A Terceira Lua Cheia Brasileira

Autor(a): Giovana Cardoso


Volume 1

Capítulo 7: Sangue e Sombras

“Há momentos em que a sabedoria é encontrada, não nas escolhas que fazemos, mas nas escolhas que evitamos. Nem toda porta deve ser aberta, nem todo caminho deve ser trilhado.”

(A Arte de Escolher, Elyan Mareth)

 

2ª Lua Cheia do ano 1833

Lua do Declínio, dia 9

 

 

O dia que se seguiu foi tomado por uma normalidade quase forçada, e pela primeira vez, Yuri saiu para trabalhar sem saber o que esperar. As horas se arrastaram, e nada extraordinário aconteceu, o que o deixou irritado e ansioso. No entanto, lá no fundo, ainda conseguia sentir um resquício daquela magia, como se estivesse entrelaçada em sua própria existência.

Cresceu ouvindo histórias sobre a magia ancestral e a guerra dos clãs que havia transformado o país. Para ele, sempre foram apenas contos infantis. Mas agora sabia a verdade: era real. Ele tinha visto com os próprios olhos.

Sem qualquer novidade, o dia chegou ao fim. Yuri voltou para o apartamento, desanimado. Nem se deu ao trabalho de acender a luz, apenas se sentou sob a janela, contemplando o céu.

O toque do celular soou em cima da estante. Ao se levantar para atendê-lo, notou a máscara de lobo ao lado. Com uma mão, atendeu ao celular; com a outra, pegou a máscara e voltou para a janela, apoiando-se no parapeito.

— Alô — murmurou, girando a máscara de um lado para o outro, brincando com o reflexo da lua cheia em sua superfície.

— Que voz é essa? Já estava dormindo? — a risada de Otsu atravessou o telefone.

— Não, só estava distraído — respondeu, um leve sorriso surgindo nos lábios ao ouvir o tom animado da irmã.

— Quero te fazer um convite — ela disse, enquanto ele fechava os olhos, concentrando-se apenas em sua voz. — Sabe, daqui a alguns dias...

De repente, a linha ficou muda. Antes que Yuri pudesse perguntar o que havia acontecido, uma dor aguda cortou sua bochecha.

Quando abriu os olhos, o que viu não foi a rua em frente ao prédio onde morava. À sua frente, um vale se estendia, ladeado por enormes montanhas, e acima dele, o céu estrelado mais lindo que já tinha visto na vida.

Então, ele soube. Estava de volta ao passado. A ligação cortada era apenas um detalhe. Agora, dois novos problemas surgiam diante dele: ele não fazia ideia de onde estava e, ao redor, uma batalha sangrenta se desenrolava.

O ar era seco, e o cheiro de ferro queimava suas narinas.  Cada passo levantava poeira e gravetos partidos. Ao longe, corvos grasnavam sobre os corpos caídos.

Sangue quente escorria por sua bochecha, e enquanto ele tentava processar o que via, um guerreiro partiu em sua direção. Sua investida foi rápida, e num piscar de olhos estava a apenas alguns centímetros, a espada erguida para o golpe fatal.

Yuri reagiu institivamente, girando com agilidade. Por sorte, seu corpo foi mais rápido que seus pensamentos, e ele conseguiu se esquivar. A adrenalina tomou conta, seus sentidos aguçados de uma maneira que ele não experimentava há anos.

O adversário avançou novamente, parecia determinado a derrubá-lo, mas dessa vez, Yuri estava preparado. Com outro giro, Yuri se afastou rapidamente para ganhar algum espaço. Prendeu a máscara no cinto sem tirar os olhos do homem.

Desarmado, a situação era crítica. Precisava encontrar alguma abertura, alguma fraqueza que pudesse explorar.

Quando ele atacou de novo, Yuri esquivou-se com precisão e desferiu um chute certeiro em seu braço. Com um grito de dor, ele deixou a espada cair.

Sem hesitar, Yuri pegou a lâmina e se colocou em posição de combate.

Agora era o adversário que recuava, surpreso. Até mesmo Yuri estava surpreso consigo. Apesar dos anos sem treino, seus movimentos fluíam naturalmente. Mas não era hora para pensar nisso. Mesmo com a espada em mãos, a batalha ainda estava longe de terminar.

O guerreiro recuava cada vez mais, mas Yuri não lhe daria trégua.

— Covarde! — gritou, a raiva e o instinto de sobrevivência pulsando em suas veias.

Em poucos passos, alcançou o inimigo e golpeou sua cabeça com o cabo da espada, derrubando-o inconsciente. Os outros guerreiros hesitaram, mas logo avançaram com olhares furiosos.

Yuri observava cada movimento com atenção, seus passos calculados. O vento agitava seu cabelo e o dos adversários. Com a espada firme nas mãos, ele assumiu uma postura defensiva, aguardando o próximo ataque.

O primeiro oponente tentou um golpe lateral. Yuri desviou com facilidade e revidou com um golpe preciso no joelho. Ele não tinha intensão de matar; seu objetivo era incapacitar. Cada golpe exigia uma precisão quase cirúrgica.

O próximo não avançava de frente, dançava em círculos, com lâminas curvadas nas mãos. Yuri teve que se abaixar para evitar um corte lateral, rolando sobre pedras afiadas. O chão sob ele cedeu, e ele escorregou numa encosta, raspando o braço em raízes expostas.

O homem saltou sobre ele. As espadas colidiram, faíscas voando no ar. Yuri desviou com leveza, golpeando o punho do adversário, que soltou a espada com um grunhido.

Um a um, os inimigos caíam. A espada se alongava como uma extensão de seu próprio braço e o som metálico se misturava aos gemidos de dor dos feridos. Ele sabia exatamente o que fazer. Seus movimentos eram uma mistura de graciosidade e brutalidade, como uma dança mortal ensaiada especialmente para aquele momento.

Quando mais um guerreiro investiu, Yuri o desarmou rapidamente. Girou em um movimento perfeito, cortando a perna do adversário, que caiu numa confusão de sangue e terra.

Ele mal teve tempo de recuperar o fôlego quando um grito estridente cortou o ar, vindo de um guerreiro que havia se mantido oculto até então. Era diferente dos demais, com armadura reforçada e um machado de lâmina dupla em mãos.

Yuri ergueu a espada por instinto, mas o impacto do primeiro golpe o lançou para trás. Caiu de costas, o ar escapando dos pulmões. Quando tentou se levantar, o adversário já estava sobre ele. Um segundo golpe desceu com força brutal. Yuri bloqueou com a espada, mas o impacto cortou-lhe o braço. A lâmina se chocando de raspão e abrindo a carne perto do ombro.

Ele gritou, o calor do sangue escorrendo sob a roupa. A dor era real, viva, latejante. Por um instante, o pânico quase venceu.

Quase.

Com um rosnado de esforço, Yuri girou o corpo para o lado, escapando de um terceiro golpe. Rolou pela terra manchada de sangue, arfando, e se levantou cambaleante. O braço ferido pendia com dificuldade. Precisaria usar a força restante com sabedoria.

O oponente avançou novamente, mas Yuri já havia recuperado o foco. Esquivou-se, girando o corpo e se abaixando, usando a perna para desequilibrar o homem. Quando ele caiu, Yuri fincou a espada no solo para apoiar o peso do corpo ferido e, com um movimento rápido, chutou o machado para longe.

Por fim, cravou o punho da espada no rosto do inimigo, que desabou inconsciente. Mas Yuri não comemorou. O ombro sangrava, e cada batida do coração parecia ecoar na ferida.

O campo de batalha mergulhou em um silêncio incômodo, quebrado apenas pelos gemidos dos feridos. O sangue pulsava nos ouvidos de Yuri, o peso do combate começava a cobrar seu preço.

Foi então que ele sentiu que havia mais alguém se aproximando.

Uma figura emergiu das sombras, aproximando-se por trás. Uma mulher de cabelos negros que flutuavam no vento, com o rosto parcialmente oculto por uma máscara idêntica àquela que pendia no cinto de Yuri. Sua vestimenta, tão escura quanto a noite ao redor, a tornava quase invisível, como se fosse parte da escuridão.

Ele ergueu a espada diante do rosto, mantendo-se em guarda. Os lábios da mulher se moveram, mas ele não conseguia distinguir suas palavras.

Mais rápidas que seus próprios pensamentos, sombras sinuosas rastejaram debaixo dele, subindo por suas pernas como serpentes famintas. Em questão de segundos, garras negras de escuridão o imobilizaram, prendendo seus braços e pernas. Ele tentou lutar, mas estava preso.

Ela se aproximou lentamente, sorrindo de forma confiante. A mente de Yuri fervilhava, buscando uma solução. Mas tudo ao seu redor parecia se arrastar em um ritmo dolorosamente lento.

— Não tenho tempo para você agora. Isso vai ter que bastar.

Com um movimento despreocupado, ela lançou algo em sua direção. A poeira fina se dispersou no ar, e assim que Yuri inalou, seu corpo cedeu. O peso do sono o envolveu como uma maré implacável.

O que se seguiu foi um mergulho vertiginoso na escuridão.

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