Cheaters Brasileira

Autor(a): Kuma


Volume 1 – Arco 3

Capítulo 43: Consequências da traição

 

O tempo pareceu se arrastar muito lentamente a cada tremida e movimento do elevador.

Sim... não houve nenhum momento em que conversamos, eu e Astholf. Ele parecia estar tenso o caminho inteiro. Como se estivesse... preocupado? Ou talvez nervoso?

Com certeza pela reação inicial dele, o ferreiro bebum não esperava me encontrar ali. E o que será que ele tinha para fazer no templo do deus da forja?

Logo ele, uma das últimas pessoas que pensei que voltaria a encontrar em meio à todo aquele caos.

Mas seja lá quais fossem minhas impressões ou suspeitas, eu tinha que ficar na minha. Até porque tinha coisas mais importantes agora com que me preocupar.

Como Arthur que foi capturado por aquela mulher encapuzada e misteriosa. E o fato dessa mulher possuir uma das 15 pedras.

Quem poderia ser?

Thayslânia já havia se revelado, então só havia mais duas alternativas possíveis: Vanessa e Letícia. Uma delas estaria trabalhando para a nação rival da Thays?

Não... não queria pensar nessa possibilidade. Não queria, mas... não tinha como não pensar!

Ela tinha um //FRAGMENTO DE ALMA//! Só nós, que viemos do mundo real, tínhamos um. Não havia outra explicação, não havia rodeios. A realidade me dava um tapa forte na cara.

Picker me trouxe para terra firme, esgueirando seu rabo por baixo da brafoneira e tocando meu rosto com a ponta. Ele ou ela ou eles... estava sentindo minha insegurança? Minhas dúvidas me tirando do foco?

— Picker...?

— Então garoto... — Astholf falou de repente, do outro lado da plataforma. Seus olhos estavam fixos em algum lugar perdido da paisagem subterrânea. — Conseguiu o que queria com o rei? E onde está seu amigo?

Meus lábios secaram quando lembrei que Arthur estava nas mãos de pessoas perigosas. Meu peito estava insuportavelmente apertado, como uma mão invisível esmagando meu coração.

— Nós... nos separamos. — Foi tudo o que consegui dizer.

Astholf me olhou de canto de olho, mas também não disse mais nada.

Alguma coisa nele não me cheirava bem — e não era só o cheiro de cachaça. Ainda me questionava o porquê dele estar ali em meio à um golpe de estado, sendo que a última vez que nos encontramos foi na casa da velha anã tarada.

Será que ele era um dos insurgentes?

Será que estava pensando em alguma forma de me despistar? Ou de se livrar de mim?

Eu não tinha como saber de nada disso, mesmo depois das cenas que vi durante a tela de carregamento.

Só me restava seguir o roteiro — como sempre, aliás.

A situação na cidade estava preta. Mesmo depois descermos bons níveis na ||FORNALHA||, ainda era possível ouvir os sons estridentes de explosões e sentir cada tremor nas cordas que sustentavam a plataforma.

E enquanto isso, um clima tenso se formou ali como nuvens carregadas.

Astholf deteve seu olhar em uma pequena seção de um dos corredores à sua esquerda. Não havia ninguém passando naqueles corredores e nem mesmo as máquinas que vigiavam os túneis passavam.

Era só um buraco semicircular tapada com o que parecia ser uma porta de madeira velha, escondida sob a penumbra de uma pilastra. Será que ele tinha bugado afinal?

— Você... já fez alguma coisa que se arrependeu amargamente, jovem?

Uma pergunta repentina. Seria algum evento? Talvez algum trigger para uma cutscene?

Não... nenhum sinal, sonoro ou visual, foi mandado para mim.

Então por quê? Por que ele estava me fazendo aquela pergunta de repente?

— Várias coisas... — Uma resposta vaga até eu ter certeza do que eu estava fazendo. — Por quê?

O velho bebum cambaleou de um lado para o outro, esgueirado nos corrimões da plataforma. Seu olhar estava distante, perdido, fundo.

Fingi que não vi nada e continuei esperando por uma resposta.

— Então você deve entender qual é o sentimento de alguém que vive com uma ferida aberta, não é?

Ferida?

— Entendo... — Ferida?

Ele era apenas um NPC. Um NPC! Nada mais, nada menos.

Como algo que só existia para cumprir a função de um código, algo que só analisava dados e cumpria uma script, poderia sentir algo como arrependimento?

Será que esse arrependimento já estava programado? Será que era tudo parte do jogo?

Não... por mais artificial que fosse, eu conseguia ver algo... humano, em seu olhar. Algo verdadeiramente humano.

Um sincero sentimento de arrependimento, perda... seus olhos eram obscurecidos pela amargura.

E então, um flash me passou pela cabeça: um flash de Justine.

Quando pensei em todas as conversas que tivemos, elas me pareceram tão naturais que as vezes eu esquecia que estava falando com um NPC.

Assustador... algo tão assustador quanto incrível pensar que os bonecos que desenhei e projetei se tornariam tão humanos quanto nós.

— Já se pegou pensando que... todos os dias... gostaria de morrer, mas nunca consegue? — As palavras de Astholf saíram como um sopro.

— Eu... tenho muito o que fazer, então não penso muito nisso.

— Ah sim, todos nós sempre temos que olhar para o futuro, não é mesmo? — Que futuro teria um NPC? — O avanço, o progresso, a mudança... o futuro é só o que importa, não é mesmo?

Evitei responder.

Sem opções de diálogo.

Sem certo ou errado.

Eu estava completamente perdido sobre como eu deveria reagir.

Acho que era o mais próximo da sensação de estar no Mundo Real que tive desde que entrei naquele mundo.

Já começava a anotar mais um ponto para estudar assim que conseguisse trazer meus amigos de volta para casa: estudar aquele jogo.

Um clique seguido de uma tremida na plataforma foi o sinal de que tínhamos chegado ao fundo da ||FORNALHA||.

Bom, o lugar opressivo, escuro e extremamente quente dizia por si só. Era o ninho do deus da forja, Bjorn, afinal de contas.

E por falar nele... 1 minuto sobrando!

Eu praticamente saltei da plataforma e cruzei pedras e mais pedras farpadas e traiçoeiras e lagos de lava como se fossem um parquinho.

A urgência em completar a missão e o medo de falhar era maior que o medo das pontas afiadas daquelas rochas que pareciam obsidiana pura e lapidada em lava.

Quando cheguei aos portões pesados do [TEMPLO DE MAGMA], já abertos para o meu terror, atravessei correndo para o interior como um jato hipersônico.

50 segundos.

Corri por mais e mais salões gigantescos e suntuosos, cruzando mais e mais colunatas gigantescas.

Sinais de luta e destruição por todos os lados.

Paredes chamuscadas, pilares ruídos e pedaços de madeira e ferro retorcido no chão.

30 segundos...

O portão que separava o resto do templo da forja do deus Bjorn também estava aberto.

20 segundos...

Os corpos começavam a aparecer. Corpos de soldados carbonizados por todos os lados.

10 segundos...

E em meio a eles, um maior e gigantesco estirado no centro da sala. Era o de Bjorn!

— Arf... arf! Merda! Cheguei tarde?

— Wiwiwiwiwii!

O deus de forja foi derrotado? Por soldadinhos comuns como aqueles? Não podia ser possível...

Tinha alguma coisa errada... muito, muito errada!

Mas uma coisa era certa: Bjorn estava gravemente ferido. Seu HP, eu pude ver, estava crítico.

Ele estava arquejando no chão com um grande corte profundo em seu peito, escorrendo sangue.                      Vários outros ferimentos menores cobriam seu corpo.

Quem poderia ter feito isso? Será que a aquela mulher de capuz era a responsável? Sua aparição na ||FORTALEZA DE FERRO|| teria sido só um chamariz? Uma cópia como foi no túnel?

Eu não conseguia concatenar nada com nada na cabeça. Tudo passava muito depressa e tudo parecia tão desconexo... Eu só conseguia tremer enquanto tentava pensar em alguma forma de ajuda-lo. De salvá-lo.

Tudo culpa sua, tudo culpa sua, tudo culpa sua...

Picker surgiu da brafoneira, olhando o gigante anão caído e parecendo triste. O tom dourado vivo de seus olhos se apagou.

— Merda... como isso foi acontecer?!

— Hum...

Grunhidos fracos saíram do deus da forja, como se tentasse falar.

— Sou eu, Juniorai! Estou aqui, estou aqui — disse enquanto tocava seu rosto gigante, encarando seus olhos semicerrados.

— Humano... você... voltou.

— Sim. Quem fez isso com você? — perguntei, apesar de não ser uma hora tão boa para interrogatórios.

— Aquela... mulher. Ela... eles... roubaram quase... todo o estoque de...

— //FERRANIUM//?

Bjorn assentiu com um movimento fraco de cabeça enquanto cuspia um filete de sangue da boca, escorrendo pela barba.

Soltei um estalo de língua e meus olhos foram até o depósito onde ele mantinha suas grandes barras de //FERRANIUM// mágicas.

Não sobrou mais nenhuma de testemunha.

— Merda, merda, merda! Esse era o plano daquela filha da mãe o tempo todo! Não devíamos ter ido até Thor-ardd.

— Preste... atenção... humano.

De repente, a tela fechada, focada nele de novo. Uma custscene.

A missão tinha sido completada, mas eu sentia um sentimento terrível de derrota. Um gosto amargo de fracasso inundou meus lábios.

— O que?

Ele se esforçou para tirar algo de dentro de sua roupa, sua respiração lenta e pesada. Seu corpo tremia muito como se estivesse com calafrios.

Era um pedaço de alguma coisa coberta por um papel. Um embrulho amarrado por cordas sujas de fuligem. O objeto escapou de seus dedos enormes e desceu até soltar um zunido metálico.

O objeto desceu rápido pro chão, se mostrando algo bem pesado.

Eu o peguei com certa dificuldade. Quando percebi, ao desembrulhar, era um pedaço maciço de ferro.

Uma barra de ferro pesada, mas não era igual ao //FERRANIUM// comum que eu vira antes, tampouco se parecia com qualquer mineral que eu já tivesse visto naquele mundo antes.

Também não se compara com as rochas vulcânicas que cercavam o ||TEMPLO DE MAGMA||. Era bem mais polida, brilhante e uma cor de ébano reluzente, como se fosse composta do céu noturno e estrelado. Não sei o porquê, mas eu também conseguia sentir uma energia pulsando e oscilando naquela pedra, ou metal ou mineral... sei lá.

Como se ela... como se aquilo fosse algo vivo.

Lá também havia um papel amassado ao lado do pedaço de metal. Levantei uma sobrancelha, sentindo uma pontada de curiosidade. Ignorei por hora.

Eu só tinha que saber que, se ele estava me dando aquilo, era algo importante e que merecia ser guardado.

— Pegue... — arquejou ele. — Não deixe... cair nas mãos... dos... invasores.

— O que é isso? Por que está me dando isso? — Impotência. Eu me sentia impotente, terrivelmente impotente. — Qual o significado disso?

— Entregue... para... ela. A. Receita... — Bjorn engasgou, as palavras sendo sufocadas por gorfadas de sangue.

— Droga... Não fale muito. Você está muito ferido! Tem que se recuperar e...

Mas no fundo, eu sabia. Eu sabia que ele não se recuperaria. Que era o fim para ele.

Palavras vazias... eram só palavras de conforto vazias.

E ele também parecia saber, tanto que forçou um sorriso por baixo daquela barba espessa, suja de sangue. Suas rugas e marcas de expressão pareceram se suavizar diante dos últimos suspiros.

E de novo, eu não conseguia fazer nada.

Um deus inútil... era isso o que eu era, afinal.

— Confio... em você... héroi da... profecia.

E ele se permitiu fechar seus olhos. Pra sempre.

E deixar que seu corpo desaparecessem em partículas luminosas como vagalumes até desaparecerem no ar. Um show de luzes intensas se dispersando quase seu corpo se desfez.

BLAAAAM!

Os portões se escancararam atrás de mim, do salão intermediário, como se levassem uma pancada forte.

Pelo jeito, o luto teria que esperar.

Eram as tropas de anões invadindo. Não... não os anões rebeldes; eram os [LEGIONÁRIOS DE AÇO] do rei dos anões!

O que eles estavam fazendo ali?

Quando foi que eles desceram a ||FORNALHA||?

— Você! Parado aí! — disse um deles com uma voz altiva de comando.

— Ei! Pera aí! Eu não sou inimigo de vocês! — Levantei as mãos, tendo o cuidado de deixar que o item que Bjorn me deu antes de morrer estivesse seguro em meu inventário. — Estamos do mesmo lado!

— Não escutem ele, senhores. — Uma voz conhecida despontou no meio deles. Astholf! Ele surgiu andando entre as fileiras de [LEGIONÁRIOS DE AÇO], de braços cruzados e um olhar frio de indiferença. — Esse estrangeiro... esse intruso atacou e matou o deus de forja para usurpar o coração da ||FORNALHA||. Ele deve ser o responsável pela invasão que está acontecendo agora na superfície.

Os olhos dos anões guerreiros se inflamaram. Me sentia como se só seus olhares furiosos pudesse destroçar meu corpo.

— Ei! Isso é mentira! Eu estou do lado de vocês!

— Fique parado onde está! Você será levado em custódia! Se resistir, o mataremos aqui mesmo! — ameaçou um deles.

— E quem é você afinal? Como podemos confiar em sua afirmação? — perguntou outro, se virando para Astholf com um olhar severo.

— Eu sou Svoath, o antigo deus de forja e um cidadão da Capital de Aço!

Nesse momento, meus olhos quase caíram da minha cara. Quis engolir em seco, mas a garganta secou tanto quanto os lábios.

Ele?! Astholf, o velho bêbado e fedendo a cachaça e suor que conhecemos em uma taverna aleatória da cidade era o Svoath que Arthur tem procurado esse tempo todo?

E pensar que esse canalha esteve do nosso lado o tempo todo... que raiva, que raiva!

— Você...! Você estava por trás do ataque ao monastério onde o Arthur treinou! — Apontei para ele. Era estranho falar do Arthur daquela forma, como se ele não fosse aquela pessoa que eu já conhecia do ensino médio, mas um personagem da ficção. — Você nos enganou! Você nos levou para a ||FORTALEZA DE FERRO||, para uma armadilha! Você montou todo esse palco o tempo todo... só para me incriminar?!

Astholf... ou melhor, Svoath, fez menção a sorrir, mas o sorriso não chegou ao rosto.

— Não faço a mínima ideia do que está falando — rebateu, balançando a cabeça e dando de ombros. — Está mais do que óbvio quem foi o responsável pelo assassina do deus da forja, o coração pulsante de ||BASIN-C||. Não há o que se discutir quando as evidências aqui são o suficientes.

— Desgraçado! — Fiz menção a ataca-lo com a //WINGSLASH//, mas isso só iria piorar as coisas para mim.

E tive a confirmação disso quando um dos anões gritou para mim: — PARADO AÍ! Se fizer mais um movimento, você vai morrer aqui e agora, ouviu?!

— Porra!

Eram muitos e eu estava praticamente encurralado ali. Todos eles eram [LEGIONÁRIOS DE AÇO] de Nv.40, fortíssimos, armados e equipados até os dentes.

Mesmo com Arthur, não sei se venceríamos todos eles. Deviam ser pelo menos três fileiras de vinte soldados, sem falar nos que podiam estar aguardando do lado de fora.

Enquanto pensava no que fazer, analisando todos eles, seus atributos, números, armas e cenário, minha mente trabalhava a todo o vapor.

Tanto que não notei que Svoath estava fazendo um sinal para mim. Bem... não sei se podia chamar de sinal ou não — um tique nervoso no olho esquerdo, quase imperceptível, se eu não notasse suas rugas e marcas de expressão se repuxando, o único movimento significativo em meio à um mar de rostos cegos de fúria.

Ele olhava para mim então para algum lugar à sua direita, como se sinalizasse alguma coisa. Seria uma armadilha?

Bom... não tinha tanto tempo para pensar naquilo. Os soldados anões estavam vindo na minha direção, me cercando.

Eu tinha que agir rápido ou também seria capturado.

— Droga! Ele é o inimigo! Ele trabalha para o inimigo! Ele está por trás desse golpe de estado, do ataque... de tudo! — Nem eu mesmo tinha certeza, mas era o que tudo indicava.

Mas ninguém me ouviu. Eles só queria me capturar a todo custo.

Nesse caso...

— |ZONA IMOBILIZADORA|!

Usei minha habilidade na maior quantidade de anões possíveis e os prendi.

— Urgh! — grunhiu um.

— Maldição!

— Não consigo me mexer! Merda!

— O que você fez conosco?!

— Foi mal aí, mas eu não quero voltar para outra masmorra. Tô caindo fora!

— Wiwiwiwiwii! — Picker indicou a mesma direção para onde Svoath indicava com os olhos.

Lá tinha uma passagem alternativa, escondida entre duas cômodas gigantes. De novo... bem conveniente.

Se bem que parecia mais um buraco de ratos do que uma “passagem secreta” em meio àqueles móveis enormes. Ainda assim, era meu passaporte para fora dali.

Desculpa, Bjorn.

Eu corri para fora dali, me enfiando no buraco na parede que formava um túnel quase interminável para fora do ||TEMPLO DE MAGMA||.

— ESPERE! PARADO AÍ! — gritou um dos anões.

Lá fora, como imaginei, havia um perímetro formado pelos [LEGIONÁRIOS DE AÇO]. Mas o ambiente, apesar de hostil, também me ajudaria na fuga.

Era difícil enxergar qualquer coisa que fosse menor do que um anão rastejando pelo meio das escarpas afiadas e negras, e mesmo que algum daqueles NPC’s fosse causalmente conferir, eu tinha uma boa... camuflagem.

Sim... acho que com algum esforço eu conseguiria sair de lá.

Mas antes de ir embora, Astholf... Svoath, estava parado também na saída do buraco, me olhando de cima a baixo. Seu rosto era indecifrável.

— O que você quer agora? Veio me impedir por acaso? — Peguei o machado, pronto para silenciar um NPC tagarela e traíra.

No entanto, mais uma vez, o jogo me mostrou o quanto podia ser imprevisível, mesmo tendo sido criado por mim.

— Não. Eu vim te dar uma coisa apenas. — Ele se aproximou de mim e eu recuei alguns passos. Percebendo minha hesitação, ele emendou: — Não se preocupe. Não irei alertar os [LEGIONÁRIOS DE AÇO].

Ele colocou algo na minha mão. Era um disco pequeno de metal negro, algo parecido com um espelhinho de maquiagem que meninas usavam. Seus olhos estavam fundos quando colocou o item na palma da minha mão, porém não tinham mais aquele ar cínico de antes.

Depois disso, o sistema enviou uma resposta:

 

 


ITEM ADQUIRIDO!

 

//DISPOSITIVO DE RETORNO(DR)// – x1

//BARRA DE VULCARION ENERGIZADA//x1

//INSTRUÇÕES DE BJORN// x1

 

-

[Detalhes]


 

 

Minha visão se abriu de novo e tudo ficou mais claro. Até agora eu estava na cutscene, quem diria...

E foi só quando ela acabou que os itens que ganhei de Bjorn e de Svoath foram registrados em meu inventário pelo sistema.

Muito bem, muito bem...

— Então... por que está me ajudando, afinal? Por que está me dando isso?

Subitamente, seus olhos ficaram melancólicos. Um raio daquela culpa e tristeza que vi na plataforma estavam voltando agora. Aqueles... traços humanos.

— Bom... talvez você não entenda isso, mas uma vez cometi um grave erro pensando estar fazendo o correto...— Ele espalmou as mãos, olhando para elas como se pudesse ver sangue escorrer delas. — Por causa do meu erro muitos sofreram e muitos estão sofrendo agora. Inclusive...

— ... o Locke? — Eu tinha visto as cenas durante a tela de carregamento.

Eram cenas do passado dele. De Svoath.

O velho homem me encarou incrédulo e assombrado.

— C-c-como você sabe disso? — soluçou.

— Não importa. Quando falava de arrependimento na plataforma, estava falando disso?

Se antes ele estava se esforçando para não deixar escapar nada, agora as emoções transbordaram como em uma barragem que se rompeu. Ele caiu no chão de joelhos e sua respiração ficou ofegante enquanto chorava e soluçava.

— Eu... eu... não tive escolha. Essas pessoas... nunca vão mudar! Nunca! Nunca vão enxergar além de um passado... retrógrado. Nunca vão deixar esse ciclo de preconceito e raiva! Eu... precisava fazer isso. Por todos nós... por... por...

— Precisava? — Eu me pus de cócoras à sua frente, levantando seu rosto e perguntando: — E o que te custou?

Ele não respondeu. E nem precisava — aquelas lágrimas amargas e o peso fazendo seus ombros e pernas cederem já dizia tudo.

— Você não tinha escolha né? Acontece que sempre temos escolha. Sempre há uma escolha. Nada no mundo, nesse ou em qualquer outro, é tão linear que não haja outro caminho a ser seguido.

Svoath tremeu e não conseguiu se levantar mais. Aquele senhor de mais de 60 anos de idade e que acabou de me trair agora parecia uma criança assustada e triste.

Isso me causava uma completa sensação de estranheza... eu... não sabia como reagir.

Então só pude ir embora e deixa-lo ali — até porque o efeito da minha |ZONA IMOBILIZADORA| já tinha se dissipado àquela altura e aqueles caras já deviam estar na minha cola como cães farejadores.

Eu não podia me dar ao luxo de ter dar uma de psicólogo ali. E quem sabe se esse não era o plano de Svoath também para me atrasar? Comprar tempo para as tropas do rei dos anões?

— Só pense nisso. Vai ter muito tempo para pensar, agora que vocês conseguiram o que queriam. — O tom saiu um pouco mais amargo do que eu pretendia.

E então parti.

Não sei se foi impressão minha ou o quê, mas eu jurei que ouvi ele remoendo algumas palavras antes de eu perder sua voz completamente no meio dos sons metálicos e rios de lava nos arredores.

Pelo menos agora... só agora... eu sinto que fiz algo correto.



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