Volume 1
Capítulo 11: Guia Prático do Monge: Como Fazer um Demônio Confessar
(No dia anterior, em algum lugar da Europa.)
— Merda... o que... o que aconteceu...? — murmurou o homem, piscando com dificuldade enquanto a tontura nublava seus sentidos. Tentou mover as mãos. Correntes tilintaram. Estava preso — pulsos e tornozelos firmemente atados.
Se encontrou em um quarto em trevas. O ar carregava o cheiro entranhado de umidade e ferrugem. No centro, o homem se debatia, os gritos ecoando num vazio opressor. Mas o silêncio ao redor era absoluto — até que o baque seco de uma porta se fechando cortar o ar.
Ele congelou.
Passos. Lentos, ritmados.
Duas figuras surgiram da penumbra.
O primeiro, alto e imponente, acendeu uma lamparina presa à parede. Pegou uma cadeira encostada no canto e a arrastou até o centro do cômodo, parando diante do prisioneiro.
O outro ficou onde estava, recostado, de braços cruzados, apenas observando em silêncio.
O rapaz da cadeira se inclinou. A luz fraca revelava um rosto jovem. Brincos pendiam de suas orelhas, cada um com uma pedra negra discreta.
A lateral da cabeça raspada contrastava com os longos fios castanhos presos num coque alto. O olhar, cortante e impassível, vasculhava cada detalhe do homem acorrentado.
No pescoço uma corrente do mesmo tom caía sobre o peito, com um anel pendurado.
Nenhuma palavra. Apenas a mão apoiada no queixo, estudando-o como um quebra-cabeça incompleto.
O homem preso começou a tremer ao notar os dedos daquele rapaz.
Ambas as mãos pareciam carregadas de um símbolo oculto. Polegares tingidos de vermelho. Indicadores violetas. Médios no entanto em seu tom natural de pele. Anelares acinzentados. Mínimos de um branco opaco.
Até as unhas seguiram suas respectivas cores.
— Que porra é essa...? Vocês são sequestradores? — disparou o homem, a voz instável, o corpo se agitando na cadeira.
Nenhuma resposta.
O rapaz apenas deslizou a mão até o anel negro preso a corrente e começou a girá-lo devagar.
Como quem saboreia o silêncio antes da tempestade.
— Não vai falar nada!? — insistiu, sua respiração irregular enquanto suava.
O jovem sorriu de canto.
— Por que tá suando? Medo do escuro?
— Tô amarrado, cercado por dois malucos. Como deveria reagir? — disparou o homem, a voz tomada pelo pânico.
O jovem recuou um pouco, soltando um riso contido, quase divertido.
— Nossa... impressionante. De verdade. — Passou a língua pelos dentes, balançou a cabeça e se inclinou de novo. — Vocês são bons nisso, viu. Fingem direitinho.
Os olhos do prisioneiro se arregalaram, úmidos. Tentou se afastar, mesmo sem espaço, a cabeça pressionada contra o encosto da cadeira.
— Do que você tá falando...? Você é louco? Por favor... eu só quero voltar pra minha família. Se for por dinheiro, eu dou um jeito. Juro...
O rapaz encostado na parede se moveu sutilmente.
— Zane. Tem certeza que é ele?
— Fica tranquilo, parceiro. — respondeu sem tirar a atenção do homem, fazendo um gesto preguiçoso com a mão. — Certo... — continuou, a língua umedecendo o beiço enquanto o tom de diversão ganhava mais força. — Então vamos manter o teatro.
Levantou-se devagar, apoiando as mãos nos joelhos. Virou-se com calma caminhando em direção a uma mesa no canto da sala. O som seco de vidro preencheu o ambiente ao pegar num pequeno frasco.
Voltou com passos lentos. O líquido claro balançava dentro da garrafinha enquanto ele se aproximava do homem — e jogou a água direto no rosto dele.
— Mas que porra é essa!? — gritou o homem, cuspindo e sacudindo a cabeça. — Que tipo de sequestrador doente faz isso!?
Zane ergueu o frasco entre os dedos, sorrindo de canto.
— Água benta. Claro que não funciona... — girou o vidro com um dedo. — Acredita que tem idiota que acha que isso afeta vocês? Problema resolvido? — riu, sem humor.
— Do que você tá falando? Que papo é esse? — o homem respondeu, a raiva misturada com confusão estampada no rosto.
Zane então jogou o frasco contra a parede. O estilhaço ecoou. Em seguida, avançou e agarrou o homem pelo pescoço, os dedos cravando na pele.
— Escuta aqui, seu verme... temos três jeitos de resolver isso.
O outro rapaz, até então encostado na parede, deu um passo à frente. Tinha cabelos negros e arrepiados, mãos e unhas tão escuras quanto carvão. Brincos de argolas douradas pendiam de cada orelha, assim como um piercing de ouro que brilhava acima da sobrancelha direita.
— Zane!
Mas ele ignorou o aviso, o olhar preso no prisioneiro.
— O primeiro é simples: você me conta o que quero saber. Talvez o inferno te deixe inteiro por me contar.
— O segundo... eu grito tanto o nome de Jesus no seu ouvido que quando voltar pra lá só vai ecoar isso na sua mente.
— O terceiro... — sorriu, sádico — é meu preferido. Eu te quebro de um jeito que vai passar a eternidade numa cama de hospital, se é que no hades tem maca. E quando o juízo final chegar, e te jogarem direto no inferno literal, no maldito lago de fogo, vai queimar deitado nela.
Deu alguns passos para trás enquanto o homem o observava, atordoado, sem dizer uma só palavra.
O efeito foi imediato.
O corpo do prisioneiro estremeceu, sua expressão se distorceu numa máscara de fúria. O maxilar travou, os dentes rangeram como lâminas forçando o atrito. A respiração saía irregular, pesada, embebida em ódio.
Então, ele riu.
Mas não era um riso humano.
Era um som grotesco, retorcido, como se algo se rasgasse por dentro para se libertar. A boca se abriu além do limite, e a língua escorreu para fora em espirais disformes. A voz, distorcida, cortava o ar entre gargalhadas agudas e repulsivas.
— Você é mesmo um estraga-prazeres, hein...? — zombou, encarando-o com escárnio. — Zane, não é? O maldito monge… me diz, por que essas correntes desgraçadas são tão resistentes?
Zane o atingiu com um soco seco no rosto.
— Quem faz as perguntas aqui sou eu.
A criatura cuspiu um dente, ainda rindo.
— Filho da puta... Falaram de você. Dizem que reduziu um culto inteiro a cinzas, você e aquele seu amiguinho. — Apontou com o queixo para o rapaz ao fundo.
Zane bufou desferindo outro golpe.
— É mesmo? — arqueou uma sobrancelha. — Tão populares assim, ouviu isso, Tyler? — virou o rosto, lançando um olhar breve ao amigo, antes de retornar seu foco. — Então já sabe o que viemos buscar.
O demônio soltou um riso rouco, carregado de sarcasmo.
— Sabe o que vocês parecem?... Dois idiotas brincando de enviados divinos. — tossiu no meio da risada. — E o melhor… — pigarreou. — É que acham que estão fazendo diferença.
Tyler desviou a atenção para o amigo, tentando captar qualquer mudança. Nada. Continuava, imóvel, calmo.
— Se acham especiais, né? Só porque têm habilidades que o resto do mundo não tem… foram tocados por alguma coisa. Bênção, maldição… tanto faz. Já deu. — outro riso seco escapou.
O demônio abriu um sorriso largo, dentes afiados reluzindo sob a luz fraca.
— Querem saber por que estamos tão sedentos atrás dos artefatos, não é?
Zane apenas assentiu.
— Então vou fazer uma proposta melhor. — a criatura se inclinou, olhos faiscando de escárnio. — Que tal me soltar e eu arranco tua pele?
O rapaz não respondeu. Só estendeu a mão e apertou as correntes.
Elas estilhaçaram.
“O quê?!” o demônio piscou, atônito.
Riu enquanto massageava os pulsos.
“É forte de verdade…” pensou, mas sua voz ainda saia em tom debochado:
— Você é doido… — seus olhos se estreitaram. — Eu vou te matar.
Sem perder tempo, a criatura avançou, dentes arreganhados.
O monge desviou duas vezes com precisão, lendo cada movimento.
No instante seguinte, cravou a mão na cabeça do monstro e a esmagou contra o chão com força brutal.
— Te dei uma chance… — murmurou. Os dedos pressionaram ainda mais o crânio na superfície dura. — Agora, ao que interessa. Muitos cultos. Muita atividade demoníaca por essa região da Europa… Vai me contar exatamente o que está acontecendo.
— Falando em contar... — o demônio ergueu o olhar para o anel pendurado na corrente de Zane. — Como está sua esposa?
O rapaz sorriu. Em seguida, pressionou-o com mais força contra o chão — a pedra trincou sob o impacto seco.
— Eu não vou te contar porra nenhuma! — rosnou a criatura, a voz abafada sob o peso.
— Vai sim. — O monge puxou a cabeça dele de volta e a arremessou contra a parede. Depois contra o chão. De novo e de novo.
O rosto do demônio se desfazia em sangue e ossos. Fragmentos espirravam por todo lado.
Zane parou por um instante, avaliando quanto mais ele aguentaria.
— Cacete… — murmurou Tyler, agachando-se ao lado da cena. — Se eu fosse você, começava a falar logo.
— Seus desgraçados… — tossiu o demônio. — Vou matar… vou matar vocês dois.
Zane virou o rosto para ele.
Os olhos, vazios.
— Vê meus polegares?
O demônio ficou em silêncio.
— Se sabe quem eu sou, sabe o que acontece quando eu junto os dois. Não vai sobrar nada de você.
A criatura passou a língua pelos dentes quebrados, escorrendo sangue.
— Vai em frente. Antes morrer e voltar pro inferno aprisionado do que como traidor. — soltou uma risada rouca. — Seria leve comparado ao que fariam comigo.
Zane se inclinou para mais perto.
— No seu lugar, eu estaria mais preocupado com o que eu posso fazer com você…
(Dia atual, uma hora atrás.)
— Dá pra acreditar? — Zane comentou, jogando o corpo na cadeira enquanto fixava-se em Tyler que lia um jornal do outro lado da mesa. — O recepcionista veio encrencar comigo por causa da blusa aberta.
— É um hotel de família, parceiro… — respondeu, sem tirar os olhos das palavras impressas, levando a xícara de café à boca.
— A Façanha de Garibaldi: Os Mil Desembarcam na Sicília pela Liberdade da Itália! — Zane repetiu em voz alta, lendo a manchete. — Esse mundo tá perdido… famílias se matando por ideias diferentes.
Tyler abaixou o jornal, encostando-o na mesa.
— Tipo a sua, que virou as costas pra você justamente por isso?
— Hm… não é a mesma coisa. — respondeu desviando o olhar, observando o salão.
Tyler ergueu o jornal novamente.
— Vai tomar café ou não?
— Não, tô de boa…
— Tá procurando o quê, então?
— No saguão vi um sujeito estranho. Tive a impressão de ter visto uma cicatriz no pescoço… igual o demônio descreveu. Você notou alguma coisa?
— Nada.
— Entendi… peguei só um relance. Deve ter sido coisa da minha cabeça. Aliás… — se inclinou com um sussurro. — Matou o demônio não é?
Tyler apenas assentiu com a cabeça.
— Beleza, só para evitar problemas futuros.
Um senhor na mesa à frente se inclinou para o lado, chamando a atenção de Zane.
— Ei, garoto… esse sujeito que você descreveu, por acaso estava de sobretudo preto?
Em resposta arrastou um pouco a cadeira, se aproximando do senhor.
— Por acaso estava sim. Viu ele?
— Vi. Tinha mesmo uma cicatriz no pescoço, além de umas marcas estranhas nas mãos. Estava com duas moças: uma garotinha meio esquisita e outra mais velha, pele toda vermelha, parecia até que estava fervendo. Estavam falando umas coisas malucas, histórias sem pé nem cabeça.
Tyler baixou o jornal, trocando um olhar rápido com o parceiro. O rosto dele endureceu antes de se virar de volta pro velho.
— Sabe pra onde foram?
— Disseram que iam para a feira da cidade. Comentavam sobre artefatos… e irmãos, acho.
— Cacete… — murmurou Zane, se levantando. — Muito obrigado, senhor.
Tyler o acompanhou. Ambos se dirigiram em direção ao saguão.
Se encostaram no balcão da recepção. Zane soltou as chaves ali, o som metálico quebrando o silêncio.
— Isso porque você não viu nada, né? — provocou, sem encarar o amigo.
— Vá se danar. — respondeu, ajeitando o piercing em sua sobrancelha.
Saíram juntos do hotel.
— E aí… pra que lado fica essa tal feirinha? — Zane olhou ao redor.
Tyler fez um gesto tedioso apontando para uma placa cravada no chão.
— Então vamos nessa… — continuou, juntando os dedos indicadores — Hora do show.
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