Em Outro Universo Angolana

Autor(a): Tayuri


Volume 1

capítulo 31: Astrid Brinca, Com A Menina Que Se Alimenta De Emoções

Astrid!

Astrid!! 

Chloe?! 

Astrid! 

Estou de volta! Como ela está? 

Astrid abriu os olhos, piscou várias vezes, parou e olhou para menina do outro lado da sala. Seus cabelos ainda eram vermelhos, porém a expressão em seu rosto era diferente. Ela não parecia mais o pior pesadelo de Astrid. Seu rosto não estava coberto e seus olhos não eram assustadores, e também não eram amigáveis, eles não esboçavam nada. 

Diferente! Astrid tornou a fechar os olhos. Não parece assustadora e nem amigável. 

Por um longo tempo, Chloe não disse nada. Astrid não se agitou, esperou, relembrou-se de coisas boas e tentou afugentar as más.

Astrid! Astrid!! 

Era a voz de Aiyslnn. 

Astrid cravou as unhas no próprio braço e o volume da voz chamando por seu nome, aumentou. 

Ela está neutra! 

Falou Chloe, em sua cabeça. 

Ela  deve estar confusa...Ela está apenas acompanhando as tuas emoções. 

A voz da Aiyslnn...Ela ainda não sumiu. 

Ela não irá sumir. 

— Astrid! 

Astrid abriu os olhos e viu Grania, ela havia se aproximado. 

— O que você está fazendo? 

Sua voz era baixa, mas Astrid a ouvia claramente. 

— Você não está ouvindo? Aiyslnn está chamando por você! 

— Estou! Estou ouvindo. E você...

— Eu o quê? — Grania perguntou, os olhos ganhando uma tonalidade sombria. 

Astrid umedeceu os lábios. 

— Você...Está ouvindo? 

A cabeça de Grania tombou um pouco para o lado e apenas um de seus olhos cinzentos se tornou visível, pois o outro foi coberto por seu cabelo, que desceu como uma cortina.

— Você enlouqueceu?! 

Astrid levou a mão ao coração acelerado, pressionou a palma da mão contra o peito e sorriu, vividamente. 

— Talvez! 

Astrid se sentou, sua mão deixou o coração e o sorriso permaneceu em seu rosto. 

— O que você está fazendo?! — perguntou Grania. 

— Tentando não enlouquecer. 

Astrid! 

— Tentanto não acabar como você. 

Grania se aproximou e sentou-se em frente de Astrid. Seu rosto não expressava nada. 

— Acabar como eu? O que tem eu?! 

Astrid apertou os punhos e segundos depois os deixou cair de lado, de uma forma que deveria lhe fazer parecer descontraída.

— Você é louca! — Afirmou, seus olhos encararam o teto. — Eu não quero ficar louca, como você. — Sorriu e tornou a olhar para Grania. — Não me diga! Você não havia percebido? Que és completamente louca. 

Grania não disse nada. Astrid apenas continuou sorrindo. Aiyslnn continuou chamando seu nome, enquanto o silêncio preenchia o ambiente. 

— Estou brincando! — O sorriso aumentou e ele era bonito. 

— “Estou brincando”, o que queres dizer com isso?

— Quero dizer que não acho que és louca. Estava apenas brincando com você. Como uma menina tão fofa quanto você poderia ser louca. 

A voz de Aiyslnn sumiu e Astrid viu um pouco de cor surgir no rosto de sua companheira de sala. 

Está diferente. Acho que está confusa. Já não é tão assustadora. Não posso mais ouvir a voz de Aiyslnn. 

Chloe não disse nada e Astrid voltou a falar, com Grania. 

— Você tem companheiros? Sabe colegas de cela?! 

Grania negou, com um aceno de cabeça.

— Você tem? 

O corpo de Astrid tremeu levemente, no entanto o sorriso não deixou seu rosto. 

— Tenho. 

— Aiyslnn...Edward... 

Grania estava ao seu lado, sem que Astrid pudesse realmente processar, a menina havia sumido de sua frente e se materializado ao seu lado.

— E mais quem? 

A garganta de Astrid fechou, a pulsação de seu coração aumentou e por alguns segundos enquanto tentava afastar o medo, ouviu as batidas do seu coração soarem na cabeça. 

A voz de Aiyslnn retornou.

— Astrid! — Grania a chamou, mas Astrid não a encarou. — Você está...Com medo de mim? 

Chloe! 

Chloe não respondeu. Aiyslnn apareceu a sua frente e Grania colocou sua mão manchada de sangue no ombro de Astrid, lhe causando calafrios. 

Não é real. Assuma o controle. 

Astrid respirou fundo. Comprimiu os lábios e então seus olhos se abriram. 

— Você... — Olhou para Grania. Ela estava mudando, mais uma vez. — Você... — O coração de Astrid disparou, se acalmou e ela perguntou, quando apenas um dos olhos de Grania estava descoberto. — Gosta de chocolate? 

Sua companheira não disse nada. A voz de Aiyslnn prosseguiu chamando seu nome. 

— Você não gosta?! 

Ela não vai me matar. Eu não vou morrer. 

— Você nunca provou? Ah!! Você nunca deve ter provado — deu sua conclusão, suspirou e moveu a cabeça em claro sinal de reprovação. — Me sinto tão mal por você. Aah!! Isso me faz sentir tão triste. 

— Por que? 

— Por que? — Astrid riu. — Porque chocolate é incrível. Simplesmente a melhor invenção da humanidade. — disse de forma quase dramática. — Por isso me sinto tão triste de você nunca ter provado. 

Com os ombros para baixo, Astrid desviou o olhar, triste, desapontada. 

— O que você está fazendo? — Grania perguntou.

— O que você está fazendo? — devolveu a pergunta, e as sobrancelhas da menina se elevaram um pouco. — Seu nome é realmente Grania? — perguntou e Grania assentiu. 

— Como você sabe? 

— Como você sabe? — repetiu Astrid, em uma péssima imitação da voz da mais nova, a qual a olhou muito intensamente.

— Por que está me imitando? 

— Oras! — Deu de ombros. — Porque é divertido  — sorriu e olhou ao seu arredor. — O que você faz por aqui? Você apenas fica vagando por essa sala o dia inteiro? — perguntou novamente, quando nenhuma resposta veio de Grania. — Você realmente não faz nada o dia todo? Apenas fica aqui olhando para as paredes... — Seus olhos vaguearam ao seu arredor, novamente. — Sério?

— O que está tentando dizer? 

— Que isso é chato. Sua vida é muito chata. Mas... — Levou uma mão ao peito, todavia não era mais para acalmar seu coração acelerado. — Agora que estou aqui não será mais chato. 

— Como?! O que você vai fazer para não ser mais chato? 

Ela está neutra, a voz de Aiyslnn sumiu. Prometo, não vou mais perder. 

— Agora que penso nisso...Não faço ideia  — Riu, realmente alto. — Mas podemos encontrar algo. Que tal...

— Vamos arrumar o teu cabelo  — Grania, sugeriu, Astrid congelou e descongelou rapidamente.

— Meu cabelo?! — Segurava uma das tranças. — Tudo bem! Mas como vamos fazer isso, não há nada aqui. 

— Agora! Há. 

Realmente havia. Equipamentos de cabeleireiros, surgidos do além, ocupavam um pequeno espaço na sala, sendo o destaque em meio a mistura de branco e vazio.

— Uou! — Astrid soltou, antes de se levantar e caminhar em direção a cadeira, que estava de frente a uma mesa, a qual portava um espelho e alguns materiais de cabeleireiro, que incluia objetos como pentes, escovas, maquina eletrica de cortar cabelo e outros, entretanto Astrid apenas prestou atenção na máquina eléctrica. 

— Astrid! Está tudo bem?! 

— Está. Estava apenas me lembrando do acidente desastroso que tive quando tentei cortar o cabelo  — riu e Grania não acompanhou. Astrid se sentou na cadeira e Grania avançou em direção a mesa.

— Foi tão ruim assim? — perguntou, enquanto passava a mão por cima dos objectos. Astrid olhou para o teto, ainda sorrindo.

— Foi péssimo. Meu cabelo ficou tão estranho que tive que cortar quase tudo para voltar a ficar alinhado. — Deu risada e voltou a olhar para onde deveria estar Grania, pois ela não mais estava lá. 

— O que aconteceu com seu cabelo? — perguntou, enquanto desmanchava uma trança com um pico de metal. Seus olhos encaravam Astrid, pelo espelho. — Você voltou a cortá-lo? 

— Ahh! Isso não fui eu. 

— Quem foi? 

— Uma amiga! 

Grania arqueou uma sobrancelha. 

— Por que uma amiga faria algo assim? 

Astrid pareceu pensar.

— Talvez porque ela seja louca?! — Sugeriu. — Achas que meu cabelo ainda tem salvação? Consegue o deixar alinhado?

Grania assentiu. Astrid sorriu e respirou fundo. 

— Então estou em suas mãos. — Ajeitou-se melhor a cadeira e começou a cantarolar.

— Astrid!

— Sim?

— Já te disseram que cantas mal? 

— Eu canto mal? 

— Sim. Você mal pronuncia as letras e fica apenas resmungando. Não soa nada bem. 

— Tudo bem! Eu calo. Não precisa me jogar à cara. 

— Você está zangada?! 

— Sim. Eu estou muito zangada. Pensei que éramos amigas. Estou muito magoada. 

Grania sorriu, mas não era assustador e nem bonito. 

— Somos amigas!? — Passava o pente, por onde as tranças já haviam sido desmanchadas. 

— Quer ser minha amiga? 

— Mas...Você já tem Aiyslnn.

Seus olhos se encontram no espelho. As mãos de Astrid apertam os braços da cadeira e muito lentamente a pulsação foi aumentando.

Chloe, ela está falando da Aiyslnn de novo. 

Astrid umedeceu os lábios. 

— Por que ficou em silêncio? — Seus olhos se mantiveram no espelho enquanto suas mãos desmanchavam as tranças. — Está...Ficando com medo? 

Chloe! 

Aiyslnn está morta! 

— Aiyslnn está morta! — Piscou os olhos e tornou a sorrir. — Infelizmente Aiyslnn morreu, então você não deveria se preocupar tanto com ela. 

— Isso quer dizer que ela já não é sua amiga? 

— Ela é, mas... — Tornou a olhar para o espelho. — Não é bom continuarmos falando sobre os mortos.

— Por que? 

Astrid soltou o ar e tentou relaxar, enquanto ouvia a voz de Chloe em sua cabeça. 

— Porque...Eles podem vir te assombrar. 

.

.

Astrid dormiu. Não sonhou. Não ouviu chamarem por seu nome. E quando acordou sentiu o estômago doer, concluiu que era por fome e então resolveu deixar de lado. Tentou se situar e quando olhou para o espelho seus olhos se arregalaram um pouco. Seu cabelo antes cortado de forma desajeitada, agora estava alinhado. Curtos cachos azuis se entrelaçavam uns nos outros  e nas laterais de cada lado da cabeça, perto da orelha, havia uma trança que ia até sua cintura, sendo as únicas sobreviventes da tesoura de Grania. 

— Então...Gostas? — Grania perguntou, e a expressão que estava em seu rosto era suave. 

— Sim! — Astrid desviou o olhar para mais nova e lhe ofereceu um sorriso. — Você fez um ótimo trabalho. — Acariciou sua cabeça e Grania sorriu. 

— O que devemos fazer agora?

Astrid levou a mão ao queixo. 

— Você pode fazer comida? 

Grania assentiu e em um real estalar de dedos, uma bandeja apareceu em sua mão. 

— Você pode criar algo diferente disso? — Astrid apontou, entre o pão e a mistura nada deliciosa que comia todos os dias.

— Apenas crio o que já tenha visto e tocado. 

— Então...Se eu imaginar alguma coisa você pode...

— Não. Não posso. Apenas o que eu mesma já tenha visto e tocado. Se não, será apenas uma ilusão, ou seja, você não poderá comê-la. — Astrid assentiu e tentou ao máximo não se retrair, quando seu estômago voltou a doer. — Está com fome?

— Estou.. E você? 

— Estou com fome. Meu estômago doi!

— Meu também. Então... — Pegou a bandeja da mão de Grania e depositou na mesa. — Vamos comer o que tem. — Pegou o pão, dividiu ao meio e uma das metades ofereceu para Grania, a qual a pegou. 

— Sobre sermos amigas...Você realmente quer? 

— Você quer? 

Grania assentiu e Astrid sorriu. 

— Então somos amigas. Mas Grania... — A menina parou, quando ia dar uma mordida no pão, sua atenção foi para Astrid. — Você sabe o que é ser amiga? — Segurou o copo de alumínio, o apertou forte para acalmar a leve tremedeira. 

— O que é? 

— Ser amiga, é ser leal, companheira e principalmente protetora. 

— Do que você quer ser protegida?

Astrid não levou a água aos lábios. Olhou para Grania, pelo espelho e tentou ignorar seu próprio reflexo. 

— Sabe! Há...Alguém que não gosta de mim. Ela realmente me odeia. Eu tenho medo dela e tudo mais, então não posso fazer nada contra ela.

— Ela é muito assustadora? 

Astrid assentiu.

— Você quer...Que eu a assuste? 

—  Você pode assustar Kendra Russell? 

Após vários segundos de silêncio um som preencheu a sala. Grania se virou e olhou para algum ponto da sala que aos olhos de Astrid, não tinha nada. 

— Está na hora de ir! 

O par de cinzentos se encontraram com os azuis de Astrid, ao passo que ao longe uma parede se moveu, dando um espaço suficiente para uma pessoa passar por ela. 

— O castigo acabou. 

Grania estendeu a mão para Astrid, a qual aceitou, e tão logo se viu em pé, tudo sumiu, restando apenas ela e Grania na sala. 

— Astrid! 

Era a voz de Ian Moore. Astrid a reconheceu prontamente.

— Vamos. Hora de voltar para…o teu grupo. 

Astrid se foi, indo ao encontro de Ian e deixando Grania para trás, entretanto parou a alguns passos da saída e olhou para trás. Grania era um sonho agradável. Que sorria e acenava para Astrid, a qual acenou de volta e saiu. 





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