Volume 2
Capítulo 96: SANGUE DE CRISTAL
O pior inimigo de Kai não foram os incontáveis monstros que surgiram feito uma torrente, no entanto.
Era a escuridão.
Ao lutar contra todas essas aberrações, Kai confiou cegamente no seu instinto puro, e se saiu bem. Mas não poderia continuar assim, pois como percebeu, no fim dessa intensa luta as criaturas eram mais brutas, inconstantes e seu senso não conseguia captar seus movimentos por muitas vezes.
O som abafado da tempestade uivou em seu ouvido, e ele suspirou pesadamente, irritado.
Kai aproveitou o momento para recuperar o fôlego quando algo estranho aconteceu.
Normalmente ele não agradeceria essas situações de sorte clara, mas até mesmo isso foi escancaradamente conveniente ter sido agora.
Pouco a pouco, o chão se iluminou com luzes azuis claras e etéreas, criando um ritmo desordenado de fluxo.
Kai demorou um tempo para perceber que na verdade eram… os corpos das criaturas que ele matara.
No fulgor da batalha ele ficou realmente muito concentrado no que estava fazendo que nem percebeu o real perigo da coisa. Uma quantidade enorme de dezenas ou talvez uma centena e meia de criaturas monstruosas caía morta no chão.
Mas agora olhando para isso, um arrepio frio inundou sua espinha. Era realmente muita sorte que ele tenha escapado com poucos arranhões e quase ileso, na verdade, pois as criaturas eram maiores e pesadas que ele.
Várias delas foram cortadas ao meio vertical e horizontalmente. Algumas ainda se debatiam, o sangue sujo sendo rapidamente lambido e sugado pela areia.
Se abaixando sobre uma das criaturas, ele observou sua bocarra enorme cheia de dentes afiados. Eram criaturas cinzas de quatro braços e garras afiadas no fim de cada membro.
‘Huh… devo agradecer pela minha sorte a algum deus ou… protetor?’
Afastando os pensamentos para longe, Kai se inclinou um pouco mais sobre a criatura, observando o que reluzia dentro do peito dela. Ele rapidamente pegou uma faca curta de sua bainha na perna e enfiou no tórax dela – com muita dificuldade.
Quando a faca finalmente entrou, um pó negro e fedorento espirrou para fora. Kai previu isso bem, e pulou para trás quase um segundo antes de ser atingido. Então sangue gosmento e pegajoso escorreu, fedendo centenas de vezes mais.
Após o pó finalmente evaporar, Kai se aproximou de novo e trouxe a faca do tórax até abaixo do abdome, tendo muita dificuldade para cortar também. Na verdade, esteve tentado a usar Vento Noturno para essa tarefa. Era surpreendente como a espada era afiada sem que ele precisasse injetar energia nela.
Tirando a faca e limpando antes de embainhar-la, Kai suspirou fundo várias vezes, se preparando mentalmente para o que viria.
Sem pensar duas vezes, Kai enfiou as duas mãos dentro da abertura, fazendo força para afastar a pele e os ossos da criatura. A luz fraca e etérea de repente ganhou mais força, se intensificando. Era incrivelmente quente e pegajoso ali dentro. Então ele enfiou cada vez mais fundo, vez ou outra suprimindo um xingamento e uma risada metódica. Kai não era o tipo que fazia piadas em situações assim, mas o modo como ele imaginava essa situação não era outra coisa senão irrisória.
Depois de um longo minuto vasculhando, Kai finalmente apalpou algo redondo e morno, que se distinguia em calor do resto do interior da coisa. Trazendo para fora, ele franziu a testa enquanto encarava a bolsa de couro pingando o “líquido” viscoso.
Dentro, uma esfera azul abrasante queimava, iluminando seu rosto e o vão escuro atrás. Kai semicerrou os olhos, cego pela luz de repente.
Um riso escapou de sua boca.
‘Muito, muito sortudo…’
Enquanto se erguia e prendia a bolsa de couro ao cinto, ignorando o sangue pingando e manchando sua roupa, Kai observou a longa escuridão que de repente era iluminada pela “lamparina de carne”. Seria útil aqui.
Kai observou os corpos das criaturas mortas e começou a caminhar, uma ideia afiada surgindo em sua mente. Era melhor prevenir do que remediar.
***
Após longos trinta minutos – contados à risca por ele – Kai finalmente se ergueu sobre os corpos, esticando as costas. Ele havia finalmente removido cerca de cem das bolsas de couro dos corpos mortos e enfiado no bolso sem fundo.
Kai tinha a vaga sensação de que essas bolsas de couro com essa esfera reluzente poderiam ser mais úteis do que realmente eram. No momento, serviriam de lamparina, mas algo lhe dizia que teriam outra função… era melhor se precaver, no entanto.
Ele não tinha tempo para estudá-las, a caça deveria perseguir.
Suspirando fundo, ele recobrou a concentração, mas estava incomodado com algo que deixou passar. Varrendo seu olhar pelos corpos, não conseguia encontrar nada de errado realmente.
Talvez fosse somente a força da presença mental da criatura que ele buscava encontrar, mas… não era isso. Era diferente, no entanto. A presença mental era forte e clara, tanto que nem era perceptível, e Kai só notou sua clareza quando sua mente se iluminou… mas isso era insidioso. Uma pulga atrás da orelha.
Kai concentrou energia num único ponto de seu corpo e, em alguns segundos, criou-se uma grande massa envolvente e constante.
Um anel de energia saiu dele em forma de onda. Quanto mais longe a onda de energia ia, mais aneis se formavam. Cerca de dez aneis se formaram, enquanto era expelido em formato de ondas.
Por meio destas ondas, Kai se concentrou no radar, que era uma forma de sentir o ambiente de modo rudico. Antes, Kai conseguiu fazer isso somente uma vez, quando ficou temporariamente cego. No entanto, depois da explosão de energia, sua afinidade melhorou… isso porque…
Enfim, com os dias que se passaram, Kai focou em enviar pequenas quantidades de aneis de radar, a fim de sentir os arredores. Sua energia logo cessava, mas ele tinha uma boa resposta. Conforme treinou, conseguia criar cerca de dez destes aneis, se surpreendendo com a rapidez de evolução… ele sabia a razão, é claro, só evitava pensar nisso.
Mesmo assim, nem mesmo os dez aneis de radar conseguiram captar algo. A sensação de incômodo persistiu. Ele suspirou pesadamente, se virando para a direção que deveria tomar. Enquanto se afastava, evitando os corpos, a sensação de perigo inundou sua mente feito alarme. Kai se virou rapidamente a tempo de ver uma sombra pela sua visão periférica.
Suspirando pesado, ele pegou a ‘lamparina de carne’, erguendo-a em várias direções, mas não notou nada. Mas havia algo ali, e ele percebeu.
Era como se um rio fluísse por ali, mas a areia se movia também. Kai voltou pelo lugar que veio, caminhando lentamente para ver se tinha perdido algo. Então uma ruga surgiu em sua testa quando ele ouviu o som do rio fluindo aumentar. Se virando para a direita, ele iluminou uma área bem a tempo de ver o sangue se cristalizar e formar estacas de 1 metro e meio de altura.
Inicialmente, a cristalização era lenta, e Kai resolveu observar o sangue se cristalizar e ganhar massa. Cada gavinha terminava numa ponta afiada, mas distante de Kai.
Isso mudou rapidamente, no entanto. A cristalização evoluiu rapidamente em forma e tamanho… e em área. Em poucos segundos varreu metade do espaço de corpos, alguns sendo empalados e cortados ao meio pelo próprio sangue mortífero.
O chão tremeu e Kai perdeu o equilíbrio, arregalando os olhos quando viu a rapidez aumentar drasticamente e em sua direção.
Os cristais se solidificaram acima dos três metros em um piscar de olhos, e fendas mortais se abriram para engolir os corpos remanescentes das criaturas. A areia nos pés de Kai começou a cair, e a terra tremeu mais, a fenda chegando até ele.
Kai perdeu o equilíbrio tão logo acabara de se erguer. Mas não havia tempo a perder, pois o chão aos seus pés se abriu e uma coluna vertical de sangue cristalizado percorria em sua direção.
‘Isso poderia piorar…?’
Suspirando, ele finalmente retornou ao seu equilíbrio e se virou para correr.
No entanto, um guincho alto surgiu, fazendo a espinha e o estômago de Kai esfriar. Ele se virou lentamente para trás, e arregalou os olhos, um sorriso louco e inconsolável surgindo em seu rosto.
‘Eu e minha boca grande…’
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