E daí que sou uma Aranha? Japonesa

Tradução:

Revisão: Serpensortia


Volume 1

Capítulo 1.5: O fim da vida normal (S1)

Isso aconteceu em um dia completamente comum — do tipo que você iria para a escola, conversaria com seus amigos, teria aulas, iria para casa e jogaria videogames, jantaria, tomaria banho e iria para cama. Pelo menos, era isso o que deveria ter acontecido.

Nesse dia, esfreguei meus olhos com sono enquanto caminhava para a escola , já que fiquei acordado até tarde jogando jogos online na noite anterior, e agora estava pagando o preço disto.

Assim que cheguei na escola, sufoquei um bocejo enquanto entrava na sala de aula.

— Bom dia.

— Bom dia.

— Dia… Que cara é essa, mano? Tá parecendo um zumbi.

Cumprimentei meus amigos na sala, Kyouya Sasajima e Kanata Ooshima. Esses dois jogavam o mesmo jogo que eu, então basicamente eram meus companheiros de jogatina.

— ‘Cês não vão acreditar nisso. Eu formei uma party com o próprio PoucaTelha¹ ontem.

— É sério?!

— Pois é. E acabei varando a noite.

— Sem chance, mano. Verdade mesmo? Quando rolou isso? Foi depois que desloguei?

Kanata jogou comigo parte da noite, no entanto, deslogou antes de mim, dizendo que ia dormir.

— Merda. Se eu soubesse disso, nem teria saído!

Ele parecia genuinamente decepcionado. Mas, em primeiro lugar, eu só estava procurando por uma party qualquer porque o Kanata tinha saído. Se tivesse continuado, talvez nem conseguiria jogar com o PoucaTelha.

— Então? Como foi ver o PoucaTelha em pessoa? — A pergunta de Kyouya trouxe de volta as memórias dos feitos heroicos daquele careca.

— Aquele cara não deve ser humano, véi. — Eu disse. — Acredita que ele refletiu a magia de uma Bruxa de Besbel, disparando contra ela?

— Merda, maldito PoucaTelha. Não o chamam de Skanda² à toa.

Nah, não importa quão rápido você seja, ainda precisa de um bom braço para um truque desses. No fim, é só isso que importa! — Kanata socou a palma enquanto falava.

Com certeza. Mesmo que eu tivesse os mesmos Status e equipamentos do PoucaTelha, duvido que conseguiria realizar o mesmo feito.

Ahh… como queria viver um isekai de jogo!

— Vai sonhando, parceiro. Quer fazer um pouco de grinding³ de nível depois da escola?

— Pode ser.

— Só bora, vou também. Vamos treinar em algum lugar bem difícil!

Enquanto nossa conversa seguia, o sinal da escola tocou, e fomos para nossas mesas; só que nem faziamos ideia que não conseguiríamos cumprir essa promessa.

Huh?

Assim que me sentei, e estava pegando meus materiais para a aula, notei que o meu estojo não estava na mochila. Mas lembrei depois que tinha tirado ele para escrever umas informações sobre um jogo e devia ter esquecido de colocá-lo de volta.

— Mas que merda...

— Qual o problema? — Yuika Hasebe, a garota na mesa ao lado da minha, respondeu meu praguejo.

— Eu esqueci de trazer o estojo.

Oh, é mesmo? Bom, acho que posso te emprestar isso. — Hasebe me entregou um lápis e uma borracha.

— Valeu.

Mm-hmm. Mas vai me dever um doce.

— Hã, vai me cobrar mesmo? — resmunguei, mas acenei com um sorriso sem graça, aceitando. É claro que, agora que eu penso nisso, essa foi apenas outra promessa que eu não poderia cumprir.

Então, durante nossa aula de Japonês Clássico, aconteceu.

“Tão cansado…” Eu estava lutando uma batalha perdida contra minha sonolência esmagadora.

— Muito bem. Prestem atenção, por favoooor! A próxima página é a trinta e sete do livro, começando na linha um. Vejamos... podemos contar com a Shinohara para traduzir a frase; ah, não podemos, já que ela está mexendo em seu celular no meio da aula.

Huh!?

Escutando seu nome, Mirei Shinohara grunhiu e se mexeu freneticamente para esconder o celular. No assento ao lado dela, Kengo Natsume estava reprimindo um sorriso, mas também ‘tava mexendo em seu celular.

— E não vá achando que não vi, Natsume. Se a Shinohara não responder, você quem virá, entendidooo?

Nossa professora, Srta. Kanami Okazaki — embora todos nós a chamássemos de Srta. Oka — também notou as mãos de Natsume, o que resultou em algumas gargalhadas ao redor da sala de aula.

O rosto dele ficou vermelho, e fez uma carranca enquanto a turma ria dele. A pessoa que mais ria era o seu amigo mais próximo, Issei Sakurazaki, que chegou até a se virar em seu assento na fileira da frente, apenas para apontar e rir do colega.

— Ei, eeei. Classe, claaasseeee! Se acalmem! Sua resposta, Shinohara?

No fim, nem Shinohara nem Natsume foram capazes de responder, e outra onda de risadinhas se espalhou entre nós.

O clima da sala continuou relaxado enquanto a Srta. Oka começava a ler em voz alta. Para mim, sua voz também poderia ser uma canção de ninar, porém eu sabia que se não fizesse nada, adormeceria em um instante, então procurei pelo meu livro.

Quase todos os estudantes tinham seus olhos em seus livros; muito provavelmente, eles perceberam que, se relaxassem, acabariam como Shinohara e Natsume.

Srta. Oka era normalmente muito gentil e amigável, mas tornava-se impiedosa caso pegasse alguém matando aula ou não prestando atenção.

Enquanto isso, meus olhos pararam em uma estudante em particular.

O que atraiu minha atenção foi a garota sentada à minha frente e à esquerda. Nós a chamávamos de Rihoko, mas esse não era seu nome verdadeiro — isso era uma abreviação para “Real Horror, com o “ko” no fim para torná-lo um nome de garota. Ela era superassustadora, só pele e ossos, com um rosto pálido e permanentemente rabugento.

Não sou de falar mal dos outros, mas algo nela me incomodava.

Como se para menosprezar a minha valente batalha contra a sonolência, ela estava descaradamente cochilando em sua mesa. Desconfortável, tirei meu olhar de Rihoko.

E então eu vi — a rachadura. 

Não acho que alguém tenha notado.

No meio da sala de aula, acima de nossas cabeças, no que normalmente seria um espaço vazio, havia uma fenda no ar — eu não sei se há outra forma de me referir a algo como aquilo. Não apenas isso, mas ela estava se expandindo a cada segundo. O rasgo parecia que iria estourar a qualquer momento.

Apesar de a estar encarando, eu estava tão aturdido que não havia nada que pudesse ser feito; mesmo se eu fosse capaz de agir, isso provavelmente não teria mudado o que aconteceu…

A rachadura se abriu ainda mais. No mesmo momento, eu senti uma dor intensa e terrível.

E então, eu... Não, nós... morremos.


Notas:

1 – Adaptamos o nome que estava no inglês que era "Baldie", porque o personagem do rapaz é um monge careca, obviamente. Como eles chamam ele de "carequinha" (tradução literal), foi preferível colocar PoucaTelha, já que pode ser um nick no jogo ou um apelido carinho deles.

2Skanda, também conhecido como Wei Tuo, é um Bodisatva (ser iluminado) Maaiana (ramo do budismo) considerado como um devoto guardião dos monastérios budistas que protegem os ensinamentos do Budismo. De acordo com as lendas, Skanda era filho de um rei virtuoso que tinha completa fé nos ensinamentos de Buda. Quando Buda entrou no nirvana, Skanda foi instruído a proteger o Dharma (um dos principais ensinamentos do budismo). No folclore japonês, Skanda é famoso por perseguir demônios velozes e recuperar relíquias sagradas, assim, sua velocidade notável passou a ser sua caractertística mais conhecida.

3Grinding, em jogos eletrônicos, é um termo que se refere a execução de tarefas repetitivas para se obter alguma vantagem usando a mesma estratégia. Costumam ser comuns em jogos de RPG onde a atividade pode ser necessária para se desbloquear habilidades ou itens.



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