Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 50: Torneio

A facilidade com que Lucas derrubava as árvores de pinheiro daria inveja nos maiores causadores do aquecimento global. 

Armado com um machado de pedra rústico, os troncos caiam igual grama sendo cortada, tudo para o anão pouco atrás assistir com um semblante impressionado.

— Uau, garoto...

— Não fique impressionado ainda, é bem cedo pra ficar com essa cara! — Ele trouxe um conjunto de troncos nos ombros e os derramou na neve.

— Não é isso, é só que eu fico pensando por quantas sentenças de morte você passaria se fizesse isso na frente de um elfo.

— Elfos? Sério? Pensei que eles não existissem.

— Que estranho, em pensar que humanos também não existiam no meu mundo. Não é atoa que pensei que você era um dos raros casos de anões gigantes. 

Lucas deu uma risada quanto ao comentário, para no instante seguinte voltar a trabalhar. Hurrto observou as costas dele, uma parte de si querendo extrair quem diabos era aquela pessoa.

Estava claro nos seus olhos que o desenvolvimento físico e a forma como seus braços se mexiam indicavam uma prática incessante de determinado tipo e luta.

Por outro lado, ele não se demonstrava ser um guerreiro. Não possuía cicatrizes, seus calos não eram grandes e seu jeito era como o de um jovem qualquer, daqueles que se encontrava no campo. 

"Curioso. Sinto como se eu estivesse vendo um reflexo de mim há 100 anos, quando comecei a usar o Guia..."

Fazia tanto tempo que o anão via as coisas do passado como um tipo de vislumbre. Quando as primeiras missões vieram, o martelo viraram mãe e pai, sempre ao seu lado para o auxiliarem.

Ele forjou tantos, mas tantos itens, que até ferreiros imortais se curvariam perante sua maestria perante o aço e ferro. 

Claro, isso se devia a nada mais nada menos que o Guia, mas por causa da entidade que o deu, ele se tornou um ferreiro lendário. 

As coisas, no entanto, o desandar começou ao se aventurar um pouco mais além do que deveria. Havia pleno acesso para outras dimensões, e uma delas era a que estavam agora.

Resumidamente, Hurrto tentou lutar contra o leviatã, falhou de maneira ridícula e foi engolido vivo. Tudo estava acabado, até seu salvador vir e tirá-lo da barriga do monstro.

O mais curioso, no entanto, fora a mensagem recebida ao esperar pacientemente sentado no toco de madeira no meio da neve.

 

O deus do Fogo sente vontade de retribuir o salvador.

 

— É, eu também estou com vontade... — murmurou, vendo-o cortar os troncos em pedaços menores.

As anomalias aconteceram após o garoto pegar seu martelo e construir do nada, bloco por bloco, uma larga casa de madeira escura. 

Na verdade, aquilo pareceu pensado por um arquiteto profissional. Era um lugar humilde, mas bastante espaçoso para o agrado do ferreiro. 

Não era uma forja embutida dentro de um quarto, cada compartimento estava perfeitamente separado para se aproveitar.

Faltava somente uma boa companheira e três barris de cerveja para que fosse um homem feliz. Infelizmente, Lucas não entregaria nenhum desses.

Ele se afastou e abriu um túnel na terra, sem sequer usar picareta, acumulando materiais como ferro cru, carvão e pedra.

 

Todos os materiais para a construção de uma Estação de Forja foram adquiridos.

 

Bastou retornar e instalar a estação, que foi construída numa bomba de luz repentina. Os olhos de Hurrto quase saíram da caixa.

— Como você fez isso?!

— O sistema me deixa construir algumas coisas se eu tiver o que é necessário. Costumam ser coisas simples e de baixa qualidade, mas é bem útil.

— De menor qualidade? É por isso que você não quer construir sua armadura por conta própria?

— Aham. Sendo você um anão e com esse sistema, acho que consegue criar uma obra-prima sem esforço. Eu te entreguei essa casa porque assim termino meu favor.

Pensando melhor, era uma boa forma de manipulação, por mais que não gostasse tanto das intenções impostas ali.

Ele pegou algumas peças de carvão numa caixa de pedra e as jogou dentro da boca da fornalha. 

Ao invés de precisar acendê-la, o gesto de seu dedo apontando na direção dos minérios incendiou de imediato o carvão.

Hurrto estendeu a mão para Lucas, que entregou as escamas e dentes. As escamas viriam depois, os dentes que eram o problema.

Duros igual chumbo, precisava de marteladas e marteladas para fazer uma lasquinha. 

— Sabe me dizer quanto tempo pode demorar pra forjar? — perguntou Lucas, encostado no portal da entrada. 

— Uma semana, pelo menos. Até lá eu recomendo você arranjar algo para fazer, pois será bem entediante olhar um velho marretar sua armadura.

O rapaz acenou positivamente e o deixou sozinho. Sua mente se focou em agora conseguir suprimentos para não matar o velhote de fome. 

A primeira coisa que seus olhos encararam foi o enorme cadáver do Leviatã, teria como arranjar comida por diversas semanas desde que pegassem carne dele.

Pensando nisso, ele decidiu picotar o monstro até não sobrar nada, criando um novo item muito útil para o que queria.

 

Pernil de Peixe Gigante.

 

É carne de peixe, afetada especialmente por efeitos mágicos para nunca perecer. Não se sabe como a carne de criaturas mágicas funciona, mas de alguma forma elas mantém o gosto e sabor por um tempo indeterminado.

 

Era o bastante. Lucas colocou tudo dentro de uma caixa dentro da nova morada de Hurrto. Ao ver o velhote trabalhando focadamente nos dentes, uma coisa passou pela sua mente.

"Ele deve querer ir pra casa ou coisa assim. Bem, quando terminarmos aqui, eu o ajudarei a voltar. Hurrto tem família, filhos, até netos se duvidar..."

Era um pensamento ingênuo, pois nada disso se aplicava ao anão, infelizmente não sabia naquele momento como mais tarde seria tudo esclarecido de uma forma bizarra. 

Como não havia mais motivo para ficar ali, tudo o que lhe restou foi retornar após tirar o sangue esquisito nas roupas. Estava frio de doer, mas era melhor do que o calor infernal do Brasil nesses tempos.

De volta a casa, deparou-se com a empregada lhe esperando no meio do corredor. 

— Mestre, enfim está de volta — disse a empregada ao vê-lo. — Há uma pessoa tentando conversar com o senhor há algumas horas.

— Desculpa te colocar nesse problema. Quem estava chamando?

— O senhor Xing Xong.

Aquilo imediatamente chamou atenção. Lucas pediu para entregarem o telefone, que ele mesmo teria uma conversa com o homem.

Não demorou um segundo para que a ligação fosse atendida. A respiração acelerada e a estática na ligação parecia um mal sinal.

— Alô, Xing Xong? Me disseram que você queria conversar comigo. Não pude atender porque estava treinando, me desculpa, sério.

— Nã-não, está tudo bem, senhor Lucas! — Um som de explosão soou do outro lado. — Eu também peço desculpa se  houver um barulho muito incômodo, digamos que estou num lugar meio… instável.

— Xong, ele é o cara?! — gritou uma terceira pessoa, talvez o causador da explosão. — Deixa eu falar com ele! A ideia foi minha, então deixa!

— Zhao Zhang, relaxa o facho, não foi o que combinamos!

— Larga de ser chato, eu tenho que chamá-lo pela minha própria honra!

Lucas não entendeu esse cabo de guerra maluco da discussão entre os dois. Por segurança, ficou quieto até que um decidisse responder.

No caso, quem tomou a frente foi Zhang. Os dois não se conheciam, Lucas queria imaginar o que diabos queriam resolver com ele.

— Seguinte, vai ter um torneio livre daqui duas semanas. Eu queria te chamar pra participar.

— Tá… e  por que eu deveria ir? Vi esse torneio no começo do mês no instagram, a recompensa é uma grana boa, mas eu não preciso.

— Eu sabia que não estaria interessado, por isso quero propor uma aposta! 

— Apostar? Hm… o que exatamente?

— Se você perder o torneio, eu e o Xong queremos te apresentar uma pessoa que quer lhe conhecer e preciso que você me ajude a achar uma cura para uma doença;

— E se eu ganhar?

— Se ganhar, terá a oportunidade de conhecer o nosso mestre, um dos mais poderosos da arte do cultivo! Ah, e também terá a mão da mulher mais bonita da seita, a Ma Mei!

— Pera aí, como é essa história de mamar?!? — Lucas deu um pulo, querendo saber o porquê iam tão longe para algo assim. — Eu concordo em aceitar, mas apaga essa segunda parte, tudo bem?

— Sabia que aceitaria! Duas semanas, não esqueça! 

O telefone foi desligado. Após uma longa revirada de olhos e uma apertada de pálpebras, decidiu retornar as suas atividades normais... no caso se espreguiçar e fazer o que quisesse pelo resto do dia.

Era tedioso que os jogos eram capazes de fazer certas coisas da qual seriam impossíveis no seu estado atual. Destruir paredes de aço reforçado de dentro pra fora era uma dessas coisas.

As mãos de Lucas hesitaram em pegar o controle. Ele podia fazer isso com treino o bastante, certo? Bastava voltar a farmar por mais um tempo que era inevitável. Temeroso, deu um passo para trás.

"Eu tenho duas semanas, né?", pensou, olhando para a vista da janela da sala de jogos. "Nao sei quem vou enfrentar, muito menos sei se estou forte o bastante para vencer... Eu quero ficar mais forte, forte o bastante pra proteger todo mundo, então não faz sentido continuar no meu vício."

Seus punhos ficaram cerrados. Deu as costas, rumo ao seu quarto onde arrumaria diversas coisas para seu acampamento de duas semanas.

Numa Dungeon, o ganho de atributos era duplicado desde que estivesse na área de treino, o que queria dizer que a área permanente liberada daria o dobro de status desde que estivesse lá.

O que Lucas mais queria agora era exatamente isso, a sensação de força crescente, o poder na ponta dos dedos que lhe traria vitória absoluta sobre os outros. 

E claro, um pequeno gatinho roxo seria sua porta de entrada para alcançar pontos inimagináveis de força. 

— Amora — chamou o gato, que se lambia em cima do balcão da cozinha. — Eu quero que você me treine de novo, pra valer dessa vez!



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