Volume 2

Capítulo 3.1: Hino Desumano

O Guardião do Norte, Marquês de Rosenberg, Georg Von Rosenberg, Calendário Imperial: 15/09/1505, Proximidades do castelo do Lorde Demônio Dantalian

 

“Parece que o inimigo não tem nenhum posto militar à frente, Vossa Senhoria.”

“Mm. Então está de acordo com as informações de nossos espiões. Parece que não há nada de impressionante sobre este Lorde Demônio chamado Dantalian…”

Eu assenti após escutar o relatório do meu subordinado.

Atualmente, minhas tropas, as tropas do Marquês de Rosenberg estavam marchando lentamente. O destino era a fortaleza do Lorde Demônio Dantalian. Nossa campanha estava procedendo perfeitamente. A moral das tropas estava alta e todos os soldados estavam com seus passos leves.

Esta foi uma expedição repentina, mas todos eles estavam aceitando. Eu estava honestamente agradecido. Uma força de mil e quinhentos soldados estava seguindo obedientemente as ordens de seu superior sem dizer uma palavra de reclamação. Não havia nada que deixava uma pessoa de grande status mais realizada do que isso.

“Vossa Senhoria. Você acha que é verdade? O rumor que há um estoque infinito de ervas negras acumuladas no castelo do Lorde Demônio Dantalian…?”

“Não importa se é verdade ou não. O importante é o fato de um rumor deste tipo ter se espalhado por todos os cantos de nosso território.”

A razão decisiva para termos sido enviados era a Peste Negra.

A praga aterrorizadora havia se estabelecido instantaneamente como um pesadelo, reinando sobre todas as pessoas nas cidades. Os amigos e familiares que estavam saudáveis ontem se tornavam corpos frios na manhã seguinte. Era a encarnação do terror.

Infelizmente, o mesmo ocorria com as pessoas nas minhas terras. Passado apenas um mês desde que a doença se espalhou, dois mil de meus cidadãos haviam falecido.

Todos tremeram de medo da mazela, independentemente de status social. De acordo com o relatório de um coletor de impostos, a população de um pequeno vilarejo nas montanhas havia sido completamente aniquilada. A princípio ele havia ido para o local para receber os impostos, mas acabou tendo que enterrar os corpos. Era uma história perturbadora…

“Os meus súditos estão no auge do medo e da insegurança. Se nós apenas ficarmos parados e não fizermos nada, o sentimento da população será perturbado. E caso isto aconteça, como resultado há a possibilidade de uma revolta ocorrer.”

“Uma revolta…”

O rosto do meu ajudante de ordens endureceu. [1]

Ele deve ter ficado surpreso que eu, o senhor, havia mencionado a possibilidade de uma rebelião. Meu ajudante podia até estar sendo competente, mas lhe faltava um pouco de coragem. Ele relaxaria se eu sorrisse agora?

“Conforme as coisas estão agora, isto é uma mera hipótese. Pense sobre isto você mesmo, o que os meus súditos fariam se o senhor deles não fizesse nada enquanto eles assistiam amigos próximos e colegas morrendo? Seria difícil tolerarem isto.”

“Mas isto é irracional… A Peste Negra não é uma punição divina vinda dos Deuses? Isto não é algo que Vossa Senhoria tem capacidade para lidar.”

“Seja isto uma punição divina ou qualquer outra coisa, é dever do senhor cuidar de seus súditos. Se um senhor ou senhora fugisse desta situação, a única coisa que os aguardaria é a ruína.”

“Vossa Senhoria.”

Meu ajudante de ordens olhou para mim com os olhos cheios de admiração.

Pare de olhar para mim com os olhos assim. Eu não disse algo óbvio? O fato dos jovens de hoje em dia ficarem comovidos tão facilmente é problemático.

Ou será que eu fiquei tão velho que já sou incapaz de me manter tão sensível quanto eles? Isto é deprimente. As únicas coisas que aumentam com a idade são a quantidade de rugas e de celulites. Seria bom ir para um campo de batalha rapidamente e ter uma morte honrada…

Se eu tivesse que reclamar de algo, então seria do fato que não houve nenhuma guerra que realmente se parecesse com uma guerra nestes últimos anos. Algo no nível de uma guerra total era ainda mais improvável graças ao surto da Peste Negra.

Por isto, eu tinha uma grande chance de morrer, mas não nos terrenos acidentados de um campo de batalha, mas sim em cima de uma cama confortável. Em outras palavras, uma morte vergonhosa para um guerreiro. Eu não teria a honra necessária para poder olhar nos olhos dos meus ancestrais no pós-vida….

“Ao menos os cidadãos precisam saber que seus superiores não estão sentados sem fazer nada. Se realmente há ervas negras no castelo do Lorde Demônio ou não, isto é uma questão secundária. Mostrar para eles que nós estamos nos esforçando o máximo que podemos para fazer alguma coisa é o que importa.”

“Entendo. Isto que é política, huh…”

“Mm.”

Eu assenti.

“A coisa a que nós mais deveríamos ser gratos  é que Dantalian é o protagonista deste rumor. É um alívio que se trata do Lorde Demônio de rank 71.”

“Um alívio?”

Era isto mesmo.

Supondo que o rumor espalhado dissesse que aquela que estava monopolizando a erva negra era a Lorde Demônio de 8º rank, Barbatos. Seria imensamente difícil para minhas forças como um Marquês sozinhas atacarem Barbatos. Seria impossível utilizar este rumor politicamente.

Por outro lado, Dantalian de rank 71 era um novato.

Ele estava no nível de um indivíduo que você acabava esquecendo frequentemente.

“Nós podemos torcer o pescoço de Dantalian sempre que quisermos. Honestamente, é até um desperdício chamá-lo de Lorde Demônio. Ele é só um ninguém. Nada mais, nada menos.”

De acordo com as informações que nós coletamos, Dantalian não possuía uma base apropriada e reside em uma caverna. Ele não possui um posto militar sequer como defesa. Está tudo bem em dizer que subjugar o Lorde Demônio Dantalian era tão fácil quanto quebrar o braço de uma criança.

Portanto, era uma sorte.

“Nós somos capazes de enviar nossas tropas porque nosso alvo é o Dantalian, se fosse Barbatos, então nós não poderíamos nos mover nem mesmo um centímetro. Teríamos que sentar e esperar pacientemente até que meus súditos começassem uma revolta. É uma sorte que a fonte deste rumor é o Dantalian…”

Meu ajudante ficou maravilhado.

“Após escutar as palavras de Vossa Senhoria eu compreendi que a Deusa da Sorte está mesmo cuidando de Vossa Senhoria.”

“Mm? É isto mesmo?”

“Sim. Os outros territórios não estão tão longe que seria difícil para nós enviarmos nossas tropas mesmo que quiséssemos? Mas as terras de Vossa Senhoria são relativamente próximas do castelo do Lorde Demônio Dantalian. Não importa o quão grande é o império, apenas Vossa Senhoria recebeu esta oportunidade!”

“Isto é sorte. Você só pode confiar neste tipo de sorte algumas vezes durante toda a sua vida.”

Mas eu entendo. O que meu ajudante disse é coerente. Eu deveria me permitir ficar contente pela Deusa ter me presenteado com esta chance?

Propelindo a voz de dentro do meu peito, eu ordenei.

“Soldados, avancem! Faltam apenas dois dias até chegarmos à fortaleza de Dantalian. Lá conquistaremos nossos espólios de guerra!”

“Sim, Vossa Senhoria!”

Os oficiais comandantes se espalharam e comandaram o resto dos soldados.

“Mexam-se logo. Acabou o descanso. Levantem essas suas bundas sujas e marchem um atrás do outro como patinhos!”

As tropas começaram a se mover diligentemente. Todos os soldados estavam utilizando equipamentos leves. Nós havíamos mobilizado tropas equipadas com equipamentos leves assim propositalmente para acabar esta batalha o mais rapidamente possível. Também seria difícil transportar os mantimentos se nós não fizéssemos isto, então esta era uma tática óbvia.

Eu olhei para o céu e murmurei.

“O tempo está bom.”

O Sol estava escondido por trás das nuvens. O vento era refrescante. Era o clima apropriado para marchar. Nós muito provavelmente iremos batalhar daqui a dois dias. Vamos destruir rapidamente o castelo de Dantalian e levar paz as minhas terras.

 

Lorde Demônio mais fraco, 71º rank, Dantalian, Calendário Imperial: 15/09/1505, Proximidades do Castelo do Lorde Demônio Dantalian

 

As bruxas relataram que um exército desconhecido estava se aproximando.

A sua força militar era de aproximadamente mil soldados. Um exército composto somente por humanos e nenhum demônio. De acordo com a previsão das bruxas, pela velocidade de avanço dos inimigos, eles chegariam em breve.

“Nós demoramos demais para descobri-los…?”

Eu murmurei desanimado.

Nós os encontrarmos muito tarde. A razão para isto era simples. Era porque nós não fazíamos ideia do local por onde os invasores iriam atacar. O aviso nos dizia apenas que o exército apareceria aproximadamente há esta hora, entretanto, ele não nos dizia exatamente quem eram os invasores e por onde eles nos atacariam.

O resultado disto era esta situação desagradável. Nós permitimos que as forças inimigas chegassem até bem de baixo de nossos narizes. Eu me sentia como se tivesse ficado tão cego quanto um morcego. Por sorte, nós ao menos tínhamos o reconhecimento aéreo das bruxas, mas se nós não as tivéssemos, então o quão tarde nós teríamos os descoberto…?

Os jogos e a realidade eram diferentes. Em uma guerra na vida real não havia algo como uma janela com um mapa que mostrava gentilmente ‘as forças inimigas estão se aproximando por esta direção’. Era deprimente. No fim, eu tive que desempenhar a função trabalhosa de procurar os invasores por conta própria. Era a pior situação possível para um recluso como eu. Não tinha nenhum feitiço que aniquilava as forças inimigas de uma só vez como no jogo? Não tinha nenhum mesmo? Entendo.

Eu queria me matar…

Desde o dia em que eu briguei com Lazuli, eu estive constantemente em um clima desanimado. Tudo no mundo era cansativo;

Por que eu ainda estava vivendo a minha vida? Sendo alguém que já havia percebido que a sua vida era um completo monte de merda aos seis anos, por que eu ainda estava vivo? Eu sou um masoquista?

…Sim, eu sabia a verdade. Era por causa do meu maldito transtorno de personalidade, desde que eu conseguisse atingir meu objetivo, eu não me importava em massacrar crianças e idosos. Eu não sentia nem um pingo de remorso por isto. O próprio ato de transformar a vida de outra pessoa em uma marionete e controlá-la como eu bem quisesse era o prazer da minha vida, e esmagar imbecis arrogantes e jogá-los no esgoto era o que me alimentava. O que mais eu deveria fazer? Quando eu nasci, eu já era assim.

Independentemente disto, uma vez eu tentei escapar do meu destino. Depois que o meu pai morreu, eu havia negado a herança e me isolado. Mas por alguma razão, eu fui jogado de novo em um mundo que seguia a lei da selva. A minha vida estava daquele jeito e voltou a ficar assim novamente…

“Haaa—“

Um suspiro escapou sem que eu quisesse.

Já era difícil viver a vida com diligência, mas também era difícil viver com preguiça? Isto era mesmo o meu destino. Isto certamente combinava com uma vida que era um monte de merda. Todo mundo deveria ir comer bosta.

Laura de Farnese falou.

“Senhor, a sua feição está ruim. Tudo bem com você?”

No momento nós dois estávamos tendo uma reunião de estratégia. Provavelmente ela estava preocupada já que eu tinha soltado um suspiro abruptamente no meio da nossa reunião. Com meus olhos vazios, eu fitei a Senhorita Farnese.

“Farnese. Quando a vida parece ser uma merda, o que você faz?”

“Mm? Do que é que você está falando? A vida sempre foi uma merda. Vossa Senhoria, por um acaso, algum dia pensou que a sua vida fosse algo além de uma bosta?”

A Senhorita Farnese piscou me encarando e eu dei de ombros.

“Bem… até hoje não.”

“Viu? Vossa Senhoria certamente diz coisas inúteis. Diga-se de passagem, esta jovem senhorita pensa cerca de duas vezes ao dia sobre querer se matar. Os impulsos suicidas já fazem parte da vida desta senhorita.”

“A minha quantidade é um pouco menor. Na média de uma vez e meia ao dia, talvez.”

“Eu sabia. Isto não é similar à mentalidade de uma pessoa normal? Não se preocupe com coisas desnecessárias, senhor. De qualquer forma nós já estamos destinados a nadar no esgoto pelo resto de nossas vidas. Nada vai mudar mesmo que Vossa Senhoria se preocupe.”

“Mmm.”

Eu balancei a cabeça lentamente concordando.

Ela estava absolutamente correta. Sem sombra de dúvidas eu também penso como ela e por isto eu estava concordando. Mas por que eu estava sofrendo com crises de depressão tão subitamente? Eu não sabia qual era o motivo. Quando foi que o problema começou…?

“… Agora eu estou com muito mal humor. Oh Farnese. Vendo que chegamos a este ponto, eu terei que aliviar o meu estresse esmagando os inimigos. Vamos aniquila-los rapidamente sem deixar nenhum para contar história.”

“Apesar desta jovem senhorita não ter nenhuma objeção a esta sugestão… Senhor? Agir baseado nas emoções é um hábito extremamente ruim. Os sentimentos pessoais apenas fazem os indivíduos se tornarem seres de segunda categoria.”

“Eu sei muito bem disto. Mas o que eu posso fazer se eu não consigo melhorar meu humor não importa o que eu faça? Eu não tenho outra opção senão acalmar minha raiva assistindo o rosto das outras pessoas se contorcendo em dor.”

Eu reclamei.

A Senhorita Farnese balançou a cabeça concordando relutantemente.

“Bem. Esta jovem senhorita apenas segue as ordens de Vossa Senhoria. Contudo, se está realmente tão aborrecido, por que não comanda o exército você mesmo? A frustração de Vossa Senhoria pode se dissipar caso assista estes humanos caírem graças aos seus comandos.”

“Está tudo bem. O objetivo desta batalha é despertar o seu potencial. Não serviria para nada se nós colocássemos a carroça na frente dos bois agora.”

“Vossa Senhoria é consideravelmente teimoso com assuntos peculiares.”

Laura de Farnese balançou a cabeça.

“Esta jovem senhorita avisará Vossa Senhoria uma última vez. Há a possibilidade de que esta jovem faça com que todas as tropas, refiro-me as que Vossa Senhoria contratou, sejam aniquiladas. Esta senhorita não tem certeza sobre isto, mas é possível que sejamos derrotados mesmo que o inimigo tenha mil soldados enquanto nós temos três mil. Vossa Senhoria ainda acha que está tudo bem em deixar o comando nas mãos de uma moça destas?”

“Por favor, pare de se preocupar.”

Eu apertei a parte de cima da cabeça da Senhorita Farnese.

Este era um ponto fraco dela que eu descobri nestes últimos dias, durante o tempo que passamos juntos.

A Senhorita Farnese balançou os braços e se contorceu.

“Ah—, ah—. Senhor, não no redemoinho. Eu não gosto que mexa aí.”

“Escute com atenção. Não importa se todas as tropas morrerem. De qualquer forma, a coisa que este mundo mais tem são soldados. Se eles morrerem nós contratamos outros e se eles fugirem nós treinamos mais. O seu Senhor tem tanto ouro que ele pode até começar a enferrujar.”

“Ah— hoah, não pode apertar o redeemoinhoo…”

A Senhorita Farnese desmanchou-se como uma poça. Ela estava com o rosto confuso enquanto se transformava em geleia. Para alguém que não tinha nem um pouco de cócegas, esta senhorita tinha um ponto fraco bem estranho.

“Entretanto, você é um indivíduo impossível de ser substituído. Uma força que não pode ser criada não importa quanto ouro eu ofereça. Permita-me perguntar agora. Eu lhe pareço ser uma pessoa que jogaria fora um indivíduo excepcional, que no futuro poderia ter a capacidade equivalente a de quinhentas mil pessoas, só porque eu achei que perder três mil soldados seria um desperdício?”

“Porque esta jovem senhorita não possui experiência no campo militar…”

“Desgraça, fique quieta. Eu não me lembro de te dar permissão para responder. Apenas receba este cafuné obedientemente.”

“Aak—, aak—, aak—. É por isto que apertar o redemoinho é covardia…”

Hoo.

Vendo a Senhorita Farnese se encolhendo assim, um pouco do meu estresse desapareceu. De fato, eu era um sádico saudável. Um indivíduo exemplar.

Bom. Eu consegui voltar consideravelmente para o meu estado normal. O meu eu de sempre que está invariavelmente correto.

Esqueça a Lapis Lazuli por enquanto. Lide imediatamente com estes bandidos, estes imbecis sem cérebro, que não sabem quem é que manda e estavam invadindo meu território como bem queriam. Ensine a estes tolos o que é a boa educação.

“De Farnese. Pense neste lugar não como um campo de batalha, mas como um parque. A pequena quantidade de três mil brinquedos foi colocada a sua frente para você brincar como bem quiser.”

“Hooah… Brinquedos, é isto mesmo?”

“Exatamente. Trate a vida destes soldados como se fossem baratos. Ou considere eles como sendo apenas meros pontinhos no mapa. Você acha que eu puniria por quebrar alguns brinquedos?”

Em uma situação normal, eu não falaria tão honestamente.

Entretanto, eu e Laura De Farnese éramos similares. Nós fazíamos parte de um grupo de pessoas que eram indiscutivelmente egoístas. Quando conversando com apenas ela, eu não tinha intenção de tomar cuidado com o que eu falava.

Já que ela muito provavelmente pensava a mesma coisa.

“Entendo. Então esta jovem senhorita seguirá as ordens de Vossa Senhoria e brincará com os ataques dos soldados.”

A Senhorita Farnese balançou a cabeça concordando.

“Esta jovem senhorita moverá a vanguarda primeiro.”

Ela moveu um boneco de argila que estava sobre o mapa.

No momento em que ela posicionou a figura de argila no lugar com ‘thud’.

—A batalha havia começado.



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