Volume 8 – Arco 6
Capítulo 148: Linha Direta
Aliviado pela ausência de maiores problemas na visita ao templo de Esparta, Hermes partiu em disparada rumo ao próximo objetivo.
Bufou acirrado, tendo a certeza sobre o quão chato aquilo estava sendo. Não podia reclamar, no entanto.
O desejo de mostrar tanta superioridade sobre a falsa mensageira fazia o orgulho superar qualquer sentimento negativo.
Mesmo sendo insuportável, deveria ir com seriedade até o fim em seu compromisso como o Mensageiro dos Deuses.
Pensar nisso lhe deu fôlego novo para acelerar a corrida.
Se algum deus o visse se entregando tanto àquela jornada, imaginaria que ele teria descoberto outro roubo do Fogo do Olimpo.
“Bom que vou ter história pra contar. Ruim que vai ser nenhuma em especial”, pensou nos dois lados da moeda, um tanto frustrado.
De todo modo, restava apenas um Classe Herói a ser contatado — já que dois tinha delegado aos semelhantes presentes.
Um impasse o impediu de prosseguir no meio do caminho, numa região adjacente ao Deserto da Perdição.
Com a mão sob o queixo de costume, ponderou durante um breve período até reconhecer o problema que tinha deixado de lado por conta da irritação.
— Eu não sei onde ele está... — mussitou para si, ao que as palavras desapareceram na brisa.
Estalou a língua ao fritar neurônios em prol de encontrar alguma pista, chegando a uma conclusão nada favorável.
Refugou as emoções, contudo, para disparar um sorriso de escárnio no canto do rosto.
“Ela vai ter que me engolir”, pensou ao dar a volta e utilizar sua Bênção, pegando o itinerário do qual jamais erraria.
Tão logo chegou às imediações da grande cidade no outro lado do continente e experimentou a nostalgia de míseros minutos atrás.
Atravessou toda a região, deixando a lufada particular por onde passasse, até subir a colina direcionada à grande acrópole.
Foi ali que interrompeu as passadas aladas, frente a frente com o templo iluminado por chamas brancas em seus arredores.
Nem precisou bater à porta ou chamar.
Prontamente, a mulher esbelta, trajada em peças de armadura sobre um longo vestido branco-avermelhado, deixou o recinto em prol de recebê-lo.
Diferente do habitual, ela não delineava os lábios róseos em um sorriso.
Fitou o deus com demasiada indiferença, a ponto de exalar uma fraca lamentação ao encontrá-lo bem à frente de sua morada.
— O que deseja, Hermes?
Tomou a iniciativa do questionamento antes que o respectivo pudesse ter a chance de formular algo.
Ele desdenhou daquela necessidade vigente de estar sempre à frente dos demais — a priori, dele.
Executou uma rápida mesura, tirou a moeda do bolso e começou a brincar com ela.
Gestos pacificadores que sempre a arrancavam das estribeiras durante os encontros a sós.
Por saber muito bem disso, gostava de provocar ao jogá-lo para o alto incontáveis vezes através do polegar.
Nessa vez, contudo, não parecia fazer muito efeito, visto que nem as sobrancelhas dela torceram de leve.
— Então, querida irmã! Já completei mais de metade da minha tarefa, por isso vim lhe fazer uma visitinha rápida! — Abriu os braços, mas não obteve qualquer resposta positiva dela. — Brincadeiras à parte, poderia me dizer onde está o último?
— E quem seria este? — Atena franziu o cenho.
— Bom, eu já fui à ilha dos descrentes e na cidade daquele esquentadinho do Ares, então...
Através de uma piscada mais delongada, a Deusa da Sabedoria compreendeu a identidade de quem era falado.
— Acredito que poderá encontrá-lo nas adjacências dos locais cultuados à lady Hera. — Levantou o rosto a observar o céu de poucas nuvens, pensativa. — Ela costuma usá-lo demasiadamente ao respectivo favor. Eu diria que...
Antes que pudesse completar, deparou-se com o vazio responsável por lhe oferecer a vista do horizonte ateniense.
Sequer percebeu a partida do Mensageiro dos Deuses, fato esse que a deixou inquieta durante breves segundos.
Logo depois retomou a compostura, consciente sobre o respectivo ter entendido a resposta dela, de alguma forma.
No fim, sabia que a inteligência e perspicácia do irmão jamais deveria ser subestimada, apesar de sua personalidade complicada.
O mensageiro correu o mais rápido que pôde pelos entremeios da grande pólis, sem permitir a si mesmo a tomada de quaisquer atalhos.
Afinal, a partir do informado, não estava tão longe do ponto de escopo.
Atravessou a ligação rápida entre os dois extremos do continente e virou à esquerda, em prol de driblar novas colinas e regiões florestais.
Não levou muito tempo até alcançar a área pantanosa da conhecida cidade de Argos.
Percebeu, pela primeira vez, a destruição causada há muito tempo pelos avanços da Hidra de Lerna, interrompidos pouco menos de três meses atrás.
Algumas das casas já pareciam ter sido reerguidas com sucesso; outras seguiam no aguardo pela duradoura “desintoxicação” no ambiente, que deveria ser retomado de onde a destruição começou.
Nada obstante a isso, Hermes cobriu a distância da pequena cidade em reconstrução, sem deixar que os mortais o vissem.
Rapidamente identificou a influência desejada, o guiando até um desvio na região inundada de diversas plataformas e vegetação herbácea.
Chegou a uma breve recuperação urbana isolada, com algumas casas parcialmente afetadas.
Desceu o declive relvado no arraste das sandálias aladas, em direção a um poço aberto.
Observou de antemão a presença de penas espalhadas na extensão inferior, assim como resquícios de sangue sobre as raízes altivas.
Levantou o rosto no intuito de verificar a grande árvore em destaque a tantas outras nos arredores.
A figura sombreada pela névoa se movia abruptamente com uma enorme arma portada por ambos os punhos, incumbida de esmagar os animais agressivos.
Todos caíam no chão ou eram jogados para longe, criando a extensa pilha de corpos que jaziam em superioridade às folhagens amareladas.
Hermes torceu uma das sobrancelhas, porém ficou ligeiramente intrigado ante a situação.
Ultrapassou as aves mortas de pouco em pouco, perceptivo a grande peculiaridade delas; além de grandes e robustas, logravam de bicos feitos de ferro.
Chegou a soltar um fraco assobio, o que por si só já serviria para chamar a atenção dos combatentes.
No entanto, o lado dos voadores sequer tinha chances contra o extremamente musculoso.
Tinha em porte diversos acessórios nos ombros, braços e pernas, além de uma grande capa a escorrer sobre as costas. Todos possuíam algo em comum: eram compostos por pelagens douradas.
— O primeiro Apóstolo de Classe Herói... Ainda assim isso é loucura, Grande Dama — riu de escárnio ao ver o trabalho que já tinha arrancado dias preciosos do poderoso.
Ou até mais que isso...
Depois de derrubar mais três animais violentos, ele interrompeu as ações para dar a devida atenção ao silencioso Mensageiro dos Deuses.
“Aquele que foi abençoado pelos céus com o dom do poder”, alargou o sorriso ao fitar seu corpo banhado em sangue, do rosto às pernas.
O cabelo negro, curto e espetado, destacava intensamente a pujança que seus olhos celestes irradiavam, como faróis responsáveis por alumiar o breu.
Carregava algumas cicatrizes antigas na face circunspecta e no torso descoberto; marcas de um verdadeiro guerreiro.
— Mensageiro dos Deuses... — mussitou através do timbre pesado, que pôde ser sentido pelo corpo do deus franzino.
— A Grande Dama segue te dando trabalho, não é mesmo, Héracles? — Abriu os braços ao saudá-lo, mas o tom jocoso pouco foi considerado pelo semideus. — Cadê aquele seu “capacete”?
— Deixei em meus aposentos. Estava calor, então preferi evitar de usá-lo.
— Sei. Enfim, não quero te atrapalhar. Só quero lhe entregar uma importante mensagem de minha amada irmã, Atena.
— É sobre Hélade?
Ao receber a inesperada indagação, o alvo cessou o avanço — também já se postava a poucos metros de distância dele.
Um tanto boquiaberto, assentiu com a cabeça e levantou os lábios com malícia; as sobrancelhas desceram.
— Oh, então já está bem-informado, correto? — Deu meia volta, a encarar a região da duradoura batalha que o rapaz travava com maior foco. — Minha querida irmã e a cúpula dos Doze Tronos está convocando aqueles que estão aptos a se unirem. Os Classe Herói são de suma importância para isso, segundo ela. No entanto, não passa de um aviso de alerta, por ora.
— Entendo. Ficarei de olho em qualquer situação.
Balançou o punho destro, jogando resquícios do sangue aviário na enorme clava para o solo.
— Pois bem! Segundo minha querida irmã, qualquer coisa pode ocorrer quando menos esperarmos. Além do mais, caso seja necessário, você deve retornar imediatamente para Olímpia.
— Perfeitamente. — Girou sobre os tornozelos, ao mirar um ninho de pássaros com bicos de ferro nos galhos da árvore mais próxima. — Assim que for preciso, estarei lá.
Hermes pôde experimentar a Energia Vital do combatente em ebulição, tamanha a influência cálida transmitida pelos arredores do poço num pequeno átimo.
Para não atrapalhar o prosseguimento do Classe Herói, que prometera ser ainda mais eficaz e veloz na tarefa, o mensageiro corrupiou-se e disparou para o retorno do pântano.
Ainda pôde escutar os sons e sentir os tremores provocados pelos golpes desferidos por Héracles.
Arregalou os olhos em detrimento àquela disparidade em comparação aos demais membros da corporação.
“É um monstro já lapidado”, ponderou solitário, ciente de que ele seria a maior arma possível a favor do Panteão Olímpico.
Sem parar, saltou sobre as plataformas restantes da região pantanosa e foi a toda velocidade no regresso para Argos.
— Estou ansioso para ver como isso irá se desenrolar — riu de novo, à medida que deixava seu rastro de ventania por onde passava.
Ninguém podia ver, no entanto.
Nem mesmo os céus.
Atena, ao fechar e trancar a porta, caminhou pelo corredor de caminho ao pátio exterior à sala de estar.
Íris levantou o olhar enquanto tomava uma xícara de chá.
— Ele já se foi, senhorita Atena? — Encarou-a de soslaio.
— Sim. Impressionantemente, não veio no intuito de me importunar. — Passou por ela, na direção da poltrona centralizada entre os sofás.
— O que ele queria?
— Saber a localização de Héracles. — Sentou-se, delicada, e apanhou as folhas e a caneta de pena na mesinha ao lado. — O fato de que desconhecia o contexto me impressionou um pouco.
— Se fosse eu, não teria essa dor de cabeça, senhorita.
Fechou os olhos, em clara demonstração de superioridade sarcástica.
— Foi um pedido em conjunto com a aceitação de meu pai, Íris. Infelizmente ele não a enxerga como uma mensageira apta e, acima de tudo, confiável. Ainda mais por estar comigo.
— Mas a senhora Hera acha. Mesmo que eu não seja mais a mensageira particular dela... — Desviou o olhar, um pouco vexada.
— Está tudo bem. Você me ajuda mais do que imagina. Esta tarefa dada a Hermes...
— Eu sei disso, senhorita. Peço perdão se me exaltei um pouco. — Tomou um gole do líquido que soltava uma fina camada de vapor. — Mas falando na senhora Hera, com todo respeito... Ela sempre puxa aquele rapaz para fazer os trabalhos, mesmo podendo contar com diversos apóstolos. É o favorito dela...
— Eu diria o contrário — riu, foleando as páginas recheadas de escrituras feitas à mão.
— O quê?
— Não é nada. Todavia, acredito que ele já tenha entregado as mensagens a todos. — Encarou alguns nomes riscados em uma lista. — Portanto, temos o segundo passo aparentemente concluído...
E riscou um novo, aquele que se referia ao próprio Classe Herói citado na conversa.
Com isso, passou a página para baixo das demais.
Se deparou com outras escrituras, essas mais extensas e divididas em alguns tópicos.
Encarou tudo que havia escrito em absoluto silêncio, na iminência de semicerrar as vistas pesadas.
— Amanhã começaremos a planejar as zonas de defesa das pólis, certo? — A mensageira a cortou do devaneio.
Mesmo assim, Atena a respondeu com serenidade:
— É o propósito. — Terminou de ler as escrituras e ajeitou os papéis ao batê-los contra as pernas. — Já que deseja tanto trabalhar, minha querida Íris, trate de se preparar para amanhã.
— Mas é claro, senhorita! — Abriu um sorriso radiante.
— Precisarei que faça o mesmo trabalho de Hermes. Entretanto, quero que verifique a situação de Delos e Rodes. É de minhas pretensões realizar uma visita a Calíope, em breve... — Ergueu-se da poltrona. — Hermes certamente contatará a minha tia Héstia. E tanto tia Deméter quanto tio Hades já devem ter sido informados por Perséfone...
— Pode deixar comigo! — Também se levantou, eufórica ao prestar continência. — Aliás, a senhorita pretende sair?
Viu a potestade guardar os papéis em uma gavetinha abaixo da mesa, em um compartimento móvel, e dirigir-se de volta ao corredor de saída.
— Sim. Darei uma olhadinha em Daisy e na menina que está sob seus cuidados. — Fitou por cima do ombro.
— Cuidarei do santuário até seu retorno.
Com uma mesura respeitosa feita por Íris, a Deusa da Sabedoria assentiu e seguiu o rumo até acessar, mais uma vez, a porta.
Um portal rasgou o espaço, ao que o homem encapuzado de sempre pulou para fora.
Foi abraçado pela escuridão que dominava todo o ambiente ao seu redor.
— Você foi rápido. — A voz, um tanto gutural, lhe chamou a atenção à esquerda.
A figura negra camuflada e, ao mesmo tempo, destoante das camadas enevoadas que pairavam sobre a prisão, o encarou.
— É raro te ver do lado de fora — mussitou Arlen, ligeiramente espantado.
— Vim... pegar um pouco de ar. — Alecto ergueu os olhos marrons, quase encarnados em um tom de sangue. — Uma pirralha ficou.
— Sim.
— Não que faça alguma diferença, afinal — bufou com desdém, levando uma das unhas afiadas a alisar o cabelo. — A jornada às Moiras sempre foi determinada como uma faca de dois gumes. Nós apostamos no fato de que elas estão entediadas desta Era. Essa é a brecha. Acha que eles devem conseguir?
Encarou o rapaz com afinco.
— Eles são capazes de passar pelos desafios do Berço da Terra sem maiores problemas. Deve ser o rito com o qual as Moiras podem obter a garantia de nosso desejo. Aquele que fará o jogo ir todo para nosso favor.
— Pensamos igual. Como esperado de minha cria. — Alecto delineou os lábios em um sorriso afiado. — De todo modo, caso não consigam alcançá-las, estaremos preparados. É estranhamente fora de nosso feitio lidar com as coisas desta maneira. Mas foi um acordo de sangue, e não desrespeitamos nenhum...
— Acha que Keith e os demais não possam alcançá-las?
— Keith? Ah, ele... — Prendeu o riso entredentes. — Aquele não é Keith.
Arlen ficou em silêncio, mas pôde transmitir o peso de seu olhar coberto sobre aquela colocação.
— Então você já sabia disso — completou a erínia, de novo erguendo o rosto. — Seja Keith ou outra coisa, também pouco importa. No fim, o destino dos deuses já está traçado, sejam as Moiras complacentes conosco ou não.
— Caso eles falhem, o que será feito?
Alecto, dessa vez, deixou uma pequena gargalhada de diafragma escapar.
— Retaliação. — Levou o dorso de uma das mãos à frente da boca. — Esse sim é nosso verdadeiro feitio.
— Sim... E quanto a ele?
— Ele está nos deixando agir a bel-prazer, mas certamente tem algo em mente para caso falhemos. — Cruzou os braços acima do abdômen. — De toda forma, venceremos este jogo antes que ele sequer considere realizar algum movimento. Temos nosso acordo, é claro, mas cada um de nós possui o próprio objetivo. Quem pegar o prêmio final, ganha! E quem irá alcançá-lo primeiro seremos nós.
“Bem ardilosos”, guardou consigo ao vê-la ergueu o palmo canhoto e fechar os dedos sobre ele.
Deu a volta sobre os tornozelos em seguida.
— Ficarei em alerta. Para caso algo do tipo ocorra.
Alecto resmungou com certo deleite ao escutar o anúncio de seu filho mais velho.
Ele caminhou entre a névoa e desapareceu por ela após breves segundos.
Solitária na entrada do santuário negro, a erínia fechou os olhos por um átimo, exalando um lamento preso aos beiços.
— Espero que, em breve, também possamos nos divertir. — Ao abri-los outra vez, um fulgor negro correu pela íris de sangue. — O que acham disso... Moiras?
Sua voz se perdeu em meio ao silêncio cercado pelas trevas.
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