Astrea Brasileira

Autor(a): Samuel Nohzi


Volume 1

Capítulo 9: Recepção calorosa

O interior da catedral estava escuro, uma única luz iluminava o centro da sala, passando por uma janela atrás do pedestal.

O ambiente deserto ecoava os passos despreocupados de um homem vestido de preto.

A cada passo, o cordão em formato de cruz balançava mais. Seus movimentos ecoavam no salão vazio enquanto se dirigia à frente do pedestal.

O ranger da porta fez ele parar de andar, um som estridente se estendeu até que toda a luz de fora iluminasse o interior.

Assim que seus olhos o encontraram, ele abriu os braços para receber o homem que escancarara a porta.

— Bem vindo, o que desejas? — Aquela pessoa ficou em silêncio, então ele continuou: — Quer que oremos para Yaara juntos, se redimindo de seus pecados?

O homem de manto preto com detalhes vermelhos caminhou em silêncio até parar a uma distância segura do padre. Revelou, por trás do capuz, uma barba ruiva.

— Acha mesmo que ela pode me perdoar?

— Mas é claro! Yaara é nossa deusa, a criadora das geleiras, quem criou nosso lar e nos protege das criaturas amaldiçoadas!

— Isso é, realmente, uma pena.

O ar ficou pesado, não podia ver os lábios que se moviam de forma lenta e o sorriso que se abriu logo depois.

O brilho no olhar transpareceu, mesmo na escuridão do capuz, como o vermelho sangue escarlate.

— Uma pena? — Suas pernas, há tempos, começaram a tremer. Mas só percebeu quando caiu de joelhos.

— É uma pena, que tenhamos que matá-la.

Seus joelhos perderam a força, na verdade todo seu corpo, aqueceu e se entregou para aquele homem.

Sua visão ficou instável e turva, enquanto ela gradualmente caia para o lado.

 O som rápido do machado cortando a carne foi a última coisa que pôde ouvir, antes de sua cabeça rolar manchando o chão da catedral.

— Infelizmente, tivemos uma mudança de planos.

O corpo do padre se manteve de joelhos mesmo sem cabeça, quando se aproximou, Tod chutou o corpo para o lado com expressão enojada por baixo do capuz.

Os olhos escarlate encaravam as figuras gravadas nas janelas, entre elas: uma raposa com múltiplas caudas, uma cobra com corpo de fogo, entre outras que não reconheceu muito bem.

— Senhorita, você realmente só me deixa com o trabalho divertido.

                                          ***

— Chegamos, parece que aquela floresta era uma espécie de desafio. — Cosmo deduziu isso, mas, muito disso ainda era um mistério.

Mas se é assim, como os lobos gigantes entraram?...

Se pôs a pensar nisso, enquanto cruzava os portões de uma cidade em ruínas, seu olhar reflexivo visitava cada destroço.

Lobos atacam em bandos de dez ou mais, porém se fossem as bestas mágicas “Seijuus” o nome popular, a coisa mudaria de figura.

Aquela tempestade poderia desmembrar qualquer humano. Porém, o fato de não terem visto corpos ou nem mesmo sangue, o fez duvidar desta hipótese.

Levou a mão até a testa e uma gota de suor escorreu pelas maçãs do rosto. Quando seus companheiros se dividiram, deixando somente Carlos ao seu lado.

— Irmão, cuida desta área e vê se tem sobreviventes.

— Nós iremos até à igreja, o nosso contratante está lá. — Kaleek explicou frente a eles. — Se virem algo que seja perigoso, usem o sinal para nos chamar.

Zae escutou atentamente quando ele e Ellen se puseram a separar do grupo, já entendendo sua posição, aproximou-se com um sorriso confiante.

Os olhos negros e os amarelos se fitaram brevemente, e ao se colocar lado a lado deles, bufou sem preocupação em expôr seus pensamentos.

— Nossa, vocês me dão muito trabalho para fazer, poxa…

— Se reclamar vai ficar sem salário!

Uma veia saltou na testa de Kaleek, que abriu a palma das mãos e golpeou suas costas. Zae cambaleou, mas se recompôs depois de rir com as mãos sobre o joelho.

— Tudo bem, chefinho.

— Corta essa.

— Vamos logo!

Desta vez, quem golpeou foi Ellen, acertando sua cabeça e fazendo Kaleek se proteger como uma criança.

Carlos levantava alguns escombros por perto, mas foi surpreendido pelo pequeno Ken, que estendeu a mão para ele com um pequeno saco em mãos.

— Presente, Tio Carlos.

— Ow, que bonitinho! Cara, seu irmão não presta mesmo…

Ainda estava ajoelhado, pegou o saco entregue pelo garoto e puxou a corda, revelando remédios que fugiram de seu conhecimento.

— O que é isto?

— É para caso tenha enjoo.

Ele encarou o frasco com uma substância meio suspeita, mas ignorou após ouvir as palavras doces de Ken.

Ele despencou logo depois.

— Como, como pode!? — ele berrou, lágrimas de crocodilo brotaram, despejaram de seu rosto.

— Tio!?

Todos se viraram com tal estardalhaço, o grande homem dono de músculos de um verdadeiro bárbaro, estava chorando enquanto segurava um simples frasco.

Ellen ficou abismada com aquilo, ficando automaticamente boquiaberta. Já seu irmão tapou os olhos para não vê-lo, mas resmungou ao lembrar que podia ouvi-lo.

Zae e Kaleek se manterem estáticos, na verdade o garoto de cabelos pálidos sorriu levemente, orgulhoso pela ação de seu irmão, transparecendo em seu olhar.

Carlos pegou nas mãos de Ken, estagnado no lugar enquanto se aproximava ainda mais. O ranho desceu junto com as lágrimas que até pareciam cristalinas.

— Por favor, larga seu irmão! Eu adoto você!

—...

As mãos que pegavam as dele, eram comparadas às de um cachorro com as de um lobo. Mesmo assim ele as soltou devagar, e deslizou sobre os cabelos pretos, enquanto repetia.

— Curioso… — sibilou Zae.

— Olha esse cara, parece uma garota…

— Se for comparar, você parece mais, com esse cabelo do Justin aí.

Cosmo estalou a língua e lançou olhares ameaçadores para Kaleek, que respondeu com risadas que não pôde conter ao se curvar.

Ele soltou os cabelos negros devagar. Um sorriso surgiu enquanto o observava por trás da franja.

— Só se você matar os lobos, sem deixar meu maninho se machucar.

— Não é justo…

Ele ficou boquiaberto com a resposta do pequeno garoto, que girou o corpo com o toque que recebeu na cabeça.

— Bora, a gente vai e volta rapidinho.

Ken sorriu, e virou novamente para Carlos.

— A gente discute quando eu voltar. Vê se não deixa o irmão da minha cunhada bravo.

As orelhas da Ellen saltaram, ficando totalmente retas enquanto seu corpo esquentava. As maçãs do seu rosto ficaram vermelhas, e ela olhou para ele com os olhos arregalados.

— Até ele já aceitou.

— V-vamos logo…

Ela se virou e começou a caminhar sozinha, escondendo sua expressão e vergonha da situação. Os passos apressados e os olhos agitados continuaram até Kaleek alcançá-la.

— O que foi agora?

Ela manteve-se em silêncio, seus punhos seguraram mais forte a corda que puxava o javali. Cobriu o rosto não deixando ele ver as maçãs do rosto vermelhas, enquanto respondia com voz baixa:

— Esquece isso…

Kaleek torceu o rosto vendo que ela nem mesmo se virou para respondê-lo, mas os lábios dele escorregaram ao ver as orelhas vermelhas da garota.

Zae estava caminhando junto a ele, observando Ken despreocupado, averiguar os arredores.

Nenhum outro som além deles era emitido, os dois javalis marchavam pela trilha de pedra cheia de neve, suspirando a cada passo.

Os flocos de neve pairavam em seus focinhos, provocando espirros violentos por parte de Kelmoth.

— Eles estão cansados.

— Deixei o Loki com os nossos amigos lá trás. Deveríamos deixar esses descansando por hora, mais inteligente, não?

Se surpreendeu após ele chamar Cosmo de amigo, gargalhando por dentro pensando em como ele reagiria ao ouvir Zae o chamando assim.

Já fazia alguns minutos desde que estavam na entrada da vila. Aquele local totalmente destruído, deixou ainda mais chamativa a grande igreja que estava à frente.

Seus olhos a encontraram de repente, se arregalaram para o estado dela.

Partes da catedral estavam jogadas em cima das casas, o grande portão estava entreaberto e um ar gelado passava em sua espinha.

Ele assentiu para Zae, guiando Kelmoth até um pilar de concreto próximo a eles.

 Os escombros da casa serviram para ele amarrar a corda ao redor dela, quando segurou o rosto da fera, ele sorriu olhando nos grandes olhos castanhos enquanto se despedia.

— A gente já volta, vou trazer comida pra nós.

Ken abraçou as patas de Kelmoth que respondeu com um grunhido. Ken sorriu para aquela sensação quente dos pelos do javali e acenou para ele quando se desvencilhou do abraço.

Quando voltou para a trilha, todos já estavam à frente, menos Kaleek, que esperou seu irmão se despedir.

— Fica por perto, não sai por nada.

Ken assentiu com a cabeça.

— Devemos entrar? — Ellen parou a alguns metros da porta daigreja.

— O nosso contratante deveria estar nos recebendo.

— Talvez, ele tenha fugido — disse Zae com o dedo indicador na frente dos lábios.

Kaleek afastou seu irmão para trás, e se aproximou, ao hesitar por um momento, voltou a pisar firme e de forma lenta.

Pela fresta da porta, não conseguia ver nada além de escuridão. Uma escuridão que o atraiu, quase engolindo sua sanidade.

Foi quando suas mãos tocaram a grande maçaneta, a tinta dourada estava desgastada e fria.

 Seus olhos se firmaram, franziu a testa quando se pôs a puxar, antes de empurrar ele sussurrou:

— Eu vou entrar.

— Zae, o Ken. — Ellen também se aproximou — faça seu trabalho.

Esperou o som corroer seus ouvidos. O som da porta velha e escandalosa abriu ao empurrar com certa força.

A luz vinda da porta tomou a catedral, por mais que não estivesse totalmente escura, tomada pela claridade e olhar frio vindo da entrada.

Kaleek estremeceu, o liquido escarlate escorria até seus pés, estava seco.

 Manchou totalmente o tapete do local sagrado, criando um rastro até uma cabeça decepada abaixo de uma das cadeiras.

Ele engoliu seco, o suor descia pelo seu pescoço e um nó na garganta fez ele ficar mais aflito, quando viu o corpo jogado a sua frente, como se não fosse nada.

— Que merda é essa?!...

Ellen tapou a boca quando viu, e afastou Ken antes que o mesmo sentisse vontade de vomitar.

 A visão asquerosa da carne exposta, revirou seu estômago.

Zae escondeu sua reação por trás do capuz, seu rosto se manteve inexpressivo, tomando a frente atrás de Kaleek.

Seus olhos se fecharam bruscamente, após muito tempo olhando aquela cena, não conteve a vontade de ajoelhar e colocar tudo que tinha no estômago pra fora.

O cheiro de carne podre pareceu queimar os pelos de seu nariz, contudo, o que mais o atormentou foi os olhos revirando e expressão de desespero no rosto do padre.

Quando abriu os olhos novamente, o som macabro atormentou-lhe. Limpando o suor na testa que não parava de escorrer, levantou o rosto.

— O que tá acontecendo?

— Atrás de mim, Ken.

Alguém além deles foi até aquela igreja, mas eles chegaram tarde. A luz vinda do buraco no teto, iluminava o pedestal, junto de um homem sentado em uma cadeira.

Aquele que assobiava vestia um manto preto, envolto por um capuz que não deixava que vissem seu rosto. Mas, Kaleek reconheceu a barba ruiva que deixou pra fora das sombras do capuz.

— Kaleek, seja um bom garoto e limpe os pés para entrar na igreja.

Ele limpou as mãos ensanguentadas.

— É sempre bom reencontrar velhos amigos. Especialmente os que ainda me devem algo.

A cólera em seu olhar empalou o homem, que sorria cinicamente. Todas as veias do seu rosto saltaram, mas ele sentiu um vento atrás de si, por mais que sutil arrepiou sua espinha.

 

 

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