Farme! Brasileira

Autor(a): Zunnichi


Volume 2

Capítulo 51: Mestre

Foi uma questão extremamente complexa dizer sobre a situação para Amora. Na vez anterior, ele nunca se abriu sobre o sistema, mas agora se encontrou na obrigação de abrir a boca.

Quando viu o gatinho deitado em cima do balcão da cozinha, Lucas pensou profundamente em como explicar ao seu mestre felino roxo que possuía um joguinho da vida real que lhe dava inúmeras habilidades e era a razão de sua força atual.

“Pensando assim, tudo isso soa estupido!”

Ele ficou num impasse de como iniciar a conversa. Deveria ser direto ao ponto? Ou nada faria sentido e seu mestre riria da cara dele? E se ele não acreditasse?

As dúvidas martelaram sua cabeça tantas vezes que não sabia se era a melhor escolha chamá-lo para seu treino de um mês numa dimensão paralela.

— Você está em conflito com alguma coisa — apontou Amora, depois de ter limpado a perna inteira. — Desembucha logo, sei que você quer participar de uma competição aí que seu colega chinês te disse. Provavelmente quer me chamar para treinar também e está com vergonha.

— É… espera, você aprendeu a ler mentes?

— Não, sua cara diz muito por si só. Deve ter puxado da mãe, já que os dois são super expressivos.

Lucas soltou um suspiro e coçou o cabelo, parecia que sempre deixava as coisas óbvias demais na visão dos outros.

— Sim, eu quero voltar a treinar, então queria te chamar… mas… hã… como eu posso explicar direito?

— Se enrolar demais falando, eu não aceitarei, porque pra mim até agora parece perda de tempo.

— Tá! Só se acalma, porque é mesmo difícil de explicar! É que… ah, já sei, eu quero que você venha comigo para te mostrar um lugar para treinar!

— Só isso…? Suspeito. Bom, vamos lá, não é como se eu tivesse algo para fazer nesse fim de mundo.

Amora resmungou um pouquinho. Não tinha nenhuma gatinha por perto que pudesse se enturmar, logo, só podia observar a janela o dia inteiro e comer quando colocavam ração.

Com um pulinho, caiu em cima da cabeça de Lucas, que só se importou com o fato de servir de cadeira para a bunda de um determinado alguém.

Enfim, seguiu na direção da porta, e de uma hora para a outra foi transportado de volta a masmorra do Leviatã. 

Aquilo aconteceu tão repentinamente que os pelos do gatinho se arrepiaram e ele teve que pular para o chão, mas logo se arrependeu e voltou ao corpo de Lucas porque estava frio.

Ele levou um tempinho apreciando a paisagem, sem entender como vieram para numa masmorra sem ser por meio de um portal, até que uma chave rodou em seu cérebro.

— Então era assim que você sumia!

— Como assim? — O rapaz inclinou a cabeça e ergueu a sobrancelha. — Eu nunca sumi, sempre estive andando por qualquer lugar.

— Você é burro, por acaso? — Amora se obrigou a dar um tapinha de gato na bochecha de Lucas. — Quem que desaparece sem levar celular ou até mesmo algum traço de cheiro no ar? Eu sempre percebia que você sumia assim que passava pela porta, rapazinho! Estava curioso para descobrir como fazia… mas isso é um pouco demais!

Lucas riu um pouquinho e tratou de acalmá-lo com uma explicação. Ele havia obtido um tipo de poder estranho meses antes que o permitia fazer diversas coisas diferentes.

Uma delas era as que passaram na tv, de conjurar elementos distintos e ser super forte, mas a principal era aquela diante de seus olhos, a de entrar em um “portal”.

— Não diria que é o nome ideal, porque não se parece com o terreno dentro de uma e também não tem as mesmas propriedades… Ao menos, essa não tem. Eu já matei o chefe daqui a um tempo, mas ela permaneceu da mesma forma e me deixou entrar e sair à vontade.

— Isso é praticamente uma dimensão de bolso… Que ridículo, parece até que estou conversando com um monstro. Tem certeza que você é o Lucas?

— Claro que sou! Se eu não fosse, então quem mais seria?

Ele sorriu fracamente. Sempre que mostrava seu poder a outra pessoa, era óbvio que se sentiriam chocados.

Como acabaram de chegar, decidiu rondar pelo ambiente e demonstrar um pouco do que tinha, como o lago gigante, a floresta de pinheiros e por fim uma cabana aconchegante.

Aquela cabana não era sua, isso ficou bem claro pelo tom de voz e pela forma de se comportar nos arredores.

Amora analisou aquele lugar, o par de chaminés no telhado parecia indicar que era usado junto de um tipo de fogão ou motor que dispensava muita fumaça.

De qualquer jeito, era até bonito ver um lugar desse no meio do nada. No entanto, quando olhou para trás, estranhou que a porta houvesse uma porta fechada lá ao invés da casa.

“Pensando melhor, qualquer uma das duas ficaria ruim na paisagem”. Em seguida, ele virou para o rapaz e perguntou: — Como tem uma porta diferente ali se saímos da porta de casa?

— Não sei, só sei que funciona assim. Defino um ponto de entrada e saio pela saída convencional que o sistema me dá.

Sistema, ele repetia bastante essa palavra. O gatinho ficou instantes pensando nessa tal coisa, imaginando como seria possível um humano conter tanto poder.

Se imaginasse, talvez esse “sistema” fosse algo auxiliar, uma muleta que reprimia certos fatores para melhor concentração de seu usuário.

Era pra ser algo assim, uma trava, além do mais, uma pessoa normal teria explodido com a quantidade de informações e propriedades sobrenaturais presentes em seu corpo.

— Bom, e quem está ali dentro?

— Hum… eu chamaria de “amigo”. Ele também tem um sistema como eu, é um ferreiro extremamente habilidoso. Só recomendo não ficar perto do quarto dele.

Assim que entraram, uma torrente de calor saiu pela porta. Aquilo faria o Brasil passar vergonha por estar em uma temperatura tão elevada.

Isso tudo porque a forja se situava logo na entrada, aquecendo grande parte da casa por conta própria.

Lucas fez uma careta pelo vento abafado batendo no rosto e tentou não se indignar pela saudade do friozinho de fora.

Depois de bater o chinelo cheio de neve e entrar, ele tratou de mostrar ao seu mestre felino o lado de dentro do tal quarto.

Lá, um velho anão martelava ferro, baforava rajadas de fogo da boca e fumaça escapava do nariz. Era uma visão exótica, mas com certeza ver um idoso sem camisa não era bonito.

— Oh…? — O ancião parou de repente, vendo as duas novas figuras entrarem. — Já faz um tempo, Sir Lucas. Quem é esse? Ele é bem forte para um gatinho.

— É meu mestre, chame-o de Amora. — Cheio de orgulho, pegou o gatinho e o colocou nas suas duas mãos unidas. — Aliás, que história de “Sir” é essa?! Me sinto velho quando diz isso!

— Eu aceito o tratamento de “Sir” no lugar dele! — respondeu o gatinho, com um largo sorriso e sentindo cada parte de seu corpo suar. — É um prazer, Sir!

— O prazer é todo meu, Sir Amora.

“Pelo menos é um bom sinal que os dois se darão bem”, pensou Lucas, acenando para Hurrto e fechando a porta para não incomodá-lo. — E aí, o que você acha? Bacana, né?

— Sim. É como um lugar de treino perfeito. Tem mais alguma surpresa adicional?

— O tempo aqui corre duas vezes mais devagar do que lá fora.

A carranca exposta no semblante do gatinho permaneceu da mesma forma por uma hora inteira. Só depois disso que ele se deu ao luxo de ajudá-lo em seu treino.

Lucas estava se aquecendo com uma corrida pelas redondezas. A neve fofa era melhor que areia, por mais que congelasse até a ponta dos dedos.

Quando Amora desceu as escadarias da casa, não demorou para que seu pupilo viesse junto, esboçando um grande sorriso e se sentindo envergonhado por revelar isso tão tarde.

— Quanto tempo você pretende treinar?

— Levando em conta o tempo desacelerado… Cerca de um mês, sem pausa.

— E o que pretende atingir nesse tempo?

— Quero liberar 50% da força do meu corpo. 

Essa meta era absurda. Lucas mal tinha chegado aos 40% ainda, e queria quase duplicar sua força original neste curto período?

Era insano, seria mais fácil acreditar que estava mentindo do que qualquer outra coisa. O rosto dele, por outro lado, não demonstrava incerteza.

Lembrava Ronaldo quando jovem, um garoto cheio de sonhos e uma vontade de conquistar o mundo. Ele tinha ido muito longe, mas quando aquele dia chegou, quando fogo surgiu de dentro do portal e ele desapareceu na onda de fumaça, as coisas não foram as mesmas.

Amora optou por caminharem mais um pouco antes de verdadeiramente começarem o inferno. Ficou claro que pegaria mais pesado dessa vez, se possível invocaria o inferno.

“Devo esquecer um pouco disso, lembrar demais me fará mais mal que bem… além de que, ela ainda não se recuperou do luto direito.”

Durante o caminho, o gato reparou que seu pupilo de repente parou e colocou a mão no queixo, e como não podia ler mentes, ele ficou tentando imaginar o que se passava naquela cabeça oca.

— O que foi? Pisou errado e agora tem uma pedra dentro do tênis?

— Não é isso, eu só estou pensando em como ficar mais forte ainda mais rápido nesse tempo que a gente tem…

— Ora, é só confiar. Não te disse que resolveria com um treino pesadíssimo?

— Sim, eu sei disso, só tô preocupado com outra coisa… Hah, esquece, não deve ser nada com que se preocupar.

Esse comportamento estranho marcou a linha de raciocínio de Amora. De todas as pessoas, Lucas ter alguém na sua cabeça era um caso raríssimo.

Se um dia pudesse descobrir quem fez essa façanha, ficaria até honrado.

Após se afastarem bastante da parte principal da região, eles chegaram a um tipo de clareira no meio da floresta de pinheiros.

Não havia um sinal de vida por ali, exceto pelo som artificial de algum pássaro ou pelo soprar do vento. Amora julgou que aquele lugar era perfeito.

Retransformando-se em um monstro felino humanoide, ele se virou para seu pupilo, que não parecia impressionado ou temoroso. Na verdade, estava bem calmo.

“Veremos depois que eu fizer isso!”

Um estalo, o vento quebrou com a velocidade de Amora, que seguiu na direção de Lucas e ergueu seu punho na direção dele. 

Não pretendia acertar, além do mais, se o fizesse mataria com certeza o garoto, mas o que aconteceu em seguida estremeceu um pouco sua base.

Por mais que tivesse levado o punho alguns centímetros para o lado, Lucas havia bloqueado o soco com a mão nua, sem demonstrar nenhuma expressão de dor.

— Podia ter avisado antes. Quase me matou do coração!

Amora deu um largo sorriso. Esse idiota sempre o surpreendia da maneira mais estúpida possível, simplesmente bloqueou um soco seu sem nem suar.

“Que tipo de monstro é você, Lucas?”



Comentários