Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne

Revisão: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – O Dia em que o Pesadelo Começou

Capítulo 81: Improviso

GAAAAAAAAAH!

O chão do piso estremeceu e em um estalar de dedos, a maior parte da fumaça gerada na explosão se dissipou, movida pela pura manifestação de energia acústica gerada por Jacob, delirante.

— Grrr… Hrrrk…!

No centro do círculo esbranquiçado, formado pelos resquícios mais teimoso do frígido gás, ele se debatia, preso na própria mente. Como um animal, grunhia sem parar, sequer incomodado com a perda de mais da metade de sua mão esquerda.

Fervente em adrenalina, o rubro cobria a calça, caindo aos montes sobre sua perna, para culminar no pé esquerdo, impossibilitando dizer a cor original, mista dos restos provenientes das incontáveis vítimas.

GRRRRRRAAAAAH…! — Veias saltaram na testa do guitarrista, preenchendo-o do rubro sangrento.

Olhos ensanguentados, afundados nos poços mais profundos de suas frustrações, miravam o chão de concreto, cavando um buraco metafórico, em busca de encontrar de novo aquilo que perdeu.

Até esse ponto, Ryan sequer sabia que alguém podia ficar tão louco assim.

“Esse cara é um completo maluco…!”

Em passos lentos, o Savoia se distanciou, abalado pela onda energética; suas previsões acertaram em cheio o fato de ter optado por se envolver com algo muito mais perigoso do que poderia manejar.

“Eu tenho que dar um jeito de passar por ele e, de preferência, com o menor risco possível…!”

Focou em produzir o menor nível de barulho, esperançoso de alcançar Olivia sem retirá-lo do absurdo estado de epifania. Devagar, ele engoliu o seco, dando um passo leve.

— Ei… — A voz saiu ríspida, desidratada e um tanto maltratada. — O que você pensa que acabou de fazer…?

Não funcionou. Seria esperançoso demais pensar que poderia sair ileso, estando a menos de dez metros de distância um do outro.

— O que caralhos tu pensa que acabou de fazer?!

O Savoia travou, focado na figura cambaleante a se levantar, desnorteada. Ao lado, os fragmentos da guitarra, destroçada, sequer eram lembrados por esse que a brandia com tanto gosto.

— Você tocou nela… eu vi… Eu vi quando você tocou na minha Abigail… Eu vi… EU VI…!

“Ah, mas puta que pari…!”

— EU NÃO VOU PERDOAR…!

Sequer concluiu a linha de pensamento quando foi forçado a fugir do intenso tremor da melhor forma que pôde. Sem medir esforços, Ryan correu tão rápido quanto as pernas possivelmente aguentariam.

— Eu preciso fugir dele… — repetiu a si mesmo, em suspiro. — Eu tenho que dar um jeito de criar distância entre nós…!

NÃO VAI ESCAPAR! NÃO VAI PENSANDO QUE EU VOU DEIXAR ISSO BARATO…!

Cada vez que Jacob falava, por menor que fosse o fonema, os cacos de vidro e lascas de madeira no chão se moviam e a exibição direta de tão bizarro poder apenas o levava a se questionar mais.

“Eu definitivamente não tenho a menor condição de vencer disso…!”

Logo, seu foco mudou para a próxima coisa, ou ao menos por enquanto. Conhecendo a si mesmo, insistiria em criar modos de acabar com ele mais tarde; agora, no entanto, Ryan tinha uma missão.

— É melhor que a Emily se sinta bem grata por isso…

Ajoelhou num gesto veloz, envolvendo os braços em torno da forma caída da enorme garota. Tomado pela adrenalina, gerou impulso nas pernas, elevando a forma massiva e, felizmente, não tão pesada.

— … Porque eu tô colocando a minha vida em risco aqui… e não é por pouca coisa…!

Travou os dentes, chamando por seus poderes. Inicialmente, os músculos dos braços não souberam reagir corretamente, confusos sobre a adição do peso extra. No novo estado, lhe faltavam ambos força e equilíbrio para a série planejada de posturas.

— Ah, por favor…! Não vá me falhar agora…!

… AAAAAAARGH…!

A lenta marcha confusa chegou ao fim. Para ambos os lados, não havia lugar para ir e, em sua lentidão, o Savoia foi alcançado.

“Ah, agora ferrou…!”

Carregar Olivia inviabilizou o uso dos braços, arrancando qualquer mísera oportunidade de contra-ataque e, posto contra a parede, não teria outra opção senão abandoná-la para brigar.

— Você pegou… Você pegou no cabelo dela…!

“Calma… Eu preciso pensar nisso com mais calma…!”

— Você… seu filho da puta… — fechou o punho, chamando pelo poder. — COMO VOCÊ PÔDE TER TOCADO NELA?!

Luz amarelada escapou dos olhos e a potência da exclamação proferida se viu convertida em mais energia acústica. Ao redor dele, o som se acumulou como uma aura, distorcendo o ar nas redondezas.

— Ninguém tem o direito de tocar nela… Ninguém tem o direito de olhar para ela… e para qualquer outro que fizer isso… EU VOU ESTOURAR A CABEÇA FORA…!

O som se acumulou na palma da mão, assumindo uma forma esférica e focalizada. Com o único foco de matá-lo, saltou, tal qual um lobo caçador, na direção deles.

“Eu tenho que desviar…!”

Deixou os músculos pensarem, quando se agachou e se impulsionou para a esquerda tanto quanto possível, imitando a mobilidade lateral de um certo conhecido.

“Eu nunca entendi como aquele filho da puta conseguia fazer isso parecer tão fácil…!”

A proximidade o levou a sentir parte da onda, no segundo em que tocou na parede, gerando um baque intenso e ensurdecedor. O ataque não somente fez tremer a estrutura, como arrancou pedaços da sólida parede.

Contraiu cada músculo no instante da passagem, atravessando a corrente sonora com sucesso, até pensando dever alguns agradecimento aos criadores do protocolo de treino das últimas semanas.

“Heh… como se eu fosse mesmo agradecer aqueles dois por me espancarem física e emocionalmente…!”

Ryan se levantou com alto impulso e menos cuidado do que gostaria. Para sua felicidade e o benefício da pouca paciência, o estado nocauteado da garota a impedia de reclamar.

“Esse cara… tem algo bizarro demais na atitude dele…”

As lutas davam pouca brecha para psicanálise e nas poucas ocasiões onde foi forçado a combater, não dispunha de tanto tempo para analisar o oponente, cenário ironicamente oposto ao presenciado agora.

— Grrr… Grrr…! — Jacob não abandonou os grunhidos animalescos, arranhando as laterais da própria face, transtornado. — Isso… Isso não… Isso não…! Grrr…!

“Olhando assim, é quase como se ele estivesse…”

GRRRR…!

“... Porcaria…!”

Saltou para a esquerda, evadindo a maior parte do fraco ataque à distância. Proveniente do grunhido, o acumulado sonoro se dispersou logo após deixá-lo, findando em algo fraco e distante do objetivo.

— GRRR… HAAAAGH…! — Em mais um momento bizarro, o rapaz caiu de joelhos, respirando fundo.

Novamente, as intenções assassinas se renderam ao comportamento errático e sem fundamento. Lançado em desnorteio, agarrou as laterais da cabeça, preso no sofrimento.

— Grr… Moendo…! Eu sinto… moendo…!

As írises do adolescente cintilavam em intervalos, acesas e apagadas, entre os segundos. Furiosamente, ele cerrava os dentes, a ponto de trincá-los.

— Esse… sentimento…! Ele… DÓI…! HAAAAAAGH…!

O comportamento errático aumentou em proporção às intensidades das exclamações de agonia, o tendo encaixado onde não teria a menor chance de fugir.

“Merda, ele vai preparar outro ataque…!”

Ryan trancou os dentes e refletiu de último segundo sobre suas opções, até se deparar com nenhuma. Caso estivesse sozinho, poderia desviar e, talvez, até mesmo contra-atacar.

“... Mas não tem como eu fazer isso agora…!” desesperou-se. “Pensa, Ryan…! Pensa…!”

GAAAAAAH…! — A energia se uniu e condensou no punho direito do guitarrista, adquirindo um semblante de forma. — NÃO VAI SE SAFAR…! EU VOU MATAR OS DOIS…!

“Eu não sei o que tá rolando com ele, mas não parece que vai continuar impedindo os ataques por muito mais tempo…!”

Tomou um passo retrógrado, rumo a lugar nenhum. De repente, adquiriu consciência do enorme peso que tinha nas costas; os efeitos da adrenalina, aos poucos, se perdiam.

Tinha de pensar em qualquer tipo de plano-mestre, uma solução mágica, suficiente e completa em si mesma; tal processo tinha a obrigação de existir e o Savoia nunca se sentiu em tamanha obrigação de descobri-lo.

— Não vou perdoar… Não vou perdoar…! NÃO VOU PERDOAR VOCÊ TER TOCADO NA MINHA ABIGAIL…!

Não existia tempo para isso e a punição pela imensa falta de planejamento logo veio, na forma do imponente toque potencializado com incontáveis exclamações.

A alma de Jacob se manifestou no brilho amarelado, e dentro de um gesto súbito, impulsionou o corpo num salto, mirado no centro do rosto do Savoia.

— Isso não vai rolar…

O tempo correu mais lento, o permitindo galgar e temer a distância entre os dedos abertos e a pele de seu rosto. A luminosidade do local se alterou, mudando de claro para escuro e, disso, para alaranjado.

— … se eu não deixar acontecer…!

Ao invés de vibração e dor infernais, o que Ryan sentiu foi um intenso, porém, aliado, calor.

As brasas dançantes, separadas da deslumbrante cortina de fogo o arrastaram de volta à realidade, devorando os sentidos antes entorpecidos, os fazendo gritar: “quente, quente, quente” e antes de vir a compreender, foi empurrado pela palma ardente.

— Não tem jeito de eu ficar parado… sabendo que o cara que fez aquela merda toda tá na nossa frente…!

A muralha de chamas foi de encontro direto com o foco sonoro, o dissipando para gerar o resultado esperado: uma intensa explosão, que não apenas perfurou caminho entre o brilho laranja, mas o desfez.

— Ei, Ryan…! — Distante do tom característico, Steve brandiu os dentes para Jacob, ao passo de chamar o outro rapaz. — Vê se não desfaz o plano perfeito… ou eu vou colocar toda a culpa em você…!

Os resquícios luminosos, divididos, choveram no chão destruído, incendiando alguns amontoados de serragem. Imponente, o jovem de fios ígneos ocultava os fragmentos do medo.

De forma sutil, os dedos tremiam e a voz lhe escapava com quase imperceptível interferência. No momento, Steve permanecia tão assustado como em todo o caminho até ali.

— Anda logo, Ryan…! Leva ela embora…!

Jacob não aceitaria tamanha afronta e por mais que não conhecesse ou sequer o houvesse visto interagindo com sua amada, a simples lógica, tão depressa formulada, travou o caminho.

— Um cara… outro cara…!

Não poderia deixá-lo ir; esse cara cujo nome não sabia era um homem, e se fosse um homem, absolutamente não podia permiti-lo a menor chance de admirar os trejeitos dela.

— Você não vai chegar perto dela… Não vai chegar…! — estendeu o punho, moldando o ar ao redor dos dedos.

— Ryan…! Sai daqui logo…! — estalou os dedos, criando uma nova labareda, tão grande quanto uma bola de baseball. — Eu vou conter ele… do jeito que eu puder…! Então…!

NÃO VAI…! NÃO VAI TOCAR NOS CABELOS DELA OUTRA VEZ…!

A onda de choque lançada cortou os poucos metros como uma onda no mar. De uma vez, os materiais espalhados foram erguidos e, logo em seguida, caíram.

Cacos de vidro e madeira, mandados para longe, assumiram a função de projéteis, propelidos em todas as direções.

— EU NÃO VOU TE DEIXAR IR…!

As ondas de impacto ameaçavam cada vez mais a integridade da estrutura. Lâmpadas, já quebradas, se despedaçaram e caíram dos suportes; rachaduras cavaram caminhos nos espaços e qualquer passo no chão criava barulhos, denotando a instabilidade adquirida.

E ali estava ele, suportando o amontoado de caos.

— … Vê se faz a porra de um plano que preste da próxima vez, seu merda…! — cobriu o rosto, por pouco evitando ser acertado no olho por um pequeno fragmento da parede. — Para alguém que soa tão esperto o tempo todo… fazer umas decisões questionáveis assim…!

— GAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH…!

O verdadeiro terremoto revirou a estrutura do topo à base, pondo a estabilidade dos arredores em cheque, quando, ao fim, barulhos suspeitos emanaram de diversos lugares.

“O lugar todo tá rachando… Esse piso vai ceder…!”

Outras opções foram riscadas do livro dele, tornando isso uma questão de confiar ou não na capacidade de Steve Evans para se virar contra o maior perigo até então.

“Parece que eu não tenho outra escolha…”

— O que tu ainda tá fazendo aqui?! — exclamou, atento à frente. — Só corre…!

O manipulador de som iniciou a aproximação, andando em passos lentos, repletos de intenção. Em ambas as mãos, ele acumulava golpes individuais, acelerando o ritmo sem aviso.

— Merda…! — manifestou outra bola de fogo, um pouco maior. — Foge…! Eu seguro ele por tempo o suficiente… Mas vê se foge…!

BOOM — o encontro dos ataques marcou o princípio do confronto — e com a fuga tão alcançável, Ryan tomou o único caminho que não faria dele um completo idiota.

“Eu vou voltar, Steve… Então…”

Ativou a musculatura, sem palavras para descrever a dor dilacerante de quadríceps e glúteos, forçados a reagir com tanta potência a uma carga quase duas vezes maior.

— … Vê se não acaba morrendo, maluco do fogo…!

Carregado do peso extra — felizmente, não-morto — de Olivia, ele mirou nas escadas sem pensar no amanhã e, quase possesso, saltou os degraus de uma só vez, sem piedade dos próprios joelhos.

… … …

— … Agora… parece que só tem a gente aqui… seu maluco…

— Não vou deixar… Eu não vou deixar… Não vou…

Ambos se encararam por longos cinco segundos, onde o menor movimento relevava as inseguranças por trás de se estar ali. Fragilizado, o chão cairia a qualquer momento.

— Eu não vou deixar… Você tocar um dedo nela…

A única noção possível de se tomar foi resumida em uma palavra: louco.

“Será que eu vou consigo…?”

Jacob agia como um animal raivoso e mesmo no mais absoluto terror com a situação, podia identificar o comportamento como não sendo proveniente de simples insanidade.

— Eu vou matar você… Eu vou matar todos… Eu vou matar todo mundo entre mim e ela…

O travamento dos punhos o alertou e tão logo se aprumou, combativo, ciente de que o pequeno tempo de “descanso” acabou.

NÃO VOU DEIXAR NINGUÉM OLHAR PARA ELA…!

O abalo, embora menor, reverberou pela totalidade do andar, dilapidando e arrancando lascas das paredes. Jacob Egan estava meramente se aquecendo.

“Bem… Eu vou totalmente morrer nessa… né?!”

Steve encheu os pulmões ao limite e segurou, concentrando-se no momento seguinte com o máximo de foco.

“Mas se for para morrer…”

E soltou, liberando, juntamente, uma imensa labareda em forma de jato, que devorou o caminho inteiro, até o alvo.



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