Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 1

Capítulo 7: Gato

Mais uma vez o sol apareceu e novamente Lucas se levantou da cama. A animação e raiva de ontem não estavam mais ao seu lado, tudo o que sobrou foi uma grande decepção. 

Não sentia nem a mínima vontade de começar sua série de exercícios.

Ao invés de preparar um café-da-manhã saudável, pegou qualquer besteira que pudesse comer com um iogurte de acompanhamento.

O sabor do morango serviu para afundar as mágoas. Aveia se aproximou e se pendurou na coxa de Lucas, que o colocou no colo e fez carinho em sua cabeça.

— Eu queria tá tranquilo como você, Aveia, mas tá difícil… parece que quando eu tento fazer algo novo e me animo demais dá errado, é complicado…

— Com você desse jeito, sempre dará errado.

— Tem razão, Avei… mas que caralho?!

Ele caiu da cadeira de susto. O gato deu um gracioso salto para cima da mesa e lambuzou as patas, olhando-o com certo desdém.

— Meu nome nunca foi Aveia, é Amora.

— Vo-você fala! 

— Eu sempre falei, não entendo sua surpresa nisso.

O rapaz tremeu da cabeça aos pés e recuou alguns passos para trás perante a voz do gato, enquanto o animal se esticava todo em cima da mesa.

— Como eu suspeitei — disse, saltando rumo ao chão. — Você está meio fora do normal, não lembra de algumas coisas e tem agido diferente.

— Diferente? Eu não estou diferente!

— Claro que está, você não é tão gentil com sua mãe como tem sido há alguns dias. Você sempre foi uma bola de desastres desde que seu pai morreu.

“Desde que meu pai morreu…?”

Lucas travou no lugar. Algumas peças se encaixaram em sua cabeça aos poucos, a começar pelo fato daquele mundo ser diferente do seu.

“Transmigração iniciada.”

Aquela era uma das mensagens que apareceu no computador após escolher a recompensa.

Transmigrar significava passar a alma de um corpo para outro, ou seja, ele estava dentro de outra “pessoa”, outro “seu”.

Isso explicava o porquê de suportar a tarefa da missão diária. Nenhum nerd sedentário conseguiria fazer aquele esforço em um dia.

No entanto, Lucas não fazia a mínima ideia do passado do novo “seu”. No mundo original seu pai havia abandonado a família, já no atual ele morreu.

“O que será que esse ‘eu’ passou? Eu preciso saber mais disso…”

— Avei… digo, Amora, eu realmente não lembro de tudo. — Desviou o olhar, não podia ser pego nas próprias palavras. — Eu entrei num portal há dias e minhas memórias estão bagunçadas.

— Certo… se você tivesse sido possuído por algo, eu teria o tirado na base da garrada. — Amora orgulhosamente levantou a pata. — Venha comigo, quero lhe mostrar algo.

O gatinho andou na direção da porta e parou na frente dela. Tentou pular para puxar a maçaneta, só para cair de pé de novo e começar a arranhar a porta.

Lucas conteve a risada e a abriu, deixando o animal passar por lá como se nada tivesse acontecido. Os dois caminharam pela calçada naquela madrugada rumo a um beco.

O final se abriu numa larga zona cheia de latarias de carros e pneus. Um saco cheio de remendos estava pendurado numa árvore, ao lado de um banco com um par de luvas surradas.

— Caramba, que lugar é esse? 

— Aqui é onde seu pai treinava. — Amora subiu num dos carros e se deitou ali. — Ele era um Raider antes de você nascer, e tinha o sonho era ser o maior de todos. 

— E como ele morreu?

— Ele morreu protegendo seu irmão mais novo quando um portal apareceu repentinamente. Você e sua mãe estavam longe, então quando voltaram era tarde demais.

O sangue do rapaz gelou. As palavras de seu irmão vieram a mente, fazendo-o compreender o verdadeiro motivo dele ter dito que queria se tornar um raider. 

Um peso atacou seu peito. Mal dava para acreditar que a presença e a perda do pai fez o antigo “eu” se tornar uma pessoa diferente.

Sabia que não era seu dever pensar nisso e que também não tinha motivo para se importar com o velho, porém existia uma diferença entre respeitar um pai sincero e um idiota que o abandonou.

Ele pôs o par de luvas e ficou na frente do saco de pancadas. Amora o observou e sorriu.

— Eu sei que você sempre teve o mesmo sonho do Ronaldo, por isso vou ajudá-lo a transformar esse sonho em realidade… Te ensinarei uma técnica se seguir meu treino.

“Eu tive o mesmo sonho…?” Uma pulga ficou atrás da sua orelha e ele respondeu: — O que eu preciso fazer?

— É bem simples, bater no saco de pancada com cada punho quinhentas vezes, fazer cem skater jumps, duzentos pulos de corda, correr cinco quilômetros, praticar shadowboxing por vinte minutos e por fim um duelo prático comigo. Simples, não é?

 

Missão Secreta: Treino de Gato

Amora vê o fervor em seus olhos e sente que você consegue atingir o objetivo de seu pai. Ele lhe ensinará uma técnica secreta se cumprir o regime de treino infernal.

Requerimentos:

0/500 socos de esq.

0/500 socos de dir.

0/100 skater jumps

0/200 pulos de corda.

0/5km corrida.

0:00/20:00 shadowboxing

0/1 Duelo contra Amora

 

Lucas ficou indeciso entre estar em choque pelo treino absurdo do gato ou sentir vontade de chorar ao saber que aquilo produziu uma missão secreta.

Respirou fundo e levantou os punhos. Socou repetidas vezes, seus braços doeram a partir do vigésimo soco.

Quando batia fraco demais a missão não contabilizava, forçando-o a usar ainda mais força em seus golpes.

No centésimo acerto, o ácido lático já ardia pelo braço inteiro e os punhos queimavam. Ele não desferiu outro soco por conta da dor nos dedos, tanto que retirou as luvas.

Suas mãos estavam vermelhas e sua pele ganhou uma série de arranhões. Amora sabia que isso aconteceria, então preparou uma compressa de gelo e bandagens no capô do carro.

— Não se importe, eu só me precavi. — O gato se sentou e o chamou com a patinha. — Cuide logo disso antes que inflame mais.

— Obrigado… Onde você conseguiu essas coisas?

— Tenho meus modos, todos eles são secretos.

Lucas colocou a compressa e esperou a dor passar. O gato foi para o chão e, para a grandíssima surpresa do rapaz, ficou de pé em duas pernas.

— Seus socos são desengonçados e gastam energia demais. 

O felino repetiu a mesma coisa que o garoto tinha feito, jogando o braço lá pra trás e depois para frente. 

— Esse movimento de lançar o membro muito para trás é muito lento, porque seu punho demora demais para voltar e dá muita janela para o inimigo desviar. 

O animal explicou que a maioria das pessoas tinha o costume de fazer aquilo, seja porque viu em filmes ou em outras mídias, mas era extremamente inútil se uma pessoa soubesse esquivar.

Ele separou as pernas e deixou o corpo virado de acordo com a perna dianteira, assim sua pata direita ficou na frente e a esquerda ficou para trás. 

— Essa é uma base. Quando você fica apenas de pé um empurrão pode te empurrar com muita facilidade, mas quando se apoia a perna para trás sem estar muito desalinhada da outra você adquire estabilidade para não cair.

Ele também disse que a força vinha do posicionamento das pernas e das costas, e que por conta desse fator poderia dar um golpe tão forte quanto os seus, só que muito mais rápidos.

Nisso, os ombros e braços ficavam conectados e próximos a lateral do corpo, sendo que ao invés de jogá-los para trás, você rotacionava o quadril para dar mais impacto.

Amora demonstrou séries de socos um atrás do outro, e realmente pareciam rápidos demais até para um gato conseguir reproduzir. 

— Existem cinco tipos de socos no boxe: o jab…

Ele lançou o punho direito, que estava mais a frente, em linha reta, rotacionando o pulso.

— …o direto…

Dessa vez foi o esquerdo, o que estava mais para trás, de repetir o movimento.

— …o cruzado…

O braço ficou em paralelo ao punho, projetando o punho num movimento de rotação numa curva fechada.

— …o gancho…

O braço fez um corte diagonal de baixo para cima.

— … e por fim o uppercut.

O punho subiu num corte vertical, em que parte do corpo era levemente jogado para frente e girado para o mesmo lado do braço. 

— Você deve conectar os cinco em sequências diferentes para se acostumar com a velocidade de cada um.

— Mas numa luta de verdade manter a postura que você mostrou e usar todos os golpes não é… difícil?

— Não se preocupe com isso agora, resolveremos no seu duelo comigo. Agora… volte a treinar.

Lucas acenou com a cabeça, enfaixou as mãos e praticou por um tempinho contra o vento, sendo constantemente corrigido por Amora quando errava.

"Não acredito que um gato tá me ensinando boxe."

Além dos golpes, tiveram outras coisas que ele aprendeu. A primeira era a maneira correta de bater num saco de pancadas.

O gato explicou que era errado bater de modo que lançasse o saco para longe. 

Quando se aproximava muito, a pessoa era forçada a esticar mais o antebraço e empurrá-lo, o que fazia o golpe não ter força total.

A distância correta era medida pelo limite do punho, em que não causava tanto balanço e simultaneamente possuía o mesmo impacto, assim era usado outro ataque para freá-lo se fosse longe demais.

Uma coisa apareceu na memória de Lucas, imediatamente seu rosto ficou bem tristonho.

— O que foi, garoto? — perguntou Amora.

— Amora… hah. — Parou e deu alguns passos para trás. — Eu perdi um negócio e ainda por cima quebrei uma parada que tinha acabado de comprar, só isso.

O gato não se importou, pois não precisava pagar imposto para sobreviver, diferente dos otários dos humanos.

Levou um tempo para Lucas usar cada soco da maneira correta, precisava matar os vícios de se movimentar e sempre manter uma postura boa para se mexer.

Amora deu algumas dicas de combinações, dando ênfase que se priorizava a velocidade acima dos outros atributos. 

Uma das mais fáceis combinações era jab, direto e cruzado. Outra muito boa e rápida era jab, jab, direto, só que não tinha a mesma potência do primeiro.

— Levante os punhos mais e incline o queixo, moleque! Sua guarda tem que sempre proteger a cabeça, que é a parte mais vulnerável do seu corpo!

“Creio eu que a outra cabeça que é a parte mais vulnerável.”

Lucas seguiu seu treino até terminar os dois primeiros requerimentos. Ele respirou fundo, suor descia aos montes da testa, sorrindo ao ver as telas flutuantes ao lado.

 

O atributo agilidade aumentou. (3x)

O atributo Técnica foi desbloqueado.

Boxe e Esgrima foram associados ao atributo Técnica

 

Requisitos para Maestria de Combate atendidos.

Ter um mestre

Aprender uma Arte Marcial ☑

Aprender o uso de uma das armas básicas ☑

 

Maestria em Combate

Aumenta a força de ataques baseado no atributo Técnica. 

Libera a criação de Artes Especiais.

 

Artes Especiais

Perícias criada pelo jogador que ganham bônus em outros atributos se usado. Para criar, abra os status e selecione a opção no canto inferior direito.

 

Era um sucesso atrás do outro. Não esperava desbloquear aquela aba tão cedo, principalmente por conta do primeiro requisito. 

Lucas tirou as luvas e partiu para os demais exercícios. Ele caiu diversas vezes nos skater jumps, sentiu as coxas queimarem nos pulos de corda e quase vomitou na corrida.

Depois de terminar os exercícios, era hora do shadowboxing. Ficou no centro do esconderijo, visualizando a sua frente o maldito troll.

Porém, ao invés de enfrentá-lo, uma coisa interrompeu sua concentração. Uma mão caiu sobre seu ombro, felpuda e com unhas largas.

Ele olhou lentamente por cima do ombro, e atrás dele estava um homem-gato de pelo roxo. 

— Ainda não, moleque, você vai me enfrentar antes.

Lucas engoliu seco e estufou os olhos. 

— Que…?

Um soco calou sua boca, dando início a uma aula infernal que o rapaz levaria para o resto da vida.



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