Volume 1

Capítulo 8: Meus Motivos, Seus Motivos, Nossos Motivos – parte 1

Sheyla, que atuou como se fosse minha mãe, me incentivou, dando alguns toques no meu ombro enquanto sorria e falava: “tudo bem, podes conversar com ela agora”.

Tive que conter minha frustração por ser novamente tratado como uma criança. No entanto, contido, dei alguns passos para frente, saindo da proteção da cavaleira.

Era indispensável parecer-me àquela que poderia ajudá-las, e para isso, eu tinha que demonstrar empatia e um semblante pacífico. Assim, poderia acalmá-las e a conversa prosseguir sem mais problemas. Mesmo que fosse ilógico escutar e confiar nas palavras de um demônio – até eu sei disso –, também não dava para negar o fato que minha aparência e meu estado atual eram perfeitos para isso.

Pensativo, fiz questão de parar e analisar qual rota eu deveria prosseguir. Como devo me apresentar? Uma princesa digna dos melhores elogios, com força e poder em que elas possam confiar? Ou, uma garota pobre e humilde, capaz de acender a chama da compaixão, fazendo com que elas quisessem me ajudar?

Há tantas maneiras para prosseguir.

Olhei rapidamente para Meril e Ninx, que apenas se ajustavam para me ouvir. Depois observei Yaga, bem mais tranquilo que antes, fazendo um sinal positivo com a cabeça – como se ele tivesse feito algo, ?

Inspirei profundamente. Não tem porque demorar mais.

Vamos seguir pelo caminho da garota humilde, afinal, já cheguei até aqui por essa rota. E, se mudasse agora, só seria ainda mais problemático.

Como não tinha me afastado de Sheyla – ou me aproximado das outras duas aventureiras – decidi dar mais alguns passos, ficando assim entre as três.

Olhei para Samy como se agradecesse pela sua ajuda de mais cedo, pois, se ela não impedisse Meril de continuar seu ataque, tenho a certeza de que sequer chegaríamos nessa parte. Porém, Samy, que estava sentada no canto mais profundo da caverna, não demonstrou nenhum tipo de reação.

Meril e Ninx começaram a me encarar.

As duas, apesar de jovens, parecem ser experientes com esse assunto de “aventureiro”, ou, pelo que demonstraram, só estavam esperando a oportunidade perfeita para atacar e fugir. Por isso, preciso pensar bem quais palavras devo usar agora.

— Eu... eu me chamo Yamitsuki Ottoe! — Coloquei minhas mãos próximo do quadril e fiz uma reverência digna de nota. — Eu não quero machucá-las.

— Não quer? Acha que deveríamos acreditar nisso, por quê? — indagou Meril.

— Eu as recuperei com as minhas habilidades, isso não provaria que eu quero ajudá-las?

— Isso só prova que você não nos quer morta, ou melhor, que esses goblins não nos querem mortos.

— Não é isso... por favor, acredite em mim — disse enquanto levantei meu rosto e fiz uma expressão de choro.

“Expressão de choro”, como posso explicar? Raramente a usei na minha vida passada, afinal, não havia necessidade disso. Porém, teve uma vez que foi necessário e, por ser a melhor alternativa, eu a reproduzi. Basicamente, você finge que está contendo o choro o máximo que pode, querendo parecer forte quando não é. Isso faz com que os outros queiram te ajudar a superar seus problemas. Perfeito para essa situação, não acham?

— Ela está chorando? — perguntou Ninx direcionando o rosto para Meril.

— Claro que não, demônios não choram! — Onde já escutei isso?

Apesar das duas estarem conversando entre si, eu poderia escutá-las. Ótimo, Ninx, caia nessa historinha e puxe Meril junto. Aguardei elas voltarem a atenção para mim antes de continuar:

— Sou nova e não sei muito sobre o mundo... portanto eu gostaria que alguém me ensinasse.

— Ensinar? A ser um demônio, tu dizes?

— A sobreviver no mundo... — disse enquanto chorava.

É meio difícil “chorar” quando não há nada que me motive para isso, no entanto, creio que estou me saindo bem.

— Sobreviver? Ah... entendi — Meril apontou para as outras garotas antes de falar: — Afinal, se essas garotas estão sobrevivendo até agora, elas certamente têm algo que possa te ensinar!

Merda, essa mulher vai me dar trabalho. Seu título de “professor” realmente não é brincadeira. Possui alguns argumentos que estão me quebrando e, preciso encontrar uma maneira de fazer essa discussão ir para meu lado.

Eu sou um demônio-real — gritei, olhando para o chão —, mas não quero usar esse poder para o mal!

Esperei por um momento pensando que seria agora os gritos de desespero ou as várias bolas de fogo voando pelos ares, porém, nada. Não tinha acontecido nada, apenas um silêncio continuou pela caverna e seus corredores.

Quando ergui minha cabeça, pude ver Meril, que não só tinha ficado surpresa, mas também amedrontada. Sua reação se parecia com a da Sheyla quando escutou essas mesmas palavras. Isso pelo menos comprovou que, enquanto estavam desacordadas pela fadiga da mana, não tinham participado da minha discussão anterior.

Já Ninx deu alguns passos para trás, na medida do possível, recuando como se aquela situação fosse impossível de se compreender.

Esse é o poder das palavras, ou melhor, das lendas e mitos.

Como as duas não seriam capazes de comprovar a verdade de minhas palavras, isso era uma vantagem para mim. Seus [Analisar] não funcionavam comigo, porém, por ser capaz de curar com magia branca, isso lhe fazia duvidar, então, caía-me como uma vantagem extra.

Ao mesmo tempo que posso demonstrar ser fraco e frágil, também, com a dúvida, gerou receio para que elas não ajam por impulso.  “Mesmo sendo a mais fraca dos demônios, ainda era um demônio-real”, provavelmente é o que elas estão pensando agora.

— De... demônio-real? Tal como as lendas? — perguntou Meril com a voz trêmula, incrédula no que tinha acabado de escutar. — Você está tentando nos enganar? — gritou em seguida.

— Vo... você acha que vamos cair nessa ladainha? — perguntou Ninx, também gaguejando.

— ESTOU FALANDO A VERDADE! — gritei para manter a tensão, porém, abaixei minha cabeça e falei um pouco mais baixo: — E não quero usar esse poder como vocês acham. Eu não sou má.

Isso... elas estão com medo, mas também começaram a se questionar: “será que posso lutar contra ela?”, “será que eu não deveria ajudá-la?”. Não importa se vocês não falarem diretamente, eu consigo ler suas expressões, seus tons e até mesmo, sem querer me gabar, seus pensamentos.

Como estava ainda com a cabeça baixa, dei um leve sorriso. Como vocês avaliaram minha atuação? Perfeita, certo? Afinal, eu sou Tsuki Ottoe, o único... e... o que... o que é isso?

Sheyla me abraçou, colocando seu corpo em minha frente, como um escudo, novamente.

Essa mulher é maluca por acaso?

Ela me abraçou e colocou meu rosto pressionado levemente contra seus peitos. Tive que me ajustar para que pudesse virar meu rosto e conseguir vê-la. Quem lhe deu o direito de fazer isso?

Antes que pudesse continuar xingando-a mentalmente, ela virou o rosto em direção às outras duas e gritou:

— BASTA! Não estão vendo que ela ainda é uma criança? O que vocês ganham fazendo isso tudo?

Que besteira, na situação em que ela se encontra, ainda consegue ter essa linha de raciocínio? Assim, Meril e Ninx acharem que estou controlando Sheyla com magia é apenas a questão mais lógica a se pensar, o que é, claramente, ruim para mim.

— “O que ganhamos com isso”? Por acaso perdeu o juízo, Sheyla? — gritou Meril. — Ela é um demônio, não? E agora mesmo ela acabou de dizer que é um demônio-real, ou seja, mil vezes pior!

— Mas ainda é uma criança! — retrucou Sheyla.

— Como você pode falar isso... Não podes ser, estás realmente encantada? — perguntou Meril.

— Ou ela bateu a cabeça tão forte que endoidou de vez — afirmou Ninx.

— Eu só não quero me arrepender de decisões precipitadas. Yami deseja apenas conversar, não tem porque cuspir venenos todas as vezes — comentou Sheyla.

— Cuspir veneno? Estou apenas querendo nos proteger e nos tirar daqui.

— Eu também quero! Mas não quero conseguir isso matando uma criança.

— Criança aqui, criança para lá...

— O que você quer dizer? — perguntou Ninx.

— Agora que me lembrei, Sheyla, você é aquela cavaleira fanática que cuida do Orfanato de Hyreliun, certo? Apesar de bastante habilidosa, também há rumores acerca de você.

— Rumores? Que rumores? — Sheyla perguntou.

— Sim, que você é uma maluca por crianças... por acaso por não ser capaz de ter filhos, isso afetou sua cabeça de algum jeito? — Meril argumentou.

O que é dessas afirmações ou ofensas gratuitas? E como assim Sheyla não pode ter filhos? Parece até que estou assistindo um programa de fofoca do final da tarde.

— Sua...

— Não briguem! Por favor! — Segurei Sheyla que parecia bem ofendida pelos comentários de Meril.

— Viu, eu estava certa. Mesmo que ela não tenha te enfeitiçado, por causa de seu desejo...

— Já basta, Meril! — Sheyla gritou!

Samy que estava escutando tudo aquilo em silêncio, pegou uma pequena pedra e lançou contra Meril.

— Mas que caralhos você está fazendo, sua maluca? — Meril apontava para Samy enquanto continuava gritando.

— Deixe a criança falar... — disse baixinho.

— Você também? Eu só quero ajudá-las, e vocês estão me tratando como a errada aqui? Quer saber, foda-se! — suspirou ao ver que todas estavam “contra ela”. — Então fale, seu demônio.

Meril encarou Ninx esperando que essa a ajudasse, porém, Ninx apenas deu de ombros e falou:

— Olhe, se ela realmente conseguiu nos curar, ser um demônio-real já explicaria muito, ? Eu não quero apostar a minha vida lutando contra uma criatura das lendas... não assim, pelada e cercada por malditos verdes.

— Tudo para você é uma piada? — perguntou Meril.

— Não. Porém, nessa situação, quebrar esse clima tenso que você criou é o melhor que posso fazer agora. Aliás, se tu não percebeste, ainda estou presa com essas correntes. — Balançava os braços. — Então, de nada adiantaria querer lutar contra eles.

— Ok, ok... — disse Meril.

Sheyla se afastou um pouco para que eu pudesse continuar, mesmo que ainda estivesse ao meu lado e quase me abraçando, eu continuei:

— Eu posso ser um demônio, mas eu não sou mal. Eu até recuperei vocês.

— Ainda tenho minhas dúvidas sobre isso — comentou Meril baixinho.

— Além disso, faz pouco tempo que cheguei aqui... e por isso peço desculpas por ter chegado tão tarde para ajudá-las. Se eu soubesse disso antes, eu... eu viria rapidamente.

Yaga que parecia um goblin inteligente, muito mais que os outros, logo deu alguns passos para frente. Então, ele resolveu participar dessa conversa?

— Se me permitem falar — comentou e aguardou um pouco todos darem-lhe a palavra. — Yami não conhece muito acerca do mundo, pois, como podes ver, ela não é só muito nova, como também não é dessa região. Até mesmo eu me surpreendi ao encontrá-la, mas, seu coração puro não condiz como o de um demônio.

— Quanta hipocrisia, achas mesmo que, basta dizer tais palavras bonitas para acreditarmos em tudo? Olhe o que vocês fizeram — Meril apontou para as outras duas garotas, aquelas que estavam grávidas.

Naquele ponto da conversa, as duas, apesar de estarem acordadas, estavam encolhidas no canto.

Yaga fez um longo sinal positivo, quase em câmera lenta, e continuou:

— Sim. Nós o fizemos, porém, Yami não. Se desejas continuar com os insultos, que nos direcione.

— Seu verdinho de merda... — disse Ninx.

Oh, caralho! Era para me ajudar seu filho da puta, não para pôr mais lenha na fogueira.

— No entanto, não aceitaremos punição de ninguém que não seja Yami — continuou Yaga.

— O que você quer dizer com isso? — perguntou Meril.

— Afinal, ela é...

— YAGA! — gritei.

Ele, percebendo que estava falando demais, parou e fez um pedido de desculpas.

Suspirei e olhei para as duas. Essa discussão está se prolongando mais do que eu calculei e isso vai ser ruim.

— Parem de brigar, por favor! Sheyla concordou em me ajudar. E se vocês me ajudarem, eu também ajudarei vocês... a sair daqui, e a recomeçar.

— Por isso então que ela está tão amigável contigo. — Ela voltou sua atenção para Sheyla. — Você já aceitou esse pacto demoníaco? Vendeu sua alma para esse demônio porque ela tem aparência de criança?

— Não é isso! — Sheyla suspirou, e se levantou antes de continuar: — O que eu poderia fazer? Ela disse que queria nos libertar e nos ajudaria se eu lhe ensinasse tudo que sei sobre o mundo.

— Oh, tão simples assim, então você, a comandante dos Cavaleiros de Lóthus, vai entregar tudo para esse demônio? Acreditou realmente nessa mentira?

— Não é mentira! — gritei, indo atrás da Sheyla e ficando de lá mesmo.

Ninx levantou a mão e “tossiu” para que todos dessem atenção a ela. Por isso, a gritaria e os xingamentos cessaram por um momento.

— Deixa eu ver se eu entendi. Você está dizendo que quer nos ajudar, certo? — Ninx tentou se levantar, porém, as correntes a impediam disso — Porra de correntes...

Como ela não conseguia ficar totalmente em pé, ficou com uma das pernas dobradas e encarou seu próprio corpo, analisando-o com cuidado. Depois disso, continuou:

— Se você de fato nos curou, sua cura pode ser considerada um milagre. Você não acha, Meril?

Meril que estava emburrada, olhou para si apenas para concordar:

— Sim... se isso é verdade, então está em um nível que nunca vi ou escutei falar.

— Não temos um bom ponto de partida para acabar com essa discussão?

— Ninx... — Meril que provavelmente iria começar a cuspir veneno, fez uma longa pausa, encarando Ninx e depois continuou: — Certo, entendi. — Ela então me encarou. — Ok, demônio, nos mostre suas habilidades de cura primeiro.

— Certo, o que devo fazer, quem devo curar? — perguntei, encarando Meril.

— Como já estamos todas curadas, não daria para nos mostrar nada de novo, então... — Ela olhou para Yaga, antes de continuar: — Por que não usa seu goblin? Ele parece confiar em ti... Corte seu braço e coloque-o no lugar.

— Quê, não... isso seria... — Muito irracional, ? Por que ela acha que minha cura é tipo, colocar membros cortados de volta no lugar?

— Eu não me importo, Yami. — Disse Yaga.

— Mas...

— Se tens dúvidas sobre isso, então é meio difícil acreditar em você — comentou Meril.

— Ela tem um ponto — falou Ninx enquanto se inclinava para frente para que não perdesse nenhum detalhe.

— Eu faço isso então! — gritou Sheyla.

Todos ficamos surpresos já que ela tinha chamado a atenção, não só pelo grito, mas por ter caminhado até onde estava aquele punhal de osso apenas para pegá-lo novamente. Depois disso, ela o ergueu, mostrando para todos que estava nas suas mãos.

— Então você realmente quer arriscar sua vida para isso? Confia tanto nesse demônio? — perguntou Meril de maneira irônica.

— Se Yami mostrar que ela quer nos ajudar, então você irá parar com essa atitude debochada?

— Bem, se ela conseguir, sim. — Meril apontou para a “arma” nas mãos de Sheyla. — O que vai fazer? Arrancar seu braço com esse osso?

— Sheyla... por favor, não precisa disso.

Sheyla que olhou para mim deu um sorriso.

— Espere, Sheyla! Não faça isso!

E apesar de tentar impedi-la, ela usou aquela arma, sem hesitar. Diferente de cortar um braço fora – que já seria um absurdo por completo – ela cortou sua própria garganta. O corte tinha sido profundo o suficiente para o sangue jorrar para fora.

Por que... O que ela tem na cabeça para fazer isso?

Sheyla caiu de joelhos e depois se virou para mim... “ajude todas por mim”, foi seu último lamento antes de cair no chão.

Houve-se um silêncio perturbador que parecia cobrir toda eternidade... porra! Por que ela fez isso? E o que eu faço agora?

Mas que porra! — gritou Meril.

— Quê?! — perguntou Ninx.

Até mesmo Yaga ficou paralisado pelo que aconteceu.

Corri até ela o mais rápido que pude. O susto me fez esquecer completamente onde eu estava e o que podia fazer. No primeiro momento, tentei estancar o sangue com as mãos, pressionando a ferida e, é claro, isso não resolveria nada.

Eu... O que eu faço? O que eu faço!

Sistema: [Você deseja utilizar Palavra de Cura: Rest?][Sim][Não].

Ah, sim, a magia... como eu poderia me esquecer dela. Isso era o motivo inicial dessa loucura toda.

Mesmo que Sheyla tivesse sido curada anteriormente e seus pontos de vida estivessem no máximo – algo como ter a vida cheia e ser saudável – por causa desse golpe, não só sofreu em um único e intenso decaimento, quanto o pouco que sobrou, começou a abaixar rapidamente.

Sim! Vai sistema, rápido!

Sistema: [Você utilizou Palavra de Cura: Rest].

Isso vai ajudá-la, certo? Se aqueles ferimentos foram curados, então isso não é nada, apenas como qualquer outro... tem que dar certo!

Minhas mãos queimaram novamente e aquele brilho esverdeado cobriu a sala. Não era apenas uma única vez, eu tive que usar várias vezes continuamente. O corte tinha sido profundo e o sangue não parou de espirrar pelo lugar, inclusive, sobre meu vestido.

A magia que usei era uma das variações, que serviria apenas para tratar os ferimentos, e não simplesmente curá-los, porém, devido ao meu poder mágico ou pelo uso do próprio sistema, isso parecia ser capaz de salvá-la.

— Sheyla! — gritou Meril ao ver a Sheyla caída, no entanto, logo apontou em minha direção com muita raiva. — Você vai pagar por isso, demônio, como ousa controlar alguém dessa forma...

— Espere, Meril... veja, ela realmente está curando a Sheyla. — Ninx se levantava o máximo que podia e tentou ativamente ver o que estava acontecendo.

A luz esverdeada se manteve por um momento até que... ela voltou a respirar e abriu os olhos.

— Por que você fez isso?! NUNCA MAIS FAÇA ISSO! — gritei até ficar sem ar nos pulmões — Você... Você... — comecei a lacrimejar, chorando sem parar. Como? Por quê?

Sheyla que ainda estava com dificuldades para se levantar, me puxou mais para próximo dela, me abraçando.

— Yami, eu não disse que faria qualquer coisa? — falou baixinho.

— Eu não queria que você fizesse isso! Por quê?... Eu avisei que não precisava! — Sério, por que estou chorando? O que há com isso? Sistema?

Sistema: [...].

O que está acontecendo?  Eu não paro de chorar. E não tem motivos para isso, pois encontrei essa mulher não faz nem algumas horas e seria impossível criar algum tipo de vínculo.

De qualquer forma, depois que consegui me acalmar, ainda junto dela, afirmei:

— Não volte a fazer isso, entendeu? Nunca mais!

— Me desculpe, Yami... eu entendi. Não precisa chorar mais, certo? — Sheyla, que continuava me abraçando, começou a afagar minha cabeça tal como se usasse o [Apaziguar]. — Tinha que ser feito, ok? Aquelas duas também eram tão resilientes quanto você...

— O que você faria se eu não conseguisse te salvar?

— O que eu faria? — Deu uma longa pausa, antes de continuar: — Esperaria que as duas ao menos salvassem as outras.

— Entendi... — tirei a minha cabeça da sua barriga, olhando-a cara a cara — De um modo ou outro, as outras garotas... teriam sido salvas independentemente do resultado, é isso?

— Assim eu espero.

— Isso foi insano! — gritou Ninx cheia de energia. — Acompanhou tudo, Meril? Nem um conjurador de 4º círculo seria capaz de curar um ferimento daquele e... um demônio foi capaz, sério?

— Isso... — Meril que tinha caído no desespero por ver tal barbárie, estava sem palavras.

Assim que me levantei, enxuguei as lágrimas e tentei me parecer indiferente pelo que tinha acontecido. Ainda estava soluçando e minhas mãos estavam tremendo. Sério, por que isso me abalou tanto? Suspirei e olhei para Sheyla.

Sheyla, me vendo naquele estado, começou a chorar, ainda deitada.

— Se fosse para chorar assim, você não deveria ter feito isso em primeiro lugar — disse baixinho para ela.

— Acho que sim... agora que penso... fui meio precipitada nisso, né?

— Ainda tem dúvidas? — perguntei.

— Porém, Yami... Isso só significa que você tem o poder para salvar este mundo...

“Salvar o mundo”? Duvido muito que eu vá querer isso... Não depois do que você me fez passar.

Olhei para as correntes que a prendiam. O Sistema tinha me dito que eu poderia quebrar estas correntes, porém, como faço isso? Me agachei do lado delas e as segurei. Havia duas prendendo suas mãos e uma seu pé direito. E? Só preciso forçar e pronto?

Sistema: [Você usou Força, resultado: Sucesso].

A corrente fez um clack e pronto. Como se não fosse nada, destruiu-se. Minha cota de surpresa terminou depois de toda aquela cena anterior, então, provavelmente sequer fiz algum tipo de expressão. Já as outras, Meril e Ninx, continuavam me encarando perplexas.

Olhei para Sheyla.

Sério, ou minha cura é roubada, ou seu corpo funciona de uma maneira surreal. O corte no seu pescoço também foi cicatrizado de maneira que nem parece que foi cortado e jorrou litros de sangue.

— Obrigada, Yami...

— Só... faça sua parte do acordo, por favor.

Ela fez um sinal positivo.

— E então, Meril, isso foi mais do que suficiente para mostrar que eu não quero feri-las ou causar-te mal? Mesmo que Sheyla tenha passado dos limites nessa demonstração... — encarei Sheyla por um momento e depois voltei minha atenção para Meril. — Eu demonstrei minhas habilidades.

— Certo... — Meril se ajustou. — Você a curou e isso não posso negar. Foge-me à lógica buscar explicação sobre isso, mas você o fez. Porém, isso não muda o fato do porquê você quer nos ajudar... o que você quer de nós?

— Vocês são aventureiras, certo? Eu gostaria que vocês me explicassem sobre esse mundo e as coisas que vocês acharem necessário. Para todos que acho serem capazes de me explicar algo, eu quero a ajuda deles... por isso.

— E as outras garotas? — Ela apontou novamente para as outras. — Não creio que garotas tão jovens consigam te ajudar dessa forma.

— Bem... isso cabe a elas decidirem.

Fui até Meril e ela recuou por um breve momento. Não estava de uma maneira tão ameaçadora quanto antes, mas ainda se mantinha na defensiva. Tentei acalmá-la, apontando para as correntes.

As correntes foram quebradas tão fácil quanto as outras. Meril que ficou paralisada por um momento, se ajustou e ficou de pé. Ela não me agradeceu ou fez qualquer tipo de comentário.

Em seguida fui até Ninx, e fiz o mesmo.

Ninx balançou a cabeça positivamente.

Virei para Yaga e comentei:

— Yaga, ordene que Tina e Saga preparem roupas para as garotas, elas não devem mais ficar desse jeito. Também entregue para as aventureiras seus equipamentos.

— Tem certeza disso, Yami? — perguntou Yaga.

— Sim... eu quero fazê-las minhas aliadas. — Fiz um sinal positivo para ele e observei Sheyla aos poucos conseguir se levantar.

Yaga caminhou em direção a saída.

Ah, quase me esqueci, não há problemas nisso, certo?

— No quê? — perguntou ele, parando de andar.

— Das garotas goblins virem até aqui.

— “Garotas goblins”? Não se preocupe, Yami. Se é sua ordem direta, não há problema algum. E se houver algum, pode deixar que eu irei resolver.

— Ok, agradeço.

— O que vocês estão falando? — perguntou Meril.

Desde quando comecei a falar a Linguagem de Monstros? Merda, eu sequer consigo notar a diferença. Virei-me para Meril e tentei tranquilizá-la:

— Não se preocupe, Meril. Pedi para que arranjasse roupas para vocês. E, se eles estiverem com seus equipamentos, eles também irão te entregar.

— Também precisa trocar sua roupa, demônio.

Olhei para minha própria situação. Ela tinha razão. Por causa da decisão da Sheyla, tanto meu vestido quanto meu corpo estavam cobertos de sangue.

Concordei com ela.

Então, será que tudo se resolveu? Não dá para dizer que isso foi um dos melhores desfechos, mas, se deu certo, qual seria o problema?

Por isso devo continuar com o plano.



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