Volume 2
Capítulo 6: O que você realmente quer?
Matthew dirigiu-se apressadamente até a robusta árvore, a poucos passos do assento onde estivera sentado. Seus olhos arregalados e o sorriso cafajeste refletiam o ânimo crescente com o início da tão aguardada aventura sobrenatural. As pequenas reclamações de Edward sobre as piadas recentes soavam apenas como murmúrios, mesmo com o amigo logo atrás dele.
O vento acariciava gentilmente o volumoso cabelo curto e loiro trançado de Matth, assim como parecia embalar levemente seu corpo. Cada vez mais próximo da madeira cicatrizada pelo tempo, ele sentia a necessidade de arregalar ainda mais os olhos de tom mel. Sabia que não possuía os mesmos dotes de Edward, mas desgostava ainda mais da ideia de ignorar aquilo que, comprovadamente, estava diante de si. No entanto, a voz um pouco distante do amigo interrompeu sua empreitada.
— Você está indo para o lugar errado… — disse Ed, esbanjando um tom um pouco mais alto do que o habitual.
As palavras interromperam os movimentos concentrados de Matthew. O rapaz apenas girou vagarosamente os olhos — odiava admitir, porém seus passos apressados haviam entregado uma bela munição para a zoeira do amigo. Ainda de costas, recusava-se a encarar o provável rosto debochado de Edward. Apenas perguntou:
— Para onde é mesmo?
— Realmente sua cabeça é oca né? — Em pequenos soluços ria sobre a situação. Ainda com a voz falha, acrescentava. — Cara, que patético foi isso… espero ter entendido que é preciso me escutar!
— O que você disse? — perguntou, ainda de costas, enquanto posicionava a mão direita ao redor da orelha.
— Engraçadão… desse jeito vai perder toda a aventura — respondeu Edward falhando em manter as risadas irônicas.
Sair por cima das piadas de Matthew parecia impossível — ele sempre tinha uma resposta na manga. Isso provocou um leve ranger de dentes em Ed. Após dar seu aviso, o jovem seguiu pela estrada de granito, rumo ao encontro de Emily, ainda entretida com a borboleta.
Independente de ter conseguido debochar outra vez do amigo, Matth precisava dar o braço a torcer e alterar o rumo de seu percurso. Desfez a postura encorpada — que jurava ser intimidadora —, virou-se e retomou os passos, agora seguindo os movimentos de Ed.
Depois de breves minutos, as pegadas de Edward deixavam a robustez do granito para afundar o brilhante esverdeado da grama. O espírito estava próximo a um pequeno trecho de flores, em formato triangular, há alguns metros de distância do lago arredondado que decorava o centro do parque.
Emily, agachada de costas para o perfumado lago, evitava piscar. Observava atentamente cada movimento sutil do bater de asas da borboleta que, há tempos, insistia em circular o trecho florido. A cena, de uma ingenuidade quase hipnótica, ainda surpreendia o garoto. Desagradava-lhe a ideia de interromper a brincadeira da criança, entretanto havia chegado o momento de iniciar uma nova etapa dos seus planos.
— Ei Emily! — Acenou discretamente no ritmo que parava de forma lenta com o caminhar, esse que afastava o inseto das duas figuras. — Meu amigo chegou.
— Por que a borboleta ficou rodeando essas flores? — sem tirar os olhos das bonitas flores amareladas, questionava. — Ela queria ser uma abelha?
— Ahn… — Enrugou a testa inclinando um pouco a cabeça à procura de alguma resposta. — Talvez ela só achou elas bonitas… Aliás, desculpe por ter assustado ela. — Levou a mão até a nuca, coçando-a delicadamente, enquanto o rosto ia relaxando aos poucos.
— Hm… Gostei dela Ed!
A garotinha se levantou em um só pulo, o sorriso brilhante se abriu de canto a canto — a alegria genuína de ter vivido aquela experiência fora impossível de esconder. Ainda com a felicidade estampada no rosto, levou as duas mãos para as costas, entrelaçando os dedos, e lançou um novo questionamento.
— É esse o seu amigo?
Edward mal virava o corpo em busca da confirmação, o olhar por cima do ombro confirmava a chegada de Matthew.
— Ah, decidiu me seguir agora…
— Tá bom, tá bom… Errei — dizia Matth apertando as mãos em pedido de prece —, por favor me perdoa… — Insistia em encenar uma expressão de choro.
Emily percebia a artificialidade dos trejeitos do recém chegado, fator esse que instantaneamente despertava um aperto forte dos lábios na tentativa de segurar o riso. Edward reparou na tentativa quase falha da garota, o que arrancou dele um suspiro forte e um movimento brusco de cabeça para baixo.
— É ele mesmo…
— Que isso campeão, um pouco mais de ânimo faz bem… — Colocava o peso do cotovelo em cima do ombro direito de Edward.
Observar a continuação da cena apenas causava ainda mais vontade de rir na pequena criança, o que fez com que a própria levasse as duas mãos à boca.
— Tá bom… tá bom! — Levantou vigorosamente a cabeça e fitou a figura de seu amigo. — Vamos parar com isso… precisamos nos concentrar! Ok? Afinal, precisamos ajudar uma pessoa…
— Certo! — Afirmou Matthew, aceitando a seriedade da situação e o cansaço de suas próprias piadas.
— Emily… — disse ao passo que apontava para a figura risonha da garota — esse é meu amigo de infância, Matthew. Como já te disse, ele veio nos ajudar.
— Muito prazer Emily!
Matth agachava sem encostar os joelhos ao chão. Concentrado no espaço vazio, indicado pelo dedo do amigo, estampava simpatia no relaxar de seu rosto. Ressoou alegria em suas palavras descontraídas.
—- Não consigo te ver, como meu amigo aqui consegue, mas tenho certeza que vou ajudar vocês!
— Uhum, conto com isso! — disse a garota, recolhendo os braços. A expressão risonha deu lugar a um semblante de alívio; ela fechou delicadamente as pálpebras e abriu um sorriso acolhedor.
— Ela está contando com a gente. Então, sem fazer besteira certo? — repassava a mensagem para Matthew enquanto encarava a figura de Emily.
Edward inalava um ar ainda mais refrescante do que o habitual, depois de muitas conversas desconexas parecia que finalmente estavam na direção correta. Seguro, disposto a encarar os problemas em busca de soluções, posicionou as mãos em cada bolso da calça e seriamente retomou a contextualização das circunstâncias.
— Certo… Precisamos achar a casa dela e levá-la até lá, assim vamos conseguir realizar seu último desejo. Porém, Emily já me adiantou que não sabe chegar até lá.
— Normal, eu por exemplo demorei muito a aprender a andar pela cidade. — Matthew, precavido, respondeu na tentativa de acolher a garota.
Ainda agachado, o amigo de Edward, de maneira astuta, sacou o celular. Os dedos ágeis deslizavam com pressa pela tela do dispositivo. Apesar das poucas informações, já era possível tentar encontrar algo — com sorte, talvez achasse alguma pista nas últimas notícias da cidade.
Percebendo a movimentação do amigo, Ed prontamente enalteceu informações cruciais.
— Emily, qual é seu nome completo mesmo? — questionava o garoto gesticulando uma das mãos. Posterior uma pausa de pequenos segundos, retomava a fala citando o que havia escutado do espírito. — Ela se chama Emily Nina Kellet. Tenta pesquisar algo referente a este nome.
Matthew se ergueu, desfazendo o desconfortável agachamento, enquanto a tela da aba de notícias continuava a rolar velozmente — agora ainda mais filtrada. Os 2 minutos de busca insistente pareciam inúteis. Nenhum resultado chamou sua atenção, o que o motivou a levar, de imediato, a mão esquerda até o topo da cabeça.
Em um estalo, recordou da possibilidade de as notícias terem omitido o nome da vítima. Imediatamente, voltou à posição anterior, decidido a iniciar uma nova pesquisa — desta vez, focada apenas no sobrenome da criança.
— O nome da sua mãe é Flavia?
— Ela disse que sim… e que também ela é professora… Encontrou algo?
— Parece que Flavia esteve envolvida em um acidente… — Os movimentos frenéticos de sua pupila captavam cada palavra da notícia recém descoberta. Breves segundos se passavam até retomar a fala, agitada e elevada. — Hoje cedo, a escola onde trabalha fez um pequeno ato em homenagem à aparente morte de sua filha. A notícia ressalta esse ato de compaixão, mostrando as lindas flores entregues por todos que trabalham na instituição e as mudanças no cronograma em respeito ao ocorrido.
O pesquisador ergueu o rosto, orgulhoso de sua descoberta, e virou o dispositivo móvel para exibir seu triunfo aos demais. A foto mostrava tanto o muro quanto o portão de entrada da escola, completamente decorados com girassóis. Uma grande faixa exibia a forte frase: “Sua luz nunca se apagará!”
No instante que percebeu o conteúdo da foto, Emily disparou em velocidade, atravessando todos os insetos e flores à sua frente, rumo ao celular empunhado por Matth. Edward avistava toda a movimentação, fato que lhe trouxe um alívio refrescante em seu peito assim como o surgimento de uma postura relaxada.
— OLHA, É MINHA ESCOLA MESMO! — gritou com a garota exalando uma voz prestes a falhar, o choro parecia voltar a seu rosto.
— Podemos tentar encontrar sua mãe por lá… — respondeu Ed caminhando rumo a menina. — Talvez depois disso possamos encontrar onde você mora.
— Ahn… Eu moro do lado da escola! — disse Emily, com a voz alegre, enquanto encarava discretamente o rosto de Edward. Em um gesto sutil, esfregou os pequenos olhos, deixando escapar a origem de um frágil sorriso.
Ouvir a nova informação acarretava na mudança imediata da feição de Ed, balançava o rosto em negação do que acabara de ouvir. Embora existisse um pequena frustração, só conseguia rir da pequena displicência de sua pequena amiga.
— Ei, está rindo por que? Me atualiza ai! — Matthew procurava em todas as direções algum tipo de resposta.
— Acredita que ela mora do lado da escola? E ela deixou de contar isso pra mim! — Suspirava em leves risadas. — Mas acho que não lembrava do nome dela, né? — perguntou ainda encarando a irritada Emily, a qual exibia seus braços cruzados.
— Ahn… ahn… seu chato! — O rosto corado entregava a timidez de quem, só agora, se dava conta de algo que, no fundo, sempre soube.
— Espera, você sempre sabi—
— LÁLÁLÁ… NÃO TE ESCUTO! — Interrompia a fala de Edward cantarolando enquanto fazia questão de tapar os ouvidos.
— Enfim… — Ainda entre risos o garoto tentava formular mais uma vez seu raciocínio. — Vamos Matth, temos tudo que precisávamos!
— Ainda estou um pouco perdido com tudo que aconteceu, mas — dizia Matthew enquanto levantava gentilmente os ombros — agora é só irmos até a escola. Então…
— Teremos que ir a pé, já que Emily atravessa até mesmo carros… É muito longe? — indagava Edward observando o movimento do parque.
— Espera, vou ter que andar mais? — A voz desanimada da menina quebrava a postura irritada que a pouco tentara forçar.
— Agora você me escuta então? — Contrapôs Ed imitando os mesmo gestos antes desferidos por Emily.
— Deve estar conversando com ela… — sussurrava o quase irmão ainda entretido com o celular. Posterior a rápida verificação da distância que teriam que percorrer, noticiou. — Cerca de 50 a 60 minutos de caminhada. É… demora um pouquinho…
— Este é seu pagamento por ter esquecido da escola. Estávamos mais perto antes… — disse Edward, em tom bem-humorado, enquanto se curvava levemente e simulava, com a mão direita, um toque delicado sobre a cabeça de Emily. — Estou apenas brincando… De qualquer forma, agora estamos quase chegando ao melhor lugar do mundo! Tenho certeza de que, lá, você vai andar em vários veículos diferentes… Bem mais do que aqui.
— Você promete? Caminhar muito é chato…
— Sim, tenho certeza! — confirmou o garoto, sem pestanejar. Relaxou a postura e, após uma profunda respiração, questionou o amigo: — Para qual lado devemos seguir?
— Ahn… — Um pouco confuso com o que acabara de ouvir da boca de Edward, demorava pequenos instantes para averiguar a trajetória destrinchada no GPS de seu telefone celular. — É por ali, o caminho é de muitas retas inclusive… — Apontava para uma das trilhas que levavam até o fim do parque, esta que estava à direita do lago.
— Espero vocês lá! — Animada, Emily começou a correr até o fim do parque na direção apontada pelo novo companheiro de sua aventura.
— Ok então… — comentou, surpreso com a velocidade e com as pegadas atrapalhadas do espírito. — Vamos lá, irmão… — disse, antes de partir apressadamente em direção ao início do percurso rumo à escola.
Matthew acompanhava o passo cada vez mais ansioso de seu amigo. As últimas palavras de Edward haviam deixado de lado o tom bem-humorado que ele costumava manter. Diante disso, o semblante sério de Matthew acabou levando a uma pergunta inesperada.
— Ed… eu sei que você tenta ser quase um gênio da lâmpada. Mas… você acha certo mentir sobre o outro lado? — murmurou, enquanto levava os dedos ao centro da testa, pressionando com delicadeza.
— É melhor dessa forma… não quero deixar ela presa nesse mundo. — Tornava seus passos ainda mais apressados, precisava fugir da conversa.
— Sim, é que… ninguém sabe ao certo o que ela vai encontrar do outro lado… — Acompanhar os movimentos do amigo era uma tarefa fácil para alguém muito mais atlético como Matthew.
— Precisa ser um lugar bom! Ficar presa aqui só iria corrompê-la… — Cerrava os punhos num espasmo contido. — Além disso, ela é só uma criança… é melhor assim, do jeito que estou fazendo. — A entonação baixa, quase serena, marcava as últimas palavras do jovem.
Matthew compreendia o anseio de seu amigo em tornar realidade o desejo da pequena criança, porém notoriamente reparava que o anseio começava a dar as caras em cada atitude mínima daquele rapaz que conhecia a tanto tempo.
Cerca de 45 minutos se passaram. A escola que tanto procuravam já despontava no horizonte diante dos três jovens. Durante boa parte do percurso, Emily manteve-se à frente. Mesmo sem conhecer o caminho, sentia a necessidade de andar num ritmo muito mais acelerado que os demais.
Vislumbrar o muro de concreto azulado, estampado com uma arte grafitada de arco-íris e lápis, enquanto girassóis brotavam por todo o entorno, era o suficiente para roubar a atenção de qualquer um. A boca entreaberta da pequena garota acompanhava o brilho intenso em suas pupilas.
— ISSO TUDO FOI FEITO PRA MIM? — gritava em êxtase pela charmosa e melancólica surpresa.
Antes que pudesse formular qualquer resposta, o pequeno tornado disparou, ansioso por ver de perto a beleza das flores. Corria pelas calçadas, cruzava ruas sem o menor receio. Diferente de antes, agora tinha plena noção de sua intangibilidade. Carros, cansaço, seres vivos, nada parecia capaz de impedir seus esforços.
Ciente de que não adiantava tentar conversar com a menina, Edward puxou assunto com o amigo no exato momento em que acelerava o passo.
— Vamos, ela já está perto da escola…
— Ela vive correndo hein?
— Precisa dar certo! — Sentia um calor percorrer da ponta de seus pés até o mais fundo de seu peito. Em um estalar de dedos, a respiração do garoto tornava-se cada vez mais descompassada, a familiar ansiedade batia na porta outra vez.
— Se acalma… se continuar assim, com certeza vai dar errado! — Matth apoiou a mão esquerda no ombro direito do amigo e apertou com firmeza, tentando transmitir um pouco de segurança.
— É só ela entrar na casa, buscar o urso de pelúcia e pronto… Vou conseguir salvá-la! — Os dentes rangendo dificultavam a saída das palavras.
— É isso, está tudo sobre controle… Relaxa… Qualquer coisa, lembra que estou aqui.
O caminhar veloz dos dois amigos riscava o concreto das calçadas, enquanto desviavam dos carros e das pessoas que surgiam em seus caminhos. Longe de qualquer calma para notar os detalhes ao redor, Edward precisava ter certeza dos próximos passos de Emily — e Matthew, por sua vez, precisava seguir os passos do amigo.
Ofegante, Edward se deparou mais uma vez com o espírito. Estava sentada em frente ao muro florido. Abraçava com força as duas pernas enquanto escondia o rosto entre os joelhos.
As veias contaminadas por um sangue cada vez mais quente, dificultavam a melhor escolha de palavras para a retomada da conversa. Todavia, Ed precisava concluir o fim da pequena aventura.
— Oi… chegamos… Precisamos continuar, vamos… estamos muito perto.--- dizia Edward iniciando o caminhar rumo a casa ao lado, na expectativa de ser seguido.
— Ed… — Iniciava a resposta ainda cabisbaixa. — É só eu pegar o Joy que vou para o—
— Sim, é muito simples! — Interrompia o já conhecido questionamento sem mudar o rumo da caminhada.
— NÃO QUERO FAZER ISSO ANTES DE VER MINHA MÃE! — chorosa, tentava dizer o mais forte possível tal pedido
A ênfase no novo pedido congelava tanto os movimentos quanto todo o interior de Edward. Um novo e intenso desejo parecia frustrar qualquer tipo de desfecho que antes havia organizado. Depois de engolir seco, duas vezes seguidas, tentava revidar.
— Emily… não é fácil assim, ela não vai te ver e muito menos te ouvir. Você precisa ir logo para o outro lado! — Outra vez, estampando o punho cerrado, tentava afirmar de forma vívida o que deveria ser feito.
— Você conversa assim como vem fazendo com o Matthew, e vai ser rápido!
— Não, não é simples assim… Já tentei fazer algo semelhante e… — Recordava da noite traumática envolvendo seu pai, algo que havia tentado esconder de seus pensamentos. — Isso não vai funcionar! Precisamos pegar seu ursinho e do outro lado tenho certeza que encontrará meios para conversar—
— EDWARD! — Matthew berrava exalando rispidez.
Vagarosamente, Edward processava o chamado em formato de sermão. Fechava as pálpebras o mais forte possível, gostaria de encolher e fugir da situação. A falta de confiança, tornava-se um grande monstro a ser derrotado.
— Mãe… talvez eu falhe… — sussurrou desesperançoso.
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