Volume 1
Capítulo 5: Vontade herdada
O vento soprava seus cabelos pretos, sua franja parecia fugir de um predador de tão agitada. Arregalou os olhos quando de repente tudo se acalmou, fitou seu irmão com bochechas rosadas.
Tinha ficado bem mais frio depois que saíram do que Ken chamou de “Covil do amor”, claramente era uma piada, ele riu das bochechas rosadas de seu irmão enquanto fazia bico.
Sem conseguir esconder o rosto corado ao saírem, apenas evitou contato visual. Chegava a ser engraçado, o fato dele ficar com vergonha de contar isso para uma criança de dez anos de idade.
Encarou seu irmão, e inflou as bochechas depois que ele perguntou: — Por que demoram tanto, estava um gelo que só! Kaleek só desviou o olhar após Ellen rir.
Afundou os pés na neve e recordou-se do momento, o toque, aqueles olhos ametistas lindos que poderia encarar por horas. Em meio a isso, sorriu descontraído enquanto caminhava, Ken percebeu, mas não disse nada.
Os habitantes atolam as botas na neve enquanto trajavam roupas pesadas de inverno, o uso de luvas era praticamente obrigatório, uma vez que seus dedos poderiam congelar em contato com o ar.
Pessoas acenavam dentro e fora de suas casas e lojas, feitas com madeira escura de arquitetura simples. Kaleek acenou de volta para alguns que conhecia, na maioria comerciantes e alguns trabalhadores limpando a estrada atolada na neve.
Recusou educadamente quando um deles o chamou, abanou as mãos de longe, e torceu para que ele desistisse. Suas preces foram ouvidas.
— Amigão da vizinhança. — resmungou Ken.
— Tudo interesseiro, só querem meu dinheiro.
Não que eu tenha algum…
— Mas eu também quero seu dinheiro… — resmungou novamente, virando o rosto para que seu irmão não ouvisse.
Kaleek reagiu confuso ao interrogar seu irmão que respondeu assustado virando o rosto. Escondeu suas reais intenções, pensava em comprar todo tipo de guloseimas rindo baixinho.
Sentados em uma varanda de umas das casas mais velhas, estava um casal de idosos que se enrolavam em cobertores sentados em cadeiras velhas de balanço. Chegava a ser cômico como a esposa obrigava ele a cobrir até o rosto, mas era teimoso.
O senhor acenou aos ver, com um sorriso amigável que radiou os olhos da mulher, que acenou também. Kaleek e seu irmão acenaram de volta, ambos sorrindo.
Por mais que, às vezes, escondesse sua bondade por trás de palavras difíceis. Não pode esconder a alegria que sentiu ao ver aquele casal de senhores.
Recebeu aquele presente, como se toda a armadura caísse sobre a neve, expondo seus verdadeiros sentimentos e feridas. Transmitidos em uma fala cotidiana, mas carregada com alegria.
— Bom dia, Sra. Maia e Sr. Guelse!
Ao ficarem de frente com a casa, Maia prontamente estava prestes a entrar, mas antes perguntou com tanta educação que deixou ele tentado a aceitar.
— Meninos, querem chocolate quente? Eu fiz demais hoje, seria um desperdício não beber! — Colocou a mão na frente da boca. — Já que esse velho não quer beber tudo.
—Eu tô ouvindo, sabia?
Talvez não fosse tão educada, na verdade parecia mesmo adorar provocar Guelse, que espremeu a fala para ela. Kaleek riu.
— Sr. Maia, eu agradeço. Mas hoje o tempo é curto, tenho muito a fazer. Vamos tomar amanhã com certeza — explicou ele.
— Oh poxa, mas tudo bem amanhã eu espero vocês!
— Se cuida, viu? Cuida bem do nosso bebezão, Guelse.
— Claro, pode deixar.
— Vocês fazem isso só para me irritar, não é?
— Tchau! — Ao se distanciar, acenaram novamente enquanto uma veia saltou na testa do velho Guelse
Ken basicamente saltitava antes de seus olhos saltarem em uma cabana no fim da estrada, parou de frente a ela observando-a. Confuso olhou para seu irmão, que também parou.
A cabana era relativamente grande em comparação com as outras. A porta era diferente, feita com um tipo de madeira especial, cravado no centro dela, dois machados cruzados.
— Estou entrando! — Ele bateu, e assim fez.
O interior era aconchegante, o clima era outro dentro daquela cabana, caloroso e confortável. Pendurados em ambas paredes estavam todo tipo de armamentos, e ao centro, uma bancada onde um homem o aguardava.
Ken se surpreendeu com a quantidade exorbitante de armas nas paredes, a variedade era gigantesca, existiam lâminas que até mesmo Kaleek nunca havia visto. Comparado com o exterior da loja, o interior parecia outra dimensão.
— Bom dia, Jovem! Como você está? — O homem coçou a barba, e arregalou os olhos estreitos. — então esse é o famoso Ken!
— Sim, esse é meu irmão menor. Diga oi, Ken.
Assim ele apresentou seu irmão para o homem atrás do balcão, que riu com o nariz ao ver o garoto tímido se esconder atrás de Kaleek.
O dono da cabana de armas — Kastiel, tinha uma barba longa e bem cuidada, utilizava um elmo com chifres que eram bem característicos da raça dos anões. Seu rosto era maduro e amigável, aparentava ter mais de trinta anos.
— O-oi…
— HÁHÁHÁ! Ele é sua cara de quando era menor! — Kastiel deu uma gargalhada.
Forçou um sorriso para o homem, ainda nervoso, e observou seu irmão se aproximar com passos lentos, passar o braço por dentro da alça da bolsa e jogá-la em cima da mesa.
— Eu tenho algo para você.
— O que seria, meu jovem?
Jogou a sua mochila desgastada no balcão, agarrando-a e retirando uma lâmina com cuidado. Seu fio fez os olhos do homem saltarem na hora, ela que refletiu o ambiente iluminado por cristais mágicos localizados no teto.
O proprietário pegou a lâmina e começou a examiná-la meticulosamente. Era feita com um metal mágico, nunca tinha visto algo parecido, tinha o peso perfeito e o manejo era como se balançasse um galho.
Tocou em sua barba embasbacado com os símbolos estranhos no cabo, que mais pareciam letras de uma provável língua antiga.
— Essa adaga, onde conseguiu?
— Foi um presente, ela vale alguma coisa?
— Você quer vender um presente?
O proprietário deu sua opinião sobre o assunto, mas Kaleek pareceu não se importar, bufou logo depois com expressão desgostosa.
— Apenas me responda.
— Nunca vi algo tão bom em todos esses anos, ela valeria toda minha loja, ainda sim, faltaria! Não acho uma boa ideia vendê-la, além de ser um material de qualidade ela pode enferrujar se não for usada. Então guardá-la também não é uma boa ideia.
a mão sobre o queixo e pensou, com olhos baixos ele fitou a lâmina novamente nas mãos do homem, que a segurava com cuidado. Os olhos amoleceram e ele ficou ali congelado, recordando-se do momento que foi presenteado.
Novamente se encontrou em cima do javali, era um filhote, mas era perfeito pois ele também era uma criança. Seus olhos fixaram-se nas costas de um homem, em frente ele guiava o que poderia ser a mãe de Kelmoth.
Quando eles pararam, tomou todo cuidado ao tirar o pé do apoio da pequena cela, mesmo assim ele caiu de cara na neve.
Uma pequena risada soou, contida e vinha do homem de cabelos pretos ali parado. Colocou as mãos sobre a neve e se levantou usando Kelmoth como apoio, olhou para ele com expressão desgostosa.
— Se chorar, vai ficar sem presente.
— Não tem graça!
— Na verdade, tem sim… — Deixou a risada escapar.
Ficou surpreso ao ver seu pai estender o braço, o que segurava era uma adaga, bem maior que a que utilizava, que assemelhava mais com uma faca. Segurando a lâmina nas mãos, olhou confuso para o seu pai.
Subitamente sentiu algo tocar nos cabelos brancos, eram as mãos e dedos cheios de calos dele, esfregou contra os fios lisos e causou certo desconforto. O sorriso no rosto do homem o cativou, e ele parou de relutar e aceitou o cafuné de seu pai.
— Kaleek, isso é para você proteger Ken, sua mãe, e quem você ama. Ah verdade, você é só uma criança…
— Do que tá falando?
— Proteja todos, só você pode. Seja a força deles, seja o porto seguro, a última barreira. É por isso que lutamos, que matamos, para alcançar a paz, e apenas isso.
— Sim…
As palavras naquela época não faziam tanto sentido, ainda mais para uma criança de onze anos. Mas, agora Kaleek entendia o que seu pai havia dito, era claro e sincero. Sorriu por lembrar de um momento tão importante, mesmo que rápido, o marcou para sempre.
As palavras ecoaram na sua mente e alma. Só ele poderia proteger Ken, Ellen ou até mesmo os habitantes de Arneb. Só ele tinha a força necessária para mudar seu próprio destino. Seu pai havia voltado, a sua vontade, depois de anos para apoiá-lo. E ele estava a sua frente, brilhando nas mãos de Kastiel.
— Feliz aniversário Kaleek.
Um brilho tão forte que ofusca qualquer estrela, uma benção que foi passada adiante, de pai para filho. O dever de proteger sua família, por isso ele estendeu a mão novamente.
— Esquece…
Olhou nos olhos do seu maior heroi, o forjador daquela estrela magnífica. Seu sorriso se abriu, levantando a cabeça com brilho no olhar, pegou a adaga.
Era como se ele olhasse de volta, pelo reflexo da adaga.
O toque era leve, sentia como se fosse parte do seu corpo, a mana se movimentava de forma fluida da adaga para seu corpo, isso o tranquilizou. Queimava de uma forma inacreditável, mas, ao mesmo tempo, era frio.
A sensação única fez ele esbanjar um sorriso ainda maior, segurou nas mãos com força e observou o reflexo que assemelhou-se a seu pai, um homem com cabelos longos e negros, amarrados em um coque.
— Esquece isso, eu irei ficar com ela.
— Bom, tudo ótimo então!
Receberá olhares de pontos diferentes, ambos confusos pela reação incomum do garoto. Percebendo isso ele se recompôs ao coçar a cabeça disse sem graça:
— E-então, eu vou indo. Muito obrigado, senhor, desculpe por desperdiçar seu tempo.
— Tudo bem, jovem. Tenha um bom dia.
Agarrou a alça e jogou contra o ombro, passou o braço por dentro dela e ajustou até ficar confortável. Acenou com com as mãos, se despediu, virando as costas para Kastiel.
— Que Yaara o acompanhe, jovem.
Os olhos castanhos grudaram em suas costas enquanto se distanciava, deu um pequeno toque com o calcanhar nas pernas de Ken, que quase tropeçou, voltou a reclamar até que a porta se fechou.
Riu com o nariz segundos depois com a mão sobre a testa, suspirou e estalou os dedos. Batendo os pés no banco, desceu revelando um corpo menor que o próprio balcão.
O anão Kastiel puxou uma cortina logo ao lado da bancada, ao fundo uma escrivaninha com livros e uma estatueta, o formato de uma raposa com duas caldas foi o que tomou sua atenção ao ajoelhar.
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