Volume 1

Capítulo 36: BUCHA DE CANHÃO

Oren girou a lança.

Ele parecia mudado; não só em aparência, é claro.

Seu cabelo crescera, era rico em cor de cacau e cacheado.

Mael franziu a testa para Erde, que mantinha a cabeça inclinada para ele.

Ele apertou o cabo da espada e forçou sua lâmina contra a do amigo.

Erde pulou para trás quando notou que não suportaria mais um segundo de troca.

Entrementes, os soldados vitanti e um bom punhado de mudanti se chocaram com as hordas inimigas.

Gritos de agonia e o som de feitiços se chocando podiam ser ouvidos por todo o perímetro próximo.

Os vitanti eram de uma maestria única.

Ao longo de todo o campo de batalha, vitanti eram vistos em vultos, aumentando sua velocidade e se chocando com os diversos monstros.

E, apesar do inimigo ter uma quantidade exorbitante e superior aos dos vitanti, estes não se sentiam coagidos.

Isto porque eles eram treinados, diferente do exército inimigo, que tinha um número consideravelmente baixo quando se tratando de uma batalha extensa.

Mais atrás de onde Mael e Oren estavam, a unidade Fronteira se juntou.

– Juntos! – A voz de Arjuani soou, firme.

Ela encarou seu general uma última vez, quando caminhou lado a lado de Oren e atacaram o morto-vivo.

Mas não havia tempo a perder.

Deixando éter fluir por suas enormes manoplas, Arjuani diminuiu o espaço entre si e um punhado de caranguejos.

Ela se surpreendeu por encontrar estas criaturas tão longe de onde sempre costumavam estar, uma vez que eles só apareciam para pegar os “espólios” de uma grande batalha ou guerrilha.

Seu punho nem encostou no caranguejo. A simples aura do éter fez toda a carcaça de seu rosto se despregar do crânio. E assim ela derrubou vários.

Era muito forte, de fato.

– Qual nosso objetivo, senhora? – Indagou um tessaya mais atrás.

Arjuani franziu a testa. Era certo que unidades e batalhões tivessem objetivos, mas visto que até mesmo seu general batalha de modo avulso, ela se tocou que não haveria um objetivo concreto.

O único objetivo era sobreviver e matar o máximo de inimigos possíveis.

– Destruam todo inimigo que puderem – Sua voz se elevou. – E busquem não morrer.

– HO!

A voz dos soldados foi alta e uníssona.

Então eles se dispersaram, como se teias ramificadas.

Estavam em grupos de três, sempre atacando e destruindo os monstros que se mostravam mais complicados de se matar sozinhos.

No entanto, isso não era um real problema, uma vez que essas criaturas tinham um nível bem abaixo dos soldados ali.

Não era como se fossem realmente um problema.

A única questão era a quantidade absurda de monstros que continuavam a aparecer.

Isso porque ela tinha quase certeza de que esses eram apenas bucha de canhão.

Estava óbvio que o peso pesado ainda viria.

A unidade Fronteira continuou serpenteando pelo campo de batalha, destruindo os pontos fracos e estratégicos do inimigo.

Logo o odor de corpos subiu.

Depois de quase 20 minutos apenas atacando em sincronização, Arjuani notou que todos num raio próximo haviam caído, restando apenas os membros da unidade Fronteira.

Ela franziu a testa, respirando ofegante.

Então olhou para o lado e viu Mael decepar a cabeça do morto-vivo que tanto lhe deu trabalho.

Logo o pequeno comunicador soou diversas vezes.

“Reportando; Aqui é o comandante Lieto, falo diretamente do noroeste. Demos cabo de todos os inimigos que se precipitavam por aqui.”

“Comandante Fumio, estamos na ala direita, ao leste. Aqui é o mesmo.”

“Aqui é Arjuani.
– Disse ela, sem qualquer resquício de autoridade. – A unidade Fronteira acaba de eliminar diversas criaturas, estamos no extremo centro.”

Por um instante, ouviu-se apenas o som do vento, ostensivo.

O odor de corpos agora impregnava nas narinas de quem quer que se dispusesse a estar ali.

Passados alguns minutos de repleto silêncio, o comunicador vibrou.

BZZT

“Senhor...
– Disse Lieto. – Se me permite questionar... que é que estamos fazendo aqui? Essas criaturas não pareciam ter qualquer sincronia de ataque... era quase como se...”

Ele não precisou completar, já estava claro do que se tratava.

Alguns minutos tornaram a passar.

“Eram buchas de canhão, Lieto. – A voz de Oren soou. – Comandante Oren falando. Estas criaturas foram enviadas para diminuir nossos números. Qual a estimativa de perda?”

O exército vitanti era composto por uma cadeia simples de comando.

No teatro de operações estava o Marechal junto de seus conselheiros. Ele não ia para o campo de batalha, apenas ordenava de dentro da Grande Entrada.

Abaixo dele haviam três generais, com Mael sendo um destes. Cada general era responsável por uma brigada, que era composta por 5 mil homens e mulheres. Pelo menos era assim no papel.

Com o curto tempo para treinar tantos guerreiros, os vitanti que antes lidavam apenas com comandantes de campo e unidades de Púrpuros, teve de se adaptar.

Assim, cada brigada ficou com pouco mais de 2 mil homens, com exceção de Mael.

Sua brigada consistia em 3 mil homens. Abaixo dele, haviam seis comandantes, que comandavam batalhões com cerca de 500 homens cada.

“Perdemos pouco mais de trinta soldados, Senhor. – Disse Lieto. – Numa emboscada de uns ratos nojentos.”

“Então não baixem a guarda.
– A voz de Mael foi dura e sucinta. – A verdadeira batalha se inicia agora... enfrentaremos inimigos mais formidáveis que meros caranguejos e ratarinas... Estejam em extrema cautela e atenção.”

Assim que sua voz caiu, brilhos riscaram o céu.

Bolas enormes de fogo cruzaram todo o campo de batalha, vindo em direção ao exército vitanti.

“Magia!” A voz de Mael soou, alarmada.

Em diversos pontos, ouviu-se o estrondo nos campos, seguidos de gritos.

Logo o bombardeio cessou.

O vento tornou a uivar e um silêncio absurdo preencheu o campo de batalha.

Ninguém ousou dizer nada, nem mesmo Mael, que parecia esperar uma segunda onda de ataques.

Novamente gritos ensurdecedores soaram pelo campo.

Gritos de agonia, de horror.

BZZT

“Que está acontecendo?”
A voz de um comandante soou.

“Não sei”

“Alguns soldados estão morrendo...”

“Aqui também.”

“É como se algo invisível os atacasse...”

A expressão de Mael mudou. Ele sabia exatamente o que era.

“Todos aqueles com nível de sensibilidade extrema sobre o éter, identifiquem o inimigo... ele deve vir por uma espécie de caminho invisível, vocês notarão ondulações no éter... É energia pura.” Disse ele, mentalmente.

Fazendo isso, boa parte dos soldados na ala Sul se adiantaram, concentrando-se no campo de batalha.

Um vitanti em específico suspirou fundo e fechou os olhos.

Ele se concentrou tanto que logo viu um caminho, como uma fumaça ondulando aqui e ali, passando entre os soldados.

Na sua direita, houve uma ondulação.

Quando abriu os olhos, deu de cara com uma criatura surgindo do nada. Era um Bulgu.

Ele não teve nem tempo de brandir sua espada, a criatura já estava fechando a bocarra sobre si.

No entanto, foi salvo no ultimo minuto.

Um sujeito vermelho com cabelos longos e negros partiu a face lateral do Bulgu com uma inclinada de espada.

A criatura caiu ao chão, espasmando.

Por todo aquele lado, vários guerreiros Carmim se precipitaram, esperando o momento exato em que os Bulgu apareceriam.

E estes eram cortados como faca na manteiga. Os mudanti eram realmente um povo incrível.

Mas não havia tempo para pensar nisso.

Enquanto vários Bulgu eram mortos na ala sul, o chão começou a tremer.

Mael não gostou disso.

Isso porque essa batalha era incomum. Era um tipo de guerra onde haviam espaços de interrupção, onde o lado inimigo ficava longos minutos parado, observando.

Agora, o tempo de ataque diminuiu drasticamente.

Isso porque enquanto a ala Sul lidava com os Bulgu, em auxílio dos mudanti, o chão tamborilou.

E boa parte da ala Norte, Nordeste e central, notaram.

Mael encarou Oren em meio a fumaça que se formou após os vários ataques de magia.

Ele franziu a testa.

Com um menear de mão, fez a fumaça se dispersar.

Assim que o fez, seu coração errou uma passada.

Ele se virou para trás e apertou o pequeno objeto no seu dedão.

“Preparem-se, a verdadeira batalha está por vir...”

A frente, todo o exército inimigo contendo mais de sei mil criaturas e homens corria desembestado.

Os Bulgu, caranguejo e até as ratarinas... eram todos bucha de canhão, enviados para diminuir o número dos vitanti ou até mesmo cansá-los.

O verdadeiro perigo se precipitava agora.

Seria um massacre.



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