Chamado da Evolução Brasileira

Autor(a): TheMultiverseOne


Uma Cidade Pacata – Olhos Voltados para Mim

Capítulo 114: Na Mira da Lei, Ato 3

— Pirralho? Yahoo! Ainda tá por aí? Se for corajoso mesmo, aparece aí e dá um “oi”! — Melissa sorriu, animada.

Com as duas pistolas engatilhadas e prontas, a agente rumou em linha reta entre as fileiras de utilitários do lar.

Espalhados por cada canto, rolos de papel higiênico se misturavam ao álcool das estantes vizinhas, criando um odor repugnante.

“Seria uma pena se isso aqui estourasse…!”

Felizmente, segurou o pensamento intrusivo de aplicar uma bala no centro do foco inflamável, focada na missão.

— Mark Menotte, né? Pelo que me disseram, você é bastante coisa!

Ela parou na encruzilhada de quatro sessões distintas, olhando cada lado com extrema confiança.

— Sabe de uma coisa? Quando eu soube de você, quis tanto vê-lo pessoalmente…!

No horti-frutti, a melancia dividida em centenas de partes escondia um projétil.

“Olha só! Eu sou foda mesmo…!”, apreciou o próprio feito, inundada em orgulho.

Para ela, não importava se fosse uma fruta ou um adolescente com superpoderes, pois detinha da resposta para qualquer coisa em seu caminho.

— E hoje, pivete… — lambeu os beiços. — … Não vai ser diferente…!

O cano da esquerda fumegou em um estouro — PAH! — ressoando, infinito, pelo espaço aberto.

— Ugh…! — Mark se jogou no chão, desviando o disparo quase certeiro.

O medo no semblante do garoto foi a mais bela aquarela nos olhos da mulher.

— Não pode fugir de mim…!

Mais dois disparos de certeza assombrosa perfuraram o ar entre eles, cavando buracos profundos nas estantes.

“... Isso não é só uma pistola…!”, pensou Mark, surpreendido pelas marcas deixadas.

A assombrosa precisão da salva de balas evocou nele uma mudança de estratégia: a fuga.

“E essa mulher também não é só uma agente normal…!”, saltou uma estante, derrubando.

— Assustado? Que peninha!

O próximo disparo cortou o ar a poucos centímetros do peito do adolescente pálido.

— Uhk…! — O coração saltou, lhe gelando a espinha.

Do caminho adjacente, a moça animada surgiu entre as fileiras.

— O que acha? — perguntou, balançando uma das armas. — Será que eu mereço a minha posição como a agente mais promissora da CIA, garoto?

Os cabelos negros e ondulados balançavam contidos em um longo rabo-de-cavalo, dignos de sua proeza.

— Te peguei, garoto, e eu não deixo promoções escaparem.

Gemas negras cravaram a profundidade de suas intenções, assim como o desejo imparável de vê-las reais.

— … Então me mostra do que você é capaz…!

O novo disparo arranhou os tomates em exposição, espalhando cascas e sementes.

— Bons reflexos…!

“... Porcaria…!”

Sem chance de fugir, sobrava a alternativa final: lutar.

[...]

— Huh? Um… aviso…?

O rosto da dona de casa, moldado em dúvida, a levou a abandonar as louças na pia.

A televisão, antes ligada em um canal de notícias nacionais, passou a emitir característicos sons de alerta.

— O Departamento de Polícia de Elderlog, Montana, lança um aviso de emergência para toda a cidade. Isso não é um teste; repetindo: isso não é um teste.

O letreiro vermelho, destacado no plano de fundo azul demandava o máximo da atenção.

— Phoebe…! — chamou tão alto quanto pôde. — Phoebe…! Desça aqui!

Em menos de dez segundos, os passos na escada já vinham dos últimos degraus.

— Sim, mamãe? Mandou me chamar? — A menina exibiu o rosto na aresta da escada, oculta.

— Venha cá. Isso parece ser importante!

— … Okay.

Mãe e filha, quase idênticas, se juntaram em frente à tela. Apreensiva, Rita envolveu os braços em torno da menina, apertando.

— O Departamento de Polícia de Elderlog recebeu diversas chamadas acerca de um sujeito de alta periculosidade que se encontra solto no perímetro central da cidade de Elderlog, Montana.

— … Um sujeito de alta periculosidade…? — questionou Phoebe.

— Vamos continuar ouvindo… — Rita proclamou, tensa.

Em resposta aos dedos trêmulos da mãe, a pequena garota a tocou no braço, passando segurança.

— O indivíduo em questão não foi identificado, porém testemunhas visuais afirmam ser proficiente em invasão de residências. A pessoa em questão é trajada em preto ou tons escuros de azul e o volume das vestes não permitem determinar demais características físicas.

De alguma maneira, o simples toque sutil lhe bastava para acalmar.

— O perímetro estimado onde se encontra compreende todo o conjunto de ruas, avenidas e travessas localizadas entre Willow e Rowan Street. Equipes especializadas em captura se encontram nas ruas.

— … É literalmente a cidade inteira…

— Dada a situação, foi emitido um aviso de estado de alerta às residências compreendidas na área. Tranquem as portas e janelas e utilizem objetos como barricadas. Permaneçam a todo instante dentro de suas residências e aguardem o novo alerta, mediante a captura.

— Phoebe… Todas as janelas estão fechadas?

— Falta a do meu quarto… — disse, em tom baixo. — Eu vou subir e fechar.

— Eu vou com você — tomou a mão da filha. — Me preocupo demais para deixar você ir assim.

O aviso continuou a rolar, falando sobre as precauções e como se armar para proteção contra o terrível criminoso.

A televisão falava sobre pegar armas de fogo, facas ou objetos pesados, e até mesmo montar armadilhas nas janelas.

Porém, meio ao turbilhão de dicas e o medo, outro evento atípico chamou a atenção da mais velha.

— Tão quente… Mas o que…

Curiosa, a Martinez puxou o celular do bolso, tomada de supetão pela súbita mudança em sua temperatura.

— O celular… ficou muito quente do nada…!

O calor intenso quase lhe queimava a palma da mão, e conforme a bateria era drenada como se bebe de um canudo, o aviso na tela inviabilizava seu uso.

[ATENÇÃO! Seu dispositivo está superaquecido. Desligue o smartphone para evitar acidentes ou danos à bateria]

— Como assim?!

O aparelho não havia sido usado em horas e estar guardado no bolso jamais aqueceria tanto.

— É quase novo…! Não pode estar dando problema agora!

Enquanto Rita sofria a perda do aparelho, Phoebe surgiu além da porta do quarto.

— Eu fechei as janelas, mamãe.

Devagar, mostrou a tela do próprio celular, de igual modelo, muito para o susto da mãe.

— O meu também não tá funcionando… — citou, baixo. — Será que é um problema da marca…?

[...]

“... Quem é essa desgraçada?!”

Baixou a cabeça e a bala passou por cima. Por pouco, ele não perdeu o equilíbrio e rolou de cara no chão.

— Vai ficar só nessa de desviar?! — atirou novamente. — Eu esperava um desafio maior… vindo de um pirralho com superpoderes!

O tiro errou Mark por menos de uma polegada e na manga do moletom azul, a marca chamuscada abriu um buraco.

“... E como caralhos ela atira tão bem?!”

Ela eventualmente ficaria sem balas, ou ao menos é com o que ele contou a princípio, mas quando mais de quinze projéteis foram deflagrados, notou que não seria tão fácil.

“Ela deve ter muito mais de onde saíram essas.”

O aproveitamento de cada disparo era igualmente assombroso e cada tiro, tão meticuloso e calculado, não se perdia.

— Chato! Muito chato! — riu. — Sabe, eu escutei toda aquela baboseira que você falou pelos comunicadores da galera!

“O jeito vai ser partir para o confronto direto.”

Insatisfeito, Mark cerrou os dentes e acumulou energia de uma manobra no ar, direcionando-a para um pulo alto, sobre os congeladores de frios e embutidos.

— Aha! — O semblante de Melissa expressou plena satisfação. — Aí você tá!

— Grr…! — Antes que a bala pudesse fazer contato, pulou em um salto giratório para cima. — Não me importa se tu é mulher…!

Carregado de raiva, investiu tão depressa quanto pôde em direção da mulher, evitando mais três tiros com profunda destreza.

— … Porque tu vai apanhar do mesmo jeito…! — apoiou-se na grade de produtos de limpeza, sumindo em pleno ar.

A imagem pálida a cintilar em rubro desapareceu em estática, deixando somente ela e o profundo silêncio da loja virtualmente vazia.

— Boa…! — exibiu os dentes, contente. — É isso que eu tô aqui para ver, moleque…!

Melissa ajoelhou de repente, apoiada em uma perna só, e ao olhar para baixo, deixou que os cabelos caíssem sobre o rosto branco.

— Foi para isso… — começou, suspirando pesadamente.

— … Toma essa aqui…! — O rapaz surgiu por trás, com uma enorme panela nas mãos.

Paciente, a agente da CIA esperou até o último momento.

— … que a gente foi obrigado a progredir tanto nos últimos anos…!

Os dois disparos certeiros dissiparam a ilusão, denunciando também a localização do verdadeiro Mark.

— Hein?! — Desesperado, pulou no lugar. — Como?!

— … Ah, pirralho… Tu acha que a gente é mole, né? Mas deixa eu te contar uma coisinha: aqui tem preparo!

A encarada profunda, olho no olho, o deixou ver o detalhe perdido. No lugar das esferas negras, a moça carregava um peculiar brilho amarelado.

— Espera… Você também?! — espantou-se. — É uma usuária de poderes?!

Para tal, repetiu a zombaria de sempre, rindo abertamente da cara de espanto do mero moleque, grata pela informação recebida sem querer.

— Então você confirma que são poderes… — Em um gesto charmoso, arrumou os longos cabelos. — Para te contar logo de uma vez… Não, moleque; não são poderes.

Piscou três vezes e a luz se desfez, tornando à escuridão.

— São lentes de contato…! — debochou, repetindo o processo para ativá-las novamente. — São ultra tecnológicas; sabia que dá até para ver no meio da escuridão perfeita com isso aqui?

A hesitação dele em face da novidade a trouxe ânimo extra para continuar a intimidação.

— E sabe como elas funcionam? Quer que eu te diga como te vi?

Os passos vagarosos e despreocupados apontavam o quão destemida em relação ao confronto ela se sentia; com pura tecnologia, a ponte entre pessoas com e sem poderes foi, tão facilmente, fechada…

— É porque, independentemente do quão elaboradas ou perfeitas as suas ilusões sejam…

… E não havia mais nada que ele pudesse fazer a respeito, além de se atirar de corpo e alma contra alguém bem mais capaz.

— … Elas não produzem assinaturas de calor…! — tirou sarro, apontando as armas para cima. — Desce aqui, moleque…!

Os estampidos mirados no teto acertaram as estruturas de metal a sustentarem o telhado e ao quebrar uma das lâmpadas, geraram uma explosão.

— Ah… merda…! — Ele, que se sustentava nas vigas metálicas, quase caiu. 

— Eu não sei como tu chegou aí, mas vou ter todo o tempo do mundo para descobrir quando te derrubar aí de cima…! — recarregou com a velocidade de um ninja, deixando pronta outra saraivada de balas.

Os dedos ágeis deixavam marcas em trilha pelo forro, deixando Mark sem opção senão pular.

— Gah…! — pousou, dor irradiando dos pés à cabeça.

— Nove metros de queda já é morte para um humano comum! — atirou mais duas vezes. — Eu me pergunto se isso se aplica a um usuário de superpoderes…? 

Tocar os canos das pistolas geraria queimaduras, mas a Bauer as desejava ferventes; logo que se escondeu, não se passou um segundo e o expositor de refrigerantes e bebidas energéticas já jorrava todo o tipo de líquido.

— Vai ficar sendo ignorante assim até quando? Na honestidade, o áudio dos comunicadores te faziam parecer mais engraçado…! Tô até meio decepcionada.

Arrancou da máquina em curto-circuito uma lata que sobrara intacta, tomando um gole do rótulo que não ligou de ler.

— Doce para caralho…! Vem cá, como é que vocês bebem essas coisas?!

— … Então prova desse aqui, então…!

O borrão branco e azul surgiu detrás, jogando uma garrafa de amaciante para roupas.

— Heh…! — De último momento, cruzou os braços frente ao rosto.

O choque a fez perder o agarro apropriado em uma das pistolas, e aproveitando-se da distração, Mark acertou outro forte golpe no outro braço, desarmando a agente.

— Só usa bala quem não se garante no soco…! — chutou as pistolas para o mais longe quanto possível.

Seria natural cogitar um aumento na facilidade do combate, ao se levar em conta um fator chave: o uso de armas inviabiliza métodos tradicionais de combate, os tornando obsoletos.

“Agora, ela não vai poder mais atirar…! Com lentes de calor ou não, ela não vai passar por cima de mim!”

O tempo pareceu desacelerar naqueles milissegundos, o deixando apreciar o semblante abalado da mulher cujo nome sequer sabia, porém, cuja presença em sua vida custaria caro.

“... E vai ser um só, bem no meio dessa boca…!”

Potência máxima focada na ponta do pé, determinado a fazê-la engolir cada dente polido.

“... Toma…!”, rodopiou em torno do próprio eixo.

E aqueles dentes, mais uma vez, gargalharam em desprezo.

— …! — As células do corpo de Mark pararam no tempo, afetadas pela própria energia, tão facilmente cessada em seu curso.

— Nunca viu filme de ação? 

A moça de terno, em sua aparência frágil, fincou a mão inteira no caminho do ataque, freando o chute de forma limpa e, em aparência, sem esforço algum.

— A gente sempre acaba caindo na porrada com os criminosos.

Antes que ele pudesse processar o ocorrido, ela o puxou para mais perto, tomando vantagem da base de apoio ausente para dar uma rasteira.

— Ugh…! — Mark tentou se estabilizar, sem sucesso.

— E sabe o que mais tá rolando nos cinemas, moleque? — agarrou-o pela gola do casaco e executou um giro, fazendo-o ir de encontro com a máquina em curto.

— GAAAAAH…! — Eletricidade tomou seu curso no corpo dele, causando espasmos.

Atordoado pelo choque, o Menotte caiu sobre o mar de bebidas no piso, a garantindo uma nova brecha.

— A moda agora… — pisou na cabeça do adolescente, que gemeu de dor. — É as mulheres metendo porrada em caras bem maiores.

O aumento da pressão arrancou mais desespero do jovem, se debatendo fracamente sob o sapato de Melissa. Satisfeita, permaneceu a pisar, ao máximo da humilhação.

— Só que você não é tão maior assim que eu… Talvez um pouquinho, mas com toda a certeza eu tenho mais músculo!

O lago de bebidas passou a produzir cada vez menos bolhas e os movimentos do menino ficaram mais lentos; era claro, ele estava asfixiando.

— Ei, moleque.

Tão logo, os sinais de respiração pararam.

— Já morreu assim?! Não! O Pryce precisa de um espécime vivo! Vivo! Tá entendendo?!

Matar o garoto colocaria a missão e sua futura promoção em risco, portanto, preocupada com seu futuro profissional, Melissa ajoelhou, checando o pulso no pescoço.

— Droga…! — hesitou, na ausência do sinal sob os dedos.

Rapidamente, ela deslizou os dedos finos por baixo do corpo de sua presa e a virou para cima. Ao levar em conta o curto tempo da perda de pulsação, não se podia sequer considerar um falecimento.

— … Huh…?

Porém, ao se deparar com a face ventral de sua vítima, a compreensão do que acabara de acontecer a atingiu como o fulgor de um relâmpago.

— … Não produzem assinaturas de calor, né…? Valeu pelo feedback…

As extremidades da profissional se enrijeceram ao escutar a voz dele, vinda de poucos passos atrás. Ali, em sua frente, praticamente condenado, estava um dos agentes subordinados.

Sem a viseira, os olhos esbugalhados, sem vida, a perfuraram no fundo da alma, questionando o motivo de terem perdido seu brilho por tais mãos.

— … Eu prometi…

A jaqueta, antes azul, ganhou crescentes manchas, e a pele repleta de cortes vazava na mesma tonalidade do brilho daqueles olhos gélidos.

Na mão esquerda, cheia de cacos, ele mantinha uma faca de cortar carnes.

— … Que jamais ia deixar ninguém passar por cima de mim, entendeu…?



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