Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Os Mistérios dessa Cidade

Capítulo 46: Manipulação

“Alguma coisa aconteceu quando eu toquei na janela, e isso fez as ordens mudarem…! Aquilo me atacou de verdade dessa vez…!”

Ryan não hesitou por mais qualquer tempo. Adrenalina a correr por seu corpo, catou Emily do chão em seu colo, pronto para fazer a corrida da sua vida.

“Essa coisa vai tentar nos matar de verdade… Está nos cercando por todos os lados…!”

Os únicos lugares em que as sombras do local não agiam de qualquer forma anômala eram as regiões em que a luz atingia. O celular atirado ao chão, felizmente apontada para o teto, era a única coisa que impedia aquele pesadelo de ficar ainda pior.

— Inacreditável como eu sempre consigo dar um jeito de ferrar com tudo de alguma maneira…! — murmurou em tom baixo.

Não era o mesmo tipo de autodepreciação que mostrou no embate contra Keith ou após a morte de Ashley. Essa manifestação era senão algo muito mais colérico, que o levava a quase se punir. Ryan, infelizmente, não fazia ideia do que fazer.

— É melhor eu descobrir rápido… Preciso tirar essa garota daqui…!

Não tinha como se importar menos com o fato de estar falando em voz alta. As sombras móveis nas paredes, dançantes em um ritmo similar ao da fumaça escalar os céus, era a única preocupação que deveria existir.

— Merda, isso é tudo culpa minha…! — mordeu o lábio, ainda contendo sua fala. — O que eu vou fazer agora…?

Formas de várias garras surgiam do teto e nas paredes próximas, mantidas longe pela luz. Vinham das sombras de vários móveis, esgueirando-se por trás, na expectativa de poderem eliminar.

— Mas como eu pude ter sido tão idiota…? As janelas tinham essa proteção que as impede de ser abertas por uma razão…! Como eu não imaginei que quem colocou isso aqui não iria pensar nisso…?! Isso foi uma medida levantada justamente no caso de alguém ter descoberto o segredo da casa…!

Seus lábios se moviam sem que sequer sentisse, cuspindo todos os segredos que deveria tão religiosamente esconder, todos sendo escutados silenciosamente pela garota abraçada em seu peito.

— Um poder como esse, que funciona de um jeito tão esquisito… Eu não pensava que algo assim pudesse existir…

No meio de seu pânico reflexivo, teve a gola de seu casaco puxada firmemente para baixo por Emily, enfim notando todos os segredos que a havia contado.

— Ryan… O que quer dizer com essas coisas…?

Seu tom saiu excessivamente neutro — um tanto macabro demais —, assim como algo totalmente fora do que se esperaria daquela simples garota comum que por vezes podia ser barulhenta demais.

— O que mais você tá escondendo de mim? O que não quer me contar? Como assim… Alguém que colocou essa coisa aqui…? Você tá falando como se eu nem estivesse aqui…

O frio em sua espinha ao fim de cada uma daquelas pronúncias frias e sem vida se ampliava. Seus braços tremiam em pânico, loucos para fazer a primeira coisa que lhe veio à mente logo ao escutar a primeira delas.

— Ryan, eu quero explicações…! Mas o que caralhos tá acontecendo nessa casa?! Qual é o problema de Elderlog, Ryan?! O que quer dizer com “poder tão esquisito”?! Mas de que merda você tá falando?!

A luz o protegeria das sombras, mas não o salvaria da raiva de Emily. Muito mais do que assustada, a garota se encontrava indignada com as coisas que justo ouvira.

— Então é por isso que você tá agindo tão esquisito? Porque você sabe o que tá acontecendo, mas não quer me contar?! É isso?!

Lágrimas pesadas cobriam os olhos, ao passo que dentes refletiam a luz em um sorriso furioso.

— A gente vai morrer aqui… E você não quer me contar o que diabos tá rolando…!

Ele entendia a sua raiva, verdadeiramente.

— Abre a boca e me fala!

Porém, já havia cometido erros demais em um único dia.

— Desculpe, Emily.

De um jeito frio e rápido, tudo voltou a como era, antes de revelar todos os segredos que tinha. Um toque de sua mão na testa da garota, um pouco de foco e o brilho de seus olhos roxos, e logo os últimos um minuto e trinta e quatro segundos foram completamente apagados de suas lembranças.

— Emily, as coisas ficaram complicadas agora, mas eu prometo que vou nos tirar daqui. Eu preciso que você confie em mim para isso… Acha que consegue?

A jovem de olhos verdes e cabelos castanhos olhou seus arredores na mais pura confusão. Aos poucos, a grossa névoa ao redor de suas lembranças se levantavam, e as coisas aos poucos passavam a fazer sentido.

— Nós precisamos vencer o fantasma na casa, lembra? Ele está nos cercando agora, mas eu encontrei uma maneira de fazer isso funcionar… Eu só preciso que você fique calma agora, tudo bem?

Não foram apenas aquelas memórias as que ele apagou. Na realidade, dentro daquele mero toque em sua testa que não durou mais do que sete segundos, Ryan reescreveu toda a história que viveram naquela casa.

— Ah, o fantasma…! — Emily exclamou, quase saltando para fora se seus braços. — Eu lembro…! Você disse que ele… Não gosta de luz, né?

“É bom ver que funcionou”, pensou. — Exatamente. Lembra que ele foge quando apontamos alguma luz em seu rosto? Bem… Acho que ele não nos quer deixar ir embora, por isso está cercando cada ponto da casa…

— Ah, não…! Eu não quero morrer aqui…! Ryan… A gente precisa escapar…!

Ver o seu estado de convencimento acerca da verdade fabricada foi algo silenciosamente comemorado pelo Savoia, dado que, por mais que pudesse parecer simples aos olhos de um estranho, manipular as memórias de outras pessoas podia ser trabalhoso e gerar terríveis resultados se feito de um jeito errado.

— Não se preocupa. Eu pensei em uma coisa. Enquanto tivermos a luz, não deve ameaçar nos pegar… E eu acho que você já sabe o que fazer no caso de um deles tentar.

— Sim… — confirmou, hesitante. — Eu sei que vou precisar usar o pedaço do espelho para redirecionar a luz do seu celular… Que pena que o meu caiu dentro do quarto… Eu queria poder pegá-lo de volta…

— Essa vai ser a primeira coisa que vamos fazer. E lembre-se… — A encarou com firmeza. — Não se atreva, em hipótese alguma, a escapar da segurança do foco de luz.

Sua vivência empírica naqueles cinco anos desde seu despertar do coma o fez perceber o quanto alterar as lembranças das pessoas pode ser extremamente eficiente quando feito da maneira correta. 

“Perfeito. Ela nem mesmo questiona as vivências que eu construí em sua mente. Na opinião dela, todas as memórias que eu soquei no seu cérebro são perfeitamente válidas e correspondem à realidade.”

O Savoia já vinha pensando a algum tempo em toda a série de lembranças que usaria para substituir as memórias de sua companhia. Infelizmente, a primeira ideia teria de ser temporariamente descartada, dando lugar ao plano B.

“Tudo o que eu tive que fazer foi apagar todos os registros que ela tinha dos últimos minutos, desde um pouco antes de descobrirmos sobre as latas de feijão. Eu apaguei a evidência de habitação humana e, ao invés de manter minha explicação original, coloquei em suas memórias uma em que disse se tratar de um fantasma de verdade. Em sua mente, aquela coisa nunca a capturou.”

Omitiu cada detalhe ou brecha que desse uma explicação lógica e humana para o que vivenciavam.

“Agora ela acredita que a casa é assombrada e que por algum motivo o espírito vingativo nela detesta qualquer tipo de luz… Honestamente, não pensei que alguém tão criativo e de uma mente tão afiada sequer questionaria isso.”

Olhar por aquela lente tornava sua habilidade várias vezes mais útil, a considerar que, por exemplo…

“Heh… Eu poderia modificar o suficiente as memórias da Lira para fazer ela acreditar que nós dois estamos namorando… Okay, admito que esse foi um pensamento estúpido, e ela com toda certeza me mataria se descobrisse que essa é a minha intenção, sem falar que mesmo que acontecesse, com o tempo, ela se questionaria se de fato isso faz sentido.”

Porém, enquanto tinha suas fantasias de poder, falhou em notar a brecha que deixou para seu oponente.

Uma garra negra como a mais profunda noite saltou da sombra de sua perna, que se conectava perfeitamente com a escuridão parcial das paredes, criando a fina ponte que a criatura necessitava para alcançá-lo.

Ao perceber, já era tarde demais.

— GAH…!

— RYAN…! NÃO…! — Emily tentou reagir, mas foi incapaz de fazer qualquer coisa.

Ao contrário do ocorrido antes, a sombra não o arrastou ou tentou capturar de alguma maneira. Sua instância se revelou plenamente violenta ao invés disso, usando de força aprimorada para fazê-lo voar cerca de dois metros além da luz.

— RYAN…! — Emily gritou, sem saber o que fazer ao vê-lo ser consumido pela escuridão.

As várias mãos se uniram em torno de seu corpo, circundando-o em sombra de forma similar ao ocorrido com ela anteriormente. Todas depressa se moldaram em massa, fixando-o no lugar de uma forma perfeita.

De um outro conjunto, a criatura se manifestou, pronto para finalizá-lo de vez com suas grandes garras.

— Não…! Saia de perto dele! Não queremos nada com sua casa! Só queremos sair…!

Inconsciente de que não era um fantasma, a Attwood corajosamente mirou o reflexo luminoso do espelho para a face da coisa, rendida em agonia.

— Por favor, nos deixe em paz…! Você já deveria ter ascendido a um lugar melhor, não acha?! Seu assunto não é com quem permanece vivo!

— SHIIIIIIEEEEEEKKKK….!

Sons de fritura e gritos agoniantes por parte da coisa a levaram a retroceder mais uma vez, saltando para o primeiro pedaço de mobília que encontrou, em um mergulho. Sem mais delongas, ela veio ao seu resgate.

— Ryan…! Você tá bem?! Aquele espírito fez alguma coisa com você?!

— Ugh… Eu… Eu tô bem… Emily, a…

— Eu sei. — Ela o interrompeu. — Não preocupa. A luz tá bem aqui. Eu trouxe o seu celular…

O súbito surto de coragem aventuresca não falhou em chamar sua atenção, por mais esperado que talvez fosse.

“No fim, todo o terror dela com essa situação veio de já ter sido capturada por aquela entidade antes. Bastou que eu removesse as lembranças da experiência traumática para conseguir esse resultado.”

Ela não tremia metade do que fazia antes e embora ainda estivesse alerta, isso se dava por uma face menos assombrada e mais assertiva, como se ao invés de ser um filme de terror, aquela fosse somente mais uma aventura épica.

— Nós temos que pegar o meu celular, não? Só uma luz não deve bastar… Acha que consegue se levantar?

— Ah… Não foi tão sério… Mas agora, temos que tomar cuidado com toda e qualquer sombra… — citou. — Temos que abandonar a casa o quanto antes…

— Sim! — rebateu, determinada. — E você disse que tem um plano, certo? Pode ficar tranquilo, eu tô iluminando os arredores!

“Eu preciso me igualar com a energia dela…”

Essa versão de Emily Attwood nunca passou pelo horror de ser tocada pela criatura de sombras e sequer cogitava que poderia existir outro humano na casa, com eles. Se quisesse fazer as coisas correrem da forma mais adequada, a melhor opção seria imitar isso.

— E se a gente abrisse as janelas? Não resolveria?

— Hmm… Talvez. É uma solução bem inteligente. É uma pena que estejam todas trancadas.

— Mas isso é um negócio bem estranho… Pensar que um fantasma tem medo de luz, e se esconde em um lugar escuro… É quase como se… Alguém… Tivesse feito isso…

Rezava para que sua atuação fosse suficiente. Para ele, foi de certo modo surpreendente ver como ela inevitavelmente chegaria à mesma conclusão, mesmo sem qualquer evidência.

— Eu acho que ele se esconde aqui justamente por ser escuro. Deve se manifestar à noite ou alguma coisa assim… Eu não sei… É a minha primeira vez lidando com um fantasma! Nem imaginava que eles existiam.

Tomavam cuidado, andando pelos corredores passo por passo, evitando sombras ao máximo.

— Mas isso não é emocionante? — perguntou ela. — Saber que tem uma coisa assim em Elderlog… Isso faz o meu coração ferver de emoção!

Abriu subitamente a porta, e ao fazê-lo, o rapaz sinalizou para que tomassem o máximo de cuidado.

— Eu planejava vir aqui com as minhas amigas em busca disso… A raíz de todo o mistério dessa cidade!

“Será que eu acabei danificando alguma zona do cérebro dela por acidente?”

Até ele tinha de admitir que era absurda a sua falta de temor pela criatura desconhecida, mesmo após vê-lo ser essencialmente jogado como um boneco de pano. 

Era quase como se estivesse acostumada a ver fantasmas antes.

Mas mesmo que aquilo fosse verdade, não justificaria o fato de ela estar tão assombrada antes.

“Será que é simplesmente porque ela não se lembra de ter sido atacada?”

— Encontrei! — exclamou. — Ótimo, agora é só a gente ligar a lanterna, e…

— Emily…! Para cima…!

— Eh?

A criatura de sombras saltou por trás de si, materializada da escuridão gerada pelas luzes intensas, revelando o pior lado de se ter alta iluminação.

O ser envolveu ambos seus braços finos em torno de seu pescoço, visando asfixiá-la, não oferecendo qualquer chance de resistência.



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