Chamado da Evolução Brasileira

Tradução: TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 113: Na Mira da Lei, Ato 2

— Ordem recebida, câmbio — disse o oficial armado, dirigindo-se aos demais. — Protocolo 42. Baixem a [Cortina Invisível].

Os três outros homens assentiram em conjunto, acionando comandos em dispositivos similares a smartphones. A princípio, nenhum resultado foi percebido, sinal de estar tudo nos conformes. 

O cerco de 150 metros ao redor do local de contato foi firmado e com sucesso, nenhum dos cidadãos acabaria vendo coisas demais.

Cada detalhe vazado ou registro comprometedor custava milhões da companhia e qualquer valor poupado pelo Departamento de Controle de Mídia veria usos muito melhores em outros campos.

— Senhor… — um dos agentes se aproximou. — Acabamos de receber a confirmação silenciosa. Todos os pontos foram armados.

No céu azul, as quatro esferas de fumaça esbranquiçadas se destacaram por um breve instante, desaparecendo ao nada, sem gerar suspeitas.

— Perfeitamente — confirmou. — Com tudo nos conformes, não vamos ter de nos preocupar com registros civis.

A [Cortina Invisível] — nome simplista para tamanho protocolo — se tratava de um conjunto de medidas explorado no momento certo, para as situações cabíveis.

Em um mundo onde o acesso a informação sensível ou sigilosa pode partir de qualquer pessoa com uma câmera de boa qualidade em mãos e compartilhada em questão de segundos, interceptar se tornava tarefa de urgência.

— Nossa metade aqui foi concluída, mas recebemos ordens de ficar em vigilância. Em caso de perguntas de qualquer civil, empreguem a História 21.

Prontamente, o subordinado assentiu, logo se dirigindo para os dois demais.

— Pessoal, “História 21: Sujeito de Alta Periculosidade” — mencionou, focado. — Para todos os efeitos, o perímetro de cinco quilômetros, a partir do centro da cidade, foi cercado em vista da presença de um indivíduo perigoso.

Os outros dois não reagiram, acatando o comando no mais absoluto estado de silêncio, cientes de ainda existirem ordens por vir.

— Preparem a transmissão de emergência.

— Positivo, senhor.

Do carro caracterizado como uma viatura comum da Polícia de Montana, o policial disfarçado ligou o giroflex para uma patrulha no quarteirão, afinal, mostrar serviço compunha a parte mais importante.

— Lá vou eu — acenou, assumindo sua posição. — Boa sorte com o restante da operação.

— “Sorte” não é precisamente o nosso forte, mas fico agradecido. — O primeiro sorriu. — Agora, foco. Precisamos manter o local limpo.

Os três se posicionaram como policiais estereotípicos, fingindo um cerco ao grande supermercado, enquanto o condutor do veículo fingia religiosamente estar no encalço de um perigoso maníaco.

[...]

“Puta que pariu...”

A fuga entre as ruas tomava ares ansiosos, conforme os caminhos, antes tão curtos, adquiriam contornos sinuosos e prolongados, esticados pela imensurável ansiedade.

“Eles nos descobriram... Eu sabia que ia dar merda em algum momento... Eu sabia...!”

Sem pensar e com os dentes travados, adentrou o primeiro caminho à esquerda, deixando para trás as rústicas residências da Cypress Street.

“... Mas isso não alivia nada...! Não era para isso aqui rolar...!”

Nas profundezas de seu âmago, compreendia a incapacidade daquilo que seu coração demandava, exibida pela lógica fria das logísticas daquele mundo.

“Foi inocente demais pensar que dava para escapar...” 

Humanos caçam e destroem o que não compreendem, nem sempre até o arrependimento; inimigo ou aliado, antes se atira, maltrata, aprisiona e só depois — e muito talvez —, se pergunta.

Com ele e os demais — do mesmo lado ou não — não prometia ser diferente.

“Porcaria... Lira...”

O nome da garota de trejeitos asiáticos não lhe deixava a mente, conforme cortava o pequeno oceano de asfalto, rumo à entrada do imponente supermercado.

“Não era para ser assim... Não foi isso o que eu pensei para o nosso futuro...!”

Consumido por um misto de raiva e frustração, adentrou pelas grandes portas de vidro, imperceptível aos olhos variados da pequena população ainda inconsciente dos perigos.

“Aquele dia me ensinou que a gente já devia ter acabado com isso... A gente brincou essa farsa por tempo demais... Eu brinquei por tempo demais.”

Não se lembrava muito de seu conflito com Samantha, porém, não precisava para compreender a verdade sempre exposta adiante, ignorada de propósito.

“A Lira nunca teve nada haver com isso.”

Mascarado nas fileiras de doces e salgadinhos, levantou o capuz e mais uma vez chamou pelos poderes que o deixaram nessa situação; caso não esbarrasse em ninguém, ser visto não seria preocupação.

“Essa é a minha luta. Não faz sentido colocar mais ninguém nela.”

Infelizmente, tal conclusão chegou tarde demais.

“Tch... Se bem que eu meio que fui um bosta, também... Por que eu tive que insistir em colocar ela nisso...?”

Em seu profundo egoísmo, empurrou um sujeito inocente para o foco de sua luta e com o peso da culpa a afundar nas costas, as várias escolhas erradas do caminho reverberam, diversas.

“Eu não sabia o que fazer, mas sabia que não queria ter que passar por isso sozinho...”, trancou os dentes, atento aos barulhos das sirenes de polícia.

Os passos pesados de um grande grupo armado violaram o pacato ambiente climatizado, trazendo o fervor e o medo aos espíritos dos simples civis.

“... Eu queria ter alguém que me apoiasse... que olhasse para mim e me dissesse que eu não tô ficando louco...!”

O tempo se tornava curto e as emoções verdadeiras urgiam para sair, em um instante mais errado, impossível.

Mark se encontrava em um diferente tipo de pico, distante da euforia e da determinação do combate, afogado na amargura da autodescoberta de suas intenções.

“... Eu só... Naquele período da minha vida... eu só...!”

Espremeu o celular até a tela trincar, ainda refletindo nome e contato dela, vibrando em cores diversas, mostrando a única mensagem enviada.

O tamanho do áudio não importava, quando qualquer número a faria curta demais.

E quando os agentes disfarçados ocuparam cada corredor, a sensação vivenciada pelo adolescente de dezessete anos perdeu a capacidade de ser resumida em meras palavras.

— ... Eu só queria sentir que não ‘tava sozinho...! — exclamou, para que cada canto da construção pudesse ouvir. — POR ACASO ISSO É DEMAIS PARA SE QUERER NESSA PORRA?!

Tomou máximo impulso nas pernas, explodindo rumo ao primeiro dos homens armados.

— ...! Ack...! — O agente mais próximo desfaleceu, atingido com um chute giratório no meio da nuca.

— Mesmo que aqui eu caia...

A queda súbita à inconsciência do homem de grande porte acendeu o alerta aos vários outros, igualmente incapazes de percebê-lo. 

— Beta-03, câmbio. — Como parte do protocolo, o mais próximo pegou um rádio comunicador. — Alvo localizado, doces e salgadinhos; alvo localizado, doces e salga... Ugh...!

— ... Não vou cair antes de fazer um estrago, e principalmente...

Mark cedeu sobre os ombros do combatente armado, vindo do topo da estante de produtos. Ao cair, o policial disfarçado acertou o nariz contra o chão, insuficiente para desorientar.

— ... Não vai ficar assim, moleque superpoderoso... — fortaleceu o agarro em torno da pistola, mirando no joelho direito.

Infelizmente para ele, as ordens sobre não matar foram expressas e tal detalhe custaria suas chances.

Ao apertar o gatilho, veio do mero garoto uma reação rápida e inesperada, digna de filme de ação.

— Opa...! — De modo surpreendente, desviou. — Pois bem, como eu dizia...

“O quê?!”, estremeceu, incrédulo. “Como... Como ele teve esse tempo de reação?!”

— ... E principalmente... — O solado do sapato acelerou em pistão frente aos olhos do homem assombrado. — ... Vou garantir a segurança de quem importa mais para mim.

“... Ele... torceu o joelho... girou... e...”

A planta do pé, bem no centro, o deixou na mais profunda zona da terra dos sonhos.

— ... Menos um — suspirou, longe de aliviado.

O cerco se fechou e com isso, os populares no estabelecimento se espalhavam em pânico.

— Cena de novela do cacete... Tão querendo caçar o quê? Um moleque de dezessete anos que ainda come terra de vez em nunca, ou um assassino terrorista em série?!

Mark pulou sobre a primeira estante que viu e a altitude o permitiu uma visualização melhor do contexto caótico daquilo que prometia ser só mais um dia de compras para essas pessoas.

Agentes armados ao naipe dos dois primeiros se dispersaram organizadamente, nocauteando os civis com ataques certeiros na nuca.

— ... Então é essa a tal da CIA... — mordeu a unha, perfundido com ansiedade. — Eles não ‘tão de brincadeira...

Os combatentes administravam pílulas brancas aos desmaiados com praticidade sobrenatural, e ao terminar, outros os levavam para fora, isolando o perímetro do futuro embate.

— E depois eu quem sou o monstro nessa porra...! — desceu, o impacto gerando um eco nas proximidades.

O desejo de ficar calado desapareceu ao vê-los friamente nocautearem friamente um homem comum, pouco mais desesperado em comparação aos demais, por tentar furar o bloqueio.

— Ô, SEU BANDO DE CORNO ARROMBADO! — gritou, com as mãos ao rosto, em formato de megafone. — VEM AQUI! LARGA MÃO DE QUEM NÃO TEM NADA HAVER COM ISSO...!

Para completar o chamado, empurrou uma estante repleta de bebidas, destruindo, em questão de segundos, dezenas de milhares de dólares em vinhos e whiskies.

— CHEGA AQUI, SEUS PORRAS!

Em menos de dez segundos, um cerco de dez se firmou em torno do pálido, visando o primeiro disparo. Pacientes, se arranjaram em formação circular, fechando o anel de rifles.

— Eh? — Os olhos de Mark brilharam, fingindo surpresa. — Eu pensei que vocês fossem ser mais ativos que isso...!

Ao menor gesto, o atirador na diagonal esquerda do Menotte deslizou a pesada bota contra o chão molhado.

— Galerinha perceptiva...! — agachou, passando por baixo de três disparos quase perfeitos. — É só uma pena...

Os cenhos pasmos dos executores treinados transpareceram sob as máscaras.

— ... Uma pena que não vá dar para resolver isso tão fácil!

A imagem risonha de Mark se desfez em ilusão, esvoaçando em estática no ar e no lugar dele, veio o pequeno brilho de um palito de fósforo aceso, em direto contato com o chão.

— Cambada de filho da puta... — murmurou baixo, frente ao fogo a incendiar.

A explosão de calibre pequeno dispersou a formação, causando nenhum dano. Se aproveitando disso, depressa elaborou uma nova ilusão.

— Que tal, se ao invés de ficar mexendo com quem tá quieto, vocês fossem fazer alguma coisa de útil?!

As luzes falharam e voltaram, amplificando a mudança mediada pelos crescentes fulgores vermelhos.

— Tipo, combater o tal do “terrorismo” que já tá aí por tanto tempo...! — A voz dele reverberou de todos os locais em simultâneo. — ... Ou parar de mentir para a população sobre essa sujeira toda...!

Mediante a mudança extrema, os armados pressionaram o botão do comunicador em seus capacetes, citando uma mensagem em uníssono.

— Alvo fora de controle! — exclamaram, juntos. — Alvo fora de controle...!

— Huh...! E desde quando vocês achavam que tinham o controle de alguma coisa nessa porra?!

Clones de Mark surgiram às dezenas, como formigas de correição a circundar uma presa. Ágeis, formaram um grande círculo em torno do grupo, abalando mais a já baixa moral.

— Essa vida de vocês é boa para caralho...! — surgiu, coberto pelo brilho vacilante de holofotes inexistentes. — Ficar sentado numa cadeirinha... Pegar numa arma de vez em nunca para ficar fingindo serviço...! Eu queria!

Cortava a distância devagar, oscilando entre as ondas de brilho e penumbra. Determinado e acima de tudo, furioso, pisoteou o chão de azulejos brancos, e o eco rebateu nas paredes.

Silêncio ensurdecedor pousou em peso no centro do caos, quebrado apenas pela voz dele.

— Um...

Aprontaram os rifles, alterando a formação para uma linha única de todos contra um; o redemoinho de cópias não fazia diferença, sem jeito de desviar o foco da peça central.

— Dois...

— ... ATIREM...! — exclamou o sujeito no meio da formação.

A chuva de chumbo caiu impiedosa sobre a cópia estacionária, risonha diante dos esforços quebrados. Algo em si gerava neles profundo terror, arrancando os traços da lógica.

— ATIREM...! ATIREM MAIS...! — reforçou a ordem, sem se incomodar com a ineficácia. — CONTINUEM ATIRANDO...!

Medo profundo — tão primordial quanto temer o escuro ou às serpentes — se gravou nas almas dos soldados treinados.

— NÃO PAREM DE ATIRAR...! — gritou ao fim dos pulmões, ao ponto de vomitá-los, caso pudesse.

— Ahahahahahaha... Tão engraçado como as coisas são, né? Rapidinho o jeito de agir muda...!

O flash do olho esquerdo sangrou sobre o comandante da investida desenfreada, imune e onipotente sobre o estilo de combate padrão.

— ... Três.

O branco dos dentes em sorriso se degradou, rendido à escuridão mais perfeita.

— Sabe, eu bem que daria o benefício da ignorância e diria que vocês não sabem com o que estão lidando, mas...

— Eeeh?! — Ao retornar das luzes, o coração do líder quase saiu pela boca.

Os demais se encontravam desfalecidos, caídos no chão sem esboço de vida, dentro de um simples segundo.

— Olhando agora... — O foco escarlate surgiu a centímetros; o ar contra o rosto, sensível. 

— ... Monstro... — trêmulo, agarrou a arma. — MONSTRO...!

— ... Vocês são só idiotas mesmo.

A bala atravessou a ilusão, sem mudanças.

— E, deixa eu te contar um segredinho... Eu não sou lá o mais paciente do universo com gente idiota.

— ... Argh...!

Elevado com força sobrenatural, o agente restante voou em linha reta, só parando ao esmagar algumas melancias.

— Não tô com saco para ficar brincando hoje — anunciou, jogando uma das grandes frutas para o alto.

— AAAH...! — tentou se debater, assombrado.

— Então, toma!

O projétil gigante veio em velocidade recorde, direto rumo ao centro da face do atirador, carregando potência letal.

— ... Eh...?

Dezenas de pequenos pedaços vermelhos mancharam os azulejos com suco. No momento mais crucial, o ataque falhou.

— Uuuugh... Haaack...! — Tendo própria morte diante de seus olhos, o atirador caiu em desmaio.

Plenamente relaxado, o corpo do homem em trajes de combate deslizou pelo expositivo, até cair no piso.

— ... Hein...?

Pelo outro lado, sobrava Mark, estarrecido com o evento presenciado naqueles milissegundos.

— E aí, pirralho! Curtiu a minha mira?

Ofuscada pela luz, a silhueta feminina portava uma pistola engatilhada.

“Mas que bost...” Mesmo de mente acelerada pela adrenalina, faltou tempo para pensar. — Ack...!

Tendo desviado por milésimos de segundo, tocou a zona aquecida da bochecha, tingindo os dedos com o próprio sangue.

“Tch...!”

Num estalar de dedos, o foco do medo se inverteu.

— Ei, moleque! Aparece aí! — falou, sua voz de veludo se amplificando entre as fileiras de produtos. — Chega aqui! Me deixa ver se você é isso tudo mesmo que dizem por aí!

A exibição de confiança da autora de tal fala o inundou de antecipação, em especial quando, sem qualquer ideia prévia de onde pudesse estar, acertou com precisão sua localização.

— Achei você! — surgiu no canto do corredor, com a arma apontada para ele.

“Merda...!”, rolou, fugindo para debaixo de uma estante caída.

— Ah, não seja assim...!

A moça de cabelos escuros e batom vermelho se moldou em decepção, elevando a pistola ainda aquecida à altura dos olhos.

— Não foge de mim...! Eu nem te mostrei o que eu sei fazer direito!

O telefone em mãos indicava um sinal a tomar distância e diante da revelação, abriu em seu rosto um pleno, satisfeito sorriso.

— Se quer brincar de esconde-esconde, tudo bem! — puxou a segunda pistola, a portar ambas as armas em simultâneo. — Mas vou te avisando: eu sou boa nesse jogo!



Comentários