Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 16: Bazz7, o apostador compulsivo

 

Centro distrital Comerca, ||PRAÇA DO PIERROT CAÍDO||, algumas horas depois...

PLAYER: [Juniorai]

 

Mais caminhada...

Mais ladeira...

A ||CIDADE DOS COMERCIANTES|| foi erguida em cima de um platô e que servia como uma demarcação natural de suas fronteiras, mas porra né?! Parecia mais que haviam construído a cidade ao redor da montanha mais íngreme possível.

Eu estava quase fazendo alpinismo ali!

Eu poderia narrar quase uma hora de caminhada árdua e suada, mas seria repetitivo demais. Prefiro me atentar ao que vem depois; passamos sem maiores problemas pelo ||PORTÃO DA FORTUNA||, um dos grandes e majestosos acessos principais a Comerca – e eu não estava exagerando ao descrevê-lo assim –, tirando apenas um pequeno contratempo com o meu machado.

Tive que inventar uma mentira tão maluca quanto cabeluda para explicar o porque de um comerciante estar andando com um machado de batalha nas costas e uma bolinha dourada alada debaixo da brafoneira – sim, Picker escolheu a pior hora possível para acordar e se mostrar para todo mundo.

Isso rendeu alguns bons minutos de conversa, negociações – algumas choradeiras – e é claro, mais uma grande demonstração de atuação de Lucy ao convencer os guardas de que Picker, na verdade, era um dispositivo de engenharia mágica que estava lá para ser vendido.

Sim, Lucy havia sido designada para nos acompanhar e nos dar cobertura enquanto falávamos com Bazz7. Arthur poderia até ficar com esse papel, mas ele preferiu não correr o risco de Salamandra se empolgar demais em um local tão populoso como aquele – não que eu estivesse mais seguro com a maga baixinha. Ainda não esqueci da missão do Troll.

“Viu? O que seria de vocês se não fosse eu?”, disse ela.

Pelo menos por agora, eu ia deixá-la se gabar o quanto quisesse. Depois de convencer aqueles guardas, ela merece.

Pelo que eu havia entendido da descrição de Justine, a Comerca era uma grande região circular centrada no interior da grande metrópole, então era dividida por duas grandes vias principais que se cruzavam na grande praça em frente ao prédio da administração, a ||PRAÇA DO PIERROT CAÍDO|| – queria nem saber por que tinha esse nome...

Nos emaranhamos à multidão. O lugar era bem grande, mas parecia bem menor do que realmente era pela superlotação de pessoas. Me lembrava as grandes feiras e convenções de games que participei quando estava no mundo real, as quais você sequer conseguia andar em certos lugares de tão cheios que estavam.

Continuamos avançando, me certificando de que eu não me perderia de Lucy e Arthur, que vinham logo atrás. Assim como a primeira praça que encontrávamos quando adentrávamos a cidade, várias tendas, barracas com o dobro do tamanho e da quantidade de produtos e espaços de amostras, estavam montadas nos limites do espaço público.

Comerciantes, chefes e líderes de vilas e estados e aventureiros mais abastados de todos as cidades, de todas as regiões do continente, deviam estar ali para checar lançamentos, adquirir novos itens limitados e fazer escambo de qualquer tipo de coisa.

Ainda bem que eu não havia escolhido uma classe mercante ou poderia ficar preso naquele lugar por pelo menos uma semana inteira.

Verificamos que havia uma casa maior e onde um monte de gente estava apinhada bem na entrada, formando uma barreira natural de carne e osso – ou seriam dados? Pixels? Baldes de NPC iam e vinham daquele lugar apertado e a concentração de movimento ali estava bem maior que no resto da praça.

Só podia ser ali!

“Cuidado. Fiquem juntos para a gente não...”, e quando olhei para trás, somente Arthur estava comigo. “Ué... onde está a Lucy?”

Arthur fez uma cara morta e apontou para uma barraca na entrada da Comerca, onde se vendiam joias encantadas. O brilho faiscante dos objetos, intensificado pela luz do sol, castigava os olhos desavisados de qualquer um que olhasse diretamente pra eles por muito tempo.

Menos os de Lucy, é claro. Ela estava lá, babando nos colares e provavelmente tentando subornar o vendedor de alguma forma.

“Sério isso?”

“Bem... eu tentei segurá-la, mas não teve jeito.”, justificou-se Arthur, balançando a cabeça enquanto suspirava.

“Ah, deixa ela lá então. Pelo menos a gente vai saber onde ela está.”, disse, retomando a atenção na entrada.

Era um portão largo de madeira que dava acesso a um salão enorme e suntuoso. Lá dentro, várias pessoas com roupinhas frufrus e engomadas se reuniam, erguendo suas taças cristalinas de vinho. Devia ser alguma festa ou encontro de um grupo seleto ou a alta sociedade de comerciantes daquela cidade e de outras, o que significaria que tinha 99,99% de chance sermos barrados se tentássemos entrar.

Ainda mais um louco com um machado de batalha nas costas e outro com um braço parecendo a garra de um demônio. Nossa abordagem STEALTH já iria por água abaixo antes mesmo de começar.

Revirei os olhos, esquadrinhando o ambiente a minha volta. Novamente o roteiro e o jogo me indicavam a direção a ser seguida, na minha cabeça, para completar a missão dada a mim. Um privilégio exclusivo dado a mim para que eu seguisse avançando no jogo, pelo visto.

“Por aqui.”, guiei Arthur por entre o fluxo da multidão, cortando o mar de gente até chegarmos um pequeno espaço entre duas casas, mais à frente na praça. A seta mental me indicava um pequeno vão entre a parede, ladeando uma pilha de lixo e caixas por onde eu poderia escalar até chegar ao telhado.

Muito conveniente. Muito prático. Muito previsível.

“Joguinho malandro.”, pensei.

Subi a pilha de lixo com certa facilidade para quem carregava um machado enorme nas costas. Arthur vem logo atrás, galgando as caixas também com certa maestria. Alcançamos o telhado bem depressa e saímos em corrida por cima das telhas, pegando impulso para saltar para a próxima. Arthur ainda aterrissou de mal jeito e se desequilibrou, ameaçando cair de uma altura de pelo menos 7 metros até o piso concretado da praça, mas o segurei a tempo e o coloquei de volta no telhado.

Continuamos então. Faltava mais duas casas até a grande construção de pedra que lembrava uma imponente bastilha. As paredes daquele lugar eram em sua maior parte lisas, mas em alguns cantos haviam imperfeições; alguns blocos de pedras mal encaixados e relevos em certos lugares que permitiam uma escalada.

Demos o último salto da fé entre um telhado e outro e paramos bem de lado ao lugar. Era bem mais alto e maior do que aparentava de frente. Vamos lá, minha amiga seta, qual seria o lugar para onde eu seria levado dessa vez?

Bingo! Os vãos, buracos, relevos e pedras escarpadas estavam todos bem destacados na minha visão. Não estava em forma de seta dessa vez, mas indicava bem o caminho que eu deveria seguir.

Estava mais preocupado com Arthur. Com aquelas garras impedindo que Arthur cerrasse o punho, seria impossível uma escalada.

Não tinha jeito. Eu tinha que ir sozinho a partir dali.

“Acho que não vai dar pra mim.”, disse Arthur com uma cara emburrada.

“Me espera aqui. Vou ver se acho algo para fazer você subir.”

“Não se preocupa. Eu acho outra forma de entrar.”, disse ele.

A grande bastilha e a casa onde estávamos eram bastante próximas, não necessitando que eu pulasse para me agarrar à parede. Segurei o mais firme que consegui e comecei a subir, seguindo os espaços marcados parecendo que alguém tinha passado um marcador de texto gigante em cada uma das superfícies.

Peguei um impulso, agarrei a pedra que estava saindo mais acima. Puxei meu corpo e alcancei um buraco entre duas pedras, encaixando a ponta do meu pé nele. O vento não soprava forte e o clima estava instável – o sol queimando o meu couro enquanto eu subia –, facilitando a escalada. Fui me esgueirando por mais um conjunto de trepadeiras e raízes que estavam crescendo pela parte de trás da bastilha, vindos de uma arvores na parte mais abaixo.

Pelo menos, se eu escorregasse e caísse, teria as copas das arvores para amortecer a queda.

Após uns 20 minutos de escalada pelas falhas na parede contornando a torre menor da bastilha, cheguei ao topo, mas não subi de imediato. Usei meu |REDUZIR CARGA| para amenizar meu próprio peso em cima das minhas mãos e conseguir me mover pela beirada da torre, com meu corpo suspenso.

Lá em cima estava um lindo e despreocupado guarda, olhando para o nada como era em todo jogo que envolvia alguma mecânica de STEALTH. Imaginava que ele não olharia para baixo ou iria imaginar que alguém estivesse se pendurando bem debaixo das botas dele.

Nem barulho eu fazia com minhas pegadas no piso de madeira, pois eu estava tão leve quanto uma daquelas raízes que brotavam dentre os blocos de pedra. Ao finalmente me alinhar com ele, soltei uma das mãos da beirada e agarrei seu tornozelo, dizendo:

|REDUZIR CARGA|!

No mesmo instante, a habilidade ativou e ele ficou tão leve quanto eu estava, o que facilitou para que eu conseguisse arrastá-lo em uma só puxada. O guarda de armadura caiu nas arvores mais embaixo e se estatelou no chão.

Me certifiquei de só desativar a habilidade depois que tivesse certeza que ele já estava no solo. Assim, ele cairia, mas não morreria na queda, principalmente com sua armadura pesada que iria contribuir para isso.

Fiz um impulso e subi levemente, justamente quando a habilidade já estava para acabar.

 

Tudo calculado!

 

Rolei ligeiro para trás de um barril. Outros dois guardas que faziam a ronda do telhado estavam passando. Essa foi por pouco!

A cobertura era um enorme espaço como um pátio vazio, seccionado por plataformas que conectavam as torres até o prédio principal. Lá dentro havia uma porta de madeira rustica que dava acesso a um lance de escadas para o interior da bastilha. Como eu sabia disso? Não me perguntem...

Esperei a dupla de guardas passar. Novamente eu usei |REDUZIR CARGA| para aliviar meu próprio peso em cima do piso de madeira da plataforma. Assim eu conseguia até mesmo dar uma tímida corridinha pela passarela sem fazer muito barulho, mas como sou eu que sou o protagonista dessa merda, as coisas não poderiam sair da forma como eu planejei, não é mesmo?

*FUUUUU*

Uma rajada mais forte de vento inesperada soprou na cobertura, me arrastando com ela. Eu rolei pela plataforma e quase caí lá em embaixo, mas pior que isso, a brafoneira onde Picker se abrigava bateu com força no batente de ferro e fez um barulho metálico bem alto e que com certeza teria que ser surdo para não ter ouvido.

Por sorte, o som da rajada de vento forte aliada à distância que os dois guardas e o outro que vigiava a torre norte estava de mim, camuflou o barulho e eu ainda não fui descoberto, mas desgraça nunca é demais, né?

A pequena bolinha dourada e olhuda se agoniou e saiu debaixo da brafoneira, voando em direções aleatórias como uma mosca tonta e aquilo com certeza chamaria atenção, não importasse a distância. Seu tom dourado característico reluzia facilmente no sol e formava um pequeno globo de espelho com asas e completamente desgovernado agora com a batida.

Tentei me levantar o mais rápido que consegui, mas o vento ainda estava querendo me arrastar com ele para longe. Desativo o |REDUZIR CARGA| e subi com certa dificuldade da beirada entre o batente da ponte e a encosta do prédio principal. Além disso, levei pedi 130 de HP de dano de contusão. É mole?

“Picker! Picker! Volta aqui, caralho!”

Aquele troço era muito rápido e girava em direções completamente aleatórias. Ora em círculos, ora em ziguezague. Um dos guardas em uma das torres percebeu a confusão de longe e veio checar o que era. Eu tinha cerca de um minuto, que era o tempo que ele levaria para atravessar a passarela andando, para agarra-lo e me esconder ou iria azedar muito para mim.

“Droga! |ZONA IMOBILIZADORA|!”

E pensar que eu usaria uma habilidade de alto nível como aquela e que me torra muita mana para poder prender um monstrinho travesso daquele. Fechei uma bolha de vácuo envolta dele o impedir de continuar rodopiando no ar.

“Venha aqui, seu merdinha!”, sussurrei furiosamente trazendo-o até mim.

Desativei a skill e trouxe Picker para os meus braços, o agarrando e colocando-o debaixo da minha cota de lã. Só então eu me agachei tão rápido quanto pude, me escondendo por trás de alguns caixotes empilhados no fim do corredor. O guarda caminhou lentamente pelo corredor, passando devagarinho e olhando tudo em volta.

“Alguém aí? Quem estiver aí, se mostre agora!”, ele gritou, esperando ouvir algum som ou ruído em resposta.

Nada. Caminho devagar até a porta que me conduziria para as escadas, mas ele estava bem em frente. Curiosamente, por alguns instantes, ele mirou na direção que eu vinha andando e minhas entranhas gelaram. Minha mente embranqueceu.

Não sabia se eu corria e o atacava antes que ele gritasse e alertasse os outros guardas ou fugia dali. As duas opções me pareceram igualmente péssimas. Contudo, algo bem bizarro aconteceu.

“Alguém está ai?! Apareça logo!”, ele ainda estava me procurando! Eu estava parado bem na sua frente, mas ele aparentemente não sabia que eu estava ali.

Ele não me via! O que estava acontecendo? Seria alguma habilidade oculta minha? Uma skill inata, uma passiva, ou...

“WIWIWI!”

Picker? Ele fez aquilo? Será que eu poderia andar então e me mover que ele não me veria?

Arrisquei então. Andei lentamente até a porta enquanto o guarda ainda procurava por mim. Olhei na minha ficha de personagem nesse meio tempo e encontrei um reforço aplicado ao meu personagem: FURTIVIDADE. Meu personagem estava com status de [FURTIVO] por uma habilidade de Picker.

Confesso que ainda estava andando roboticamente pelas escadas, com medo de produzir algum barulho que chamasse a atenção dele ou fizesse algo que tirasse minha furtividade. Só me acalmei depois que eu já estava lá embaixo.

Tirei Picker de dentro da minha roupa e o segurei em frente ao rosto, encarando aquele olho enorme e brilhante dele, intrigado.

“Você me deixou invisível, seu espertinho?”

“WIWIWI! WIWIWIWIWIWI. WIWIWIWI, WIWIWI!”

Ele só fala entre sons e ruídos de doer o tímpano, mas aos poucos eu iam entendendo como ele se expressava. Acho que ele falou algo do tipo “eu sei fazer tantas coisas que você nem imagina”. Só não imagina que fosse algo tão conveniente quanto ficar invisível ante seus inimigos.

Eu poderia pedir pro Picker fazer isso toda vez que eu me encontrar com a Lucy. Vai evitar muito estresse.

 

 

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||BASTILHA DE SAL SART||, prédio administrativo principal... alguns minutos depois.

 

Depois de descer muitas escadas, passei por algumas portas. Minha seta mental, porém, indicou outro caminho. Algo mais “furtivo” e sorrateiro para uma missão daquelas. Entre as paredes das escadarias que desciam em espiral, havia um pequeno vão entre uma parede e outra que estava sutilmente escondida na penumbra, separando-as.

Era uma fenda na parede; suficientemente grande para um homem de porte médio e magro se esgueirar ali dentro e que podia passar despercebida facilmente pela posição em que se encontrava e a péssima iluminação do lugar. Uma pequena e estreita passagem levava a um sarrafo carcomido que descia de um ponto mais alto dentro da parede, um espaço horrivelmente claustrofóbico de tão apertado que era, lembrando um duto de ventilação, mas sem a ventilação – pelo contrário; ali dentro estava um completo forno!

Rastejei como uma barata por aquele lugar estreito e apertado até cair em um lugar espaçoso e aberto. Era como um gigantesco sótão do tamanho de uma sala de um centro de eventos!

Eu me perguntava como havia chegado ali e que lugar era aquele até me tocar que eu estava na verdade sobre as lajes do teto da construção, cobertas com uma fina camada que lembrava uma telha de amianto, porém mais limpas e menos frágeis. Tentei caminhar sobre elas, mas mesmo que não fossem tão quebradiças quanto o amianto, ainda assim faziam um barulho horroroso, dando a impressão de que se despedaçariam apenas em encostar nelas.

“|REDUZIR CARGA|!

Usei a penúltima carga da minha habilidade só para me certificar de que não se quebrariam mesmo. Como diz o ditado: um homem precavido vale por dois.

Então finalmente pude explorar o lugar. Havia algumas frestas e espaços entre as lajes e as camadas de forro as quais eu podia bisbilhotar a parte interna e os únicos focos de luz e ventilação daquele espaço abafado. Procurei pela fissura mais próxima e tentei observar qualquer coisa mais abaixo.

“Oh, você está linda, Margeritta. Que tal me mostrar a heresia que esse vestido tanto esconde?”, uma voz de um velho safado podia ser ouvida do interior.

Uma mulher semicinquentona se sentou em algum lugar que eu não consegui discernir muito bem do ângulo que eu observava e começou a gargalhar.

“Ora, Sr. Gars. O senhor está tão ousado hoje!”, ela respondeu em um tom provocador.

“Posso lhe mostrar minha ousadia de outra forma. Quem sabe você não goste?”, notei que a mulher começava a se despir.

“Então... venha me mostrar!”

O homem caminhava até ela, a tomando em seus braços. Depois disso eu não observei mais nada e segui em frente. Com certeza eu não fiz um jogo para maiores de 18 anos e nem era protagonista de um! Próximo buraco!

“É verdade que a reunião com os líderes da ACC é hoje?”, parecia a voz de uma criada que trabalhava naquele lugar.

“Sim. Inclusive, deve estar acontecendo nesse exato momento.”, respondeu outra mulher no recinto, a voz mais madura e controlada.

“Nossa. Deve estar uma balburdia lá dentro. Preferia estar limpando estábulos a ter que ficar lá.”, comentou a mais nova em um tom zombeteiro.

“Não diga isso. É uma reunião importante, afinal.”, repreendeu a mulher.

“Não ligo. É apenas mais uma desculpa para aqueles burgueses esnobes se reunirem e planejarem quais serão os próximos abusos contra nós, mercadores comuns! Alguns amigos meus estão passando perrengue depois das novas políticas aprovadas pela ACC no semestre passado.”

“Eles estão sempre revendo as coisas e suas próprias políticas. Isso é algo que temos que concordar, não é? O mundo está mudando muito rápido Helga, e temos que nos adaptar a ele.”, disse a senhora, calmamente.

Elas ainda ficaram algum tempo conversando sobre outros assuntos, mas nada que me interessasse, então continuei explorando as brechas pelo forro. Percebi que aquele espaço cobria toda a extensão da bastilha, o que era ótimo. Talvez por isso que a seta me indicou aquela direção, mas ali eu estava por conta da minha intuição mesmo.

Eu tinha que descobrir em qual cômodo iria acontecer a reunião e isso meu indicador mental da quest não mostrava. Procurei por algum tempo, de buraco em buraco, olhando e conferindo para ver se encontrava alguma pista, mas a maioria eram cômodos, passagens ou corredores vazios.

Onde estavam o pessoal daquele castelo? Todos realmente estavam amontoados em um mesmo lugar? Partindo dessa ideia e me recordando de que estava uma zona na entrada da bastilha quando chegamos, eu só tinha que continuar andando por aquela imensidão até poder escutar muito barulho, conversas, o tilintar das taças e o farfalhar dos tecidos.

Tendo isso em mente, não demorou muito para que eu encontrasse a localização exata. Contudo, era um espaço onde não existia frestas para eu poder espionar o que acontecia no interior. Então procurei algum outro espaço pelos arredores onde eu pudesse olhar ou até mesmo produzir meu próprio buraco naquele forro usando meu machado.

Contudo, com muito movimento lá em cima eu ouvi um estalido vindo debaixo de mim e por um momento, meu coração estancou. Era como levar uma queda em cima da superfície de um lago congelado e ouvir o som da fissura se abrir na fina camada de gelo. Entretanto, quem congelou ao ouvir o CRECK foi eu.

“Eita! Opa, opa, opa... calma...”

Permaneci imóvel por um tempo para ter certeza de que o forro debaixo de mim não iria ceder. Fiz um leve movimento para remover minha perna esquerda para cima da laje, mas ao fazer isso, o peso do meu corpo inteiro se concentrou sob a perna direita e o que eu mais temia acontece:

“Essa não...”

O forro debaixo de mim se estilhaçou e eu desabei no cômodo abaixo, a perna se enganchando e batendo com força na laje.

Caí de costas contra uma mesa de madeira cheia de vidrarias, me contorcendo de dor por alguns instantes. Meu joelho bateu com tudo na laje no momento da queda e foi justamente o mesmo joelho que era debilitado na vida real – para isso sim eu tinha sorte. Até a mesma mazela que eu tinha no mundo real veio comigo até aqui!

“AAARGHH!”

Além disso, a dor lacerante de cacos de porcelana e vidro cortando a carne das minhas costas também me afligia. Tapei a boca com as mãos, sufocando um grito de agonia e já suando muito.

E tome status de [SANGRAMENTO] + [DEBILITADO]! Só me faltava eu perder uma boa parte do meu HP antes de da próxima batalha.

Rolei a mesa e cai de peito no chão, me arrastando para debaixo dos panos da mesa, no momento que alguém adentra correndo o cômodo após ter escutado o barulho estridente do impacto. Só havia muita água, vinho, vidro, assim como algumas decorações e comidas esmagadas pelo peso do meu corpo encima da mesa, mas não havia sinal de ninguém.

Duas pessoas entram correndo no lugar.

“O que foi isso?!”, perguntou um senhor alvoroçado.

“Alguém quebrou toda a coleção de chá e vinho que iríamos servir! Oh, céus! O que aconteceu?”

“O forro... ele se quebrou?”, um deles percebeu e apontou para o buracão enorme no telhado.

“Estranho... um forro de //VIECTININA// não se quebraria assim, sozinha. O que foi que aconteceu aqui?”, questiona um dos empregados, intrigado.

“Depois a gente arruma isso. A reunião da ACC já vai começar!”, exclamou outro, revelando a urgência de estar lá. Então eles saíram correndo da sala e deixaram a bagunça lá.

Ainda esperei um pouco, mas não veio mais ninguém. Me senti livre para me levantar, o dois status negativos ainda castigando meu corpo. Fui obrigado a usar uma de minhas poções para me curar – odiava ter que usar poções desnecessariamente.

Então sai discretamente da sala, saindo em um corredor vazio e escutando muitas vozes ressoando ao fim dele. Acho que era lá o lugar onde eu devia ir. Acho que se eu não tivesse caído naquela outra sala, eu tinha conseguido permanecer lá em cima, escutando tudo a uma distância segura, sem me comprometer demais.

Porém, eu ainda tinha que me reunir com Arthur, que ainda devia estar esperando do lado de fora. Nessas horas, eu meio que não me entendia muito bem com quests que envolviam objetivos secundários, pois eu sempre me esquecia deles. O coitado estava até agora esperando eu voltar com alguma corda para ajuda-lo a subir ou esperando eu abrir alguma passagem para ele entrar.

Uma coisa de cada vez. Antes eu tinha que conferir o tal local da reunião. Por se tratar de uma reunião de um grupo de líderes de guildas mercantes, eles iriam passar um bom tempo papeando lá. Eu tinha tempo de sobra.

Cheguei lá, não dando muito cartaz e me misturando como pude á multidão. Era um grande salão e um grande grupo de pessoas estavam amontoadas, esperando que começasse logo. No fundo do salão havia um tablado onde se encontrava uma grande mesa circular ao centro e era separada por uma cerquinha de madeira pequena com abertura para uma pequena escada que subia ao tablado.

O resto da multidão ocupava o restante do grande espaço do salão, que não havia nada além de um longo tapetão vermelho e bordado em tiras douradas e símbolos que eu não soube dizer o que significavam e o que eram – eu tinha criado o jogo, mas não lembrava de todos os detalhes –, além de vários lustres pendendo de um teto abobadado – que eu nem tinha reparado quando estava lá em cima – e largos vitrais que alumiavam toda a extensão do lugar.

Mantive Picker quieto debaixo da brafoneira e subi o capuz – sim, Arthur acertou ao me dar uma roupa com capuz – esperando que eles entrassem.

“Quando é que eles vão chegar, hein?”, uma voz familiar subitamente sussurrou no meu ouvido, me assustando. Era Arthur que estava ali, sem qualquer tipo de vestimenta que o escondesse.

“Arthur?! Mas como você chegou até aqui, criatura?!”, perguntei, ainda afoito com o susto.

“Pela porta da frente. Essa reunião de hoje era aberta à comunidade, por isso me deixaram entrar.”, respondeu ele calmamente.

Naquele momento, eu senti uma vergonha indescritível e que a única coisa que eu queria que acontecesse era que Picker me fizesse sumir da vista de Arthur como fez com o guarda na cobertura da torre.

“E você vem me dizer isso só agora?!”

“Bom, eu esperei você por um tempo, mas cansei de esperar e optei por uma abordagem mais... direta.”

“Entrou pela porta da frente e foda-se?”, perguntei, já imaginando a resposta.

“Sim. Havia uma placa bem na entrada que nós não tínhamos visto por ter muita gente se amontoando na passagem e por isso nos passou despercebida. Dizia: “Reunião aberta ao público. Assunto: Gastos públicos, obras e aprimoramentos nas normas mercantis. Fiquem à vontade.”

E eu ainda pensava em tudo que tive que fazer para chegar lá dentro, enquanto Arthur somente caminhou livre, leve e despreocupado pela porta da frente; escalei um paredão liso debaixo do sol quente, quase matei um ou dois guardas sem necessidade, me embrenhei em uma passagem escura, apertada e quente dentro da parede, quase morri em uma queda para o cara só entrar andando tranquilo pela porta da frente!

EU QUERIA MORRER NESSE MOMENTO! ALGUÉM ME MATA, POR FAVOR!

“E então? Por que demorou tanto?”, perguntou Arthur com um leve toque de ironia no fim da frase.

Eu deformei minha expressão em uma careta azeda.

“N-n-nada... eu só me perdi. É tanto corredor que...”

“Mas só tem exatamente 3 corredores...”, Arthur cortou, me desmentindo de novo. E enquanto isso, minha vergonha só aumentava e meu rosto já estava tão vermelho que ardia.

“ARTHUR! Vamos nos concentrar na missão... pode ser?!”

Ele deu de ombros, mirando a grande porta do salão e percebendo que o movimento dentro do corredor mudara. Eu fiz o mesmo.

“Acho que são eles.”, disse Arthur.

E então um grupo de 7 pessoas passou pelo tapete vermelho no centro do salão, através do corredor formado pela multidão e que os conduzia até as escadas do tablado. O primeiro e que conduzia a fileira de figurões, batia com as descrições dadas por Justine – pelo jogo, na verdade – sobre Bazz7: alto e esguio, rosto fino e delicado, orelhas grandes demais para um humano e pequenas demais para um elfo ou coisa assim, olhos caramelados enfeitando uma expressão serena e cabelos vermelhos e lisos, escorrendo discretamente pelas suas costas.

Vestia uma túnica preta enfeitada, cobrindo uma grande bata dourada que casava perfeitamente com seus cordões de ouro e pérolas exagerados que desciam até seu tórax. Vestia calças brancas e discretas, porém que ficavam bem para alguém do porte dele e sapatos tão discretos quanto. Contudo, o que me fez discernir ele foi seu sinal no rosto.

Ele e os outros comerciantes se posicionaram cada um em seus lugares e aos poucos a multidão ia fazendo silêncio para dar lugar somente às vozes deles, em especial a de Bazz7, que iria começar falando. Tudo pronto e todos em seus cantos, a reunião estava prestes a começar.

E então o silêncio tomou de conta do espaço. Nem parecia que haviam mais de 600 bots naquele lugar. Chegava até a ser assustadora a disciplina que os NPCs tinham para seguir à risca determinados acontecimentos da história.

“E agora...?”, sussurrei para Arthur.

“Não sei. Acho que não devíamos estar falando, eu acho.”, respondeu ele no mesmo tom, mas acelerando as palavras o máximo que podia.

O lugar agora estava tão quieto que qualquer sussurro ou barulho, por mais baixo e sutil que fosse, parecia um indesejável estampido que ressoava nos quatro cantos daquele salão. Qualquer som que surgisse em meio ao solene silêncio ganharia um profano e desagradável destaque.

E então, finalmente Bazz7 levanta de seu lugar, mirando principalmente a multidão reunida, dizendo:

“Sejam bem-vindos! Hoje nós, da Associação Comercial Continental, iremos debater sobre vários assuntos pertinentes relacionados ao comércio e ao futuro das rotas mercantes com o desenrolar desses últimos capítulos da guerra que está tomando o continente de ||PYKAH||! Vamos falar, debater e antes de terminamos, iremos abrir uma seção de perguntas e respostas, então sinta-se livres para participar desse debate junto conosco!”

Ele se sentou em sua cadeira e então uma salva alta e sincronizada de palmas estrondou dentro do salão. Foi tão perfeitamente sincronizado que eu podia jurar que foi tudo combinado antes da reunião começar.

E finalmente, a reunião teve início!

 

 

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Algumas horas depois...

 

*zzzzzzzz*

“Junior?”

*zzzzzzzz*

“Juniooor...”

*zzzzzzzzzz*

“JUNIOOR!”

“Ai, ah! Ah! O que foi, o que foi?”, levantei, assustado, a baba escorrendo da boca.

Me deparei com um salão vazio. A reunião já havia acabado e só sobrara algumas pessoas e os próprios líderes, que ainda terminavam de arrumar suas coisas e outros conversavam entre si.

Essa era a chance de abordarmos ele. Uma abordagem sutil e delicada – o que não parecia nada convincente vindo de um cara com um machado tamanho família nas costas.

“Vão ficar mais quanto tempo aí? Já se cansaram de esperar?”, uma voz malandra perpassou nossos ouvidos, vindo de cima do tablado.

Eu e Arthur nos entreolhamos. Ele realmente estava falando com a gente? Por acaso, ele percebeu que estávamos ali para falar com ele, ou...

“Está falando com a gente?”, perguntei, a voz meio tímida. Ainda estava em dúvida se ele de fato falava comigo.

“E com quem mais eu poderia estar falando?”, retrucou, indiferente.

Eu engoli em seco e caminhei. Bazz7 terminou de organizar seus pertences em sua grande bolsa que depois encolheu e ficou do tamanho de um saquinho de dindim – isso seria muito útil na vida real, principalmente para quem cursava TI – e se sentou de pernas cruzadas em sua cadeira.

Uma mulher de longos cabelos lisos e negros, de pele escura, lábios fartos e olhos ferais que deixavam qualquer marmanjo com calafrios apenas com uma mirada esperta, passou por ele, indo em direção às escadas.

Seu olhar dançou entre nós e o mandachuva sentado à mesa, fazendo uma cara azeda de desdém.

“Bazz. Achei que tivesse dito que iria tirar um tempo para si. Por acaso, pensas que não sei lidar com homens ‘cansados’?”, da forma como ela falou, eu poderia jurar que ela estava quase comendo-o com os olhos.

Ele soltou um risinho debochado.

“Ofith. Creio que tenha entendido errado; quando estivermos em uma ocasião mais adequada, talvez você valha meu tempo livre.”

Ela respondeu com um sorriso morto.

“Você nunca muda mesmo. Sempre com essa pose sisuda, mas no fundo não consegue negar seus próprios anseios. Mesmo quando está apostando...”

“Minhas apostas servem apenas a mim...”, ele mudou de tom de repente, quando ela falou no verbo “apostar”. Foi uma mudança tão brusca de humor que por um momento acreditei que ele fosse bipolar. “... até porque, nossa vida é uma constante aposta e você e eu, mais do que qualquer um, entendemos isso, não é mesmo?”

A tal Ofith pareceu concordar e discordar ao mesmo tempo e desceu as escadas, resmungando meias palavras. Eu estava em uma cena de uma novela mexicana, onde o gostosão da escola rejeitava a patricinha popular que andava rodeada de amigas?

Mais uma cena clichê para a minha lista de clichês nesse jogo. Eu realmente tinha me inspirado ao criar aquele jogo com todos as coisas mais previsíveis que ele tinha direito.

Estávamos praticamente sozinhos. Ele estava com aquela cara desagradável de alguém que está apressado e não está aberto a muito papo, então eu teria que ser o mais breve e direto possível.

Ainda estava com as palavras de Judite na cabeça:

 

“Bazz7 é tão ardiloso quanto uma raposa. Ele nunca revela suas verdadeiras intenções logo de cara e sempre parece que está escondendo o jogo. Mas acima de tudo, nunca, nunca mesmo... apostem com ele!”

 

Não aposte com ele... não aposte com ele. Vou repetir isso como um mantra até o fim do nosso encontro.

Ele estava sentado à mesa. Fez um sinal de mão para que tomássemos nossos assentos e assim fizemos. Diferente da algazarra em que a sala se encontrava mais cedo, agora o silêncio parecia assustador, principalmente na frente de um cara daqueles.

Eu jurava que iria encará-lo de frente, já imaginando um script perfeito e montado para falar, palavra por palavra. Agora, diante de postura relaxada, mas com uma aura intimidadora, meu cérebro mergulhou em um branco infinito. Tipo quando você monta um roteiro para usar em uma entrevista de emprego, mas chegando lá você se atrapalha e não fala nada do que deveria – quem nunca?

Eu achava que estaria no controle da situação, mas agora na frente dele eu estava acuado. Será que foi pelas palavras de Justine? Será que na verdade eu o via de forma mais ameaçadora do que ele realmente era?

Sem ter o que dizer, eu recorri ao que sabia fazer de melhor: fuçar os status alheios.

 


FORÇA: 80(0)       CONSTITUIÇÃO: 455(+230)

DESTREZA: 440(+240)        SABEDORIA:  980(+650)

ESPÍRITO: 720(+500)   HP: 32000 / 32000

                                        MP: 56000 / 56000

- ITENS -

                                        

* MANICA DA DESTREZA DO BUFÃO: + 140 DE //DESTREZA//

- + 260 DE //SABEDORIA//

* CETRO DO COMANDANTE DA POEIRA: + 200 DE //CONSTITUIÇÃO//

- + 100 DE //DESTREZA//

- + 300 DE //ESPÍRITO//

- EFEITO ESPECIAL: APÓS CONJURAR QUALQUER HABILIDADE, TEM 20% DE CHANCE DO PRÓXIMO ATAQUE APLICAR [ATORDOAMENTO].

* BRINCOS DO ACÓLITO ESQUECIDO QUE FOI LEMBRADO: + 190 DE //SABEDORIA//

- + 30 DE //CONSTITUIÇÃO//

- EFEITO ESPECIAL: RESISTÊNCIA APRIMORADA CONTRA EFEITOS DE [ENGANAÇÃO] E [ILUSÃO]

 

 

<TÍTULOS>

LÍDER DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL CONTINENTAL > + 100 DE //SABEDORIA//

- EFEITO ESPECIAL: VANTAGENS EM NEGOCIAÇÕES E DE APLICAR [GOLPE] DEPOIS DE UMA.

- – 50% DE GASTO DE OURO

- + 30% DE BÔNUS DE OURO 

APOSTADOR COMPULSIVO > + 50% DE RESISTÊNCIA CONTRA STATUS ANORMAIS.

- + 50% DE TODOS OS ATRIBUTOS, SE ESTIVER EM UMA [APOSTA]

- – 30% DE DANO RECEBIDO

- 20% DECHANCE DE PILHAR 2 PEÇAS DE OURO AO DERROTAR UM OPONENTE EM BATALHA OU EM APOSTAS.

PÃO DURO> -20% DE DAR FALHA EM NEGÓCIOS E TER PREJUÍZO EM QUALQUER COMPRA OU VENDA.

AVENTUREIRO DA RAID DE MÍMICOS> +40% DE SOBREVIVER Á UM GOLPE FATAL SE APOSTAR SUA VIDA. AUMENTADO PARA 70% SE ESTIVER LUTANDO CONTRA INIMIGOS [ELEMENTAIS] DO TIPO TREVAS.

 O PECHINCHADOR> + 100% DE RESISTÊNCIA A HABILIDADES QUE ENVOLVEM //SABEDORIA// E //DESTREZA//  

 

                                      < EFEITOS NEGATIVOS: NÃO TEM>


 

De inicio já dava para perceber que Bazz7 não era de uma classe combatente, o que me aliviou de certa forma. Seus status eram mais voltados para sua área de atuação: compra, venda, troca, barganha, negociações e, é claro, calotes.

Agora eu entendia do porquê Justine havia me avisado sobre as apostas – sim, eu ainda estava repetindo o “NÃO APOSTE COM ELE”. Ele poderia parecer inofensivo e indefeso, mas sua verdadeira e maior arma eram as palavras bem colocadas, os gestos discretos e a lábia persuasiva na mesa de negociações.

Essas podiam ser armas até mais letais e perigosas do que qualquer machado ou espada.

Porém, eu já estava esperto; respirei fundo e me concentrei em não ser deixado levar por sua aura de intimidação e sua presença opressora de um ferrenho e experiente mercador.

Eu...”

“Não precisa falar nada. Vocês vieram me procurar para pagarem alguma dívida que me devem ou para se livrar de alguma?”, ele conseguiu ser mais direto do que eu.

“Na verdade, não. A gente...”

Então ele desenhou uma súbita expressão de desinteresse, se levantou, pegou suas coisas e começou a caminhar para a saída.

Diga alguém mais ousado que esse cara e falhe miseravelmente.

“O que...?!”

“Se não é uma dessas duas coisas, não são dignos do meu precioso tempo. E tempo é dinheiro! Agora, se me dão licença rapazes...”

“EI! ESPERA UM POUCO!”, Arthur se levantou irritado. “Pelo menos ouça o que temos para dizer!”

Ele suspirou.

“Acho que são vocês que não estão me ouvindo! Eu já falei que se não for para falar de dinheiro, não vale me tempo!”

“|AUMENTAR CARGA|!”

Usei minha habilidade em sua direção e o imobilizei no canto – quando ele passou por nós para ir para a escada, consegui tocar na borda da sua bata. Agora ele não iria a lugar nenhum!

“....?!”

“Você não vai á lugar nenhum até nos responder o que queremos saber!”, disse, agora me sentindo no controle da situação. Que sensação maravilhosa!

“O que você...?!”, ele tentava falar, mas o peso de uma gravidade aumentada em 3x recaindo sobre ele não ajudava muito suas cordas vocais.

“Junior! Não exagere muito. Ainda precisamos...”, antes que Arthur terminasse de falar, seu //CETRO DO COMANDANTE DA POEIRA// surgiu do saquinho minúsculo preso à seu cinto e ele segurou normalmente.

Como?!

“Ele segurou aquele cetro de boas? Como?”, pensei comigo, impressionado.

“|INVERTER PROBABILIDADE: VENTOS PARA O NORTE|!”, ele gritou.

Que nome de habilidade era aquele? Mesmo que eu pudesse teorizar o que poderia ser apenas pelo nome, ainda assim não aconteceu nada a princípio.

Até que...

*VUUUP*

“AAARGH!”

“UUURGH!”

Eu e Arthur afundamos no chão e ele se livrou do efeito do |AUMENTAR CARGA|. Agora nós é quem estávamos pesados e grudados no chão, se podermos nos mexer. Ele nos pegou completamente desprevenidos!

“Uau! Que habilidade singular, tenho que admitir! Porém, vocês se deram mal em mexer justamente comigo.”

“Dro...ga... Junioor! Desative... a... HABILIDADE!”, Arthur fez o máximo de esforço para gritar.

Eu ainda tentei, mas não desativava. Era como perder o controle sobre as próprias habilidades. Ele teria roubado a minha habilidade de mim ou copiado ela? Ou então...

“Você... usou a...”, o peso extremo sobre os meus pulmões não me permitia falar muito.

“... sua habilidade contra você mesmo? Na mosca!”, respondeu, confirmando minhas suspeitas. “A minha habilidade |INVERTER PROBABILIDADE: VENTOS PARA O NORTE| me permite que eu anule quaisquer efeitos causados por uma habilidade em mim e os transfira para quem usou a habilidade orginalmente. Além disso, o ataque lançado não tem limite de tempo e não pode ser desativado até que eu mesmo desative.”

“Merda! Ele está nos rendendo... com a minha própria habilidade!”, pensei, me xingando por ter sido tão descuidado. Em apenas um balançar de seu cetro, ele virou o jogo completamente ao seu favor.

Não demorou para que alguns de seus mercenários e guarda-costas entrasse na sala só para assistir ele nos humilhando. Com uma habilidade tão escrota como aquela, quem precisava de seguranças?

“Merda...!”

“Desse jeito... vou ter que ser obrigado... a usar a Salamandra...”

“Mas agora eu fiquei interessado.”, ele fez uma pausa, se agachando na nossa frente com a maior cara de inocente, como se nós não estivéssemos sendo quase esmagados no chão. Além de ardiloso, ele era um psicopata carimbado. “Quem são vocês e porque cometeram essa loucura de me atacar? E ainda com uma habilidade tão... singular como essa?”

Ele viu que não conseguiríamos um diálogo com aquela habilidade esmagando nossos pulmões, então ele desativa sua habilidade e toma uma distância segura, se reunindo com seus guarda-costas. Além disso, alguns espectadores curiosos ficaram bisbilhotando a entrada para ver o que acontecia.

Peguei um pouco de fôlego antes de responder. Ele ainda estava de pé, esperando nossa resposta:

“Nós... queremos apenas... uma... informação.”, disse, ofegante.

“Uma informação? E que tipo de informação seria essa? Vocês não são comerciantes e nem parecem ser mercenários atrás de alguma cabeça.”, ponderou o mercador, os dedos alisando o queixo fino.

“Quero saber... onde está um ferreiro... chamado SVOATH.”, Arthur tomou a iniciativa repentinamente. “Nós viemos até aqui porquê... só você deve saber.”

Ele analisou a pergunta e não respondeu nada por um tempo. Após seus olhos dançarem entre várias direções aleatórias, chegou a um veredito sobre a pergunta:

“E o que eu vou ganhar caso eu conte isso a vocês?”, a pergunta fatal que qualquer bom homem de negócios faria.

Isso me colocou em uma posição delicada em que eu teria que negociar algo e não imaginei nada que eu pudesse ter que fosse do interesse de Bazz7. O que um comerciante dono de uma das maiores organizações comerciais do continente poderia precisar ou querer de dois aventureiros desconhecidos e de nível baixo?

A resposta era óbvia.

“Não tenho nada que possa interessar a você, então que tal tornamos isso um pouco mais interessante para nós?”

“...?”

“Junior... o que você está pensando?”, Arthur pergunta, inquieto.

“Está bem. O que tem em mente?”, pergunta Bazz7, curioso.

Uma aposta!

Os olhos de Arthur e do comerciante arregalaram, um de êxtase e o outro de desespero. Se minha teoria estivesse correta, independente do que fosse apostado, Bazz7 não iria recusar. O que ele teria a perder?

Por outro lado, nós poderíamos nos ferrar ainda mais.

Os olhos dele brilhavam. Como o esperado, Bazz7 estava sedento pela aposta. Não queria saber o que seria posto na mesa ou como seria a disputa. Só de pensar que teria a chance de correr algum risco em uma disputa, seu coração já acelerava. Era um verdadeiro maníaco por apostar.

Dava até medo a forma como ele perdeu a compostura rapidinho. Arthur me puxou pela ponta da brafoneira e sussurrou para mim, a voz sendo tomada pela angústia temperada com raiva:

“Está louco, Junior?! O que pensa que está fazendo?!”

“Estamos apostando. É a única forma de tirar alguma informação desse cara.”, me justifiquei.

“Droga, Junior! Você fez justamente o que a Justine disse para nós não fazermos!

“Relaxa, Arthur! Eu tenho tudo sob controle.”, disse enquanto dava um tapinha em seu ombro.

“E então?! O que nós vamos apostar, garoto?”, pergunta Bazz7, eufórico.

Nem precisei pensar muito para decidir o que queríamos.

“Se nós ganharmos, você irá nos dizer o que queremos saber e sem enrolação!”, exclamei.

“E um barco também seria bom.”, apontou Arthur, timidamente.

“Ah... tá bom. Um barco também!”

“E se eu... ganhar?”, a forma como ele perguntou aquilo me deu calafrios.

“Nós... vamos servir a você pelo resto da nossa estadia aqui.”, disse com certo receio nas palavras.

Arthur montou uma cara de desaprovação. Com certeza eu estava apostando muito alto e sem seu consentimento. Conhecendo-o como eu conhecia, nada que um murro em mim não o acalmasse depois.

“Ótimo! Então a disputa será da seguinte forma...”, ele pediu algo para um de seus guardas e ele lhe entregou algo bem pequeno e brilhante.

*BLING! PLING! PLING*

“Um sino?”, pensei ao ouvir o leve sibilar deles.

Os três guarda costas se afastam, deixando o grande salão livre para nós. Estava ansioso – tanto quanto Arthur – para saber qual seria o desafio que Bazz7 escolheu para nós.

“Então, preparados? A nossa disputa será bem simples: vocês terão exatamente 10 minutos, contados por Tchalu, para tentarem tirar esses sinos de mim.”, ele balançou o pequeno par de sinos entre os dedos. “Só isso.”

O grandão musculoso e mal-encarado atrás dele concordou com um aceno de cabeça.

“Mesmo? Só isso?”, perguntei novamente. Eu acho – só acho mesmo – que eu já tinha visto isso em algum lugar.

“Sim. Só precisam tirar um desses dois sinos de mim. Caso consigam, vocês vencem. Caso não, vocês perdem. Então, vamos começar?”

E de repente, uma mensagem mental chegou para mim no exato momento que ele terminou de falar. Era a clássica mensagem do sistema, anunciando meu próximo passo:

 


– MENSAGEM DO SISTEMA –

– NOVA [MISSÃO PRINCIPAL] DISPONÍVEL! –

– PEGUE OS SINOS DE BAZZ7 (TEMPO RESTANTE: 10min) –


 

E eis que agora começavam nossa corrida contra o relógio para roubar os sinos dele, antes que virássemos serviçais.



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