Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 1

Capítulo 2: Sistema

Lucas retornou para casa depois de levar um sermão de agentes engravatados que realizaram um cerco no portal após descobrirem da entrada acidental de uma garotinha.

Eles lhe disseram que fora imprudente entrar no portal, mas ainda assim elogiaram sua atitude heróica. Também avisaram para que da próxima vez tomasse mais cuidado, assim deixando-o voltar para casa.

Após despitar uma onda de repórteres e câmeras, chegou em casa são e salvo. Sentiu-se um pouco triste por ter perdido a chance de aparecer na televisão, no entanto, se fosse visto pelas câmeras, era mais provável que fosse usado de vexame por conta de sua aparência.

Quem o recebeu na porta de casa foi sua mãe. Perceptiva como era, reparou a sujeira de terra nas bochechas do filho e também nos amassos de sua roupa, além da bolsa parcialmente furada.

— Luquinhas, você brigou com alguém hoje?

— Mã-mãe?! É claro que não!

— Não levanta o tom pra mim, moleque! — O garfo que mexia no macarrão quente foi apontada na direção do garoto, agora ameaçado pelas pontas afiadas encostadas na garganta. — Olha pra você, todo abarrotado e coisado! Eu pareço cega pra ti? Anda, me diz logo o que aconteceu! 

Lucas revirou os olhos e foi rendido pela autoridade da dona da casa. Eles se sentaram no sofá enquanto a comida terminava de ser preparada, e assim o rapaz contou do começo ao fim a história de como ficou daquele jeito.

Sua mãe não mudou de expressão, os olhos castanhos por debaixo dos óculos liam o semblante de seu filho como sempre fizeram, querendo identificar as partes de mentira e verdade no que dizia. 

Quando ele terminou, a mulher só largou um suspiro alto, levantando para checar a comida antes que queimasse. 

— Eu já te avisei para nunca entrar naquelas coisas. Como você fez com uma boa intenção, vou perdoar, mas nunca mais faça de novo, ouviu? Tinha a chance de ter morrido lá dentro. Portais não são brincadeiras de criança, Lucas!

— En-entendi, mãe... — O filho, por sua vez, abaixou a cabeça com vergonha.

Procurou na memória um momento que sua mãe falou sobre tais portais, mas nunca achou, e o motivo era bem claro: ela jamais tinha avisado sobre isso.

Encucado, Lucas entrou em seu quarto para se arrumar antes da janta. Largou a bolsa no canto do quarto, amanhã precisaria comprar outra por conta do rombo.

Enquanto procurava achar qualquer lógica naquele dia maluco, um cartão preto caiu de seu bolso. Era o mesmo que a mulher com roupa de bruxa havia lhe entregado.

 

Estamos contratando ajudantes para criação de itens e também Raiders!

 

— Itens? Raiders? Eu por acaso entrei num jogo e não tô sabendo? Se bem que também apareceu uma mensagem na frente da minha cara sobre derrotar um chefe, que coisa esquisita... Hora de procurar algo no google!

Sentou-se de frente para o computador e abriu o navegador, que por ser o google, precisou clicar várias vezes e abrir uma tonelada de abas iguais. 

De qualquer forma, a primeira pesquisa era sobre portais, o resultado foi: Portais são buracos de minhoca que interliga dois mundos diferentes. Eles permanecem abertos até o chefe daquele mundo ser morto, onde começa uma contagem regressiva até a fenda dimensional fechar.

Contentou-se com a resposta. Ela explicava o porquê apareceu numa selva, era um lugar completamente alienígena, porém deixava muitos furos.  

“Então eu passei por um portal quando selecionei aquela opção no jogo…? Não, não tem como. Eu tive uma sensação esquisita quando entrei no portal, mas não senti nada quando fui transportado.”

Isso imediatamente incitou um medo no canto de seu cérebro: o que aconteceu com sua coleção de jogos? Abriu as gavetas numa puxada só e tirou tudo de dentro à procura de Crônicas do Rei, mas não encontrou em lugar nenhum.

— Ô MÃE!

— QUE FOI, FILHO?

— A SENHORA VIU UM JOGO MEU POR AÍ?

— VI NÃO, SEMPRE DEIXO OS QUE VOCÊ PERDE NA SUA MESA!

Não estava na mesa. O jogo desapareceu, e quando pesquisou na web sobre, não encontrou informação alguma.

Parecia que o jogo nunca tivesse existido.

Ao pesquisar sobre a empresa, era a mesma coisa, não havia informação nenhuma. 

Lucas coçou o cabelo, processando como diabos as coisas vieram a dar nisso. Por não achar uma resposta, ele decidiu pesquisar sobre os demais tópicos em destaque.

Raiders são pessoas que fazem parte de uma guilda, associação ou cargo público e têm como trabalho entrar em portais para derrotar os Chefes do Andar, além de extraírem os materiais presentes na dimensão do portal.

A maioria usa equipamentos especiais fabricados por empresas ou grupos e usufruem de habilidades sobrenaturais, como criar fogo ou superforça.

Anotou aquilo num papel, fechou a aba e teclou no navegador "Scarlet Witch Bazar".

O primeiro resultado levou a um link que redirecionava para um site. A página principal demonstrava uma série de coisas à venda.

Dentre elas tinha poções, espadas, machados, pistolas esquisitas e mais um punhado de objetos estranhos que Lucas não reconhecia.

— Por que a maioria dessas coisas parecem ter saído de um RPG…?

Deparou-se com uma coisa familiar nos itens à venda. Era uma armadura vermelha enferrujada com um capacete cônico.

— Essa armadura… É a armadura dos Deuses do Fogo! Espera, que bagatela é essa? 50 conto? Não é possível!

Clicou na foto da armadura, seus olhos vagaram pelos comentários. Todos perguntavam como aquele item estava a venda se estava com uma aparência tão ruim.

A maioria falava que era até caro demais por uma armadura enferrujada, só que Lucas sabia que não era uma armadura qualquer.

Era a armadura mais poderosa de Crônicas do Rei e um tipo de referência da empresa que enchia todo jogo com essa armadura.

O rapaz ponderou se deveria comprá-la… Não, ele comprou na hora. Podia ser uma farsa, mas e se não fosse?

Não fazia a mínima diferença de qualquer jeito, pois um fã ávido jamais perderia uma oportunidade dourada como aquela. Se não servisse em condições práticas, poderia ser usada num cosplay.

— Fui atrás de prata e encontrei ouro!

Lucas sorriu, a sorte começara a andar ao seu lado. Passou mais um tempo investigando o site e chegou à seguinte conclusão: Scarlet Witch Bazar era uma empresa focada na venda de itens para Raiders e faziam um tremendo sucesso.

O que isso queria dizer? Que ele possuía nos seus dedos um emprego de primeira linha, ou assim imaginava, já que imaginou que talvez a fala da raider que conheceu pudesse só ser um marketing disfarçado para investir uma bagatela nos itens disponíveis.

Saiu do computador um pouco insatisfeito e deitou na cama com os olhos para o alto. Suas costas e pés doíam, mão lembrava quanto tempo fazia desde a última vez que se exercitou, logo a dor muscular contagiou seu corpo inteirinho.

Mesmo assim era uma sensação gostosa, algo como sair vitorioso de uma luta, mesmo que a realidade fosse diferente. Suspirou, seus olhos estavam se fechando, até uma coisa levantá-lo da cama.

 

O atributo inteligência aumentou

 

Lucas olhou para a tela flutuante e não reagiu. Tentou tocá-la, mas sua mão a atravessou. Instantes depois, a tela desapareceu.

— O que foi isso?

Lembrou da exata frase, "O atributo inteligência aumentou". Ergueu-se da cama, voltou para o computador e leu as mesmas coisas. Nada aconteceu.

Se não ia aparecer assim, então foi atrás de mais sobre o conteúdo de antes.  Uma hora depois uma nova tela surgiu.

 

O atributo inteligência aumentou.

A tela de status foi liberada. Diga "status".

 

Os olhos de Lucas estufaram diante da mensagem. Aquilo devia bem ser uma alucinação, quem sabe alguma das flechas dos goblins estivesse envenenada e o efeito estava aparecendo agora.

— Status

 

Classe: XXX

Nível: 0

···························

Força | 9

Agilidade | 2

Velocidade | 5

Resistência | 1

Inteligência | 2

····························

 

As informações aqui contidas representam sua capacidade física de acordo com seu corpo atual. Os atributos aumentam conforme se pratica uma atividade relacionada ao atributo em questão.

Fazer as mesmas coisas levará a um limite de pontos adquiridos, e quando este for atingido, um aviso aparecerá. Quanto maior o atributo, mais experiência será necessária para evoluí-lo.

O sistema pode receber mais atualizações se o atributo Inteligência aumentar. 

Aproveite, jogador. MoonSoft

Diga "fechar" para fechar as mensagens.

 

— Fechar.

Tudo desapareceu. Não era alucinação. Lucas ficou em completo choque. Se não fosse pela seu senso de autocuidado, teria batido a cabeça na parede diversas vezes para acordar daquele sonho.

De volta ao computador, com a curiosidade atiçada ao limite, os seus dedos se arrastaram pelo teclado numa velocidade absurda, indo de um lado ao outro e abrindo tantas abas que cada uma ficou minúscula. 

Não prestou atenção no conteúdo, apenas leu de novo e de novo. Isso trouxe um resultado, assim como o sistema dizia.

 

O atributo inteligência aumentou

O atributo inteligência aumentou

O atributo inteligência aumentou

Limite de atributo alcançado por nível.

Assunto "Quem são os raiders" concluído.

Missões foram desbloqueadas.

 

O rapaz fechou todas as telas, exceto a última. Voltou para a cama e descansou os ombros, assim que fez isso uma janela apareceu.

 

Missão Básica: Treino Diário.

Aumente seus atributos a partir de treinos básicos e melhore seu desempenho físico.

Requerimentos: 

0/40 flexões; 

0/40 abdominais; 

0/40 agachamentos; 

0/60 polichinelos; 

0/60 avanços; 

0:00/3:00 prancha; 

0,0/5,0km caminhada; 

0,0/2,0km corrida

 

Lucas sentiu dor, mais dor do que imaginou sentir em toda vida.

— Eu não vou fazer isso…

 

Uma recompensa será dada cada vez que a missão for completada.

 

— Eu definitivamente vou fazer isso… amanhã!

O dia seguinte veio depressa, no primeiro raio de sol Lucas já estava de pé. A janela com os requerimentos continuou ali, dando mais vontade para treinar depois de um café-da-manhã.

Começou dentro do próprio quarto. Cada músculo doeu e a comida no abdômen remexeu com seus movimentos, porém ele não desistiu.

Perto das seis horas, a grande maioria dos exercícios ganhou uma marcação de concluída ao lado, só faltando dois. Lucas amarrou o tênis, vestiu-se e acelerou o passo para uma praça ali perto.

Caminhou no seu próprio ritmo, deixando o tempo passar. Seus olhos iam por todo o ambiente, desde os velhinhos fazendo sua rotina até as diversas pessoas à sua frente.

"Qual foi a última vez que saí de casa pra valer?"

Nada vinha à mente. Não lembrava de nenhum momento que não fizera outra coisa além da rotina diária; trabalhar, jogar, dormir, trabalhar, jogar, dormir.

Era uma experiência nova andar pela praça sem se importar com o que acontecia. A luz do sol era morna, o barulho era agradável e tinha uma atmosfera leve.

“Por que eu vim pra cá mesmo?”

 

O atributo Resistência aumentou.

 

"Ah é, eu tô aqui por isso…"

O penúltimo requerimento recebeu o ícone. A expressão de Lucas estava ruim, os exercícios em casa drenaram grande parte de sua energia e ânsia de vômito aumentava cada vez mais.

Segurou-se firme, respirou fundo e encarou a calçada de tijolinhos cinzas. Sua visão estava embaçada, mas por mais que ardesse e por mais que fosse difícil se manter de pé, ele correu. 

Sua cabeça desligou, uma queimação tomou conta de suas pernas e seu cérebro latejava de dor. Não conseguia respirar direito, seu esforço foi tanto que uma hora sua visão borrada escureceu por completo.

Ele caiu.

Lucas recobrou a consciência muito depois. A luz do sol incinerou seus olhos. Estava desorientado, o mundo girava sem parar.

A primeira coisa que viu foi o rosto moreno de uma linda moça. Àquela altura, imaginou que era um anjo guiando-o para o céu.

"Por que ela tá em cima de mim…?"

Demorou uns momentos para reparar no motivo, já que um confortável travesseiro massageava sua nuca. 

Ergueu o torso de uma vez e corou, mal conseguia acreditar no que aconteceu.

"Tá de brincadeira que eu dormi no colo dela!"

— Ei, não se mexa tanto — ela sussurrou no ouvido dele, causando calafrios. — Seu nariz está machucado, só fique parado um pouco.

A mulher encostou uma bolsa de gelo no nariz de Lucas. Ele ficou mais vermelho, ainda mais por receber uma ajuda de uma senhorita tão bonita, mais até que suas crushes no tempo de escola.

Sua boca ficou trancafiada, o silêncio se devia provavelmente aos olhos verdes cravados em seu rosto, junto de uma mexa verde que tapava um pedaço do sol no céu.

— Qual seu nome? — ela perguntou, enquanto sorria.

— Lu-Lucas…

— Lulucas? Que nome engraçado, hihi. Eu me chamo Viviane, mas você pode me chamar de Vivi se quiser, tá? ~

O rapaz continuou estático. Sua mente voou para as alturas, mal sabia responder ou entender a mulher. Era como se tivesse caído no encanto de um feitiço. 

No meio de seus devaneios, notou uma garota que os observava. 

Ela não era particularmente bonita, era a definição de "normal". Apenas suas sobrancelhas grossas a destacavam de um jeito esquisito.

Viviane virou o rosto para a garota e a espantou com o olhar. Lucas engoliu seco, então viu a janela aberta ao seu lado. A correria não estava terminada, faltavam um quilômetro.

— Ei, Lulucas, você tá melhor? — Tirou a bolsa de gelo e grudou um curativo no lugar. — Não devia ter se esforçado tanto. Você assustou todo mundo aqui, sabia?

— Ah, fo-foi mal, e eu tô be-bem sim. — Acenou com a cabeça, tocando o curativo. — Aquela garota que passou agora pouco é conhecida sua?

— Minha aprendiz, na verdade. Hah, eu queria que ela tivesse um pouquinho da força de vontade que você tem.

Viviane colocou o dedo no queixo. Uma ideia repentina veio à sua cabeça. Ela encarou Lucas de uma maneira que deu certo medo.

— Já sei. ~ Que tal você pegar meu número?

— Se-seu número? Por que?

— Te achei um cara legal e gostei do seu jeito. — O sorrisinho se alargou. — Anda, pega seu celular e anota aí.

Lucas tirou o celular do bolso, vendo o horário. Seu sangue gelou, estava atrasado, muito atrasado.

Mordeu o lábio, queria sair correndo, porém não podia perder uma chance igual a essa. Assim que terminou de anotar, levantou do banco.

— Viviane, desculpa sair agora, mas eu tô muito atrasado pro meu trabalho!

— Qualé, não esquenta com isso. Lembra de me chamar de Vivi, tá? — Ela deu uma piscadela. — A gente se vê por aí. ~

Lucas foi embora as pressas sem saber se era por conta do trabalho ou pura vergonha. Quando desapareceu de vista, a menina sobrancelhuda se aproximou para conversar.

— Mestra, você devia parar com isso, sério!

— O que, flertar com alguém? É engraçado fazer isso com outras pessoas, ou você é tão ciumenta que não aguenta me ver fazendo isso, Natália?

— Óbvio que não! — Ficou vermelha de raiva e colocou as mãos na cintura. — Eu me refiro a provocar os outros assim! É nojento porque você namora!

— Tsc, me erra, menina. — Puxou a orelha da garota. — E só pra falar, eu não namoro mais. Terminei com o Leonard quando descobri que ele tinha um caso com uma garota lá na Inglaterra, então deixa eu me divertir, sua pimpolha.

Após uma sessão de choramingos por parte de Natália, as duas voltaram a correr. Viviane deu risada e provocou a pupila a manhã inteira, porém uma certa coisa incomodou sua cabeça.

"O que era aquela tela azul do lado dele?"



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