Volume 1

Capítulo 28: Brincando entre Leões & Lobos — Parte 1

A tensão ainda permanecia no quarto, apesar do silêncio que o preenchia.

Sheyla, com seus olhos fixos na janela, parecia perdida em pensamentos profundos. Seu rosto está levemente marcado por linhas de preocupação. A conversa anterior com seus superiores a tinha deixado inquieta, e provavelmente não tinha dormido naquela noite.

Fico me perguntando o que há com essa gente. Não são eles que estavam preocupados com os rumores? Bem, parece que não. Mesmo sendo bem estranho, ainda são rumores. O fato de terem permitido que a alto-comandante dos Cavaleiros de Lóthus partisse com um grupo mínimo de aventureiros já seria um alerta.

Suspirei, assim como Sheyla. No entanto, ao me observar, ela sorriu e colocou as mãos sobre minha cabeça, me afagando.

— Algum problema, Yami? Por que está suspirando? — Depois disso, ela se levantou da cama e arrumou suas próprias roupas. — Se é por causa do que eu disse antes, você não precisa se preocupar...

Fiz um sinal negativo e me levantei.

— Não é isso.

Ah, e se for pelas madres, também pode ficar tranquila. — Ela sorriu novamente, no entanto, um sorriso mais genuíno. — Sabe... enquanto eu estava vindo para o quarto, percebi carruagens se aproximando da porta. Provavelmente devem ser as madres.

— Você realmente parece confiar nelas — murmurei, mais para mim mesma do que para ela. — Sendo assim, vamos tentar terminar isso o mais rápido possível.

— Sim, eu confio — respondeu Sheyla ao meu comentário. — Afinal, elas... me ajudaram quando eu estava com alguns problemas.

— Oh... entendo. — Tentei esconder minha curiosidade, afinal, o quão imersa estava sendo nos problemas dos outros? De qualquer forma, caminhei em direção a ela. — Sendo assim, vamos conversar com elas.

Sheyla abriu a porta e me observou.

— E você acha que estará tudo bem elas me aceitarem? Mesmo sendo um demo... quero dizer, um meio-demônio?

Ela se inclinou para frente, colocou as mãos sobre meus ombros e fez um sinal positivo enquanto afirmou:

— Sim... sim, não se preocupe com isso.

— E onde irei dormir? Com as outras crianças?

— Se estiver tudo bem para você...

Saímos do quarto e começamos a caminhar pelo corredor.

— Argh... sério? — Resmunguei baixinho.

— Oh, a poderosa Yami tem problemas com crianças?

— Não é que tenha um problema, é só que...

— Yami, considerando tudo que você fez até agora e como se portou, não vejo por que teria essa preocupação. Além disso, Pretty vai te ajudar aqui. — Ela segurou minhas mãos. — E é claro, eu.

Agora, tão pouco importa ser tratada como uma criança. Mas é difícil que ela tenha esquecido das coisas que fiz ou poderia fazer. Mesmo assim, ela está me guiando pelos corredores tal como uma mãe levando sua filha.

Segurei suas mãos com firmeza e ela parou de andar, me encarando.

— Só para eu saber, Sheyla... eu não preciso fazer nada especial, certo?

— Especial você diz... não — respondeu com dúvidas. — Quero dizer, o que?

— Sabe... ah, esquece — suspirei e só comecei a andar. — Vou só tentar falar nada.

Sheyla apenas sorriu e continuou me guiando.

Não posso me esquecer que essas garotas gostam de me fazer de bobo. Mesmo que eu pergunte se é para agir de alguma maneira, elas simplesmente esquecem ou não têm nada para informar. Neste caso, a única coisa que posso fazer é me preparar para o pior.

Ainda não tinha certeza do que esperar do nosso encontro, e considerando o uniforme de Pretty quando a encontramos, esse “orfanato” parece fazer parte de algum convento ou igreja. E ignorando aquela sala estranha com as figuras de leões, aqui isso parece ser a verdade.

De todos os personagens possíveis, ser uma órfã humilde é... difícil, mas creio que tenho feito um bom trabalho até agora.

Depois que seguimos pelo corredor, voltamos para o primeiro andar. Ainda que estivesse de manhã, eu não precisei me preocupar em me encontrar com as outras crianças, ao menos por agora, isso se dava ao fato do horário.

Quando olho novamente para Sheyla, ela está se mantendo firme, mas é possível ver em seus olhos, quando não está forçando um sorriso, um cansaço. Minha recuperação deve ter-lhe ajudado, mas já faz horas que saímos da floresta, caminhamos pela cidade e todas as outras horas até agora.

Como ela não comentou nada, então me mantive em silêncio.

Nos aproximamos da entrada do orfanato, ainda de cima no saguão. A vista era surpreendente e o lugar era totalmente diferente de quando estava de noite. O corrimão que acompanhava a escada permitia observarmos através dos espaços toda cena.

Pela primeira vez, eu vi as outras irmãs além de Pretty, e era muito estranho e engraçado vê-las com aqueles uniformes convencionais. Não que eu possa dar certeza se isso deveria existir nesta época ou mundo, mas lá estavam elas, com seus típicos uniformes pretos e detalhes em branco.

Me apoiei no corrimão, e Sheyla ficou do meu lado.

O que as irmãs do orfanato estão fazendo? Elas carregam algumas caixas e sacolas para dentro do prédio e percorrem para outra porta ao lado. Enquanto isso, Pretty parece ser aquela que está carregando as caixas maiores e colocando-as ao lado da parede, fora do caminho.

— O que elas estão fazendo? — Perguntei para Sheyla, mas obviamente, carregando coisas.

— Parece que estão descarregando mantimentos e suprimentos — respondeu Sheyla, acompanhando cada movimento das irmãs. — As madres-superiores costumam trazer coisas para o orfanato quando voltam de suas viagens.

— Viagens? — Voltei a encarar a cena. — E isso ocorre com frequência?

— Sim... viagens, agora sobre a frequência ... — Ela parou por um momento, pensativa, mas logo afirmou com a cabeça. — Sim, podemos dizer que sim. As madres-superiores são bem mais que... “administradoras” do lugar. Quando elas aparecerem, você perceberá na hora.

— Entendi — murmurei, voltando meu olhar para as irmãs.

A cena era estranhamente “pacífica”, e apesar das atividades frenéticas, se moviam com eficiência de um lado para outro. Se eu ignorar a situação, posso até dizer que elas me lembram formigas operárias.

Foi aí que notei as figuras que entraram pelas portas: as madres. Elas não só eram diferentes das irmãs, como também muito diferentes do que eu estava esperando encontrar. Elas utilizam roupas nada equivalentes aos uniformes das freiras, muito pelo contrário, pareciam até amazonas.

E não era apenas a aparência, elas também possuem uma aura de poder e respeito. Inclusive, as irmãs pareciam evitá-las diretamente.

— Sheyla... — Comecei com minha voz baixinha. — Aquelas são as madres, certo?

— Sim, são elas. — Sheyla afirmou com um misto entre respeito e medo. — Elas são as líderes do Orfanato de Hyreliun, e da igreja local.

— Elas parecem... — Como posso dizer isso? — Fortes?

— Elas são. — Sheyla concordou. — Mas, também possuem um bom coração, Yami... — Olhou novamente para as madres. — E serão aquelas que irão decidir se você pode ou não ficar aqui.

Duas ficaram paradas ainda na porta e conversam com alguém do lado de fora, outra, no entanto, veio em direção ao centro do hall de entrada. Seu movimento era cheio de graça e confiança que só podiam ser adquiridos através de anos de experiência e treinamento.

Eu engoli em seco, me sentindo pequena para a situação. Era como se estivesse de frente com sócios de uma grande empresa, meu próprio lado trabalhador fervia com inúmeras ideias e métodos, pensando como isso iria se desenrolar.

Bem... isso vai ser interessante.

Antes que eu pudesse fazer qualquer outro comentário, aquela madre que se separou do grupo logo nos encarou diretamente. Era como se estivesse vendo através de nossas almas, ou ao menos a minha.

Sheyla fez um sinal com as mãos, confirmando que também tinha percebido o contato visual, e de lá de baixo, a mulher fazia o gesto. Depois disso, Sheyla colocou as mãos em meus ombros, colocando-me sob sua proteção.

— Há quanto tempo, Sheyla — disse a madre. — E pensar que você voltaria a pisar nesse orfanato depois de tudo...

— Sheyla? — Perguntei baixinho, olhando para cima. — O que ela quer dizer com isso?

— Depois eu lhe dou os detalhes, Yami.

Apenas assenti e voltei a olhar para a outra mulher.

E quem seria essa?

Sistema [Analisar Ativado].

Por que está me avisando isso? Quer saber, não precisa me responder, vamos só ver o que temos aqui... Wow! Essa... essa Tereza, ela não é muito mais forte que Sheyla? Não só seu nível, mas todos os seus números e habilidades.

Se considerarmos que Sheyla é uma comandante de uma ordem de cavaleiros, então, o que seria essa mulher? Ela sozinha seria capaz de lidar com todos os goblins e provavelmente comigo. Eu preciso, obviamente, evitar qualquer tipo de luta com ela ou com as outras madres.

E... o que há com essa idade? Aqui diz que ela tem “apenas” 62 anos, no entanto, sua aparência não está além de uma jovem mulher por volta dos 30 anos, e assim como todas as outras mulheres e garotas até agora, possuem uma aparência muito acima da média.

Sistema: [Tereza de Feranza – habilidades]

[Maestria com Lança (9), Maestria com Espadas (9), Maestria com Arcos (8), Maestria com Montaria (7), Perícia em Magia Branca (5), Perícia em Magia Natural (6), Perícia em Magia Elemental do Vento (4), Resistência Física (9), Conhecimento Druídico (4), Conhecimento Caçador (5), Golpe com Lança (9), Ataque Fatal (7), Tiro Preciso (7), Palavra de Cura: Rest (3), Palavra de Cura: Vitta (3), Floco de Luz (2), Vinhas da Terra (4), Punhos de Terra (2), Cortes de Ar (3), Chicote de Fogo (4), Marca do Caçador (4)]

A lista é tão grande que eu precisaria descer a janela para continuar vendo. E tem mais, o que é essa nova opção: Títulos?

Sistema: [Títulos: Você será capaz de ver os títulos de um personagem e seus efeitos passivos únicos. Títulos são obtidos por feitos ou após concluir determinadas condições, um personagem poderá equipar um número limitado de títulos por vez].

[Tereza de Feranza – Títulos 4/5]

[Matadora de Demônios – Aumenta a eficiência contra Demônios e Criaturas Demoníacas. Cada criatura do tipo demônio derrotada permite melhorar seus Status em um pequeno percentual]

[Sacerdotisa de Hyrelin – Ao ter uma relação íntima com a deusa da caça, Hyrelin, garante diversos efeitos benéficos baseados na benção da deusa]

[Praticante de Tabu – O personagem é um verdadeiro praticante de Tabus considerados ofensivos para o restante da sociedade. Quanto maior seu conhecimento acerca dos Tabus, maiores serão seus poderes]

[Subjugadora do Terror – O personagem é praticante das artes da intimidação, seja pelas palavras, seja pelas ações. Convencer na base do terror é tão normal quanto respirar]

Que títulos são esses? Matadora de Demônios? Subjugadora do Terror... Praticante de “Tabu”? O que diabos são estas coisas e o que essa mulher fez para conseguir todos esses títulos?

— Sheyla, quem é essa mulher? — Perguntei baixinho, quase como um sussurro. Sheyla estava sorrindo a todo o momento, porém, com aquele sorriso forçado e totalmente desconfortável.

— Essa é a Madre Tereza — respondeu também com sua voz baixa. — Ela é uma das madres-superiores e uma das mais fortes entre elas.

— É meio... — Antes que pudesse continuar, ela segurou meus ombros com mais força como se quisesse me fazer parar de falar, e foi isso que fiz.

Madre Tereza, como você conseguiu esses títulos? E para piorar, Matadora de Demônios? Com toda a minha “Boa Sorte”, isso ainda acontece? Mas que caralhos!

— Você sabe que é rude ficar murmurando de longe enquanto alguém está a conversar contigo, certo, Sheyla? — Disse Tereza a Sheyla. — Ou você quer que eu vá aí?

Como é a primeira vez que estou tendo contato com a ideia de ter títulos, estou perdido e, obviamente, impressionado. Ainda é estranho pelo fato de uma pessoa ser chamada de madre, mas se veste como uma guerreira, e tem títulos associados à caça de demônios entre outros ainda mais estranhos.

E se eu olho para as outras freiras, usando seus uniformes de convento, esse contraste se torna muito mais evidente.

— Me desculpe, Madre Tereza — disse Sheyla enquanto ia em direção às escadas. — Fique aqui, Yami — completou baixinho para mim.

Antes que Sheyla descesse as escadas, Tereza apontou para minha direção.

— Você também, garota. Se aproxime.

Olhei para Sheyla e olhei para Tereza. E agora, o que devo fazer? Quando encarei Sheyla novamente, ela assentiu. Por isso, fui até ela e descemos juntos a escada.

— E então? Espero que você tenha ÓTIMOS argumentos para explicar o que você fez...

— Me desculpe, Madre Tereza... — disse Sheyla cabisbaixa. — Você sabe que não fiz por mal...

Haha — Começou a rir, porém, de uma maneira que eu não poderia definir se era ou não forçada. — “Você sabe que não fiz por mal”? Você realmente vai dar essa desculpa, sua...

— Acalme-se, Madre Tereza — disse outra voz, cortando os gritos de Tereza. — Lembre-se que aqui não é o lugar nem o momento para isso.

Quem se aproximou de nós era uma das outras três madres que eu tinha visto lá de cima, essa era Graça: a madre com a qual Sheyla gostaria de conversar especificamente. E apesar de não ser a líder desse lugar, também era realmente forte, só não tanto quanto Tereza.

Por suas habilidades e títulos, Graça parece muito mais como uma sacerdotisa ou alguém devota a uma entidade benevolente. Porém, com essas roupas, é... não dá para chamá-la de “madre”.

Quando comparo com a outra, Tereza, fico me questionando como as duas podem ser chamadas de aliadas.

Por último, a terceira das madres: Maria. Ela apareceu em seguida, logo atrás de Graça. Suas habilidades estão em pé de igualdade com Tereza, tanto em números quanto em habilidades, mas, para deixá-la ainda mais perigosa, suas habilidades me lembram muito Meril. Então, ela seria algum tipo de maga? Talvez...

De qualquer forma, ficamos eu e Sheyla de um lado, e as outras três: Tereza, Graça e Maria do outro. Ou seja, nós com três amazonas.

— Então, quem é essa adorável criança? — Perguntou Graça.

— Essa é a Yami. — Sheyla me apresentou, colocando uma das mãos em meu ombro. — Como podes ver, madre Graça, ela é um meio-demônio que encontrei na floresta durante minha missão.

— Um meio-demônio? — Perguntou surpresa.

Ah, então é por isso que senti algo... vindo dessa criança — afirmou Tereza, cheia de malícia na voz e no olhar. No entanto, Graça logo interferiu, colocando as mãos para que Tereza se afastasse. — Como sempre, protegendo sua “queridinha”, certo?

— Não é nada para se preocupar, Tereza. — Graça comentou, lançando um olhar repreensivo para a outra mulher. — Ou você acha que essa criança seria uma ameaça?

— Eu não disse que ela era. — Tereza retrucou.

— E então? — Questionou Graça voltando sua atenção para Sheyla.

— Gostaria que vocês permitissem Yami de ficar aqui durante alguns dias... Só até que eu consiga arranjar um lugar melhor para ela ficar.

— Um lugar melhor? — Tereza comentou sarcasticamente. — Você quer dizer adotá-la?

— Não... não é isso.

— Chega, Tereza — Afirmou Graça com veemência.

Tereza fez um sinal negativo e levantou uma das mãos com clara reprovação.

— Por mim, não há problemas. Mesmo que diga que ela seja um meio-demônio, parece tão... humana. — Se aproximou de mim e segurou minhas mãos, passando entre os dedos minhas “garras”. — Só devemos ter cuidado para não machucar as outras crianças.

Apesar daquele absurdo, ela tinha razão. Minhas garras eram afiadas e provavelmente poderiam ser consideradas uma arma natural.

— Claro que Yami não fará mal algum para as crianças. — Argumentou Sheyla.

— Sim, eu sei. E você, Maria? O que acha?

Maria, que tinha ficado em silêncio até agora, deu de ombros, mas logo afirmou:

— Se você, madre Graça, diz que está tudo bem, eu não me importo — comentou com seu tom de voz indiferente.

— E você... Tereza? Certamente não terás problema, ? — Indagou Graça.

— Vocês duas já decidiram, não? — Respondeu contrariada.

Sheyla olhou para mim e sorriu. Pelo jeito, Tereza é uma mulher bem impulsiva, mas não parece ser uma pessoa ruim... ainda.

— E onde está a madre-superiora? — Perguntou Sheyla, olhando através delas, pela porta.

Tereza olhou para trás e depois para Sheyla antes de responder:

— O que você quer com aquela velha-caduca? — Ironizou Tereza.

Madre Graça fez um sinal negativo e suspirou.

— Tereza... por favor, mantenha os seus modos, ao menos.

Tereza não era só a mais forte entre elas, mas tinha esse jeito que fugia totalmente da imagem de uma “madre de um convento”, mas, neste caso, até mesmo da concepção de “amazonas” que estava aos poucos se formando em minha mente.

Mesmo na casa dos seus 70 ou mais anos, isso pelo Sistema, elas nunca poderiam ser colocadas nessa faixa etária. Diante de mim há apenas mulheres por volta dos 30 anos, ou seja... que porra é essa?

— Ou vai dizer que ela não já está ficando caduca? — Tereza prolongou a piada.

Antes que Tereza continuasse sua “graça” contra Graça, uma voz reverberou pelo salão.

— Madre Tereza! — Todos, inclusive as madres, deram um pequeno salto de susto. — Por acaso está querendo me insultar na frente de nossas visitas?

As outras irmãs que passaram por nós, carregando caixas e sacolas, tremeram com a situação e logo se afastaram como se estivessem esperando o pior. Era, literalmente, como se uma batalha fosse ocorrer a qualquer momento.

— Falando no “diabo”... — disse Tereza baixinho para si.

Mas, que “diabos”? Ah, deve ser a [Tradução Automática] interferindo na minha compreensão. De qualquer forma... quem é essa?

A última a entrar no hall era a tal grande-madre Sonya, provavelmente a líder das madres-superioras? Não importa como eu veja, ela é, sem dúvidas, a mais forte desta sala, se não da cidade.

Engoli a seco no momento que vi sua habilidade única: [Olho da Verdade].

Sistema: [Olho da Verdade – Permite ver através de ilusões e magias de ocultamento, também auxilia no teste de Analisar].

Merda, merda! De tudo que pudesse acontecer, por que alguém como ela teria essa habilidade, logo aqui? Pior, por que todas essas mulheres estariam em um simples orfanato?

— Não é como se fossemos ficar aqui por muito tempo de qualquer forma..., mas isso está parecendo como um desafio, ?

— Será? Podemos resolver isso mais tarde, a qualquer momento, mas agora não é hora para isso.

A atmosfera ao redor parecia como um vulcão, prestes a explodir.

As outras irmãs, que ainda estavam tremendo de medo, paralisadas, logo tiveram contato direto com Sonya, que ao encará-las, forçou todas a voltar para seus afazeres. Até mesmo Pretty foi pega na confusão quando entrava carregando uma daquelas caixas.

As irmãs e Pretty apenas viraram o rosto para outros lados, tentando evitar os olhares da grande-madre.

Sheyla também se mostrou um pouco acuada, porém, voltou a olhar para Sonya e continuou:

— Madre Sonya, é um prazer vê-la novamente. — Fez uma reverência, tentando chamar atenção para si e aliviar um pouco a tensão no ar, porém, não parecia funcionar.

Sonya é uma mulher que aparenta ter a mesma idade que as outras, mas o Sistema me informa que ela têm por volta dos 80 anos, o que seria impossível. Ela apenas acenou com a cabeça em resposta e deu alguns passos em minha direção.

Sonya, diferente das outras “amazonas”, não usa apenas aquela armadura de couro típica entre as quatro, também carrega consigo uma espécie de casaco longo que quase chega ao chão.

Seus olhos se fixaram em mim muito mais que Tereza, e eu pude sentir o peso do seu olhar a cada segundo que ela se manteve me encarando. Era como se pudesse ver através de mim, através de todas as minhas defesas e, provavelmente, meus disfarces.

Será que ela consegue ver minha verdadeira natureza? Ou pior, será que ela consegue ver que não sou nem deste mundo?

— E quem é essa? — Perguntou Sonya sobre mim, olhando para Sheyla. Sua voz era muito mais calma e suave do que antes, e apesar de ter baixado o tom, ainda era digna de um comandante ou líder.

— Essa é a Yami — respondeu Sheyla, um pouco nervosa, mas logo repetiu o que tinha dito antes: — Ela é um meio-demônio que encontrei na floresta durante minha missão e gostaria que ela pudesse ficar no orfanato por alguns dias até eu conseguir resolver sua situação.

Sonya não disse nada por um momento, apenas voltou a me estudar... freneticamente.

Eu senti gotas de suor formarem em minha testa e inclusive uma delas escorregou entre meus olhos – e demônios podem suar? Se ela realmente tem a habilidade de ver através de ilusões, então será agora meu fim?

— Uma meio-demônio, huh? — Sonya finalmente quebrou o silêncio e sorriu para Sheyla. — Interessante.

— Ela não é uma ameaça, Madre Sonya — Sheyla apressou-se em dizer. — Ela é apenas uma criança...

Sonya fez um sinal para que ela parasse e caminhou em minha direção, se aproximando e ficando apenas alguns poucos passos de distância.

As outras madres estavam curiosas, e Sheyla, por outro lado, estava bem apreensiva.

— Você pode ver através de mim, não é? — Perguntei baixinho, minha voz saiu mais calma do que eu esperava, mas não posso negar que essa situação não é nada calma.

Sonya não me respondeu, em vez disso, ela apenas sorriu e se afastou.

— É uma criança de fato curiosa. — Fez um sinal para que as outras prosseguissem. — Estou ansiosa para ver o que essa criança vai se tornar quando crescer.

As outras madres apenas sorriram, uma a uma, e saíram, seguindo Sonya para uma porta dupla logo no final do corredor, deixando Sheyla e eu para trás.

Foi como se uma tonelada saísse dos meus ombros e quase desabei devido à pressão.

— Isso foi... — comecei a falar, mas Sheyla me interrompeu.

— Eu sei — afirmou, aliviada. — Mas parece que estamos... seguras por enquanto.

— Seguras... é? — Perguntei, olhando de canto.

— Oh, me desculpe, não quis dizer dessa forma... é que...

— Sim, eu sei, não precisa tentar se explicar. Mas seria muito diferente se você ao menos me dissesse... um pouco do que iria acontecer, sabe?

— Me desculpe, Yami. Eu... realmente deveria avisar que elas eram mulheres “fortes”.

— Entendo.

Elas são “fortes”, isso não tem dúvida, porém, o problema são seus títulos e habilidades. É quase como se elas fossem feitas especificamente para me enfrentar. Quero dizer, enfrentar demônios.

Sheyla não parece saber disso, então ela não tem culpa, mesmo assim, quão “sortuda” eu fui nesse encontro? E para piorar, Sonya certamente viu algo que lhe chamou atenção. Mesmo não fazendo menção de que iria me atacar ou qualquer coisa do tipo, deixou transparecer sua curiosidade acerca de mim. E isso, mais do que qualquer coisa, me assusta.

Mesmo agora, com todo o meu “roubo” do Sistema, sinto minhas mãos e pernas trêmulas; é literalmente um medo genuíno. Porém, considerando que Sonya me permitiu ficar aqui, eu preciso me acalmar e pensar em como devo prosseguir agora.

Sheyla segurou minhas mãos depois de me ver nesse estado.

Se fosse em outros tempos, teria ficado bravo, mas agora, apenas a segurei com firmeza.

— Tudo bem, Yami... Se Sonya deu-lhe seu aval, não precisamos mais nos preocupar.

— Espero que sim.

Pretty, que estava afastada, logo se aproximou de nós.

— Isso foi bem intenso, quero dizer, mesmo não escutando nada, o ar ao redor estava bem... pesado — comentou Pretty. — Vocês estão bem?

— Sim, Pretty. Agradeço sua preocupação — afirmou Sheyla.

— Sim... sim. — Também afirmei.

Pretty colocou a caixa que estava segurando próximo de onde estamos, numa pilha de caixas semelhantes.

— Olhe, eu terminei minha parte. Que tal eu fazer um café para nós? O que vocês acham?

— E está tudo bem? — Perguntei baixinho.

— Claro!

Pretty, apesar de energética, não parecia ser nenhum tipo de autoridade, e considerando o que ela me disse na noite anterior, duvidei muito que seria tão simples assim.

— Não está acreditando em mim?

— E está tudo bem para você? — Perguntei, olhando através dela para a pilha de caixas.

Ela me acompanhou com os olhos e sorriu.

Ah, isso? Sua irmãzona é forte!

— Pretty, dado o que acabou de acontecer, acho que não deveríamos procurar nenhum problema adicional.

— Vocês duas... não precisam se preocupar com isso. Apesar das outras irmãs não gostarem muito, eu não me importo. E eu também gosto de cozinhar.

— Se você insiste — disse Sheyla, bem hesitante.

— Além disso, acabaram de chegar todos esses mantimentos, por que não estrear?

— Que? — Disse, surpreso pelo comentário. Quem diria que nessa época também haveria esse tipo de brincadeira. Porém, antes que pudesse concluir meu pensamento, meu estômago roncou tão alto quanto uma moto. — Errr... acho que... não irei me opor a isso.

Pretty e Sheyla riram com minha situação, e até foi melhor assim, pois senão, seríamos nós três tensas do início ao fim.

Então decidimos partir para a cozinha.



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