Epopeia do Fim Brasileira

Autor(a): Altair Vesta


Volume 8 – Arco 6

Capítulo 140: PRIMEIRO ATO DO LIMIAR - Onde Tudo Começou

No auge da primavera dourada, o amanhecer visto pela costa daquela ilha parecia um cenário de outro mundo.

As estrelas desapareciam aos poucos, ofuscadas pela que se encontrava mais próxima da Terra. A responsável por iluminar as extensões de todo o mundo ao tomar o palco celestial para si.

O homem na beirada da costa observava a maré silenciosa, conforme o sol se estendia sobre o tapete líquido e cristalino.

Os olhos escuros fitavam o horizonte vazio, onde céu e mar se conectavam.

Contudo, parecia focar em algo específico.

O vento espalhado pelo ambiente, recheado por uma intensa ressalga, fazia os fios do volumoso cabelo preto menearem no ar.

E, ao mesmo tempo, indicava o centro de suas atenções.

Estava a poucos metros na retaguarda; outro homem, que tinha nada mais do que um pedaço de pano branco a cruzar o torso e cobrir as partes baixas.

Adornos dourados prendiam aquele tecido, que aparentava estar prestes a esvoaçar a qualquer momento.

Virou-se pela metade na mesma posição.

Pôde encontrar as mechas lisas do cabelo branco, a escorrer sobre os ombros, um pouco bagunçados, dançando com a brisa.

Então, encontrou os olhos dele; um resplendor cerúleo, semelhante ao próprio céu, carregava pureza e malícia em iguais proporções.

Ambas as virtudes traziam a mesma sensação ao encarado: imponência absoluta.

De todo modo, sustentou sua postura e tentou devolver na mesma moeda; semicerrou as vistas diante do ser alvo.

Perante tal resposta, que pareceu acrescer a força da lufada, o imponente ergueu as sobrancelhas em pequena surpresa. Não demorou a franzir de novo a testa, entretanto.

Os dois podiam experimentar a influência criada ao redor, através do choque das respectivas determinações.

Nem mesmo palavras seriam necessárias para encontrarem um entendimento mútuo.

Mas...

— Você é realmente necessário, Deus dos Sonhos.

A voz exalava um misto de jovialidade e experiência. Soava tão natural a ponto de causar um arrepio ao homem requisitado.

— Então você é aquele que meus irmãos deixavam sonhar enquanto dormia — rebateu, seu timbre um pouco mais soturno. — Zeus, filho de Cronos.

Analisou-o dos pés à cabeça.

Pelo pouco que se lembrava, ainda assim, podia transmitir seu espanto ao vê-lo tão crescido em tão pouco tempo.

E apesar do convite inusitado, desejava apenas o ignorar.

Um sorriso repentino brotou no rosto de Zeus, em origem a uma nova corrente de vento, ainda mais poderosa no local.

— Agora meus irmãos e irmãs estão ao meu lado — proclamou ao abrir os braços. — Enfim podemos derrotar meu pai e os Titãs, para que um novo reinado seja estabelecido. Sim, sim, um reinado onde todos nós seremos imprescindíveis. Onde nada e nem ninguém poderá desafiar nossa austeridade. Mas para conseguirmos alcançar este mundo da melhor forma... sua força, Deus dos Sonhos, seria de extrema valia.

Estendeu a mão direita na direção do enegrecido, que escutava todas as palavras em completo silêncio.

“O que ele está dizendo?”, as pupilas se afiaram em direção ao falante, tão convencido de si mesmo.

Por mais que fosse firme e determinado em suas palavras, não seria o suficiente em prol de persuadi-lo.

Respirou fundo, na iminência de soltar um pouco de vapor condensado dentre os lábios.

Enquanto o alvo aguardava com paciência pela resposta, o Deus dos Sonhos terminou de dar a volta no respectivo eixo.

Frente a frente com o imponente, trouxe a resposta definitiva na ponta da língua:

— Sinto muito, mas recuso a oferta. Essa batalha não cabe a mim intervir, tampouco a meus irmãos.

Sem ter mais o que dizer, ergueu o queixo e caminhou a passos curtos, até ultrapassar o flanco da outra divindade.

Ele ainda era maior, ainda assim. Mas isso não significava muita coisa, deixou o pensamento escapar como uma bala.

Nenhum dos dois sequer trocou olhares durante a passagem silenciosa, onde se proliferaram apenas o som das ondas vindas do mar.

Desinteressado na mudança de posicionamento, não tinha nada a temer. Nem mesmo a oferecer em retorno.

Zeus permaneceu quieto, escutando os passos sobre a terra ganhando cada vez mais distanciamento.

Quando estavam prestes a desaparecer, mais uma vez o sorriso se contorceu no rosto plácido.

— Pois é uma pena...

O lamento repentino daquele que trazia o instigante convite fez a espinha do Deus dos Sonhos gelar.

Parou de andar no ato, pois uma influência nada agradável o envolveu de súbito.

Foi quando um tremor chacoalhou aquela região da ilha.

Logo, novas influências ascenderam na sensibilidade do escurecido, que arregalou os olhos e tornou a encarar o inerte a alguns metros.

Nada vinha dele, portanto, voltou a focar no que tinha à sua frente.

Poucos segundos foram precisos até identificar a natureza de duas das energias em estado de anomalia.

“Isso é...!?”

Sem pestanejar, acelerou as passadas e iniciou uma corrida pelos entremeios da floresta.

Não demorou muito a alcançar uma gruta isolada, de onde, com toda certeza, vinham os fluxos poderosos experimentados há pouco.

Só que, quando chegou no âmbito tomado pelo breu... tudo cessou da maneira mais impiedosa.

Nem mesmo ruído algum se proliferava do interior.

O homem engoliu em seco antes de continuar.

Conforme avançava pelas saliências rochosas, um zumbido forte se apossava dos tímpanos.

Passado um tempo em pura tensão, atravessou o restante do cenário claustrofóbico, se deparando com algumas chamas roxas ainda acesas pelas paredes.

Um forte aroma foi reconhecido pelo olfato, lhe trazendo novas levas de náuseas.

Manteve-se cuidadoso até chegar na área aberta. A primeira coisa com a qual se deparou foi...

“Sangue?”, os olhos esgazearam, à medida que enxergava os pontos de Ícor cintilarem nas faixas avermelhadas que marcavam o solo.

Acelerou os passos. Sentia o coração palpitar a cada avanço recheado de aflição.

Quando se deparou com o restante da destruição, o cérebro congelou por certo período.

O intervalo entre encontrar o estado do local e os dois corpos, imóveis no chão, foi ínfimo.

Os olhos negros deixaram de piscar dali em diante.

— Fobetor!? Fantasos!? — clamou o nome dos irmãos, sem obter nenhuma resposta.

Antes de sequer poder os alcançar, uma dor pungente o dominou no abdômen.

Com o tempo, fios de sangue escorreram nos cantos da boca e tudo se tornou ainda mais escurecido.

Sem entender direito o que acontecia, levou as mãos trêmulas a agarrarem o que quer que fosse abaixo da altura do peito.

— Vocês realmente são duros na queda, hein? — A voz que se pronunciou, no entanto, veio de outro lugar.

Não havia qualquer um à sua frente, mesmo ciente de que era dessa vertente de onde o golpe viera.

Quando virou o rosto, ainda com a mente embaralhada, se deparou com o homem moreno, que bateu o gigantesco tridente no chão ao parar de andar.

Seu cabelo de emaranhados escorria sobre os ombros. Os olhos cor de mel pareciam mais acesos do que qualquer luz naquele lugar.

— Mas acabei perdendo a chegada do peixe maior. — Desviou o olhar, desinteressado. — Vai ficar me devendo uma!

Desentendido sobre com quem aquele homem falava, o enegrecido experimentou um gelo subir a espinha.

— Não te devo nenhum favor. — A voz extremamente lúgubre despertou calafrios no ferido.

A lâmina fincada em seu estomago foi puxada de volta, deixando que mais sangue escapasse do ferimento.

Então, a resposta para o maior mistério daquela gruta se revelou.

O que estava invisível, de repente, tornou-se visível. O corpo de outro homem, que removia um capacete estranho em formato de caveira.

Seu cabelo também era branco, porém chegava apenas à altura da nuca.

E os olhos vermelhos assemelhavam-se ao próprio sangue, a cintilarem tão fortes quanto os mais claros do outro invasor pela penumbra.

Enquanto encarava de cima, se piedade para o Deus dos Sonhos, sacudiu a faca de modo a fazer os resquícios do líquido viscoso espirrarem no plano.

Incapaz de se mover, o enegrecido sucumbiu com os joelhos nas rochas ensanguentadas.

A imagem dos irmãos, sem vida, continuava a espetá-lo bem ao alcance do olhar.

— O qu...? — Os soluços vinham poderosos, sequer o permitindo dizer algo lúcido.

Passos pesados ecoaram pela passagem final da gruta silenciosa.

Tanto o homem com o capacete quanto o com o tridente se voltaram à entrada respectiva, de onde a terceira e mais imponente figura se revelou.

— Fizeram muito bem... Poseidon. Hades.

E a voz em questão lhe trouxe tudo que precisava saber...

— Não quero ouvir isso de você. Apenas cumpra com o que prometeu. — O esguio deu de ombros.

— O mesmo aqui! — O moreno cruzou os braços.

— Sim, sim, recordarei em fazê-lo. Agora... — Zeus se agachou e puxou o cabelo do impotente. — Realmente achou que sairia assim, tão fácil?

— Seus... por quê!? — Rangia os dentes, quase a ponto de parti-los ao meio. — Eles não tinham... nada a ver com...!!

— Imaginei que você iria recusar meu convite. Portanto, resolvi com meus irmãos de... adiantar as tratativas. Precisava garantir que sairia com os lucros nessa breve negociação.

Incrédulo perante tamanho ardil, o Deus dos Sonhos perdeu a luz em cada íris.

— Então... mesmo se eu aceitasse...?

— Talvez. Quem sabe. Afinal... — Aproximou a boca do ouvido esquerdo do homem, sussurrando: — Eles eram desnecessários.

O baque foi avassalador.

Simplesmente não acreditava no que estava presenciando.

“Meus irmãos... ele matou”, cerrou os punhos contra as rochas quentes. “Imperdoável... escória... imperdoável... desgraçado... imperdoável...”

Mordeu o lábio inferior.

Os dentes imprimiram tamanha força que um corte se criou, a ponto de soltar outro filete de sangue.

— Você é aquele que será favorável a nós.  

“Vou matá-lo...”, Morpheus estava tomado pelo ódio.

— Contanto que triunfemos...

“Vou matá-lo...!”

A voz de Zeus o alcançava como ruídos que ficavam distantes a cada segundo.

— Sua existência passará a ter um significado maior do que tudo que já imaginou.

Trocados pelo zumbido intenso corroborado pela poderosa repulsa que aflorava em seu ser.

“Vou matá-lo!!”

O homem despertou em seu trono.

Os olhos escuros abriram vagarosamente, enxergando nada além do breu absoluto.

“Novamente... esse sonho.”

Levou a mão sobre o rosto, os dedos descansados com suavidade na testa e bochechas.

Parecia estar sofrendo, mas procurou não demonstrar tais sentimentos mais profundos.

Manteve a soturnidade na feição, como já estava habituado.

— Está tudo bem, Criador? — A voz de um rapaz ecoou pela escuridão.

O “Criador” semicerrou os olhos ao erguer um pouco a cabeça.

— Sim... Está tudo perfeitamente bem. — A resposta dele se pronunciou um tanto risonha.

Um riso de puro escárnio.

— Aquelas criaturas estão começando o plano delas. — Outra voz, essa feminina, soou petulante. — Espero que dê certo, porque, senão, vai ser engraçado pra caralho!

— Olha essa língua, sua idiota. — Outro garoto, de tom mais truculento, a rebateu.

— Vem aqui cuidar dela, então, maldito!

— Parem de brigar, os dois. — O primeiro, mais comedido, se antecipou à dupla de “exaltados”.

— Não há com o que se preocupar. — O deus supremo tomou de volta a palavra. — Quer elas falhem ou não, nosso momento irá chegar. O momento em que todos cairão em um profundo sono... e a nossa Era se tornará realidade.

Estendeu o braço e fechou o punho destro, abrindo um sorriso feroz...

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