Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi

Revisão: Mate


Volume 1

Capítulo 1: Recomeço

Fim!

Parabéns por ter zerado o jogo!

 

A radiante conquista brilhava num bloquinho preto suspenso no meio da tela, um dos maiores feitos que um usuário da Ice podia atingir: obter todas as conquistas do jogo Crônicas do Rei.

Os olhos do garoto brilharam diante da tela. Seu coração palpitava como se tivesse completado uma maratona. Ele conseguiu, ele finalmente zerou o jogo!

— Eu terminei, caralhooo!

Depois de alguns pulos de empolgação, o rapaz apanhou o controle em cima da mesa do computador e se sentou de novo. A notificação de "Aperte Start" surgiu logo abaixo das letras gigantes do encerramento, ele apertou o botão.

 

Você é o primeiro a fazer isso, Agiota101.

Por conta de seus feitos, a MoonSoft deseja recompensá-lo.

Escolha uma das recompensas abaixo:

Uma chave de acesso as todos jogos da MoonSoft.

Uma cópia antecipada do novo jogo em produção da empresa, O Mundo Subterrâneo.

Uma passagem para conhecer o escritório dos produtores de Crônicas do Rei.

 

— Hã? Só isso? Eu pensei que teria mais, levando em conta que virei muitas noites pra chegar até aqui, talvez até um prêmio e dinheiro…

O maravilhoso jogo que repetiu tantas vezes não escondia um segredo valioso, tornando a decepção por baixo das lentes de garrafão dos óculos mais evidente que as espinhas em seu rosto.

"Bom, ao menos a gravação feita de fundo renderia um bom dinheiro no Supertube."

O ícone passou pelas opções, mas quando apertou uma terceira vez, a setinha para o prêmio escolhido não voltou para o primeiro item. Havia uma quarta opção borrada que se mesclou ao fundo escuro. 

— O que é isso?

Apertou Start.

 

?????

 

Dá acesso ao projeto secreto da MoonSoft.

Esta é sua escolha?

→ Sim | Não

 

Sua cabeça se inclinou para o lado. Rumores de que o novo jogo chamado "O Mundo Subterraneo" seria lançado nos próximos meses foram comprovados e até mesmo uma cópia estava inclusa nas opções.

Na sua mente pareceu esquisito ler sobre um tal "projeto secreto". Após muitas pesquisas pela internet, percebeu que em nenhum lugar dizia sobre alguma coisa nova na empresa, atiçando mais e mais sua curiosidade.

Precisava saber mais, como poderia perder a chance de também ser o primeiro a conhecer os segredos de sua empresa de jogos favorita? Apertou Start.

 

Você tem certeza disso?

 

Apertou Start.

 

Você REALMENTE tem certeza disso?

 

Apertou Start.

 

Download de dados iniciado.

0%

9%

17%

30%

53%

67%

81%

99%

Download terminado

 

Deseja iniciar o projeto?

→ Sim | Não

 

Apertou Start.

 

Transmigração iniciada.

 

Uma esfera girou no centro da tela. Durou cinco segundos, então a imagem se comprimiu e fez o monitor desligar sozinho.

“ Será que queimou?”

Checou se os cabos estavam ligados atrás, duvidando se seu gato tinha puxado um por acidente, o que não era o caso.

Aveia, o gatinho, dormia em sua caminha no canto do quarto, só que tinha algo diferente. Ele não possuía cor de aveia... ele era roxo.

O rapaz se assustou, só agora reparando que seu quarto inteiro estava diferente do habitual. Os posters eram outros, o guarda-roupa era menor e o teclado gamer que comprou tinha led verde ao invés de vermelho.

“Espera, e a minha coleção de jogos?! Espero que não tenha acontecido nada!”

Saltou da cadeira de plástico e revirou o quarto. A calma só veio ao encontrar a coleção inteira guardada numa das gavetas baixas.

— Graças a Deus…

No entanto, isso não mudava o fato de tudo parecer estranho. Agora estava curioso, precisava ver o lado de fora.

Abriu as cortinas do quarto, inúmeros prédios no horizonte cresciam além da vista, e pra variar, existia todo tipo de pessoa literalmente voando ao ar livre como se fosse brincadeira de criança.

— Pera... o que? Como...

Um réptil gigantesco voou passou bem na frente de sua janela, dando um susto tão grande que ele pulou para trás e bateu na porta. 

— Luquinhaaaass! — gritou uma pessoa de fora do quarto. — Já é de manhã, não precisa fazer barulho e acordar os vizinhos de novo!

Lucas se recompôs e destrancou a porta, vendo do outro lado a face de uma mulher meio ranzinza o encarando com um sanduíche nas mãos.

— Anda logo, come e vai te arrumá, menino! — Ela empurrou o sanduíche na boca do garoto e entrou no quarto. — Meu Deus, esse lugar tá uma zona! Você virou a noite de novo?!

— Nã-nãum, mãin!

— Não mente pra mim, garoto! Come logo porque você precisa sair pra trabalhar, ouviu?!

— Xi-xim xenhorá! — Fez uma breve continência e a esperou sair, antes de terminar o sanduíche preso na boca. “Deve ser só imaginação minha, eu virei a noite e tô vendo coisas.”

Sua mente entrou num modus operandi padrão que usava ao acordar e ignorou o restante, poderia ser alucinação de tanto jogar videogame.

Já teve uma vez que algo assim aconteceu após virar duas noites de frente para o computador, então não era de se duvidar que acontecera de novo depois de uma coisa tão excitante como terminar um jogo difícil pra caramba.

Correu de um lado para o outro, tomou um banho rápido e escovou os dentes, para então vestir qualquer roupa e sair às pressas de casa. Nem teve tempo de dar bom dia às pessoas do condomínio, o trabalho o chamava!

Depois de perseguir o ônibus por um quarteirão inteiro, teve um momento de paz num assento que por sorte estava vazio. 

Fazia um calor infernal, a roupa até grudava na pele. Levou cerca de uns vinte minutos de viagem para descer na parada, junto de uma caminhada por dois quarteirões para chegar no lugar.

Era um restaurante meia-boca, mas que precisava de alguém para limpar, e o dono desse posto era ninguém mais que Lucas.

Entrou, cumprimentou as pessoas e pegou seus utensílios para limpar os banheiros, enquanto certos pensamentos incomodavam sua cabeça.

“Qual deve ser aquele novo projeto? Será que tá instalado no meu computador? Eu não tive tempo de checar mesmo… Ahhh, eu quero muito saber!"

Com um esfregão e um balde de água nas mãos, esfregou o piso do banheiro. Ele não gostava de nada do trabalho, porém não tinha como sobreviver sem trabalhar.

“Aqui sempre fede demais, meu Deus. Com esse calor também vai ficar difícil. Desde quando essa cidade é tão quente desse jeito?”

Lucas esfregou o chão como se fosse instintivo, não era uma novidade fazia bastante tempo.

Na época que saiu da escola, a primeira coisa que fez foi arrumar um trabalho para pagar as contas de casa e de vez em quando comprar algo para si. 

Até esqueceu há quantos anos trabalhava no mesmo estabelecimento. Talvez 5 anos? 7? Difícil dizer.

O problema apareceu depois de um tempo, estava meio difícil adquirir uns trocados, as contas não paravam de subir, eram três pessoas para sustentar e só duas pessoas traziam renda para casa — ele e sua mãe.

Quanto ao seu pai, o coroa sempre mandou no pé quando teve a oportunidade. Nem sequer deixou qualquer dinheiro para se estabilizarem, apenas sumiu largando mais dívidas nas costas da família para pagar.

As horas sumiram num piscar de olhos. Lucas terminou sua limpeza geral e colocou seu equipamento dentro do armário. Recolheu a mochila no canto, caminhando lentamente para fora. Observou o movimento, nada muito demais para aquele horário.

"Acho que vou dar uma passada naquele lugar antes de chegar em casa."

Seguiu pela calçada, misturando-se com a multidão. Foi aí que ele reparou em algumas coisas estranhas.

As pessoas andavam com outros animais de estimação além de gatos e cachorros. Tinha lagartos, pássaros diferentes e alguns conversavam com o vento.

— Eu tô ficando doido…? — murmurou, acelerando mais o passo.

A loucura só piorou conforme analisava as pessoas e os estabelecimentos que jurava não estarem lá no dia anterior.

Os prédios, o nome das ruas e inclusive o prédio que pretendia visitar, um centro para nerds jogarem cardgames, era algo completamente diferente.

Que mundo era aquele? Lucas ficou tão fascinado que mal reparou para qual direção ia.

Ele passou por perto de uma área em construção, aparentemente uma praça, onde tinha um pequeno espaço separado por fitas policiais.

Um rasgo na realidade flutuava no centro da praça. Raios craquelavam o vento, gerando novas rachaduras que se aumentavam muito devagar a fissura.

Lucas estava um pouco longe, analisando o perimetro para saber se era seguro ou não se aproximar. No final das contas, segurança não foi necessária, e sim uma segunda pessoa que chegou um pouco perto demais do portal.

Era uma garota pequeninha, seus pais estavam por perto, mas não prestaram atenção e a puxaram a tempo. Ela foi sugada para dentro da fissura.

"Merda!" Seu corpo agiu por conta própria, ele pulou as barricadas e a fita policial do caminho.

Atravessou os dois pais, e sem nem pensar, se jogou para dentro da rachadura dimensional. Seu corpo teve a  sensação de nadar dentro da água, o ar ao redor era denso e seus movimentos ficaram limitados por um tempo.

Quanto mais seguia em linha reta, mais gosmenta a água ao redor ficava, ao ponto de que uma hora ele mal conseguiu se mexer, até repentinamente ser impulsionado para fora.

O outro lado era completamente diferente, uma floresta densa se estendia por onde seus olhos enxergavam, mas nenhum sinal da garotinha.

Selva de Tarnisgan.

1° Andar.

 

— Es-essa tela é muito esquisita, era para aparecer...? Não, foco! Vamos achar a menina primeiro, depois penso mais nessas coisas. — Ele encheu os pulmões de ar. — Eeeeiii!! Garota, cadê você?!?

Fazer barulho foi sua pior escolha. As folhas das árvores se mexeram. Algo verde se escondia entre os galhos, com uma seta metálica apontada para baixo — ou melhor, na direção em que o rapaz andava.

Lucas ia dar um passo em frente, mas a flecha caiu logo na frente de seu pé. Ele fitou o objeto, um calafrio atravessou por todo seu corpo. 

O barulho das folhas aumentou, era um… dois… três… o número apenas aumentava! 

A morte parecia bater à porta, sua única saída era correr de volta, pela vida, que ainda não deveria acabar. O perigo obrigou seu corpo a agir por instinto, ele voltou na direção do portal e colocou sua mão para tentar retornar, mas ao invés de passar, ele foi empurrado de volta.

 

Derrote o Chefe do Andar para retornar

 

— Tá de brincadeira comigo?!?

Uma flecha perfurou o chão entre suas pernas abertas. Movido pelo desespero, correu floresta a dentro, sem saber qual direção ou para que lugar estava indo. 

Os tropeços eram sinais da sorte sorrindo, as várias flechas passaram por cima de sua cabeça como vento, cravando-se nas árvores e esquecendo que deveriam acertar o corpo de um nerd desprotegido.

A distância dele para o portal aumentou, ao ponto de que não fazia ideia de como retornaria mais tarde. Seu coração bateu duas vezes mais rápido, a fádiga queria derrubar suas pernas.

Mesmo assim, ele não parou, sabia que se parasse seria pego por aquelas criaturinhas e com certeza teria uma morte terrível. Era jovem demais para morrer, e mesmo que originalmente quisesse salvar a garota, esse objetivo desapareceu quando sua vida ficou em perigo.

Seu caminho foi interrompido por uma criaturinha baixa, esverdeada, cabeçuda e feia. Era um goblin.

— Só um? Dá pra lidar com ele, eu acho…

A criança feia o avistou, sacando uma faca da tanga e pulando na sua direção sem aviso algum.

Lucas puxou sua mochila, usando de escudo para bloquear a série de facadas que o goblin tentava acertar.

Cansado de ser pressionado, ele retrucou com um chute torto que por pura sorte o acertou na fuça. O anão verde voou e bateu num tronco, seu nariz sangrou e um de seus dentes caiu, lançando um olhar coberto de ódio mortal em direção ao humano

Pulou na direção do oponente, sua faca estava mirada na cabeça dele, até ser rebatido por uma mochilada. Lucas não deu janela para escapar, disparou na direção do goblin e meteu outro chute em seu corpo.

A criaturinha cuspiu sangue, e impiedoso como era, o rapaz lançou uma série de pancadas com o pé até que ele não se mexesse, como se esmagasse uma barata no banheiro.

No final, só restava uma papa de sangue roxo e um cadáver pequeno no meio da mata. Lucas respirou fundo, a ansiedade consumiu sua cabeça.

— Cacete… eu matei essa coisa…?

Não estava feliz e nem triste. Era uma sensação diferente, um misto de nojo com alívio. Caso não o tivesse matado teria morrido no lugar do anão verde, afogado no próprio sangue. 

Suas pernas tremeram, e ele caiu com a bunda no chão. Estava cansado demais, fruto dos anos de sedentarismo. O pior disso era escutar um ganido irritante de trás, junto do som de galhos quebrando.

Era óbvio que outros viriam.

— Droga… eu devia ter ficado na minha, devia ter só ido pra casa. 

Arrependimentos fluíram pela sua mente. Iria mesmo morrer ali, um idiota que nunca conquistou nada na vida. Se não fosse por seu desejo de querer aparecer como herói, nada disso teria acontecido.

Se não fosse por sua falta de físico, talvez poderia enfrentá-los mais facilmente, quem sabe achar a menina. Uma pena que nada disso era real, assim como nunca foi.

— Foi mal, mãe.

Chamas explodiram de suas costas. Lucas se protegeu com os braços, mas o fogo não o pegou, pelo contrário, era morno e aconchegante quando tocava sua pele.

O restante foi reduzido a meras cinzas, incluindo os goblins e a vegetação. Entre as labaredas, uma figura apareceu, uma mulher.

Era alta, seu longo cabelo ruivo dançava junto das faíscas de fogo que queimavam o ambiente. Ela usava uma roupa estranha, semelhante a um manto de feiticeiro de cor rubra, uma mascara escondia seu rosto, que a mente de Lucas passou a imaginar como era.

— Ei, você… — disse ela, a voz era abafada e distorcida pela máscara. — Saia daqui, é perigoso. O portal em breve abrirá de novo, então vá.

Lucas acenou com a cabeça, sem medo algum de correr de volta ao portal. Estava tudo livre, nem mesmo as árvores ficaram de pé depois da tempestade de labaredas.

No caminho, uma mensagem apareceu.

 

O Chefe do Andar foi derrotado.

 

Ele entrou no portal e de novo a sensação viscosa tomou seu corpo. Ficou grato por conseguir tocar o asfalto de novo, sendo surpreendido pela comoção ao redor. 

Tinha uma ambulância, algumas viaturas de polícia e diversas pessoas com as câmeras apontadas para ele. Lucas se assustou, contudo não precisou se preocupar.

Os médicos no local o levaram a ambulância, onde conferiram se possuía ferimentos e se algum trauma o afligia. Nada encontraram, então deixaram o rapaz de lado por um tempo.

"O que foi… aquilo?"

A fenda verde tremulou. Raios saíram das dobras e de lá saiu a mesma mulher de manto, com uma pequena garotinha em seu colo que chorava de medo e foi entregue aos pais. 

O portal aos poucos se fechou enquanto se afastava. Vários flashes de câmera inundaram o local, todos mirados nela.

— Senhorita Bianca, pode falar conosco, por favor?

— Caçadora Bianca, como era o mundo do outro lado do portal? Se importa de nos dar detalhes?

Os repórteres não conseguiram captar a atenção dela, sua mente parecia estar em outro lugar.  Lucas a observou, ela se aproximou da ambulância.

— Você entrou no portal para salvar aquela garota, não foi?

— Si-sim, é…

— Impressionante. Não é todo dia que alguém com uma motivação de salvar outra pessoa aparece. — Ela se agachou para ficar mais próxima. — Qual a sua habilidade, garoto?

— Ha-habilidade? — Uma interrogação brotou na sua cabeça. — Eu não tenho uma…

Um breve silêncio marcou o momento. A maga vermelha parecia pensativa, analisando que possibilidades ou pensamentos permaneciam na cabeça do garoto, e enfim ela puxou um cartão preto do bolso.

Ali havia um número de telefone e o nome de uma empresa,  "Scarlet Witch Bazar". 

— Se estiver interessado nesse ramo, por favor, me ligue. Seria muito interessante ter alguém como você conosco. Tenho certeza que mesmo uma pessoa sem habilidade pode retribuir muito ao mundo com atos de heroísmo.

Uma breve reverência e a mulher vermelha foi embora. Lucas ficou ali estático, encarando o cartão.

O dia foi uma grandíssima confusão,  agora alguém veio para oferecer um trabalho do qual não sabia o que era.

Foi naquele momento que sua vida virou ao inverso e uma nova chance de chegar ao topo caiu nas mãos. Essa foi a recompensa por zerar um dos jogos mais difíceis do mundo: um Restart.



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