Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 37: Chute

O longo treino de Amora estava dando frutos, Lucas sentia a evolução num nível absurdo quando combinado com o Fluxo que dominou durante socos.

Além disso, ele não viu tanta utilidade nas ervas da manhã que sobraram, especialmente porque seu principal lugar de venda, a Scarlet Witch Bazar, estava fechada.

Por conta disso, transformou tudo em medicinas, enfim adquirindo a profissão alquimista. 

Essa profissão não tinha muitos benefícios exceto o de evolução de poções, e claro, a alta possibilidade de fortalecer a profissão por meio de fabricação massiva de medicinas.

Lucas encarou o teto depois de fechar as diversas telas em seu rosto. Fazia poucos dias desde que entrara na zona, mas queria deixar o morcego lá dentro por mais tempo.

Enquanto esperava, seguiria sua rotina normal, ou ao menos o que criou dela. Olhou a numeração do dia no celular, hoje seu irmão Levi viria para casa.

“E ele também vai perguntar se seria bom virar um raider. Engraçado que nunca vi a habilidade dele ou da mãe, né?”

Lucas saiu do quarto para trabalhar, como sempre, e para dar uma variada decidiu usar o Fluxo para passar o tempo mais rápido. Não tinha sentido deixar uma coisa chata demorar.

Terminado o expediente, ele deu uma caminhada pela cidade. Não tinha pressa para voltar, sabia exatamente como as coisas estariam em casa, e por isso queria quebrar um pouco a monotonicidade do dia.

No entanto, Lucas não sabia admitir que continuava frustrado. Isso se remoia mais e mais dentro de si, paranóico sobre quantas vezes teria que reviver esses dias.

Queria saber se esse era seu purgatório, um lugar com um jogo que o distraíria por toda a eternidade, reiniciando sempre que morria. 

Era irônico, igual ir num fliperama e ter fichas infinitas para gastar, quando a graça era porque você tinha um número limitado de vezes, forçando a se aprimorar ao máximo.

O caso de Lucas era oposta a essa ideia, podia jogar quantas vezes quisesse até ter passado por pura força bruta.

“O pior é que o Moon não disse qual meu objetivo. Então tenho que fazer coisas aleatórias até que apareça algum perigo? Hah… eu tô perdido, sinto que não estou forte o bastante e agora tô com medo de perder tudo por um vacilo…”

Havia pleno motivo para se afundar em seus pensamentos, o problema era encontrar uma justificativa para continuar. 

Se ele realmente tivesse chances infinitas, então não faria diferença a forma como se aproximava das coisas.

Lucas dobrou a esquina, suas mãos escondidas no bolso e os olhos cravados no chão. 

Uma pessoa vinha em sua direção, só pela forma como andava era discernível que queria se esbarrar nele. 

Uma esquiva rápida e o sujeito feioso passou, mas pelo visto aquela pessoa tinha outras intenções também.

— Opa, opa! — disse o homem, alguém provavelmente pouco mais velho que o rapaz. — Lucas? Você aqui, sério? 

Lucas se virou para a pessoa. Não reconheceu, mas ele tinha um cabelo curto e era meio musculoso, junto de uma cicatriz no lado direito do nariz.

— A gente se conhece? — Inclinou a cabeça para o lado, cavando o mais fundo possível na memória para reconhecê-lo. 

— Ué, esqueceu de mim, maninho? — O homem abriu os braços, indo na sua direção para abracá-lo. — É o Leon, mano, da escola. Vai dizer que esqueceu seu mano?

Esse nome trouxe uma reação involuntária do corpo de Lucas, como um medo automático que foi ativado no instante que ele disse o nome.

O mal pressentimento também surgiu, então ele deu um passo para trás e desviou daquele “abraço”. Tava mais no que na cara que a intenção era outra.

— Foi mal, não te conheço. Também tô com pressa e preciso voltar para casa, então fala comigo outra hora. — E assim, preferiu continuar o caminho ao invés de perder tempo com aquele cara. “Deve ser um cara da vida do outro Lucas. Nem na minha dimensão eu já conheci um Leon… exceto o youtuber.”

— Ah, qualé, vai voltar pra mamãe rápido assim? 

Esse comentário parou Lucas no meio do caminho. Atingiu exatamente onde queria, o ponto mais fraco do seu fracote favorito.

— Sabe, eu prefiro não deixar você voltar tão rápido, porque isso seria o mesmo que você fazia antes. Fugia e fugia direto… não é atoa que agora é um fracassado.

Os punhos de Lucas cerraram. Sua cabeça girou levemente, vendo-o por cima do ombro. Aquele olhar… ele não era normal. 

Era frio, mortífero, como de alguém que viveu inúmeras batalhas e voltou inteiro para contar história.

Leon não se intimidou, no entanto. Muitos fracotes demonstravam a mesma marra quando cutucava onde doía. Aquele era só mais um deles.

Esse foi um grande erro. O bully se enganou feio ao imaginar que o garoto que tanto sofreu na sua mão era o mesmo de antes.

Lucas soltou um grande suspiro, abrindo a boca e dizendo: — Beleza, já que é assim, bora aqui resolver logo essa parada. Tu não quer arranjar problema em público, quer?

— Ohhh, agora sim você tá falando minha língua. — Ele sorriu, cheio de malícia e sedento por uma boa surra. 

Os dois andaram juntos pelos becos até chegarem num canto mais afastado, uma intersecção dos demais com um espaço grande o bastante para se mexer livremente.

Lucas estalou o pescoço e alongou os braços, enquanto Leon mostrava toda sua marra com as mãos escondidas nos bolsos da calça.

Seria fácil lidar com ele, além do mais, durante todo o ensino médio aquele garoto foi sua principal vítima. 

Era engraçado vê-lo falhando em revidar, ou até mesmo se humilhando para que parassem de bater nele. 

Melhor ainda foi a inesquecível vez que ele recebeu uma rejeição horripilante da garota que gostava, tudo pelo mero fato que ela sabia exatamente que o pobre gorducho era a maior vítima de todos os valentões da escola.

Repetir a dose depois de anos sem se verem seria bom, tiraria um gosto ruim na boca após Leon ter levado bronca do chefe. 

Seu comportamento agressivo, combinada a uma habilidade meio perigosa, com certeza contribuía para o certo repúdio que a sociedade tinha com ele.

Lucas prendeu o moletom na cintura, era melhor para se mexer sem ele. A mochila ficou jogada no canto do beco e ele levantou as mãos na altura da cabeça.

— Aprendeu boxe? Ohhh, uma pena que não vai adiantar de nada. Aposto que você só ficou batendo nuns sacos de pancadas para aliviar o estresse, né? Bom, que tal tentar em mim? Kwehehehehehe, que nem nos velhos tempos, hein.

O rapaz acenou positivamente, aproximando-se lentamente dele. Era uma armadilha, os dois sabiam bem, especialmente Leo, pois sua habilidade era a de transformar partes do corpo em aço.

Ele usou isso muitas vezes para provocar Lucas, já que sempre que ele tentava bater nele, acertava uma parede dura que machucava sua mão. Quis fazer igual aos velhos tempos.

Os dois ficaram cara a cara. Lucas levantou a mão, imediatamente Leon ativou sua habilidade focada no peito. O punho veio em sua direção, mas nunca chegou.

Uma dor aguda mexeu no seu abdômen. O rapaz nunca iria bater em alguém se ele estivesse tão confiante de receber um soco, sua melhor opção era sempre um ponto fraco.

— AI CARALHOOOO!!!!

Um belíssimo chute no saco, com toda precisão e força necessária! Leon caiu com a mão entre as pernas, encolhendo-se e tremendo de dor.

— Tu acha que eu sou tão otário assim? — disse Lucas, dando um segundo chute, igual a bater numa bola de futebol. — Ué, não tava se achando o machão? Te manca, nunca que eu ia usar só uma arte marcial numa briga de rua! Se for pra bater e ganhar logo, que seja no saco!

Um terceiro chute e seu oponente foi completamente neutralizado. Enquanto Leon se retorcia de dor, o rapaz deu no pé.

Já bastava o restante dos problemas, vir um capeta atazanar sua vida era o que menos queria saber, especialmente agora que passava por uma série de crises existenciais.

Lucas passou por prédios e diversas pessoas com seus pets monstruosos, solitário como sempre e muito cauteloso no andar.

Estava querendo esquecer o cara de mais cedo e dissipar a adrenalina no cérebro, seria a melhor forma de não ser questionado por Amora mais tarde.

Enfim, seus pés chegaram na escadaria de casa. Sentiu um frio na espinha quando encostou no primeiro degrau, então rapidamente averiguou os arredores antes de entrar.

Odiava ser observado por sabe-se-lá quem, e quando vinha um ataque desses na nuca, a primeira coisa que fazia era procurar o culpado. 

Para seu azar, não achou, mas continuou alerta. Abriu a porta de casa e viu sua mãe e irmão sentados no sofá da sala, conversando alguma besteira como sempre.

Quando eles viram Lucas chegar, imediatamente os dois abriram um sorriso, e o melhor era ver o rosto de Levi brilhar só de seu irmão mais velho estar ali.

— Mano, demorou muito! — disse, levantando do sofá para abraçá-lo.

— Eu tive um problema no caminho, coisa boba que levou umas horas.

Retribuiu o abraço, fazendo um cafuné na cabeça dele. Os três se juntaram para assistir um filme, e antes de ficar muito tarde, Lucas e Levi foram ao quarto para jogarem.

O irmão mais velho colocou o bom e velho Mortal Com Bate, e como sempre foi durante a vida deles, ainda arrasava no jogo igual um ninja.

Escorpião contra Homem Gelo, a velha partida que os dois viviam fazendo quando colocavam o CD no console. 

No meio da jogatina, veio o comentário que Lucas esperava: — Irmão, você acha que eu me daria bem sendo raider?

Houve um momento de silêncio. O mais velho pensou em dizer a mesma coisa de novo, já que seu irmão realmente sofreria contra outros mundos a julgar pela fria realidade.

Ele escolheu uma abordagem diferente para isso.

— O que você poderia fazer, Levi?

— Lutar, ué. Eu devo conseguir dar umas pancadas num monstro dentro do portal…

— Não é isso, você sabe o que eu quis dizer. O que pode fazer para vencer uma raid?

— Curar os outros… curar a mim… Por que tá perguntando? Era pra sempre saber, ué, a gente sempre compartilhou isso.

Aquilo clicou uma coisa na cabeça de Lucas, que passou a processar como ele iria se virar num combate com uma habilidade de cura. Era realmente muito boa, mas sozinha poderia ser efetivamente inútil.

Do que adiantava ter uma habilidade de cura roubada se você não conseguisse chegar perto dos monstros ou sequer revidar os danos na mesma proporção? Seria uma batalha de atrito, e obviamente o curandeiro sem outras capacidades morreria rápido.

Pausou o jogo, seus olhos se cravaram em Levi.

— E acha que daria conta de tudo sozinho?

— Acho… sim, eu tenho certeza!

— Você tá enganado, Levi. — Lucas largou o controle com fio em cima do Poly 2. — Não tem como uma pessoa lidar com isso sozinho, especialmente você, que não tem nada para derrotá-los. Dê um soco num monstro fraco de um portal e você verá que não é o bastante pra matar ele, dê dois e talvez funcione, mas aí imagine que tem uma horda inteira deles lá dentro. Se você por acaso conseguisse entrar num time, quem sabe, mas sozinho é igual tentar suicídio.

Essas palavras agiram como veneno, mas o irmão sentiu como necessário. Eles voltaram a jogar como normal, sem nenhum comentário a mais ou a menos. 

Quando estava ficando tarde, Levi disse que era hora de voltar. Depois de dar um abraço em sua mãe e irmão, ele foi embora.

Lucas voltou ao quarto como de costume, vendo-o sair pelas ruas. No entanto, não o deixou sozinho, saltando da janela para os prédios para vê-lo chegar em casa em segurança.

Ainda pensava na tortura que seu irmão sofreu, jamais deixaria que aquilo acontecesse de novo, nem que tivesse que andar com ele para sempre.

Lucas até ponderou nisso, talvez seria melhor mesmo vê-lo todo dia após aquela noite, assim evitaria que os malditos que causaram tanto mal a ele vissem a luz do dia novamente.

Lucas só retornou para casa horas depois, agora ele sabia bem o que fariac om o tal morcego guardado dentro das zonas, tinha o trabalho perfeito para ele.



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