Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 1

Capítulo 3: Farme

Lucas teve que literalmente correr para chegar com o mínimo de atraso possível, mas ainda levou um esporro do chefe.

Ao menos, o expediente como faxineiro se desdobrou tranquilamente, foi dispensado no final da tarde e quando saiu do restaurante toda a fadiga veio de uma vez. 

Mal dava para se mexer sem ter uma dor, só que seu dia não tinha acabado. Faltava cumprir o último requisito da missão.

 

40/40 flexões

40/40 abdominais

40/40 agachamentos

60/60 polichinelos

60/60 avanços

3:00/3:00 prancha.

5,0/5,0 km.

1,2/2,0 km.

 

Menos de um quilômetro faltando.

"É melhor eu deixar para outro dia, tô morto…"

Contava a mesma mentira para si conforme as paradas de ônibus passavam. Ele desceu algumas paradas antes, a mais ou menos a distância necessária para terminar o último objetivo.

Arrependeu-se da escolha. Não precisava acabar naquele dia, era apenas a teimosia querendo que fizesse mais do que devia.

Observou o ônibus sumir na distância, o que tirou sua vontade de pagar outra passagem. Estapeou as bochechas, ficou em posição e disparou com tudo o que tinha.

Não ligou para o cansaço ou o peso da mochila ou para as pessoas vendo-o passar. Mordeu os dentes, pisou com todo resto de força, apenas olhando para frente sem se importar com o dia vivido.

Muitas das pessoas que o viam diriam que talvez algo tivesse acontecido naquele dia para ter tanta pressa, ou que o garoto era só um doido chamando atenção dos outros na rua.

Mas, para Lucas, esse era  momento completar e saborear as recompensas.

Cada passo doeu mais que o anterior, a única coisa que o mantinha de pé era a adrenalina no cérebro.

Depois de ser xingado por umas pessoas no caminho e quase cair num buraco no meio do asfalto, chegou ao condomínio. Suas pernas estavam iguais a gelatina e um enjoo atacou a vista.

— Eu consegui…

 

A missão foi concluída.

 

Lucas gritou de felicidade e entrou para ninguém estranhá-lo, porém antes disso teve que vomitar o lanche da tarde por uma janela. Subiu as escadarias, abriu a porta do apartamento e deu um grande sorriso.

— Ora… — A mãe de Lucas ergueu a sobrancelha. — Que felicidade toda é essa, filho?

— Mãe, eu me superei hoje.

— Uma garota falou com você?

— Be-bem… também, né. — Corou, coçando o cabelo. — Tô muito cansado, vou tomar um banho.

O rapaz desapareceu de cena. A mãe estava com uma das mãos na boca, totalmente perplexa.

— Eu vi ele levantar cedo e saindo pra correr hoje. Agora ele diz que falou com uma garota? Minha nossa… — Um orgulho encheu o peito dela. — Meu menino cresceu muito mesmo.

Lucas tomou uma boa ducha, jantou, esquivou de algumas perguntas estranhas de sua mãe e enfim foi para o quarto.

Ficou jogado na cama encarando o botão amarelo no meio da tela de missão.

Tocou o botão.

Um pequeno frasco se materializou em sua mão. O líquido era laranja e uma rolha o mantinha fechado.

 

Recompensa Resgatada - Frasco de Suplemento

Regenera parte da energia de quem consome e inibe a dor muscular. Todos os atributos ganham 10% a mais de experiência pelas próximas 24 horas.

 

"Eu me matei de esforço só pra isso…?"

Era muito decepcionante se comparado ao que esperava. Queria algo mais, talvez pontos gratuitos ou quem sabe um objeto diferente como uma arma.

Suspirou, a recompensa o deixou cabisbaixo até ver o restante da mensagem.

 

A cada vez que a missão diária for completa, a eficiência da poção aumenta em 1%. 

Esse efeito reinicia se o treino diário não for realizado.

 

"Quer dizer que se eu continuar a poção vai ficar melhor?"

A curiosidade bateu, ele queria atingir o 100%. Como a descrição dizia que durava 24 horas, ingeriu logo a poção e foi direto para o computador.

O atributo inteligência era a chave daquele sistema, então precisava evolui-lo ao máximo.

Voou de artigo em artigo, estudando um conteúdo que atiçou sua curiosidade, no qual fazia parte dos raiders: as raids.

O assunto se ramificava em diversas coisas, forçando-o a montar um glossário para se guiar.

Portal: Um portão que leva a mundos diferentes. Uma vez dentro, não se sai até matar o chefe. 

Chefe: A criatura mais poderosa de um portal, muita das vezes o "Alpha" do mundo em questão.

Raid: Uma viagem ao portal feita por Raiders com o intuito de extrair os recursos do outro lado e fechar o portal.

Raiders: Agentes do governo ou de guildas especializadas no combate contra criaturas. Eles são chamados de "caçadores" no Brasil, mas na fala popular é preferido chamar pelo nome em inglês.

Guildas: Organizações do estado ou privadas detentoras do direito legal de investigar e interagir com os portais.

Habilidade: A capacidade sobrenatural do Raider que é usada para enfrentar monstros. Ex: criar fogo, congelar coisas.

Guardou o resumo num bloco de notas e voltou à pesquisa. Os resultados não foram o bastante, precisava de algo a mais.

Como saber quais habilidades alguém teria? De onde elas vieram? Por que as pessoas tinham isso? Jogar essas perguntas no Google não dava em nada, mal tinha qualquer explicação na internet além de teorias da conspiração para explicar como as habilidades vieram a surgir.

Saiu do computador. Estava pensando em dormir, até que uma inconveniente janela surgiu. 

 

Missão Básica: Mate Goblins

Mate 6 goblins

0/6

Recompensa: Uma espada.

 

Entre numa zona para iniciar o sistema de invocação automática de monstros.

Para entrar numa zona, saia do seu local atual.

 

— Como é?

Lucas estava surpreso e seus olhos queriam entender o motivo da tal missão. 

Era um grande motivo de susto, em nenhum canto falava sobre monstros a solta na cidade. Engoliu seco, não sabia se os enfrentava e adquiria a recompensa ou ficava em casa.

No entanto, sua mente viciada em jogos deu a resposta por si só.

— Preciso matar uns goblins.

Primeiro necessitava de equipamentos. Vasculhou a casa e encontrou algumas coisas, travesseiro, uma faca e um capacete de ciclismo.

"Vamos lá. Eu já matei um, não deve ser difícil lidar com três ou quatro ao mesmo tempo."

Lucas desceu depressa para a calçada e passou pelo portão eletrônico do condomínio. A rua estava completamente vazia, exceto por três homenzinhos verdes no meio da calçada.

Eles notaram alguém se aproximar, então partiram para cima. O rapaz só teve a chance de chutar o primeiro e se esquivar de raspão da adaga do segundo.

— Merda! Aí, caralho!

Aquele corte na perna ardia mesmo sendo pequeno. Uma pancada forte atingiu sua barriga, havia uma flecha cravada lá.

O impacto foi amortecido pelo travesseiro debaixo da blusa. Lucas sabia que a situação ia de mal a pior, uma flechada ou facada no lugar errado e seria o fim.

Viu uma lata de lixo não muito longe, uma ideia veio a sua mente.

"Já sei como lidar com eles!"

Disparou na direção dela, perseguido pelos três goblins. Agarrou a lata de lixo e esvaziou, usando a tampa como um escudo para se proteger de outra flecha.

Prendeu o da faca dentro da lata, deixando-o sem saída, em seguida afundou a tampa contra a cabeça do goblin desarmado.

O golpe foi mortal, o que só deu tempo para finalizar o goblin arqueiro com uma série de chutes. 

Lucas não esqueceu do último. Ele voltou, empurrou a lixeira no chão e espancou o monstro até que não se mexesse mais.

Os três foram eliminados, ainda faltavam outros. O rapaz se levantou encharcado de sangue, mas cheio de adrenalina.

Motivado por essa sensação, perambulou pela noite, matando cada goblin que visse no caminho. A matança durou a noite toda.

 

*****

 

Você subiu de nível

Você subiu de nível

Você subiu de nível

 

Missão concluída

Desafio Secreto Cumprido

Mate um total de 20 goblins ou mais.

Recompensas adquiridas: Uma espada, três poções de cura, três poções de energia, habilidade desbloqueada.

 

O sol subia devagar detrás dos prédios. Respirou fundo, com as costas deitadas contra a parede de um beco e com os dedos trêmulos.

Os goblins mortos desapareceram diante de seus olhos, enquanto as recompensas descritas se materializaram em seus pés. Ele agarrou uma poção vermelha e bebeu.

— Isso é um jogo na vida real.

Os ferimentos sararam rapidamente. Alguns sobraram, que o obrigaram beber outra.

— Tem níveis, atributos, monstros e missões, mas mesmo com isso, as coisas dependem do meu físico e da minha própria inteligência. Os atributos são só um reflexo, por isso são baixos.

Estava tudo claro em sua cabeça. Por mais louco que pudesse ser, a recompensa secreta de zerar as Crônicas do Rei era viver num mundo com sistemas semelhantes ao do jogo.

A única verdadeira diferença era a época. O jogo se passava numa era medieval, enquanto estava no século 21 ao lado da tecnologia moderna.

Abriu um sorriso, a excitação era tanta que nem no tanto de cortes em sua roupa ou na quantia de sangue nas mãos. 

Voltou para casa e trocou de roupa, além de guardar num canto seguro as recompensas e limpar todo o corpo e seus rastros para evitar perguntas depois. O problema foi onde deixar a espada, que era uma katana grande demais para as gavetas.

Escondeu-a em cima do armário, que acreditou ser o melhor lugar.

— Droga, que sono… Eu devia ter esperado isso acontecer. — Pegou uma das poções de energia. — Se me lembro bem, essa coisa aqui recupera minha fadiga e me mantém acordado.

Virou a poção garganta abaixo, uma onda elétrica invadiu seu corpo. Sentiu-se mais leve, sua cabeça parecia novinha em folha.

A tela da missão de exercícios apareceu. Lucas iniciou logo a sessão de treino, conseguindo terminá-lo muito mais rápido que ontem.

Saiu mais cedo para correr, já que continuava energizado. Não se encontrou com Viviane e nem com a pupila sobrancelhuda, mas não importava.

A rotina seguiu da mesma maneira e ele voltou para casa após um longo dia de trabalho. Dessa vez o cansaço o consumiu.

O efeito da poção não durava mais que um dia e Lucas havia virado duas noites seguidas, o que explicava o motivo de estar tão exausto. 

Seu corpo podia desmontar a qualquer momento, destruindo-o com dores fortes e uma enxaqueca. 

Caiu duro na cama e dormiu tranquilo pela primeira vez em anos, porém teve um sonho inusitado.

 

Escolha uma habilidade abaixo.

 

Feitiço Básico

Entrega um feitiço aleatório de 1° ou 2° nível

 

Arte da Luta

Dá técnicas básicas de Combate.

 

Dom do Ladrão

Aumenta grandemente a chance de cair espólios.

 

Olho Oculto

Mostra as fraquezas e os pontos fracos dos inimigos.

 

A habilidade escolhida definirá sua classe e habilidades posteriores.

 

— As habilidades iniciais, igual ao jogo…

Seus olhos passaram pelas descrições, sabia em disparado que Olho Oculto era a melhor de toads. 

Lembrava que no original essa era a menos útil, pois qualquer um podia pesquisar fraquezas e pontos fracos dos inimigos, porém isso não se aplicava a realidade. 

Criaturas podiam ter pontos fracos em lugares diferentes e não seria possível descobrir no meio da luta por conta própria, sem contar que funcionaria em criaturas fora do jogo.

Feitiço Básico era a pior, pelo simples motivo de ter a chance de receber um feitiço ruim, o que poderia ser uma oportunidade jogada no lixo.

Por mais que a chance de obter um feitiço de 2° nível fosse atraente, não compensava o risco, levando em conta que muitos feitiços de 1° nível não eram poderosos.

Arte da Luta não era impressionante, dava para aprender técnicas sozinho ao longo do tempo com treino o bastante.

Dom de Ladrão era uma questão de sorte e era a habilidade com mais alto risco. O aumento de drops ajudaria muito, conseguir muitos itens poderia ser a diferença entre o céu a terra.

Sendo assim, só havia uma opção.

— Dom do Ladrão.

Que graça teria pegar a habilidade mais roubada se o que mais fez no jogo original foi farmar por horas a fio?

 

Habilidade escolhida

Classe inicial definida: Ladr- - - Sovino.

 

Lucas acordou de repente. Seus olhos ardiam e um peso o esmagava contra a cama. Era dor muscular.

Pegou uma poção de suplemento e bebeu, a dor diminuiu o suficiente para que continuasse sua rotina. Em pouco tempo, estava na praça.

"Eu preciso evitar usar as poções de energia. Elas são ótimas para me manter acordado, só que eu fico exausto quando o efeito passa. Melhor guardar pra emergências."

Quando ia começar a corrida, sentiu uma mão em seu ombro. Olhou para trás, seu coração quase pulou da boca ao ver Viviane.

— Oi, Lulucas, tudo bom? Nem te vi ontem, pensei que tivesse desistido.

— O-oi… — Corou e desviou o olhar. — Eu tinha vindo mais cedo ontem, por isso você não me viu…

— Ahhhh, entendi! — Inclinou o rosto um pouco para frente, querendo ver o rosto dele. — Você não tá mentindo, né? ~

— O que? Nã-não, eu não tô mentindo!

A mulher continuou com a expressão desconfiada, mas deu um tapinha no ombro e lançou um charmoso sorrisinho fez o peito dele inflar.

— Vê se não esquece de me mandar mensagem, Lulucas. 

Viviane saiu na frente, deixando o atônito rapaz para trás. Lucas ficou desconcertado o resto do dia inteiro por causa do sorriso.

Isso até ficar de noite.

Pegou a katana, as poções, o equipamento de casa e a tampa de lixo. Partiu para rua encontrou com o que esperava, goblins. 

Agora o objetivo não era só matar 6 deles, era muito mais. Ele suspirou, segurou a espada numa das mãos e enfrentou os anõezinhos verdes.

Seu objetivo? Farmar 50 goblins.





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