Uma Cidade Pacata – Objetivos e Sacrifícios
Capítulo 195: Maquinação
“Vou descobrir com meus próprios olhos o significado daquelas… Ugh, eu nem sei como chamar…!”
A realidade justificava a indignação de Gordon; as ordens e “diretrizes” deixadas no arquivo de notas poderiam, no mínimo, ser chamadas de “absurdas”.
“No que ele está pensando?! O governo federal não deveria ter tanta interferência no nosso jeito de guiar as coisas! Palavras não cabem para dizer o quanto isso é errado!”
Enquanto a realidade da CIA servir o governo e seus interesses podia ser verdade, o lado técnico da coisa é outro, e eles jamais poderiam interferir nos protocolos de interrogação e investigação, sem antes sugerir de modo formal.
“Aquele Elieser…!”
O motivo da irritação do Agente Walker se baseava em preceitos simples, os quais se esperavam receber o mínimo respeito, logo, ler tamanha balbúrdia o fez saltar para a ação, sem pensar de novo.
— Sou o Agente Walker. Quero permissão para adentrar a clausura do sujeito A-003, [Quebra-Mentes].
Ele exibiu as credenciais atualizadas, incluindo a digital, agora cadastrada no sistema de abertura das portas pneumáticas. À princípio, os guardas hesitaram, mas logo digitaram os dois códigos necessários, permitindo a entrada.
E tão logo as peças de aço reforçado foram compressas contra as paredes, uma nova situação inacreditável se fez presente na cela.
Se tratar de uma “cela de contenção” seria a última coisa pensada por quem visse o espaço. Ao contrário do padrão, o lugar era largo e muito bem decorado, uma mistura de quarto, banheiro e sala de estar.
Uma cama de aspecto confortável foi posta em um dos cantos, do lado de uma pilha de livros e, muito para a surpresa de Walker, alojamento um tocador de CDs operante no momento da chegada.
O local do sanitário era rodeado por paredes finas e uma porta, garantindo um senso de privacidade privilegiado e inacessível aos presos comuns.
No teto, luzes artificiais fortes podiam ser controladas de forma manual por um disjuntor, ao contrário dos protocolos automáticos de desligamento, estabelecidos por horário.
A sala também tinha um relógio de parede, uma cadeira de escritório, uma escrivaninha, papel e materiais de desenho e escrita, três copos de vidro, talheres metálicos e uma seleção de frutas variadas, desde bananas e uvas, até uma fatia plastificada de melancia.
Mas o fator mais importante sequer era o conforto e a quebra de expectativa em meio ao que viu o impossibilitou de formular uma reação clara.
— Ah, vamo lá! Se abre um pouco com a gente! — disse uma delas, se atirando para cima do garoto. — A gente chegou tem um tempão e você só fica se afastando! Isso não é legal, sabia?
A mulher de cabelos castanhos e longos mordeu uma maçã madura, tão vermelha quanto seus lábios cobertos de batom.
— É! Somos amigas! — falou a outra, cheia de um tom perigoso. — E quando você nos afasta desse jeito, isso doi no nosso coração, sabia? Olha, sente aqui!
A de cabelos loiros e ondulados forçou-se nele. De postura agressiva, a moça pressionou o rosto dele contra os próprios seios.
— Wow! Olha os braços dele! São tão musculosos… devem ser tão fortes, também…
— É…! Se ele for um bom garoto, vai nos dar um abraço bem forte com eles, né?
As duas usavam apenas peças de lingerie, sorrindo e brincando sem parar, enquanto faziam os gestos mais sugestivos sobre o adolescente no canto da parede.
— Quer brincar com a gente? — A primeira, em vermelho, falou bem perto do ouvido, em tom sedutor.
— … Porque a gente quer brincar com você! — A segunda, de verde-suave, sentou-se na perna do rapaz, cheia de expectativa.
As duas eram lindas, facilmente consideradas como parte do pico da beleza. Seria um sonho para qualquer homem estar ali, mas ele parecia desconfortável.
… … …
— Ah… que moleque mais frouxo! — disse um dos homens, por baixo da máscara tática. — É impressionante como a carne só cai de graça desse jeito no prato do vegano.
O comentário dele foi a cereja no bolo para definir a situação. Até então, as mulheres sequer haviam notado a presença de outras pessoas nas imediações.
— Oh? Droga… parece que chegou alguém…! — A castanha soltou o braço direito do rapaz.
— Iiih…! — A loira, surpresa, fez o mesmo.
Como se houvessem visto fantasmas, as duas ficaram de pé, rígidas como pedras. Sem perder tempo, Gordon tomou à frente e questionou os acompanhantes.
— Qual a data de hoje…? — tentou esconder os sentimentos conflituosos.
Um código. A falta de resposta imediata o irritou mais, pois nenhum dos atiradores se manifestou, evitando o contato direto com o opressivo campo visual do agente em busca de respostas.
—Hoje é 27 de Junho, 2:28 PM. — A grande pressão forçou o primeiro a falar.
Outro código. Falar data e hora — nessa ordem — para a pergunta, significava dizer “foram ordens de cima”; qualquer outra forma de resposta não daria as explicações necessárias.
Ao saber disso, Walker tomou uma grande porção de ar e tentou esquecer o excesso de perguntas, ao menos por enquanto.
— As duas estão dispensadas da câmara do sujeito.
— Sim, senhor… — Ambas responderam em uníssono, também evitando olhá-lo no rosto.
Logo ao saírem, o responsável pela interrogação continuou. — Vocês dois também.
Os colegas se entreolharam, seus rostos ocultos pelas camadas protetivas de plástico. Em conjunto, ambos negaram.
— Negativo, senhor.
— Haah… — Gordon suspirou baixo, insatisfeito. — Então permaneçam nas imediações da porta até segunda ordem.
O comando foi aceito. De seus respectivos lugares, os agentes apontam os rifles, cujas miras laser focaram nos pontos centrais do corpo do interrogado.
— Então era mesmo você, hein? — O inspecionou de cima a baixo, para confirmar o já conhecido. — Nos conhecemos em Elderlog, não foi?
Entendeu que o garoto o imitou, provavelmente tendo a mesma ideia quanto ao encontro prévio. Para Walker, contudo, havia mais do que mera pessoalidade em jogo.
— Hoje, na data de 27 de Junho de 2025, às 2:30 PM, horário local, eu, Agente Gordon Walker, inicio o interrogatório do sujeito A-003, codinome [Quebra-Mentes].
A menção formal marcou o início da gravação da conversa e trouxe tensão palpável ao ambiente.
— Então, iniciando as perguntas, eu…
— O que vocês fizeram com Elderlog? — perguntou, frio. — Por que vocês explodiram a cidade?!
Ao sinal do súbito reerguer do adolescente, os agentes de prepararam para atirar.
— Relaxem — ordenou Gordon, sem ousar tirar os olhos dele. — Sou eu quem começo as perguntas aqui, rapaz. Eu as faço e você responde, capiche?
Gordon puxou a pistola oculta no compartimento interno do terno e a apontou no centro do rosto de Ryan.
— Um movimento errado e eu puxo esse gatilho. Alguns pessoas aqui têm um interesse por você, mas elas também podem trabalhar com o seu cadáver… Na realidade, talvez até ajudasse.
A confiança colocada no discurso dizia o contrário, mas aquela foi uma mentira descarada. Ao se levar em conta as camadas de proteção e as ordens de não-agressão, só forças maiores sabiam das consequências de infringir os comandos.
— Entendeu bem?! — Mas não é como se ele pudesse permití-lo passar por cima tão facilmente.
Alguns segundos de um longo silêncio se passaram e o garoto, fixo no questionador, pareceu estudar sua postura.
— Para começo de conversa, me diga — pressionou, em alto e bom tom. — Quem é você, Ryan Savoia? E qual o seu envolvimento no estado geral de Elderlog?
[...]
— Então ele não tentou nada com as duas? Isso é desanimador… — A voz ao telefone soou decepcionada.
— Exatamente, senhor. Gravamos tudo, mas o moleque nem encostou nas garotas e o depoimento delas é condizente com o observado. Não houve qualquer sucesso em extrair mais informações ou em convencê-lo a mostrar suas habilidades.
— Tem certeza que avaliou corretamente, Elieser? — tornou a questioná-lo. — Quem sabe perdemos alguma coisa? E se ele tiver alterado as mentes delas de uma forma que não pudemos ver?
— Observei as cenas várias vezes e, se tiver de ser bem sincero no meu julgamento, a sua teoria é altamente improvável. Não acho que foi uma boa ideia enviá-las sem comunicação. Entendo que foi um caso atípico, mas, nunca sabemos quando pode acabar coincidindo com algum momento de teste formal.
— O agente que recomendei é esse que está fazendo o interrogatório agora, não é? — Em resposta, o homem no outro lado da linha foi veloz. — Gordon Walker.
— Sim, senhor.
— Ótimo. Não se preocupe com isso. Há outros meios de arrancar informação do garoto, então deixe-o fazer o seu trabalho — concluiu. — Se o problema forem as garotas, podemos sempre chamar algumas ainda mais belas. Vai ser fácil de achar.
O comentário as deixou desconfortáveis. Em silêncio, as duas moças ouviam a troca de informações. Depois de vestidas, contaram a Grazianni o depoimento, em comunicação direta.
Ao menos, agora tinham os cheques à disposição: um pagamento de humildes meio milhão de dólares — valor pequeno, perto do verdadeiro prometido —; se conseguissem fazê-lo revelar algum segredo, a quantia poderia quadruplicar.
— É uma reação normal. Aquele garoto é inteligente e sabe o que estamos tramando. Se quisermos ganhá-lo e forçá-lo a exibir suas capacidades, precisaremos apostar em métodos mais extremos.
Passaram-se duas semanas desde a captura e, até então, as únicas capacidades demonstradas pelo [Quebra-Mentes] eram reduzidas a alguns comportamentos peculiares.
— Não sei se ele pensa que pode escapar de nós e o jeito como age me interessa, mas só saber disso não adianta. Eu preciso de mais… Preciso de um ponto no qual eu possa me ancorar, de alguém que abra os caminhos até a cooperação dele.
O feed ao vivo das câmeras de segurança revelavam a conversa entre ele e o Agente Walker. Na tela, com vistas de três perspectivas diferentes, os dois aparentavam ter um diálogo franco.
— Por isso, pensei em mandá-lo para a cela. Algo me diz que ele é o que precisamos… Um pressentimento, digamos… e enquanto não soubermos dos limites dos poderes dele, deveremos assumir que não estão sob o nosso controle. Isso será testado agora.
Os sistemas de captação de áudio também funcionavam de forma adequada, estando temporariamente desligados, apenas para atender a ligação. Os registros estavam sendo gravados, então não haveria perda das informações importantes.
— Dê liberdade ao Walker. Às vezes, os melhores resultados são obtidos quando não se sabe o que está fazendo — afirmou com confiança. — Não o ajude de qualquer maneira e sob hipótese alguma. Permita a operação ocorrer naturalmente.
— Positivo, senhor.
— Ora, fale mais um pouco! Me dê umas respostas mais completas, rapaz! — O presidente riu de fundo. — Nem que seja para discordar das minhas decisões e oferecer algo mais inteligente, ou, ao menos para me dar uma boa notícia! Falando nisso, como vai aquele outro caso em Montana?
As informações sobre o “outro caso” se encontravam logo na primeira gaveta, rapidamente obtidos pelas velhas, porém ágeis, mãos do administrador.
— Vocês duas estão dispensadas. Peguem o dinheiro e vão — afirmou às mulheres, em face da natureza secreta do assunto. — E lembrem-se do contrato. Vocês assinaram um termo de confidencialidade, então espero não ter que lidar com matérias em sites de fofoca… O Pentágono tem mais com o que se preocupar.
As duas modelos foram escoltadas para fora por um par de guardas e assim que a porta se fechou, a conversa pôde continuar.
— Sinto muito por isso.
— Vá direto ao ponto, Elieser.
Detalhados na pasta confidencial, estavam os planos para a captura de um novo sujeito, além de todas as contingências para impedir que o caso escorresse para as mãos da mídia ou encontrasse resistência dos parentes da garota.
— O nome de nascimento é Isabella Clarks, natural de Elderlog. Decidimos nomeá-la com o código de A-004, [Retalhadora]. O Agente John já está cuidando do caso e o plano avança para seus pontos finais.
— Ótimo, ótimo, mas você sabe que não é sobre esse caso que estou falando, certo? Ou por acaso não percebeu uma diferença no volume dentro da gaveta?
Um pouco de silêncio pendeu sobre o ar do escritório.
— Ah, claro…! Como eu pude me esquecer? — Um pouco bobo, Grazianni riu de si mesmo. — Sim, acabei de encontrá-los. Eles estão aqui… A informação chegou logo pela manhã.
Os arquivos, ainda selados de tão recentes, foram abertos com o click satisfatório das dobras plásticas rasgadas. De dentro, Elieser puxou três novos portfólios.
— Deixe o Agente John cuidar do caso em Deer Lodge, porque preciso de um ataque mais ostensivo para lidar com esses — disse. — Os capturem com vida, se possível. Ainda não temos a confirmação, mas podem ser sujeitos valiosos.
— Irei despachar uma equipe de captura para já.
— Sabe que eu não espero menos, Elieser. Esses adolescentes serão um problema se não forem vigiados de perto e contido… isso porque sequer temos notícia dos dois que ousaram invadir a Central, somados à que extinguiu nossos combatentes em Montana.
Buscas agressivas em todas as bases de danos revelaram zero resultados. Para todos os efeitos práticos, os três não existem e a incerteza era sufocante.
— Não consiga e não será apenas demitido. Lembre-se: fui eu quem o coloquei aí e eu, sozinho, o retiro.
Sem novas afirmações, desligou.
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