Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 6: Nem todos os que vagueiam estão perdidos, mas com certeza eu já nasci perdido!

 

Cinco dias depois, na estrada arenosa e deserta da ||ROTA VERMELHA||, zona sudeste de ||LHASA||.

DIA: 6

PLAYER: [Juniorai]

 

Já faz muito tempo – tipo... uma eternidade! – que estamos viajando por aquela estrada mercante, passando por planícies desertas e algumas vilas no caminho e parece que não estamos nem perto de chegar ainda. Enquanto não chegávamos, eu me dispunha de um tempo para colocar as ideias em ordem. A essa altura do campeonato eu já estava bem mais conformado com a ideia de estar em uma missão que poderia custar minha vida naquele mundo fictício.

Não faz ideia de quantas vezes já estive à beira de colapsar mentalmente. Percepção, cognição, definições básicas e sanidade mental... isso tudo quase foi para o saco várias e várias vezes. Tanto que eu já começava a ver as coisas de forma distorcida.

Sim; tinha horas que eu começava a ver o cenário distorcendo ou até mesmo faltando em alguns lugares, como se tivesse sido apagado ou “rasgado”. Era bizarro, mas quase nunca apareciam, então julguei não ser culpa da minha insanidade e sim do jogo – que, diga-se de passagem, ainda estava em sua versão Alfa –, então deixei passar.

Pelo menos a viajem estava tranquila, para minha surpresa. Fora alguns aventureiros e guildas que treinavam nas florestas próximas aos muros colossais de ||AMINAROSSA||, matando monstros e pilhando itens iniciais, praticamente não vimos quase ninguém na estrada até cruzamos um vale feito por duas montanhas enormes.

Desde então é só estrada, estrada e mais estrada. Uma trilha que variava entre cascalho e algo que me lembrava barro batido, mas era bem mais quente e soltava um odor insuportável!

Passando por algumas vilas vez ou outra e cruzando largas e intermináveis planícies que eram abarrotadas de monstros. Acho que tivemos que desviar de vários grupos deles e contornar muitas passagens para seguirmos em segurança. Talvez fosse só por isso que não havíamos chegado ainda.

Mas o que mais me incomodava na viagem não era o tempo, mas o modo como estávamos viajando. Digamos que... estávamos não muito confortáveis em uma carroça lotada de fertilizantes para uso agrícola.

“Você quis dizer merda, não é?”, Arthur corta meu monólogo com uma tirada ácida.

“Exatamente...”, concordei.

Viajávamos em uma carroça das quatro que cruzavam juntas a região de ||LHASA||, em uma caravana. Ficamos alocados na última do grupo e que fazia a retaguarda das outras. Os aventureiros mais fortes e experientes estavam nas duas primeiras e eram responsáveis por limpar os monstros no caminho para o resto do grupo poder passar em segurança.

Apenas um espadachim calado e com cara de marrento e uma cicatriz na bochecha vinha com a gente e que era do mesmo grupo dos “fodões” lá da frente.

Eis sua ficha:

 


NOME: IYAZO

RAÇA: [HOMINA]

ORIGEM: ||LHASA||

IDADE: 26 ANOS

CLASSE: [ESPADACHIM ACÓLITO]

HABILIDADE: - SAQUE RÁPIDO: CORTE VENTANIA/ CORTE ESPIRAL

Lv.45


   

O ataque dele também era bem alto. Seus status eram todos voltados para ataque também e sua postura era bem séria e focada. Era quase como se estivéssemos viajando com uma estátua de carne e osso com uma espada embainhada entre os braços cruzados.

Ele sequer se incomodava com toda a montanha de merda que balançava e pulava a cada buraco na estrada, ameaçando desmoronar sobre nós. Chegava a ser assustador!

Enquanto isso, os confrontos na linha de frente não paravam e dava para ver de longe os pontos de XP voando das carcaças moribundas dos monstros.

Poucas vezes o amigão espadachim aí teve que quebrar sua solene postura meditativa para de fato lutar. A menos que fossem um grupo de ladrões que pudessem nos flanquear, não teríamos problemas na retaguarda da caravana. Menos trabalho para nós, obviamente. Depois de mais um dia de caminhada por uma longa planície, avistamos uma cidade monstruosa ao longe, tão grande e murada quanto a própria Aminarossa.

“Estamos quase chegando pessoal! Próxima parada: Cidade-reino de ||LACUNA||!

O velho carroceiro gritou lá da frente. Por um momento, os cavalos vacilam no trote.

“Até que enfim! Já estava ficando com a bunda quadrada já!”

“Vejo que você não é muito acostumado com viagens, não é?”, comenta Arthur.

“A questão não é essa. É meio desconfortável viajar desse jeito...”

“Como assim?”

Eu apontei para o conteúdo que estava sendo transportado junto com a gente. Na forma mais carinhosa de se falar, estávamos atolados em uma montanha de estrume.

“Não preciso falar nada né?!”

“Foi o melhor que consegui arranjar. Não há muitos carroceiros que venham para essas regiões...”

“Nem em um mundo de fantasia, você deixa de fazer merda!”, será que foi uma piada?

“Como é?! Você devia estar grato! Fui eu quem te tirou daquele buraco e só para ouvir você reclamar sem parar.”

“Você mesmo não disse que queria saber tudo que eu sabia?!”      

“Pois eu ainda acho que você está escondendo algo! Ou está inventando essa história toda só para sair por cima!”

“Esses dois... quanto tempo eu vou ter que aturar isso?”, até o “espadachim estátua” começou a reclamar.

Depois de mais alguns minutos viajando enfiado na merda, nós chegamos ao destino da caravana que, obviamente, não era o nosso destino. A cidade-reino de ||LACUNA|| era uma grande metrópole em formato de prisma e com muros altos e vergastados se comparados à gigante Aminarossa – se bem que era meio difícil ter outra cidade que fosse tão grandiosa e gigantesca quanto. As estradas e trilhas eram interconectados com outra cidade menor e sem nome que lembrava um forte.

Depois Arthur explica que na verdade era um posto avançado Aminarosiano que servia como base para tropas estacionárias e um depósito de recursos vital para aquela região. Então era comum vermos várias comerciantes de olho nas mercadorias que circulavam ali.

“Lacuna também mantém laços estreitos com Aminarossa. Como praticamente todo o continente está em guerra atualmente, são poucos os que podem se dar ao luxo de permanecerem neutros.”, comenta Arthur.  

“Acho melhor nós darmos uma parada, não?”, sugeri.

Arthur parecia meio avoado. E não era de agora. Mesmo antes de sairmos de Aminarossa, ele sempre parecia estar pensativo e sério, imerso em seus pensamentos silenciosos.

Se fosse o Arthur com as memórias que eu conheço, ele só estaria pensando na morte da bezerra mesmo, mas julguei que fosse algo sério.

“Ah, ah! Já está cansado?”, ele acordou com um balançar de cabeça.

“Acho que sim. Faz quanto tempo que estamos viajando?”

Arthur coçou a cabeça.

“Geralmente sem contratempos chegaríamos aqui em 5 dias.”, quase chorei com as palavras.

Minha mente poderia estar me pregando alguma peça de novo. Para mim parecia que havia se passado bem mais tempo. Devia ser as oscilações de tempo que havia entre a “minha dimensão” e a daquele jogo.

Nós pagamos o carroceiro e nos despedimos da caravana. Havia várias barracas próximas, então compramos alguns equipamentos para acampar a noite. Ainda tínhamos que completar a quest antes do prazo limite e já havíamos perdido muito tempo com a viagem, então optamos por não permanecer muito no posto-avançado.

 

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Algumas horas depois na ||ROTA VERMELHA||, porção sul da região de ||LHASA||.

DIA: 13

PLAYER: [Juniorai]

 

“Que floresta esquisita. As folhas que caem são vermelhas, mas forma tipo afrescos na coloração. Sei lá...”, comentei, mas para quebrar o gelo do que por causa das folhas em si – se bem que toda a fauna daquela região era bem estranha mesmo.

“Essa região sempre foi assim. E as folhas ao se soltarem das arvores produzem um som único que lembra um sussurro bem baixo. Por isso essa floresta tem o nome de Floresta do Sussurro.”, disse Arthur.

Confesso que eu gelei um pouco ao ouvir o nome.

“Que droga de nome é esse? Morreu gente aqui?”

“Morre gente direto todos os dias.”

“Isso eu sei, cabeção! Estou dizendo nesse lugar, especificamente.”

Ah, ah, sim! Não sei te dizer. Não ando muito por essas regiões. Acho que deveríamos ter perguntando para alguém do posto avançado..."

E novamente ele estava avoado. Já começava a se tornar algo bem incômodo.

“Também acho...”, só concordei.

“Pelo que ouvi falar, essa floresta tem uma má fama também.”

“O que?! E você sabia disso, por que não falou nada?”

“Posso ter me esquecido. Acontece...”, se justificou.

Aquele momento foi a gota d’agua! Eu apressei o passo e me pus na frente dele, fuzilando-o de leve com os olhos.

“Está bem, senhor aviãozinho! Por que está tão avoado ultimamente?”

Arthur revirou os olhos, procurando fugir do meu olhar penetrante.

“O que? N-n-não sei do que você está...”

Não sabe, o escambau! Ultimamente você só tem olhado pro nada com a maior cara de paisagem e tem ficado disperso e esquecido das coisas. Vamos, desembucha logo! O que você tem pensado? Está acontecendo alguma coisa?!”

“Ora, isso não diz respeito a você! Isso é problema só meu”, ele tenta forçar uma passagem por mim, mas eu o agarro pelo pulso.

Não! Você é meu amigo, mesmo que não se lembre disso! Além do que, se você ficar aéreo desse jeito quando estivermos enfrentando o tal monstro, nós dois podemos acabar morrendo!”

Ele ponderou. Acho que eu não poderia estar mais certo e seria perigoso se continuássemos naquela condição. Arthur poderia estar sofrendo com algo que eu não sabia ou seria apenas uma conveniência de roteiro? Algo feito pelo jogo para que chegássemos àquele ponto?

Eu tinha 90% de certeza de que quase todos os nossos passos já estavam sendo definidos por alguma espécie de trilha que tínhamos que seguir, desde o começo até o final do jogo. Pode ser que eu tenha seriamente quebrado essa trilha e agora toda a cadeia de eventos que seria “normal” seguirmos para completar o jogo pode ter sido alterada drasticamente, por isso eu não tinha certeza se tudo aquilo estava acontecendo porque tinha que acontecer ou não.

Arthur mantinha seu rosto virado e somente soltou seu pulso da minha pegada com certa rispidez.

“Está bem. Se for verdade tudo o que diz, então posso confiar em você.”, ele fez uma pausa, sentando na encosta de uma arvore, fora da trilha. Acho que iniciei algum evento com flashback, mas sem o flashback, imagino eu. “Há um motivo do porque eu escolhi justamente essa missão, mesmo com seu alto grau de periculosidade...”

Eu me sentei nas raízes de outro grande carvalho próximo, me certificando de marcar a trilha com algo para que não nos perdêssemos do caminho principal, mesmo no escuro da floresta fechada.

“... eu sabia que uma missão de rank 4 estrelas era muito difícil para nós, mas eu tinha que pegar uma missão para Lhasa e só tinha essa.”

“Mas porquê? Por que tinha que ser justamente esse lugar?”

“Bom... há alguns meses atrás, a minha cidade natal e minha casa foram completamente dizimados por invasores misteriosos.”, bingo! Um background! Isso queria dizer que Arthur já havia construído uma vida aqui e a escala de tempo no jogo era completamente diferente do nosso mundo. “Os guerreiros que protegiam a cidade e os mesmos que me criaram, lutaram bravamente, mas eles eram muito fortes! Uma força como jamais havíamos visto! Então eles invadiram o templo onde eu morava e os meus companheiros... a minha mãe...”

“Arthur... eu...”, mesmo que fossem falsas memórias, devia ser uma dor imensa. Uma dor que talvez eu nunca fosse entender.

Não sabia como eu poderia consolá-lo.  

“Quando eu retornei, só havia esqueletos, destroços e cinzas. Foi então que eu achei algo; uma pista! Eu encontrei uma parte de uma armadura de um dos soldados deles e vi que tinha sido fabricado aqui em ||LHASA||!”, ele mostra o pedaço de ferro retorcido e meio chamuscado com as gravações do ferreiro que havia forjado aquela peça, ainda visíveis.

- SVOATH -

“Então você quer encontrar o ferreiro que forjou essa armadura?”

“Quero descobrir quem é esse Svoath e para quem ele fabricou essas armaduras. Se eu chegar até ele, chego até os invasores!”, dava para sentir a voz de Arthur vibrando com o ódio. A Salamandra já crepitava com o calor borbulhando entre as placas da manopla.

“Realmente é uma tarefa bem complicada, mas... o que planeja fazer quando descobrir tudo isso?”, fiz uma pergunta claramente com o propósito de provoca-lo. Claramente ele não estava racionando direito e eu já havia acompanhado muitas histórias de vingança em ficção e que nunca acabavam bem.

Não seria a de um amigo meu mais uma que eu apenas seria um espectador.

“Não está óbvio?! Eu vou fazê-los pagarem por cada inocente que eles mataram! Cada um!

“Mas se eles são tão poderosos assim, não seria melhor pedirmos ajuda a alguma guilda ou a força militar de algum reino?”

“Não! Ninguém sabe quem são esses caras e, mesmo que soubessem, ninguém liga! Ninguém se importa! Nós vivíamos em uma das regiões mais esquecidas, se não a mais esquecida do continente!”, ele fez uma pausa, fechando o punho de Salamandra e socando o chão. “A Guerra, a economia, monstros e mais monstros saqueando e dizimando vilarejos e cidades inteiras, o continente se desfazendo cada vez mais rápido em várias fendas dimensionais... acho que todos tem coisas muito mais importantes para se preocupar do que mais um bando de isolados que foram expurgados da face da Terra!

Fendas... dimensionais?, raciocinei comigo mesmo, refletindo sobre aquela passagem.

A respiração dele estava densa. Seus batimentos acelerados e sua voz estava fanha. Talvez eu tivesse ido muito longe na pergunta.

“Sinto muito... eu não queria...”

“Está tudo bem! Eu que peço desculpas. Posso ter me exaltado um pouco; é que... eu não suporto a ideia de que eles podem ter morrido em vão! Não suporto!”

“Entendo. Realmente entendo agora porque você tem estado tão perdido ultimamente. Acho que não posso culpa-lo...”

Arthur pegou sua garrafa na bolsa que levava, lembrando um cantil militar e bebeu um pouco de água. Já começava a fazer frio então nos aprontamos rapidamente para passar a noite. Naquele momento, as habilidades com fogo de Arthur nos foram bem úteis.

“... por isso, Juniorai, mesmo que diga que isso é tudo uma fantasia e nada disso é real... tudo aquilo foi muito real pra mim!

Como eu poderia discordar? Como eu poderia descartar todas as emoções e memórias, mesmo que falsas, dele depois de ter escutado tudo aquilo?

“Não se preocupe! Eu vou te ajudar a encontrar esses caras que fizeram isso com sua cidade e a sua família!”

Os olhos dele por um momento brilharam radiantes tal como as próprias estrelas cadentes que riscavam os céus noturnos.

“Mesmo? Por que você faria isso? Afinal, nada disso para você não passa de um...”

“Mas você é meu amigo, não é? Se for importante para você, nós vamos dar um jeito! Sempre demos, não é?”

Arthur franziu o rosto, talvez segurando algumas lágrimas. Era típico dele.

“Não fale essas coisas assim de repente, seu idiota! Você nem me conhece direito.”

“Conheço muito mais do que você imagina!”, respondi com um risinho.

HYAAAAAAAAAAAAAAAA!!! HUAAAAAAAAA!!

*estrondos*

Foi muito de repente! Vários gritos inundaram a floresta escura e nos assustaram. Rapidamente levantamos e ficamos em postura de combate.

“QUE MERDA FOI ESSA?!”, gritei, sobressaltado.

“Não sei, mas parece que vem do fundo da floresta!”, respondeu Arthur, olhando quase em 360° procurando a origem daqueles sons perturbadores.

“Eu tinha certeza de você ter dito que aqui era a Floresta do Sussurro, não do grito!”

“Agora vai ficar de ironia com a minha cara?! Claramente isso não é algo deveria acontecer!”

E de novo! Os gritos continuam e ficam cada vez mais altos, bem como os estrondos que lembram explosões.

“Acho que essa é a deixa pra gente vazar daqui!”, disse Arthur.

Ele já começava a juntar as coisas espalhadas no chão rapidamente de volta. Porém, naquele momento, algo começava a me perturbar; sabe aquela sensação de urgência que você tem que quando tem que fazer desesperadamente algo? Era quase um tique nervoso de alguém que sofre de TOC; eu sentia que devia ir justamente para a direção que todas as pessoas sãs evitariam.

Justamente era o lado de onde vinham os gritos desesperados e agonizantes.

Será que era agora que a programação do jogo começava a entrar em ação? Eu mesmo não sabia explicar o que era aquele estranho fenômeno que me impulsionava a voltar. Devia ser algum evento que talvez não pudéssemos evitar; não por meios convencionais.

Me recordava de jogos lineares, onde você tinha que seguir um determinado roteiro para que pudesse avançar no jogo. Seria esse aquele caso? Nem eu mesmo sabia mais.

“Ei! Ei! Agora é você quem tá avoado e agora não é hora para isso!”, Arthur grita enquanto me balança pelos ombros. “Me ajuda a arrumar as coisas para sairmos rápid...”

“Espera...”

......?!”, ele me encara, confuso.

“Acho que temos que voltar...”

Um alerta surgiu na minha cabeça. Era uma espécie de seta e que indicava justamente aquela direção. Um sinal mental de que eu deveria ir por ali, mas para quê? Eu estava com um pressentimento ruim e se voltássemos, podia ser que sobrasse para nós.

DROGA, MAS O QUE RAIOS EU ESTAVA PENSANDO?!

“O QUE?! ENLOUQUECEU, POR ACASO?”

“Desculpa, mas não dá tempo de explicar...”, e então, como se meus músculos pudessem se mexer sozinhos, eu saio em disparada mata adentro na direção que aquela “seta imaginária” me indicava.

“JUNIORAI! QUE MERDA VOCÊ ESTÁ FAZENDO?! VOLTA AQUI! DROGA!”, e Arthur me seguiu então.

“Droga! Será que todo o futuro já está programado? Será que vou ter que seguir essas malditas setas para todos os cantos?”, pensei, refletindo do porque de eu estar correndo às cegas em uma mata escura, indo em direção à um lugar que nem mesmo sei e muito menos do que tem lá.

O céu escurece e os primeiros pingos de água descem violentos contra o meu rosto.

O caminho se tornava mais traiçoeiro.

Porém, entre as vinhas e galhos e escuros da mata, eu já conseguia ver os clarões e feixes de luz borrarem a escuridão intensa da floresta. As labaredas crepitavam forte no alto das casas e construções ao longe. Da orla de uma colina eu pude comtemplar a visão atroz de um pequeno vilarejo em chamas debaixo de um grande temporal.

“Essa seta não estava errada. Tinha mesmo um vilarejo nessa direção.”

De longe, os gritos ainda eram possíveis de ouvir, mas estavam camuflados com o som das chamas consumindo rapidamente as casas e telhados de palha e madeira. As gralhas e abutres também já sobrevoavam o lugar, mesmo em meio ao temporal, em busca de suas refeições, mas eram rapidamente espantados pelas brasas.

“Merda! O que eu estou fazendo aqui?! Por que tem um vilarejo no meio da floresta?! E o que eu tenho que fazer? AAAAAAAAAAH, NADA MAIS FAZ SENTIDO!”, eu levei minhas mãos a cabeça, sem conseguir raciocinar direito.

Também... o cenário era quase impossível.

“JUNIORAAAAAAII!”

Um outro grito familiar veio de trás, chamando meu nome. Só deu tempo de eu me virar:

“ARTHUR?!!”

KABAAAAAAAMMMMMM!

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHH!!!!”

De repente, o céu virou chão e o chão virou céu e rolamos colina abaixo, como dois pedregulhos em uma avalanche de lama e raízes até a base da colina que acabavam no “quintal” de uma das casas.

*vários sons de coisas quebrando que não dá pra traduzir aqui*

“Ai, ai, ui!”

“Merda! Ai, ai, ai!”

“M-merda... você está bem, Juniorai?”, perguntou Arthur, a voz farfalhando.

“Digamos que eu... estou inteiro. Mas que merda foi essa?! Por que veio correndo que nem um louco do meio do mato?! TÁ LOUCO, MAN?!”

“NEM VEM COM ESSA! VOCÊ QUE SAIU CORRENDO NO MEIO DA FLORESTA COM UMAS CONVERSAS ESTRANHAS DE SETA E OLHA ONDE NÓS PARAMOS!”, Arthur se esgoelou e depois deu uma pausa para recuperar o fôlego.

Eu sei. Não faz sentido o que eu fiz, mas nada mais naquele mundo, desde que fui parar dentro do meu próprio jogo fazia sentido, não é?

“Olha, eu sei que eu posso ter feito merda, mas confia em mim, está bem? Acho que... de alguma forma, temos que estar aqui.”

Fale só por você! Agora estamos nesse vilarejo no meio do nada, no meio dessa confusão, enterrados de lama até as calças e longe do nosso destino porque VOCÊ decidiu surtar de novo!”, e ele continuou.

“É, é, sim... e eu peço desculpas por isso, mas já que estamos aqui, que tal focarmos no que viemos fazer?”

“E o que viemos fazer mesmo?”

Boa pergunta! Também queria que eu mesmo me respondesse essa questão. Eu dei uma enguiçada na hora de responder, revirando os olhos, dedilhando o cabo do meu machado pensando no que eu iria responder.

“Bom... eu... não cheguei muito a pensar nessa parte...”

“Imaginei isso...”, ele já parecia bem mais conformado.

“Já que estamos aqui, vamos consumir todos esses pecadores em chamas e fazer um rio com seu sangue!”, Salamandra surge com uma “sugestão” bem pouco ortodoxa, eu diria.

Ninguém perguntou para você, seu intrometido!”, respondeu Arthur, gritando com seu próprio braço.

Outra explosão nos assusta e mais gritos vem do meio da vila. Eu me levantei rapidamente, sacudi a lama das coisas e fomos em direção às ruas principais. Em eventos assim, geralmente há monstros ou NPC – que também podem ser monstros – sempre esperando para nos receber com uma “calorosa” recepção.

Só tinha algo que me preocupava naquele momento: nós dois ainda éramos Lv.1 ainda! Dependendo dos monstros ou pessoas que fossem, estaríamos bem ferrados!

E agora eu não tinha mais Gallatin para me dar nenhuma vida extra.



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