho rasgado de osso, membranas e carne. Sangue esguichou de sua boca e ele caiu mole.

No mesmo instante, Mael virou-se para o grupo de cadáveres que o perseguira até antes e apontou as duas mãos para eles.

O chão começou a tremer, pequenas pedrinhas pipocando aqui e ali.

Com um declive na terra, dois chumaços de terra de 5 metros de diâmetro cada, se ergueram do chão, ficando posicionalmente acima dos cadáveres.

 A terra começou a se desfazer, tornando-se areia; quando as duas imensas rochas se transformaram em grãos manchados de sangue, a areia ondulou e transformou em diversas brocas que passaram a girar compulsivamente em torno de si mesmas.

O atrito gerado pela própria massa de aceleração fez com que a areia se engendrasse tornasse um vidro vermelho, o fogo e lava pingando junto.

Mael fechou lentamente os dedos e as brocas de vidro e magma desceram em alta velocidade na direção dos lentos cadáveres, que pareceriam ter perdido a agilidade.

Foram empalados sem dó nem remorso.

O som de seus corpos sendo atingidos se alastrou, como se o vento carregasse a dura realidade daqueles seres invasores.

Os vitanti ao redor observaram tudo aquilo com uma carranca de entusiasmo e admiração.

Entusiasmo para ver se os esforços de seu general geraram frutos; admiração por ter um homem tão poderoso no seu meio.

Alguns até tinham a plena convicção de que ali, diante deles, estava o próximo Neru’dian em pessoa. Muitos nem sequer tiveram a chance de falar com o atual, e agora estavam ali, frente a frente e observando seus feitos do filho dele.

As diversas brocas que sitiaram cerca de 10 metros de uma área foram se desfazendo e tornando ao que eram antes: areia.

Mael suspirou, cansado pela exaustão do ataque que acabara de criar.

Fazia tempo que ele não se exercitava tanto, isso levando em consideração que aquele era o exército de baixo calão do inimigo.

Lembrou-se da ultima vez que suou tanto em batalha e sua cicatriz no peito direito coçou.

Ele caminhou lentamente, a expressão um tanto despreocupada.

Isso porque ele tinha total certeza de que o que acabara de fazer daria... não, que tinha dado certo.

Quando a areia finalmente se foi, havia apenas o corpo esquelético de dez cadáveres, sem qualquer sinal de “vida” aparente.

– E-ei... isso é sério? O general acabou de matar aqueles infelizes...

– Que é que acabou de acontecer aqui?

– Parece que o general descobriu algo, afinal.

– Vamos esperar o comando, então.

As vozes de alguns guerreiros próximos soaram. Claro, eles mantinham o foco em suas próprias batalhas.

Entrementes, Mael comemorava por dentro. Então tinha dado certo.

Ele puxou o objeto de comunicação outra vez e o apertou.

“Como ia dizendo... o motivo deles não morrerem é porque há um mago mantendo-os vivos... esses imbecis têm quebrado a regra do próprio povo, eles estão praticando aqui uma necromancia muito delicada..., contudo, como toda magia de burlar a morte, tem suas falhas. Se notarem bem, há uma rede de proteção, os cadáveres se colocam em pontos estratégicos e em uma distância de 5 metros cada. Formam um escudo e defendem seus precursores. Mas não pensem que ao matar o mago responsável por esse feitiço fará com que os cadáveres morram imediatamente. Esse feitiço apenas os impede de morrer.”

As palavras soaram na mente de todo o exército vitanti. Alguns minutos se passaram e o objeto de comunicação piscou.

“Senhor, com todo o respeito, mas... como é possível que esse feitiço impeça a morte completa desses caras? Digo, é praticamente impossível...”

Um silêncio se perpetuou por longos minutos, até que a voz de Mael quebrou-o.

“Seria impossível para um ser vivo, mas para seres que se mantêm com almas ‘roubadas’... é perfeitamente compreensível que isso se torne real. Agora, foquem nos magos escondidos atrás desses escudos de carcaça e osso. Não percam o foco.”


Assim que a voz de Mael caiu, os gritos de guerra dos vitanti soaram por toda a extremidade oposta.

O próprio Mael se sentiu mais animado.

Então ele tornou a ciscar pelo campo de batalha, evitando perder tempo com os cadáveres que o atacavam.

Cada vez mais o campo de batalha ia ficando menos populoso, a morte dos mortos-vivos finalmente se findando.

Sorrindo, Mael foi limpando os magos que mantinham o feitiço ativo, um a um.

Lançou-se rapidamente na direção de um mago muito bem escondido, lâmina etérea se formando no seu punho.

Prestes a atacar o homem, o éter alertou-o freneticamente. Era parecido com o sentido sensorial de chi de Kai.  

Conjurou um escudo etéreo no braço direito antes de ser atingido e lançado vários metros.

Quicou várias vezes no chão, levantando chumaços de terra e, certamente, quebrando vários ossos.

Quando finalmente parou de quicar, suspirou fundo. Levantou lentamente, todo seu peito e costas latejando de dor.

Retirou os óculos lentamente; não havia mais lente.
 
Ergueu o rosto. Agora, o som da batalha já havia se tornado costume para seus ouvidos.

Logo uma enorme sombra surgiu dentre a densa névoa.

Uma voz soou.

– Finalmente posso conhecer o campeão dos macacos coloridos...

A sombra foi finalmente ficando visível.

Saindo da névoa, havia um enorme gorila.

Ele tinha pelo cinza e era muito musculoso. No peito, havia duas cicatrizes perpendiculares marcando a área livre de pelos.

O gorila guinchou e mostrou suas presas amareladas e fedorentas.

– Eu, Pé-de-cana, campeão dos Gorilas da sequoia roxa, estou aqui para vingar meu irmão, Dedos-de-mel, e te desafio para um embate até a morte.

Mael suspirou e lançou um olhar preocupado para o leste.

Desculpe, Oren... pensou. Me atrasarei um pouco.   



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