Edward The Guide Brasileira

Autor(a): Gusty


Volume 2

Capítulo 5: Ordem natural

O suor, ausente no início do trajeto, agora colava de forma incômoda à camiseta de Edward, grudando-se às suas costas. Focado em agilizar seus planos, insistia em ignorar os castigos constantes de um sol escaldante — típico do verão. Com os olhos entreabertos, precisava driblar a claridade enquanto cruzava, com passos firmes, os dois últimos quarteirões até o bairro de Matthew.

O restante do percurso foi marcado pelo silêncio entre Emily e o garoto — consequência das explicações anteriores. A garotinha fazia questão de caminhar bem próxima daquele que estava a ajudando. As mãos entrelaçadas, junto à barriga, denunciavam uma insegurança discreta. Apesar disso, mantinha-se alheia às reações que Edward demonstrava diante do clima.

A chegada ao bairro do amigo logo se fez notar, desde o padrão das calçadas até o estilo das construções. Em contraste com o piso antigo das regiões anteriores, os dois aventureiros se encantavam com a nova calçada de pedra portuguesa: milhares de pequenas pedras, em tons de preto e branco, encaixavam-se de forma harmônica, formando chamativos círculos.

Devido à planície do bairro, era fácil contemplar sua beleza em grande parte. O cenário diferenciava-se do centro anteriormente visitado: os inúmeros estabelecimentos – de restaurantes a lojas de diversas marcas – deram lugar a grandes prédios residenciais dispostos ao redor de um imponente parque.

O parque dominava o centro do bairro: vasto, verde e cercado por quatro ruas que lhe conferiam a aparência de uma moldura natural. Em todas as direções, o padrão das calçadas permanecia constante.

A leste e oeste, modernas construções contrastavam com a natureza vibrante do parque – dois imponentes edifícios de mais de 20 andares, com fachadas envidraçadas e sacadas arredondadas, abrigavam grande parte das famílias mais favorecidas da cidade. Ao norte, o imponente shopping Rulr, com sua estrutura de mais de cinco andares e uma grande cúpula central, encantava e impunha sua presença sobre boa parte dos visitantes. No sul, exibia-se o mais antigo banco da cidade, cuja arquitetura rústica remetia a uma tradição centenária, realçada por elegantes detalhes dourados. 

Todo o calor que Edward sentira — tanto o que queimava sob a pele quanto aquele que se agitava em furacões silenciosos dentro do peito, na forma de anseios — esvaneceu no instante em que observou o ambiente ao redor. Saber que poderia contar com o apoio e a presença de Matthew trazia um alívio refrescante.

As pegadas firmes do rapaz, assim como as silenciosas de Emily, cessaram quando Edward retomou a conversa.

 — Bem... — disse, firme, apoiado na certeza do movimento pacato em sua volta. Encarou o rosto atento da garotinha e prosseguiu. — Esse condomínio aqui atrás é onde mora meu amigo. — Sem desfazer a postura, apontou para o edifício.

Lentamente, os olhos de Emily começaram a percorrer cada detalhe do condomínio Flor Ilu. A boca entreaberta revelava o crescimento de sua surpresa.

Uma longa rampa descia até os portões da garagem, divididos em duas vias — uma de entrada e outra de saída. À direita, a portaria decorada parecia cintilar, ampliando ainda mais o brilho nos olhos da garota.

Do lado de fora, três trechos retangulares exibiam uma grama viva e bem cuidada. No centro, um mar de lantanas avermelhadas e amareladas perfumava o ar com seu aroma doce, ressaltado pela recente rega do aspersor. Em cada um dos trechos laterais, uma reluzente ravenala erguia-se como uma coroa vegetal, seu formato imponente evocava ares de realeza. Entre cada seção do jardim, faixas brancas do mesmo material da calçada formavam uma trilha limpa até a entrada principal.

O muro de grades finas e pretas era intercalado por paineis de vidro, cujo tom lembrava o do metal, criando um padrão elegante e moderno. A porta, também envidraçada, situava-se mais à esquerda, próxima à garagem. Ao lado dela, uma cabine discreta e escura abrigava os porteiros responsáveis pela recepção.

Como se o charmoso paisagismo à frente da portaria fosse insuficiente, um novo trecho de jardim se revelava do lado de dentro do cercado. Alguns passos à direita, bem no centro da fachada, uma ampla área circular coberta pela mesma grama viva se destacava — agora, sem flores, mas com uma pequena árvore e uma chamativa fonte no centro.

O chafariz arredondado, feito de gesso branco, atraía pequenos pássaros que se equilibravam em sua borda. No centro, três níveis, em formato de espirais, guiavam o fluxo da água. Assim como na portaria, uma trilha de mármore branco ligava a fonte até o hall principal do edifício.

Embora não fosse possível enxergar o interior do hall, duas grandes portas de vidro, no mesmo tom acinzentado do restante da fachada, podiam ser vistas com nitidez. Em torno delas, a parede de vidro completava a estética limpa e moderna do edifício.

Longe de se cansar da visão à sua frente a criança ergueu ainda mais o rosto, na tentativa de compreender a grandiosidade daquela construção. As paredes de concreto mantinham um tom mais claro que os vidros. Cada andar apresentava duas amplas sacadas — todas com a possibilidade de serem fechadas por cortinas de vidro escurecidas.

Depois de alguns segundos de admiração a entidade conseguiu recuperar sua fala, a voz energética gritava:

— Aqui é muito lindo! — Ainda mantinha o olhar fixo na construção. — Tio… seu amigo é muito rico… muito rico mesmo! 

Ed respondia apenas com um sincero sorriso, seria impossível negar um fato tão claro. Repetia os mesmos gestos do espírito. O início da observação do mesmo cenário acompanhava uma nova fala.

— A família dele é… Acho que ele é mais do que isso.

— Como assim?

— Diferente de seus parentes, ele se sente deslocado com tudo isso.

— Mas ele ainda mora ali, não é?

— É verdade… Ele mora apenas com o irmão, na maior parte dos tempo acaba ficando sozinho. Porém, mesmo assim seus familiares o obrigam a ficar aqui. 

— Ele não gosta de ser rico? Mas deve ser algo tão bom… — Confusa, coçava delicadamente as bochechas.

— Duvido que ele pense assim. Apenas parece que ele não se acha merecedor… Talvez por isso ele busca trazer significado para tudo que tem.

— Hm… não sei se entendi.

— Realmente é difícil…

Emily cansada de permanecer imóvel, corria para conseguir entrar no campo de visão do rapaz. Recuperada a atenção que desejava, apontou com o dedo indicador para a figura de Edward e, ostentando um tom sugestivo, questionou:

— Você também é rico? — Emily deixava evidente seu sorriso de canto.

— Não desse jeito—

— Então você só é amigo dele pelo dinheiro? Minha mãe não é rica desse jeito… isso é um problema—

— Ei, ei! — Em velocidade chacoalhava as mãos de forma apavorada. — Calma que você está entendendo tudo errado. — Desferiu uma risada desconfortável acompanhada de uma feição incrédula. 

— Hm… — A garota colocava uma das mãos à cintura e batendo o pé esperava a conclusão.

— Olha… Meu pai e minha mãe possuem uma situação muito boa, diferente da minha família num todo. Não faz sentido reclamar de tudo que tenho. Então, deixa de se preocupar com isso, minha amizade nunca se esbarrou nesse fator… Sua chatinha.

Respondeu e velozmente se dirigiu até a faixa de pedestre que levava até o grande parque. Enquanto se deslocava fez questão de chamar Emily com a voz descontraída e adocicada.

— Vamos, ficar esperando em pé é sem graça!

— Espera, nós não vamos subir?

— Claro que não, seria inviável e você não conseguiria subir no elevador… eu acho… Na realidade seria interessante testarmos isso… — Levava a mão ao queixo.

— Então vamos! Quero ver a casa dele… — A garota corria mais uma vez até a figura do amigo.

— Na verdade é melhor irmos para o parque, lá é muito bonito! Tenho certeza que vai gostar. E outra, o Matthew já está descendo.

Novamente, lado a lado de Edward, o espírito cabisbaixo parecia esconder sua chateação. Gostaria de contra-argumentar de alguma maneira, contudo fora convincente até demais os pontos levantados pelo rapaz. O parque Lótus sempre foi um dos principais pontos turísticos de Iluco, além disso Emily havia visitado apenas uma vez o local e na época era ainda mais nova. 

— Tudo bem… Então pode deixar que vou andar por todo o parque!

As bochechas propositalmente inchadas da menina acompanharam sua corrida acelerada até a outra ponta da faixa. Despreocupado com o movimento dos carros, o sinal estava aberto para pedestres, Ed concluiu a brecha perfeita para acompanhar o mesmo ritmo do fantasma — perder de vista os rastros do pequeno tornado poderia ser um problema.

Lótus ocupa cerca de 125 mil metros quadrados. Seu formato em meia-lua chama atenção, ao mesmo tempo que oferece, na curvatura, uma área reservada para estacionamentos e alguns quiosques de alimentação. Duas faixas — uma para pedestres, feita de granito, e outra para ciclistas, em concreto — contornam toda a extensão esverdeada.

Altos olmos espalham-se por toda a região, exibindo um verde vibrante, tão intenso que quase chega a incomodar os olhos. A grama mantém a mesma qualidade primorosa de tratamento observada no lago arredondado, localizado mais à esquerda do centro do parque.

Em cada extremidade do parque, uma estrada de granito se desenha, abrindo caminhos para quem deseja desbravar a vegetação densa — quase uma pequena floresta.

Adultos, jovens e alguns idosos circulavam pelo parque em caminhadas matinais ou visitas casuais.

Os dois, que aguardavam a chegada de Matthew, chegaram quase ao mesmo tempo por uma das entradas. Antes que fosse tarde demais, assim como anteriormente na travessia, o garoto rapidamente alertou Emily.

— Emily! — Esperava a garota, que mal conseguia ficar parada no mesmo lugar, encarar seu rosto para assim prosseguir. — Fica perto de mim… vou por ali. — Apontava para o meio do parque.

Agitada, Emily concordou com gestos sutis e logo começou a explorar o campo. Corria sob a grama rumo ao meio, maravilhando-se com cada flor que encontrava. Seus olhos também se voltavam para os animais de estimação e outras pequenas criaturas que espreitavam entre as plantas.

Edward, por sua vez, seguia de forma mais contida por uma das trilhas, à procura de um banco onde pudesse se sentar. O cheiro da grama, misturado ao leve aroma proveniente do lago, parecia acalmar qualquer aflição.

Com o mesmo ritmo lento de suas pegadas, sacou o celular para verificar se havia alguma atualização do amigo. Na tela de bloqueio, uma única notificação de quatro minutos atrás: “Estou descendo.” A breve mensagem foi o suficiente para acelerar seus passos até um dos bancos ao longo da trilha.

Após três minutos de caminhada acelerada, encontrou o tão desejado conforto. Até mesmo a madeira do banco — geralmente incômoda em muitos parques — parecia, ali, acomodar seu corpo com delicadeza. Uma descoberta inesperada e relaxante.

Sentado, pensou em manter os olhos voltados para a entrada do prédio onde o amigo morava. No entanto, sua atenção foi completamente tomada pelo já conhecido sobrenatural.

Emily corria atrás de uma borboleta de asas brancas. A menina sabia que não poderia tocá-la — e mesmo assim, parecia feliz apenas por poder observá-la de perto, como jamais havia conseguido antes. Apesar da distância entre a cena que ocorria, Edward conseguia enxergar a inocência espontânea da menina em cada gesto, em cada passo leve de sua curiosidade.

Preso como um espectador, esqueceu-se do mundo ao seu redor. Seus pensamentos mergulharam de volta na crueldade que havia atingido aquela pobre criança. O receio parecia ter se sentado ao seu lado no banco. Queria ajudá-la, e sabia, no fundo, que jamais se perdoaria se falhasse.

A madeira, em um estalo súbito, parecia querer expulsar a sensação de relaxamento que antes lhe envolvia. Incomodado, Edward procurou uma nova posição, mas nada mais parecia tão confortável quanto antes. Os incômodos cresciam lentamente. Um efeito que, para sua sorte, foi rapidamente interrompido pela voz do amigo que tanto esperava.

— Oi? Tá tudo bem, Cole? — disse Matthew, com a voz grave, mas completamente debochada.

Edward ergueu os ombros antes de procurar encarar o amigo, que agora estava de pé, à sua esquerda.

Matthew, um jovem de pele morena escura, vestia seu amado blusão esportivo preto com detalhes brancos. Havia feito questão de harmonizar perfeitamente com a calça cargo da mesma cor e com o tênis branco repleto de detalhes avermelhados e pretos.

— Cara… você nunca vai parar com essa piada? — disse Edward, rindo e balançando a cabeça em negação.

— Ué? Esse não é o seu nome? — Matthew ria ainda mais alto antes de se jogar no banco ao lado do amigo.

— Com certeza… com certeza… Sabia que deveria ter escondido esses lances sobrenaturais de você…

— Se tivesse feito isso, eu nunca mais olharia na sua cara! — respondeu, dando um leve tapa na nuca de Edward. — Inclusive… hoje a gente vai finalmente jogar Ouija? — perguntou enquanto pressionava com força a madeira entre as pernas, como se tentasse conter a animação.

— Nada disso. Já te falei que isso sempre vai estar fora de cogitação. — Edward, agora com um pouco mais de força, devolveu o tapa que havia recebido.

— Custa nada tentar… Então, tá ansioso pro filme? Ainda temos mais de uma hora até o início. Quer fazer o quê?

— Bom… esqueci de explicar direito nas mensagens — disse Edward, fechando o semblante aos poucos. — Os planos mudaram um pouco.

— Oh… ok… — Matthew escorou as costas no banco e fixou o olhar no rosto sério do amigo, quase como um irmão.

— Me desculpa por atrapalhar nossos planos… — disse Edward, entrelaçando os dedos e pressionando-os. — Esbarrei com o fantasma de uma criança. Inclusive… ela está logo ali, na nossa frente. Fiquei de ajudar a realizar os desejos dela… talvez assim… bom, você sabe, já te contei sobre isso.

— Cara… às vezes é incrível ser seu amigo.

— Então você pode… — Edward interrompeu a frase ao ver o rosto risonho de Matthew, franziu as sobrancelhas e perguntou: — “Às vezes”?

— Tá querendo minha ajuda, né? — disse Matthew, empurrando de leve o ombro do amigo. — Finalmente me arrastou pra uma dessas aventuras. Inclusive, nunca te perdoei por não ter me contado tudo o que descobriu nesses últimos dias.

— Espera aí… você tá desconversando! — Edward ria, desacreditado, diante da expressão imóvel do amigo.

— Para de enrolar… — Matthew abriu um sorriso que quase saía do próprio rosto, e rapidamente se levantou. — Ela tá por ali? — perguntou, apontando para a grande árvore à frente deles.

— “Às vezes”… te odeio!

Intimado a seguir os passos do amigo recém-chegado, Edward empurrou para debaixo do tapete alguns de seus medos.

 

Nota do autor

Passando apenas para agradecer a todos vocês por acompanharem a obra e por esclarecer um imprevisto. O capítulo de hoje estava organizado para receber uma arte, do artista parceiro da novel, no entanto (infelizmente) ele esteve passando por dificuldades nesses últimos dias, relacionadas a burnout (criação pode ser cruel em muitos momentos) e outros problemas pessoais. Mandem energias positivas para que ele melhore o mais rápido possível!! 

Logo mais voltamos com gás total! 

~Gusty

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