Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 1

Capítulo 6: Masmorra

O homem que analisava as ervas estava surpreso. Era a primeira vez que se deparava com uma dessas plantas.

— Que estranho… Como isso é 100% puro?

Normalmente aquele tipo de planta se encontrava num estado intermediário, em que uma parcela da pureza se dissipava no ambiente e o restante era mantido.

O valor da pureza oscilava entre 30% a 60%, uma média requerida para criar medicamentos capazes de combater doenças que vinham dos portais.

No entanto, uma completamente pura podia fazer muito mais que só tratar doenças.

Recortou uma pequena parte das folhas e isolou numa retícula de vidro. Passou bastante tempo analisando, e quanto mais tempo passava no laboratório, mais se surpreendia e se interessava por estudar.

A situação chegou a um nível que ele ignorou quaisquer outras análises em prol da ciência. 

Alguém foi obrigado a checar o que o doutor fazia, nesse caso a dona da empresa, que bateu na porta do laboratório.

Como estava imerso nos experimentos, não escutou a porta sendo arrombada por uma explosão de chamas.

Uma ruiva de cabelo flamejante agarrou ele pelos ombros, finalmente trazendo-o de volta à realidade.

— Arthur, não me ouviu chamando não?!

— Com certeza não. Além do mais, chegou uma coisa que vai te deixar de boca aberta, então pode tirar suas mãos de mim antes de queimar minha roupa?

Arthur foi solto e arrumou os óculos. Aproximou-se da mesa e mostrou um pedaço das folhas na retícula, que possuía gotículas semelhantes a gelatina. 

— Entende o que é isso, Bianca?

— Uma Erva da Manhã?

— Sim, óbvio, mas é muito mais que isso! Veja de perto.

A mulher deu uns passos à frente e estreitou os olhos. Inflou os olhos de susto, seu coração bateu a mil.

— Não é possível!

— É completamente possível. Digo que acabamos de encontrar nossa mina de ouro, e sei exatamente quem trouxe isso pra cá.

— Quem? É um Raider? Uma celebridade? Ou…

— É um cara qualquer, relaxe.

Bianca demonstrou uma decepção gigante, esperava que fosse alguém importante ou cheia de grana. Arthur continuou:

— Precisamos dar uma investigada no cara que trouxe isso. Ele me contou que encontrou numa caixa, o que eu duvido muito.

— Uma mentira deslavada. — Ela franziu o cenho e suspirou, cruzando os braços. — Qualquer um que ficasse com essas coisas saberia na hora o que é.

— Exatamente, por isso proponho um plano: vamos investigar esse cara.

Bianca sorriu e ficou animada quanto ao desenrolar da situação. Aceitou o plano e passou a noite inteira discutindo a melhor forma de stalkear alguém.

A secretária Angeline ouviu toda a conversa do outro lado. Ela não conseguiu dormir direito, pois quase morreu de rir pela madrugada inteira.

Aqueles dois eram os maiores comediantes que já conhecera.

 

*****

 

Uma larga escadaria de pedra apareceu diante de Lucas, que o levou para uma caverna escura e úmida com uma atmosfera assustadora.

Desceu devagar, a escada atrás desapareceu assim que seu pé tocou o piso.

 

Você entrou na masmorra "Cavernas Fungicida"

Ganho de experiência aumentado em 100%

Ganho de atributos aumentado em 100%

Derrote o chefe da masmorra ou desista para sair.

Desistir pode ser feito a qualquer hora.

A entrada da masmorra irá reaparecer quando o jogador disser "desisto". 

Quaisquer atributos ganhos serão perdidos se desistir.

Skills não podem ser desbloqueadas enquanto o chefe estiver vivo.

 

"Resumindo, eu tô fodido se desistir."

Ele não queria de modo algum se submeter a essa opção, estava na zona perfeita para farmar.

Poderia levar todos os itens ganhos ali, porque não havia nenhuma menção a perder os espólios.

Porém a dor de não adquirir as recompensas gordurosas do chefe por não conseguir matá-lo e ter que refazer o trabalho do zero seria uma facada no peito se acontecesse.

Sacou a katana e apertou o amuleto, sua respiração ecoou no ambiente. O silêncio aumentou sua ansiedade, até o primeiro inimigo surgir.

Era um nada impressionante goblin.

Lucas lidou com o monstro usando um rápido corte no pescoço e o corpo do monstro rolou pelo chão em seguida.

 

1x Erva da Manhã

 

Ele recolheu o drop e seguiu em frente. Esperava outro inimigo, um que se escondia de ponta cabeça no escuro. Não demorou para achá-lo, pois um gigantesco morcego voou em sua direção. 

— Hiiaaa!

A lâmina da katana desceu de cima a baixo, partindo-o em dois. Dois itens apareceram quando a criatura se desmaterializou, era um olho e um couro roxo.

 

2× couro de morcego gigante

1× olho de morcego gigante

 

Couro de Morcego Gigante

Raridade: Comum

Um couro roxo e duro, de qualidade simples e muito maleável. O óleo do couro de morcego gigante permite deslizar no chão e planar no ar.

 

Olho de Morcego Gigante

Raridade: Comum

Um olho verde e de gosto cítrico. Usado como iguaria pelo seu sabor forte e também utilizado na fabricação de poções contra venenos fracos. 

 

— Isso são materiais… quer dizer que tem como craftar algo? 

Coletou aquilo e jogou para dentro de uma bolsa. Os itens eram diferentes das partes de goblin

Lembrou que no jogo era possível construir equipamentos baseado numa "receita", exigindo apenas os materiais e as ferramentas, mas certos itens não exigiam ferramentas.

Para testar a teoria procurou outros dois goblins e os matou, assim adquirindo um total de três Ervas da Manhã.

Uma das receitas mais básicas era uma medicina feita com elas. Era um tipo de poção de cura mais fraca.

Pegou-as e colocou num montinho na terra, então se agachou na frente. Nada aconteceu, para a infelicidade dele. 

Ergueu a mão na direção do monte na esperança de dar um gatilho ou coisa do tipo.

— Ééé… Construir! Mudar! Criar!

Nenhuma palavra fez efeito. Um suspiro decepcionante saiu da boca, o atributo Inteligência possivelmente guardava a resposta para a área de criação de itens.

Guardou as ervas e voltou a explorar a caverna. Como ela era muito grande, às vezes retornava a uma área que já havia passado, os monstros apareciam no mesmo canto que os matou de novo.

Lucas explorou a masmorra por muito tempo, não aparentava ter qualquer perigo. Estava sem armadilhas, os inimigos surgiam em bandos de no máximo três e o lugar era iluminado.

Chegou a um extremo do labirinto, lá era uma passagem sem continuidade, só uma grande parede de rocha. Porém o rapaz era esperto, as lascas na rocha entregaram de bandeja o que era aquilo.

Abriu distância entre ele e a parede, então correu, pegou impulso e saltou com uma voadora. Infelizmente, seu pé mal fez um arranhão na pedra, na verdade o efeito voltou com toda força para si.

Mesmo que o som da batida fosse oco, sequer causou qualquer dano à passagem. Ele levantou do chão com uma expressão triste, até que seus olhos pararam numa alavanca no canto.

— Tá de sacanagem comigo…

Puxou a alavanca. A parede magicamente levantou e deu origem a um corredor.

— Meu Deus, eu sou muito burro.

Entrou na passagem, no final dela tinha um baú de madeira com adornos dourados e um espaço para uma chave. Como não tinha nenhuma chave no bolso, teve que aplicar outra ideia.

Espancou a parte de cima do baú na esperança de abrir um buraco e tirar o que quer que estivesse ali. Uns segundos de pancadas depois, o baú se desmanchou inteiro e no lugar só sobrou alguns pedaços de madeira quebrada.

— É sério que as coisas também quebram que nem no jogo se você bater demais…? Sacanagem.

Suspirou, sua sorte ia de mal a pior. Deu meia-volta e retornou ao caminho, dessa vez na direção do único lugar que restava explorar da masmorra.

O caminho foi preenchido por diversos goblins e morcegos. Lucas novamente sacou a katana e se posicionou. Os monstros rugiram para ele, porém isso não foi suficiente para abalá-lo.

Flechas voaram contra seu peito, uma barreira azul repentinamente o protegeu. Agarrou com força o amuleto e esticou a mão vazia para frente.

 

Esfera Elétrica

Nível 1

Lança uma bola energizada por eletricada que explode em relâmapagos ao contato

 

Faíscas cintilaram em seus dedos, o brilho se acumulou numa esfera. Lucas levantou os dedos e apontou a mão na direção das criaturas, disparando a esfera.

Ela explodiu em uma forte descarga elétrica, tostando cada morcego e goblin no caminho. Respirou fundo, um cansaço caiu sobre suas costas. 

 

9× Couro de Morcego Gigante

4× Olho de Morcego Gigante

7× Erva da Manhã

1× Moeda de Invocação - Tipo Morcego

 

Dentre as coisas recolhidas, o último era o mais misterioso. Não existia um item chamado "Moeda de Invocação", só que o nome era autoexplicativo.

Guardou na mochila, conferiria o que era aquilo depois de voltar pra casa. Olhou em frente, uma enorme sombra marcava as paredes.

Engoliu seco, a poucos metros de distância havia uma enorme criatura de pele cinza, com um porrete de madeira na mão e com uma cara muito feia.

Era um troll, um muito irritado e forte. Ele rugiu para Lucas e em seguida disparou em sua direção, erguendo o porrete para o alto. 

O rapaz desviou por um triz do ataque, jogando-se para trás um momento antes da arma colidir contra o chão.

A caverna tremeu com o impacto. Outro golpe veio em sua direção, esquivou-se rolando para o lado e evitando mais uma vez ser esmagado.

O movimento do porrete criava ondas de vento no ambiente, obrigando-o a proteger o rosto toda vez que o monstro tentava acertá-lo.

"Não dá, preciso abrir distância!"

Uma ideia passou pela cabeça de Lucas. Ele correu com toda a energia que tinha, indo rumo a sala do baú. 

O troll derrubava qualquer coisa no caminho, inclusive matava os demais monstros. No momento que chegaram dentro da sala, o rapaz parou.

Virou-se para o inimigo, deu uma rasteira por baixo das pernas assim que se aproximou, saiu da sala e puxou a alavanca para baixo, derrubando uma parede entre os dois.

— Esse negócio não vai segurar por muito tempo…

Uma pancada respondeu aos anseios de Lucas. As rachaduras na parede aumentaram, fazendo-o engolir seco.

— Hora de usar aquilo.

Deixou a espada posicionada à sua frente e apertou os punhos. As faíscas retornaram pelos seus dedos e foram conduzidas para a lâmina, que brilhou em azul e ficou preenchida por raios.

 

Carregar Força foi ativado

A magia Esfera Elétrica imbuiu a arma.

 

Outro baque e a parede caiu, mas ele estava pronto para isso. Saltou em linha reta e levou a espada para cima, descendo-a num corte transversal seguido por uma descarga gigante de eletricidade.

— Corte Relâmpago!

Era uma certa vergonha alheia falar isso em voz alta, mas não havia momento melhor como aquele!

Uma pena que não adiantou. A katana permaneceu pressionada contra o peito do troll, que se manteve estático.

A criatura retrucou com um golpe certeiro do porrete na barriga de Lucas, arremessando-o para o outro lado do corredor.

O rapaz nem teve a chance de recuperar o fôlego direito, o amuleto em seu pescoço virou poeira num piscar de olhos. 

Sua cabeça girava e uma dor latejava no abdômen, enquanto a frase "corra" se repetia na sua mente sem parar. 

Um desespero o pegou. Se nem seu ataque mais poderoso podia vencê-lo, então nada mais poderia.

Arrastou-se pelo piso e se levantou, mexendo-se de um jeito desordeiro. Dessa vez a confiança que possuía desapareceu, apenas um desejo de fuga estava na sua cabeça.

— Desistir!

 

A entrada da masmorra foi reaberta.

Se o jogador sair da masmorra, todos os seus pontos acumulados serão perdidos.

 

— Que se foda os pontos, só me deixa sair daqui de uma vez!

Os grunhidos atrás dele se tornaram mais agudos. Lucas tremia da cabeça aos pés, uma adrenalina sobrenatural movia seu corpo cada vez mais rápido. 

A saída apareceu diante de seus olhos. Ele subiu os degraus correndo, enquanto sentia os tremores dos passos do troll. 

Seus passos viraram saltos, e assim que subiu o último degrau, a escadaria e os rugidos sumiram. 

Lucas desabou na rua fria, seu coração batia a mil. Bateu no asfalto diversas vezes, quase arrancou o cabelo com as próprias mãos.

"Merda… eu não consegui, eu não consegui!!!"

A certeza de antes agora era pó, sua confiança desmoronou perante a fria realidade. Não era forte o bastante, não era o suficiente.

Derrotado e tristonho, caminhou de volta para casa. Permaneceu de cabeça baixa, sua raiva se apoderou dos pensamentos.

Ele queria enfrentar a masmorra de novo, queria vencer a todo custo, mas essa vitória foi tirada à força. 

No entanto, isso reacendeu uma chama em seu coração. Mesmo sem qualquer confiança, ele sabia o que precisava fazer.

"Eu vou ficar mais forte e derrotar aquele troll, custe o que custar."

E assim, Lucas decidiu que era hora de retornar ao que fazia de melhor: Farmar novamente.



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